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Relações raciais e o movimento de trabalhadores favelados de Belo Horizonte: A formação de uma consciência de classe e raça na política urbana (1959-1964)

Race Relations and Favela Workers’ Movement in Belo Horizonte: The Formation of Class and Race Consciousness within Urban Politics (1959-1964)

Resumo

O artigo analisa o movimento de favelas de Belo Horizonte e seu jornal O Barraco, evidenciando a formação da consciência de classe e raça nas práticas da Federação dos Trabalhadores Favelados nos anos 1950 e 1960. O texto divide-se em duas partes: numa primeira, enfatiza o enquadramento dado pela sociologia urbana aos associativismos de favelas e o silêncio sobre a questão racial em Belo Horizonte, enfocando as monografias e livros de autores que foram pioneiros na análise do espaço urbano e das mobilizações em favelas, na segunda metade do século XX; numa segunda, analisa o movimento social, evidenciando como a experiência dos trabalhadores favelados relacionava-se com os estigmas e controles sociais racializados na cidade e com uma cultura política operária dos anos 1960. A análise faz uso de monografias, estatísticas, jornais, fotografias, documentos acumulados e apreendidos pela polícia política e estatutos de associações civis para compreender a formação da consciência de classe e raça articulada nas práticas associativas e de protesto.

Palavras-chave
História de Belo Horizonte; favelas; movimento de trabalhadores favelados

Abstract

article analyzes the favela social movement in Belo Horizonte and its newspaper O Barraco, highlighting the formation of class and race consciousness in the practices of the Federação dos Trabalhadores Favelados [Federation of Favela Workers] in the 1950s and 1960s. The first part of the text discusses how favela associations have been framed in urban sociology, emphasizing the silence about racial issues in studies about Belo Horizonte, particularly monographs and books written during the second half of the 20th century by pioneers of the analysis of urban space and mobilizations in favelas. The second part focuses on the social movement, showing how the experience of favela workers was related to racialized stigmas and social controls in the city and to a 1960s working-class political culture. The analysis makes use of monographs, statistics, newspapers, photographs, documents accumulated and seized by the political police, and civil association statutes to understand the formation of class and race consciousness articulated in associative and protest practices.

Keywords
Belo Horizonte history; favelas; favela workers’; movement

No ciclo de protestos de 1959 a 1964, o movimento de favelas de Belo Horizonte organizou-se em torno das Uniões de Defesa Coletiva (UDCs) e da Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte (FTFBH). Tal movimento social reivindicava o direito de moradia, reclamava melhoramentos urbanos e propunha uma cidadania e uma gramática política afinadas com as propostas de reforma urbana. O jornal O Barraco foi produzido por associações civis ligadas à FTFBH. O primeiro número foi mimeografado e circulou em janeiro de 1962, sendo distribuído em assembleia do movimento de favelas e em organizações sindicais que se mobilizavam pelas reformas urbana e agrária, bem como pela regularização do 13º salário como direito. O jornal, em princípio mensal, passou por transformações, chegou a ser publicado quinzenalmente, e teve seu fim em 1964.

A FTFBH chegou a congregar 55 associações civis, em diferentes favelas, e estas sofreram intervenção policial em função do golpe civil-militar e de um inquérito instituído na conjuntura de vigência do Ato Institucional nº 1, de 1964,1 1 BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964. Dispõe sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações introduzidas pelo Poder Constituinte originário da revolução Vitoriosa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm>. Acesso em: 18 mar. 2021. na “operação limpeza” que criminalizou a luta pela reforma urbana e pelo “direito de morar” em Belo Horizonte. O periódico era um dos vetores da articulação de uma gramática da vida pública que politizava a injustiça social no desenvolvimento urbano-industrial, expressando uma consciência de classe e raça elaborada nas práticas sociais e políticas dos trabalhadores favelados.

Apresentar-se como “favelado” no espaço público era ser visto como “pária”, associado ao estereótipo das classes perigosas e da malandragem, numa representação que envolvia estigmas de classe e raça no cotidiano urbano. Os movimentos sociais de favelas, contudo, nem sempre foram analisados pelo viés das relações raciais e das implicações do racismo na estrutura urbana das cidades brasileiras. Ainda que o tema seja abordado em diversas publicações recentes, as relações raciais constituem um ponto cego das análises que enfatizam os diferentes contextos de mobilização da luta pelo direito à cidade e da elaboração das memórias das favelas (LIMA, 1989LIMA, Nísia Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro: Políticas do Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.; PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mário. Poder público e favelas: Uma relação delicada. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi (Org.). Cidade: História e desafios. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002, p. 238-255.; FISCHER, 2008FISCHER, Brodwyn Michelle. A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Stanford: Stanford University Press, 2008.; OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Rio de Janeiro: E-papers, 2010.; 2018OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. Associativismos de trabalhadores favelados no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1954-1964). Estudos Históricos, v. 31, n. 65, p. 349-368, set./dez. 2018.; AMOROSO, 2012AMOROSO, Mauro. Caminhos do lembrar: A construção e os usos políticos da memória no Morro do Borel. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2012.; GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: História e direito. Rio de Janeiro: Pallas; Ed. PUC-Rio, 2013.; PESTANA, 2016PESTANA, Marco Marques. A União dos Trabalhadores Favelados e a luta contra o controle negociado das favelas cariocas (1954-1964). Rio de Janeiro: EdUFF, 2016.).

Essa ausência evidencia a construção dos enquadramentos da história e das ciências sociais, que consideraram o conceito de raça como uma noção pré-científica para análise das relações sociais - um cânone antirracista (arracialista), mobilizado em variadas tendências e paradigmas de análise, que ganhou adeptos e fez escola na profissionalização das duas disciplinas, mas que não eliminou o racismo da experiência social cotidiana.2 2 Assim como Osmundo Pinho (2008), Antônio Guimarães (2005) e Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura (2010), partilhamos da ideia de que as relações raciais são um tópico presente na constituição e na profissionalização das ciências sociais e da história, ganhando vários significados nos paradigmas de análise do social ao longo do século XX. Logo, a maior evidência que o debate tem ganhado nas últimas décadas, a partir das políticas de ações afirmativas e das discussões sobre a decolonialidade e o pós-abolição, deve ser vista em perspectiva, recuperando a bibliografia brasileira construída sobre o tema e compreendendo que parte do cânone das humanidades na segunda metade do século XX foi construído a partir da perspectiva do antirracismo arracialista. Tal silêncio também mostra a forte influência de uma historiografia republicana que tomou a Abolição e a Proclamação da República como marcos da modernização e da construção de uma sociedade de classes que havia superado o escravismo (NEGRO; GOMES, 2006NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio. Além de senzalas e fábricas: Uma história social do trabalho. Tempo Social, v. 18, n. 1, p. 217-240, jun. 2006.; NASCIMENTO, 2016NASCIMENTO, Álvaro Pereira. Trabalhadores negros e o “paradigma da ausência”: Contribuições à história social no Brasil. Estudos Históricos, v. 29, n. 59, p. 607-626, set./dez. 2016.).

Esse quadro também explica por que os estudos urbanos produziram um debate vigoroso sobre a questão social e o direito à cidade, mas estabeleceram um silêncio sobre as relações raciais. A história social dos de baixo, ultimamente, vem sendo renovada por uma voga de estudos que enfatizam a trajetória dos afro-brasileiros em diferentes contextos sociais, racializando as sociabilidades e compreendendo as agências negras na história. Esses trabalhos evidenciam uma multiplicidade de trajetórias e formas de organização e solidariedade na desagregação da sociedade escravista e no Brasil República, e questionam o paradigma da “anomia social” dos negros no pós-abolição - a ideia difundida de que os afro-brasileiros não estavam preparados para a modernização e a modernidade do capitalismo no século XX (CHALHOUB, 1996CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.; ALBUQUERQUE, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra. O jogo da dissimulação: Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.; DOMINGUES, 2019DOMINGUES, Petrônio. Protagonismo negro em São Paulo: História e Historiografia. São Paulo: Ed. SESC, 2019.; PEREIRA, 2019PEREIRA, Josemeire Alves. Para além do horizonte planejado: Racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX). Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.; FISCHER, 2020FISCHER, Brodwyn Michelle. A ética do silêncio racial no contexto urbano: Políticas públicas e desigualdade social no Recife, 1900-1940. Anais do Museu Paulista, v. 28, p. 1-45, 2020.).

Além de problematizar as relações raciais nas lutas urbanas, este artigo situa as favelas de Belo Horizonte na historiografia da informalidade urbana do Brasil e da América Latina. Normalmente, a história social das favelas no Brasil está centrada na análise do Rio de Janeiro, sem considerar as trajetórias e experiências de outros espaços urbanos (VALLADARES; MEDEIROS, 2003VALLADARES, Lícia do Prado; MEDEIROS, Lídia. Pensando as favelas do Rio de Janeiro (1906-2000): Uma bibliografia analítica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.; BRUM; KNAUSS, 2012BRUM, Mário; KNAUSS, Paulo. Encontro marcado: A favela como objeto de pesquisa histórica. In: MELLO, Marco Antônio da Silva et al. (Org.). Favelas cariocas: Ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, p. 121-140.). Belo Horizonte é uma das cidades de destaque nos processos de modernização e modernidade, sendo um dos centros urbanos que mais cresceu e ganhou evidência no cenário político de meados do século XX. Com uma memória social associada ao fato de ter sido uma “cidade planejada”, nem sempre a história das favelas da capital mineira se tornou locus de análises da história social e urbana.

Em Minas Gerais, o topônimo “Favela” apareceu em 1897, ligado à construção da nova capital do estado, em substituição a Ouro Preto. A Comissão Construtora da Nova Capital foi instituída em 1891, e Belo Horizonte foi inaugurada em 1897, como novo centro político e administrativo de Minas Gerais. A migração para o antigo Curral Del’Rey, distrito de Sabará, e a ausência de moradias para os trabalhadores culminaram na formação de uma área que foi identificada como Favela, no Alto da Estação; em 1902, a área foi removida. Ao longo da Primeira República, o substantivo comum “favela” vinculou-se às imagens das “cafuas” e “vilas” e se estabeleceu a partir de comparações com a capital da República, para designar áreas de pobreza urbana e informalidade urbana e para reproduzir estigmas de classe e raça no debate sobre as transformações urbanas. A invenção da expressão “favela” para designar a pobreza nas cidades e a formação de um status no espaço urbano tem uma trajetória específica no Rio de Janeiro (ABREU, 1994ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruire une histoire oubliée: Origine et expansion initiale des favelas de Rio de Janeiro. Genèses, n. 16, p. 45-68, juin 1994.; CHALHOUB, 1996CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.; VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: Do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.; CAMPOS, 2005CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: A produção do espaço criminalizado no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.; MATTOS, 2008MATTOS, Romulo Costa. Pelos pobres!: As campanhas pela construção de habitações populares e o discurso sobre as favelas na Primeira República. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.; GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: História e direito. Rio de Janeiro: Pallas; Ed. PUC-Rio, 2013.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Trabalhadores favelados”: Identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; 2020aOLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. A revista O Observador Econômico e Financeiro e as favelas cariocas: Fotografia documental e os regimes de representação da pobreza urbana (1942-1953). Revista Maracanan, n. 24, p. 90-114, 2020a.), e ganhou sentido e percursos próprios em Belo Horizonte, assim como as lutas e experiências dos moradores para requalificar essa representação social (GUIMARÃES, 1991GUIMARÃES, Berenice Martins. Cafuas, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Trabalhadores favelados”: Identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; 2020bOLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. As “favelas”, uma invenção cultural e política: Uma análise comparada da representação da pobreza urbana no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1897-1920). Revista de História Comparada, v. 14, n. 1, p. 123-152, 2020b.; PEREIRA, 2019PEREIRA, Josemeire Alves. Para além do horizonte planejado: Racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX). Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.).

Este artigo está organizado em duas partes. Na primeira, realiza-se uma revisão dos enquadramentos dos movimentos sociais de favelas de Belo Horizonte nos estudos urbanos, situando o silêncio sobre a questão racial. Na segunda parte, analisamos o movimento social e o jornal O Barraco, evidenciando sua trajetória e as imagens e experiências que racializaram a gramática das injustiças experimentadas na cidade. As consciências de classe e raça enfocadas no artigo são analisadas como expressões da vida e da luta política no espaço urbano de Belo Horizonte, na tentativa de se construir a identidade do trabalhador favelado no espaço público.

O corpus de documentos analisado na primeira parte é constituído por livros e obras das ciências sociais que interpretaram os movimentos de favelas em Belo Horizonte. Já a segunda parte enfoca, principalmente, os jornais Binômio e O Barraco. Ambos os periódicos foram centrais nas mobilizações políticas na Belo Horizonte dos anos 1960. Identificados ao campo das esquerdas e aos movimentos populares na cidade, os jornais abriram-se aos discursos políticos do ciclo de protestos pelas reformas de base. Nem sempre essas fontes foram analisadas enfatizando a forma como a gramática das injustiças sociais e a das raciais se cruzam na compreensão das sociabilidades e da luta política da década de 1960. O artigo contribui, justamente, para a construção dessa perspectiva.

História da análise do movimento social de favelas e das relações raciais no espaço urbano

As análises dos movimentos sociais de favelas são fortemente marcadas pelo referencial da sociologia urbana. Os primeiros trabalhos acadêmicos que envolviam análises do associativismo de favelas em Belo Horizonte foram realizados na década de 1960. As monografias Apontamentos sociográficos sobre a “Favela dos Marmiteiros”, de Luís Silva (1960)SILVA, Luiz. Apontamentos sociográficos sobre a “Favela dos Marmiteiros”. Belo Horizonte: Departamento de Bairros e Habitações Populares, 1960., e Morro do Querosene: alguns aspectos da formação de uma favela, de Hiroshi Watanabe e Welber Braga (1960)WATANABE, Hiroshi; BRAGA, Welber da Silva. Morro do Querosene: Alguns aspectos da formação de uma favela. Belo Horizonte: Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais, 1960., analisavam duas favelas que se tornaram focos de disputas fundiárias entre os moradores de favelas e outros agentes do mercado imobiliário e que foram importantes como centros da luta dos trabalhadores favelados. Foram trabalhos pioneiros na introdução de métodos sociológicos para compreensão da modernização de Belo Horizonte na segunda metade do século XX e na análise das transformações da estrutura urbana, das relações entre centro e periferia e da luta política em curso.

Os estudos monográficos vinculavam-se à construção das ciências sociais na Universidade de Minas Gerais, quando se sistematizavam métodos para compreensão da “realidade brasileira” que suspendessem os julgamentos das teorias evolucionistas e racialistas do pensamento social. No antirracismo dessas análises, eliminavam-se a noção social de raça e o debate das relações raciais, que eram vistas como temas pré-científicos, e priorizavam-se a categoria de classe social e o debate sobre fluxos migratórios e estruturas urbanas na modernização da cidade. No intento de suprimir um traço teórico evolucionista e criar uma sociologia autônoma em relação ao campo da biologia e a suas implicações para a análise do social, produziram-se análises complexas e importantes sobre a sociedade, a economia e o espaço urbano de Belo Horizonte, mas se eliminou uma categoria de análise do social que era importante para compreender as experiências sociais e lutas dos moradores em favelas. Essas análises sociológicas observavam os associativismos da UDC da Vila dos Marmiteiros (Vila São Vicente) e do Morro do Querosene (Vila São José) como pouco relevantes na luta política, por representarem “atraso” e aspectos tradicionalistas da cultura de migrantes rurais no espaço urbano.

Nos anos 1970 e 1980, outra análise sociológica marcou a compreensão da luta dos trabalhadores favelados: o livro Lutas Urbanas em Belo Horizonte, escrito por Maria Mercês Somarriba, Maria Gezica Valladares e Maria Rezende Afonso (1984SOMARRIBA, Maria das Mercês Gomes; VALADARES, Maria Gezica; AFONSO, Mariza Rezende. Lutas urbanas em Belo Horizonte. Petrópolis: Vozes; Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984.). A obra, produzida na conjuntura da redemocratização, enquadrava as associações e a Federação de Trabalhadores Favelados como parte dos movimentos sociais e da luta por bens de consumo coletivo em Belo Horizonte. Na visão das autoras, a cidade era organizada por uma desigualdade estrutural: os bairros próximos ao centro histórico e político eram espaços privilegiados para acesso aos equipamentos públicos de infraestrutura construídos pelo poder público; e os bairros, vilas e favelas periféricas, espaços de privações e ausências. Nesse cenário de desigualdades, a pesquisa investiu em apresentar uma análise sócio-histórica do aparecimento das associações de moradores e das lutas urbanas.

Ainda que impulsionadas pelas expectativas de transformação social e democratização dos anos 1980, as autoras da investigação eram pessimistas quanto ao destino das lutas urbanas em Belo Horizonte. Viam-nas marcadas pela fragmentação, pelo baixo vínculo com as lutas sindicais e operárias, e pelo “populismo” nas relações de patronagem e clientela construídas pelos associativismos com os políticos profissionais. Na bibliografia dos movimentos sociais urbanos, a análise dos trabalhadores e suas experiências ficavam relacionadas a marcos estruturalistas de análise do social e pela noção de classes populares, que traçava de forma genérica a posição dos de baixo na sociedade brasileira. Assim como na pesquisa anterior sobre os associativismos de favelas, a categoria social de raça e o debate das relações raciais também estavam suprimidos, fato justificado pelo consenso antirracialista do marxismo, que via o conceito de raça como pré-científico, a despeito da importância dos trabalhos de Florestan Fernandes (1965)FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 2 v.. São Paulo: Dominus, 1965. nas universidades e meios acadêmicos, e dos vários influxos e aproximações entre a tradição marxiana e a luta antirracista a partir dos intelectuais ligados ao movimento negro nos anos 1970.3 3 Nos anos 1970 e 1980, vários cientistas sociais situados no campo do marxismo escreveram obras em diálogo com Florestan Fernandes e críticas ao colonialismo, destacando-se Abdias Nascimento (1978), Clóvis Moura (1988), Lélia Gonzalez (2020) e Carlos Hasenbalg (2005). Os dois últimos também produziram um importante trabalho em coautoria, Lugar de negro (1982).

Tais análises interditaram a discussão das relações raciais no espaço urbano de Belo Horizonte e tinham como parâmetro um antirracismo arracialista. Vários autores salientam uma virada antirracista ocorrida na formação do discurso nacional e das ciências sociais, ao longo do século XX, que considerou o conceito de raça como impróprio para a compreensão da questão social. Argumentou-se que tal conceito aludia a teorias evolucionistas, e ele foi particularmente questionado após a Segunda Guerra Mundial, sob o impacto dos horrores do Holocausto e do fascismo (SKIDMORE, 2012SKIDMORE, Thomas. Preto no branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012.; SCHWARCZ, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.; GUIMARÃES, 2005GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: 34; FUSP, 2005.; PINHO, 2008PINHO, Osmundo. Introdução. In: SANSONE, Livio; PINHO, Osmundo (Org.). Raça: Novas perspectivas antropológicas. Salvador: Associação Brasileira de Antropologia; EDUFBA, 2008, p. 9-25.; MAIO; SANTOS, 2010MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (Org.). Raça como questão: História, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; FAPERJ, 2010.; MUNANGA, 2019MUNANGA, Kabenguele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.). Todavia, ao incorporarem outras teorias sociais que desviavam do tema das relações raciais para explicar a sociedade brasileira, esses estudos perderam a dimensão de como a construção social das noções de raça instituiu as relações de poder, as distinções entre natureza e cultura e a construção das identidades e das alteridades na modernidade.

Nesse sentido, os autores pioneiros das análises das favelas e dos movimentos urbanos em Belo Horizonte incorporavam narrativas embranquecidas sobre a cidade. A história urbana de Belo Horizonte é fortemente marcada pelo discurso de fundação e modernidade constituído pela República. A construção da nova capital planejada, os padrões urbanísticos e estéticos higienistas, e a modernidade de prédios e edifícios públicos sintonizados com as vanguardas artísticas europeias são traços celebrados na memória e na história da cidade, que retoma o marco de fundação em 1897 como um ponto zero para refletir sobre as relações tecidas no território urbano. As considerações sobre as experiências de escravização e liberdade, que conformam o território de Minas Gerais na passagem do século XIX ao XX, ficam obscurecidas nessas narrativas. O mesmo acontece com a trajetória da população negra na formação do espaço urbano de Belo Horizonte (PEREIRA, 2019PEREIRA, Josemeire Alves. Para além do horizonte planejado: Racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX). Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.).

Deve-se observar, ainda, que as próprias estatísticas das favelas de Belo Horizonte, construídas em meados do século XX e centrais nas análises sociológicas, incorporavam essa narrativa republicana do espaço urbano. Afirmavam a existência da primeira favela em 1897, na fundação da cidade, e demarcavam os anos 1940 e 1950 como o momento de aumento das favelas, com a chegada dos migrantes rurais (ver Tabela 1). Construíam, assim, uma narrativa em que a “cidade planejada” e seu projeto de modernidade eram implodidos pela desordem dos migrantes nas periferias, vilas e favelas. O migrante de Belo Horizonte experimentava um estigma social e racial atrelado à construção da imaginação social da pobreza e das classes perigosas, mas não era racializado nos censos de favelas e nas análises do social, em função do antirracismo arracialista e das narrativas republicanas embranquecidas.

Tabela 1
População, domicílios e favelas nos censos do IBGE em Belo Horizonte

Os censos de favelas de Belo Horizonte dialogavam com a formação da categoria estatística “favela” nos recenseamentos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), mas não incorporavam a questão da “cor”/“raça” em seu inquérito. Diante da expansão da formação de lugares de moradia informais e pobres, em várias localidades urbanas, os agentes censitários tinham dificuldade de delimitar o que poderia ser constituído como uma favela. Em 1950, Alberto Guimarães estabeleceu como medida o número de 50 domicílios em uma área ilegal e sem infraestrutura (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Trabalhadores favelados”: Identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; MOTTA, 2019MOTTA, Eugênia. Resistência aos números: A favela como realidade (in)quantificável. Mana, v. 25, n. 1, p. 72-94, jan./abr. 2019.; GONÇALVES, 2020GONÇALVES, Rafael Soares. Censos e favelas cariocas: Evolução de um conceito censitário. Anais do Museu Paulista, v. 28, p. 1-30, 2020.). Belo Horizonte seguiu esse paradigma de identificação nos recenseamentos de favelas elaborados pelas agências locais do IBGE em 1955 e 1965; todavia, ainda que vinculados ao sistema estatístico nacional, os inquéritos das favelas da cidade não incorporaram a noção de “cor”/“raça”, que balizou as estatísticas cariocas.

Essa negação das relações raciais no espaço urbano torna-se ainda mais importante quando se observa que as estatísticas das favelas cariocas vieram a ser centrais para a discussão do antirracismo. Na obra O negro no Rio de Janeiro, publicada pela primeira vez em 1953, Luís Costa Pinto (1998)PINTO, Luiz de Aguiar Costa. O negro no Rio de Janeiro: Relações de raças numa sociedade em mudança. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1998. utilizou os censos de favelas para mostrar a “linha de cor” nas relações sociais construídas no espaço urbano. O sociólogo foi um dos autores de estudo patrocinado pela UNESCO na década de 1950 para compreender as relações raciais, e era crítico à ideologia da democracia racial e à visão idílica da harmonia racial no Brasil, construída em contraposição aos Estados Unidos e à experiência do nazismo. Ao contrário do arracialismo das ciências sociais e da retórica da democracia racial que balizava a representação internacional do Brasil no pós-Segunda Guerra Mundial, Costa Pinto mostrava que a modernização do Rio de Janeiro acentuou o racismo numa sociedade em mudança, criou barreiras à ascensão social dos negros e gerou discriminações que afetavam a subjetividade construída no espaço urbano (MAIO, 1998MAIO, Marcos Chor. Costa Pinto e a crítica ao “negro como espetáculo”. In: PINTO, Luiz de Aguiar Costa. O negro no Rio de Janeiro: Relações de raças numa sociedade em mudança. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1998, p. 17-51.).

O livro O negro na cidade do Rio de Janeiro não era isolado, mas uma vertente da institucionalização das ciências sociais no Brasil, que também se expressaria com Oracy Nogueira (1998)NOGUEIRA, Oracy. Preconceito de marca: As relações raciais em Itapetininga. São Paulo: Edusp, 1998. no estudo sobre Itapetininga (SP), Roger Bastide e Florestan Fernandes (1955)BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo: Ensaio sociológico sôbre as origens, as manifestações e os efeitos do preconceito de côr no município de São Paulo. São Paulo: Anhembi, 1955. em São Paulo (SP), e com Donald Pierson (1945)PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: Estudo de contacto racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. e Thales de Azevedo (1955)AZEVEDO, Thales de. As elites de côr: Um estudo de ascensão social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955. em Salvador (BA). Além disso, na década de 1950, o Teatro Experimental do Negro (TEN) e os intelectuais vinculados ao movimento estético e social, principalmente Abdias Nascimento e Guerreiro Ramos, criticaram o racismo na sociedade brasileira, lutaram pela aprovação de uma legislação contra a discriminação racial (a chamada Lei Afonso Arinos, de 1951), e tensionaram o debate acadêmico. Eles denunciaram que o “problema negro” era um efeito da “patologia social do branco”, que incorporava ideais colonialistas e era incapaz de compreender a experiência negra no Brasil (GUIMARÃES, 2005GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: 34; FUSP, 2005.; 2021GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Modernidades negras: A formação racial brasileira (1930-1970). São Paulo: 34, 2021.; MAIO; SANTOS, 2010MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (Org.). Raça como questão: História, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; FAPERJ, 2010.; ALBERTO, 2017ALBERTO, Paulina L.. Termos de inclusão: Intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Ed. Unicamp, 2017.). Existe um silêncio na sociologia do espaço urbano e das favelas em relação à noção das relações raciais, que parece perpetuar as ideologias do embranquecimento na sociedade brasileira, a crença no ideal da ausência de preconceitos e da harmonia racial, ou a visão do conceito de raça como algo pré-científico e ultrapassado para a análise do social. A eliminação do conceito de raça da análise sócio-histórica não suprimiu, contudo, as experiências racializadas na construção dos territórios urbanos e os desdobramentos políticos e de consciência desse fato social.

Nas análises sociológicas do associativismo de favelas de Belo Horizonte, esse silêncio perpetuou perspectivas pouco atentas a experiências de luta política dos moradores e gerou análises pessimistas em relação à consciência dos trabalhadores e/ou dos “populares”. O pessimismo em relação às lutas das favelas, seja nos estudos de viés mais funcionalista e monográfico de uma região da cidade, seja na análise marxista dos movimentos sociais urbanos, sinaliza a complexidade das análises construídas pelas ciências sociais brasileiras para pensar o direito à cidade e também a importância de uma certa tradição de reflexão sobre o lugar do “povo” na história do Brasil e de sua modernização. Nos anos 1980, Paoli e Sader (1986PAOLI, Maria Célia; SADER, Eder. Sobre classes populares no pensamento sociológico brasileiro: Notas de leitura sobre acontecimentos recentes. In: CARDOSO, Ruth C. L. (Org.). A aventura antropológica: Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 39-67., p. 42) fizeram uma análise da produção das ciências sociais e de suas interpretações e observaram a permanência de uma imagem do “povo” e das classes populares como alteridade negativa da sociedade. Segundo esses autores, “a visão de uma sociedade fragmentada e em decomposição diante dos imperativos históricos de mudança social, esta representação do ‘povo’ e do ‘caráter popular’ brasileiro, inventou sua fórmula que fez eco por todo pensamento intelectual do século XX, apesar da crítica que se fez aos seus termos”.

Essas análises funcionalistas da cidade e as marxistas tinham pouca atenção às experiências e agências sociopolíticas dos trabalhadores, reproduzindo paradigmas estruturalistas que, normalmente, não eram abertos à compreensão da heterogeneidade dos modos de vida e das lutas dos trabalhadores (FERREIRA, 2001FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: O populismo na política brasileira. In: FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história: Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 59-124.; GOMES, 2001GOMES, Angela de Castro. O populismo e as ciências sociais no Brasil: Notas sobre a trajetória de um conceito. In: FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história: Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 17-57.; REIS FILHO, 2001REIS FILHO, Daniel Aarão. O colapso do colapso do populismo ou a propósito de uma herança maldita. In: FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história: Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 319-377.; DUARTE; FONTES, 2004DUARTE, Adriano; FONTES, Paulo. O populismo visto da periferia: Adhemarismo e janismo nos bairros da Mooca e São Miguel Paulista (1947-1953). Cadernos AEL, v. 11, n. 20/21, p. 87-121, 2004.). E, apesar de evitarem a categoria raça para se afastarem do evolucionismo e do discurso raciológico que perduraram no pensamento social brasileiro no início do século XX, essas análises reproduziam visões pessimistas em relação aos grupos “populares” e não brancos, identificando-os como “atrasados” e pouco capazes de articulação de consciência e lutas políticas. A trajetória do jornal O Barraco e dos movimentos de trabalhadores favelados nos ajuda a refletir sobre aspectos da cultura e das relações sociais que ficavam obscurecidas por esse paradigma de análise, evidenciando a complexidade das experiências dos trabalhadores nas favelas e dos modos como se colocavam no espaço público e reivindicavam direitos.

O movimento de trabalhadores favelados em Belo Horizonte e o jornal O Barraco

O estatuto da Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte foi registrado em cartório civil em 1960, após a sua fundação, em 1959. Diferentemente das organizações sindicais, que eram reguladas pelas sociabilidades construídas nos locais de trabalho e pela legislação trabalhista, as associações de moradores estabeleceram-se a partir da cidadania e da liberdade civil previstas no Código Civil de 1916 e na Constituição de 1946. Balizavam-se em sociabilidades construídas nos lugares de moradia, diante da percepção de que era necessária a “união” para obter melhorias e expandir a reivindicação do direito à cidade. O estatuto da FTFBH era claro em afirmar o intento de reunir o maior número de pessoas nas favelas, “sem preconceito de ideias e credos políticos”, tendo em vista a conquista de “melhorias” e do “direito de morar”.5 5 CARTÓRIO JERO OLÍVIA, Belo Horizonte. Estatuto da Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte, 27 jan. 1960.

As associações mostravam os vínculos de solidariedade e de tensão construídos dentro e fora das favelas na formação do território de moradia, num grupo que estava em expansão e era excluído da cidadania e do direito à cidade. Se considerarmos as estatísticas da década de 1960 (ver Tabela 1), cerca de um quinto da população de Belo Horizonte vivia em favelas, experimentando a informalidade da moradia, a ameaça de despejo e a precarização dos serviços e equipamentos públicos sanitários, educacionais e culturais. Em 1956, numa reforma do Código Urbano de Belo Horizonte, definiu-se um status jurídico para as favelas, legitimando a proibição da realização de melhoramentos e enfatizando a repressão à construção de novas moradias e reformas nas antigas residências.6 6 BELO HORIZONTE. Lei nº 572, de 12 de setembro de 1956. Altera as multas impostas por infração ao regulamento de construções quando houver exploração de favelas e dá outras providências. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/mg/b/belo-horizonte/lei-ordinaria/1956/58/572/lei-ordinaria-n-572-1956-altera-as-multas-impostas-por-infracao-ao-regula mento-de-construcoes-quando-houver-exploracao-de-favelas-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 18 mar. 2022. A legislação urbana propugnava a “desfavelização” da cidade, através da fiscalização e de ações de despejo, e respondia a interesses da incorporação imobiliária, que via as favelas como um “problema”, e da opinião pública, que enxergava a rápida expansão das favelas em meados do século XX com medo e apreensão, diante das construções informais que surgiam “da noite para o dia”. As associações de moradores de favelas tensionavam o status jurídico definido no código urbanístico, que excluía os moradores do espaço urbano e que normatizava a precarização de sua condição de vida e moradia ao proibir reformas e melhoramentos.

O estatuto da FTFBH não informava sobre a questão racial ou de preconceitos raciais, e evidenciava que o movimento de favelas nos anos 1950 e 1960 via a possibilidade de ascensão social e de assimilação dos migrantes e moradores não brancos nas favelas como “trabalhadores brasileiros” - tema enfatizado no discurso varguista e na luta pela expansão dos direitos sociais. A ênfase na identidade e na consciência de classe, sem ressaltar um discurso racial, tinha em vista os vínculos com partidos e associações sindicais que procuravam construir a união e a solidariedade do maior número de trabalhadores nacionais na luta contra as desigualdades socioeconômicas.

Ainda que os trabalhadores favelados não dessem destaque à questão racial em seus estatutos, ela estava implícita nas mobilizações das favelas e nas experiências dos estigmas de classe e raça do cotidiano urbano. Uma das primeiras passeatas organizadas pela FTFBH, reunindo várias favelas no centro da cidade, em 4 dezembro de 1961, evidenciou mulheres negras, mães de família nas favelas, que caminhavam em direção à sede do governo do estado de Minas Gerais, segurando seus filhos e exigindo a suspensão do despejo da favela Pindura a Saia e de outras que estavam ameaçadas pelo poder público. O evento ocorreu após o debate sobre a reforma agrária e a ofensiva de militantes políticos em organizar “ocupações”/“invasões” de terrenos para realizar a reforma urbana e resolver o problema de moradia do migrante nas cidades. A imprensa cobriu o evento, em que, além das acusações de “comunismo” atribuídas aos líderes e militantes, falava-se que os favelados não eram “párias”, mas estavam organizados politicamente (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Rio de Janeiro: E-papers, 2010., p. 95-115).

Ser “pária” nas favelas de Belo Horizonte era estar associado ao estigma da pobreza urbana, em que classe e raça implicavam a construção de estereotipias sociais sobre os moradores de favelas, identificando-os como “classes perigosas” e como um risco ao ideal normativo do higienismo. As imagens da favela e da malandragem associada às “classes perigosas” balizaram as reformas urbanas na dissolução da ordem social escravista e as políticas de embranquecimento das cidades (CHALHOUB, 1996CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.; CAMPOS, 2005CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: A produção do espaço criminalizado no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.; FISCHER; GRINBERG; MATTOS, 2018FISCHER, Brodwyn Michelle; GRINBERG, Keila; MATTOS, Hebe. Direito, silêncio e racialização das desigualdades na história afro-brasileira. In.: ANDREWS, George Reid; DE LA FUENTE, Alejandro (Org.). Estudos afro-latino-americanos: Uma introdução. Buenos Aires: CLACSO, 2018, p. 163-215.; PEREIRA, 2019PEREIRA, Josemeire Alves. Para além do horizonte planejado: Racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte (séculos XIX e XX). Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.; OLIVEIRA, 2020bOLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. As “favelas”, uma invenção cultural e política: Uma análise comparada da representação da pobreza urbana no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1897-1920). Revista de História Comparada, v. 14, n. 1, p. 123-152, 2020b.). Através da organização do associativismo civil e da ação política, os estigmas da pobreza urbana eram requalificados por meio de símbolos e alegorias com vínculos com as culturas políticas operárias e com as experiências dos trabalhadores favelados no espaço urbano. O jornal O Barraco foi lançado em janeiro de 1962, no impulso dessas passeatas de dezembro de 1961 e na expectativa de realizar o I Congresso de Trabalhadores Favelados nas vésperas da comemoração do Dia do Trabalhador, entre 29 e 30 de abril (ver Figura 1).

Figura 1
Jornal O Barraco, primeira edição mimeografada

No jornal acima, há símbolos que seriam reafirmados no associativismo e no movimento social. Primeiro, o emblema e a sigla “UDC”, na parte superior direita do periódico, junto com a alegoria de uma casa ou “barraco”, apresentando uma sede da associação de moradores. A sigla remetia ao associativismo de defesa coletiva criado em 1949, na Vila dos Marmiteiros (ou São Vicente de Paula), para lutar contra o despejo coletivo empreendido pela Companhia Mineira de Terrenos. A sede de uma associação de moradores tinha centralidade no espaço das favelas, sendo empregada para reuniões, festas, encontros entre as famílias dos trabalhadores favelados. Era, também, um locus das mobilizações para resolver problemas que os moradores enfrentavam. A FTFBH, como já foi informado, chegou a reunir 55 UDCs em favelas diferentes, construindo sedes através da solidariedade entre moradores e da patronagem do poder público, bem como do estabelecimento de uma base social em várias favelas da capital mineira. Ao contrário da ideia de desorganização e degradação moral sugerida na palavra “barraco” e no imaginário das favelas, a alegoria da UDC evidenciava a organização dos moradores para lutar por direitos.

Além dessa alegoria da sede da associação de moradores que se erguia contra o discurso de classe e raça que via os pobres como “atrasados” e “despreparados” para a democracia, havia uma palavra de ordem na parte superior direita do jornal: “Nossa única arma é a união”. A expressão, presente na oralidade da luta política dos favelados, usada em diferentes contextos, era reafirmada no editorial, que explicava a criação de O Barraco como “boletim informativo” da FTFBH e órgão de “luta” dos “favelados e trabalhadores”. Na primeira página do jornal, havia destaque para a nota de falecimento de José Gonçalves dos Santos, que era “operário da construção”, morador da Vila Senhor dos Passos, onde tinha constituído uma família, e deixava “mulher e filhos menores na orfandade”, desamparados por não conseguirem acesso à previdência social.7 7 FALECIMENTO. José Gonçalves dos Santos, operário em construção. O Barraco, Belo Horizonte, jan. 1962, p. 1. Notas de falecimento, festas de casamento e nascimento, eventos de lazer nas favelas tiveram destaque em O Barraco: dramatizavam a vida das famílias dos trabalhadores e a solidariedade nas favelas, e buscavam requalificar o estigma de classe e raça atribuído aos moradores, vistos como “malandros” e “marginais”.

A sociabilidade e a consciência estabelecidas pelo associativismo de defesa coletiva na releitura dos estigmas das favelas relacionavam-se com a experiência de morar na favela, com as possibilidades abertas de barganhas eleitorais na patronagem política da democracia de massa, e com a militância política, que buscava ampliar os direitos sociais que eram restritos aos trabalhadores urbanos com carteira assinada. O jornal foi apreendido pela polícia política do estado de Minas Gerais, sendo incorporado como prova do crime de sublevação da ordem social e política e acusação de “comunismo”, imputada por um investigador da polícia civil ao “advogado das favelas”8 8 As expressões utilizadas entre aspas, como “advogado de favelas”, “latifundiário urbano”, “candidato popular” e seus significados remetem a termos empregados no jornal O Barraco. Fabrício Soares, político que chegou a ser deputado estadual pela União Democrática Nacional nos anos 1950 e que se aproximou da luta nacionalista e do meio sindical nos anos 1960, defendendo os moradores de favelas contra as ações de despejo coletivo, e ao presidente da FTFBH, Francisco Nascimento, migrante da Bahia e identificado como “pardo” pela polícia. Nascimento era morador da Vila Senhora dos Passos, na região da Pedreira Prado Lopes, trabalhador dos correios, e uma das mais importantes lideranças comunitárias do movimento de favelas de Belo Horizonte entre os anos 1960 e 1980. Eles distribuíam o jornal em assembleias sindicais e em reuniões da FTFBH, em meio às discussões sobre o salário-família e as reformas agrária e urbana.9 9 ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM), Belo Horizonte. Relatório Agente nº 1896, 14 fev. 1962. Fundo Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, pasta 0119.

As experiências dos trabalhadores favelados mostravam como a política de massa abriu caminho para requalificação dos estigmas de classe e raça implícitos na pobreza urbana. Diferentes autores apontam o período de modernização e industrialização como um momento de ressignificação das relações de classe e raça no Brasil contemporâneo. Em América Afro-latina: 1800-2000,Andrews (2014ANDREWS, George Reid. América afro-latina: 1800-2000. São Carlos: EdUFSCar, 2014., p. 187-227) enfatiza que a ascensão dos trabalhadores no “populismo” da América Latina foi estabelecida a partir de um discurso assimilacionista que mobilizava os afro-latinos em sua identificação como “povo” e “trabalhador”. No Brasil, esse regime de representações racializadas, baseado num ideal de desenvolvimento urbano-industrial e de construção de uma “democracia racial”, permitiu mobilidade social para parcela da população não branca assimilada, mas não eliminou o racismo e a exclusão dos negros. Em Modernidades negras,Guimarães (2021GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Modernidades negras: A formação racial brasileira (1930-1970). São Paulo: 34, 2021., p. 41-91) também enfatiza que a retórica da mestiçagem, a partir dos anos 1920, foi assumida por intelectuais e parte do meio negro como uma forma de garantir inclusão simbólica na nação e combater as ideologias e projetos racialistas de embranquecimento, sem alterar o status social e a cidadania para a maior parte da população negra. No esteio dessa retórica da mestiçagem, o trabalhismo e a identidade social do trabalhador se teriam construído como uma posição sociopolítica para a afirmação do “negro” como a base do “povo brasileiro” e a reivindicação de melhorias na condição de vida dos grupos excluídos da cidadania republicana. Essas análises indicam a existência de uma aliança interracial na política e na experiência dos trabalhadores, com aproximações e alianças no meio negro, em que o assimilacionismo da retórica nacionalista não abolia a percepção das discriminações e desigualdades raciais.10 10 Destaco aqui duas análises sobre o meio afro-brasileiro e sua relação com as lideranças políticas identificadas com o “populismo” ou “trabalhismo”: Gomes (2012); Domingues (2018).

A ascensão social e a cidadania dos direitos para os trabalhadores eram limitadas aos trabalhadores urbanos que alcançassem a regularização dos vínculos de emprego com a carteira assinada. Através da experiência de mobilidade social e mobilização política, contudo, elas se tornavam extensivas a várias categorias que se situavam na fronteira da informalidade e formalidade do mercado de trabalho, atravessado pelas clivagens de classe, raça e gênero. Em Belo Horizonte, os trabalhadores favelados construíram uma gramática política crítica ao estigma de classe e raça que era construído pela representação dos párias sociais da cidade. Isso ficou ainda mais evidente em fotografias e notícias sobre a “Vila Camponesa” publicadas no segundo semestre de 1962 no jornal O Barraco, que racializavam o despejo coletivo nas favelas de Belo Horizonte e enfatizavam o direito de morar.

O Barraco e as imagens contra os despejos militarizados: As favelas e a Polícia Militar de Minas Gerais

Em agosto de 1962, em meio à campanha eleitoral que elegeria prefeito, vereadores e os deputados federais do estado, O Barraco foi incorporado ao jornal Binômio, aparecendo como um dos cadernos e seções do periódico até 1964. Aproveitando-se da expansão de direitos civis e políticos, possibilitada pelas abertura e ampliação da concorrência política na democracia de 1945 e pela expectativa de uma reforma política que eliminaria a restrição do voto aos analfabetos nos anos 1960, a FTFBH tentou forjar uma aliança com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que lançaria as candidaturas de José Maria Rabelo, diretor e dono do jornal Binômio, para prefeito de Belo Horizonte; do presidente da FTFBH, Francisco Nascimento, para vereador; e de Fabrício Soares, o “advogado das favelas”, para deputado federal. Eram os “candidatos das favelas”, uma aliança “popular” que tinha por base as lutas sociais das associações de favelas, o movimento sindical e organizações do movimento estudantil, imbuídas na construção de uma aliança “operário-estudantil”.11 11 A expressão “união operário-estudantil” foi corrente nos movimentos sociais de estudantes, trabalhadores, camponeses, e favelas nos anos 1960, sendo empregada para designar o projeto das esquerdas de conscientização e mobilização popular. Em Belo Horizonte, várias organizações estudantis, ações voltadas para cultura popular e associativismos de moradores e trabalhadores foram estimulados por essa perspectiva.

Além de expressar a experiência e as sociabilidades das associações de moradores em favelas, O Barraco era um projeto ligado a militantes do nacionalismo de esquerda, envolvendo trabalhistas, socialistas, comunistas e católicos. No editorial para a criação do jornal das favelas, tinha-se clareza de que o jornal O Barraco assumiria uma “posição política” aguerrida na defesa dos seus direitos, num discurso que era o da base de militantes nas favelas e que fez eco nas campanhas eleitorais e na geração das esquerdas reformistas e revolucionárias dos anos 1960. Tais grupos se imaginavam numa guerra contra a exploração e em confronto com o imperialismo norte-americano da Guerra Fria:

Esse é o primeiro número deste jornalzinho que a Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte fará publicar mensalmente. (...) Não será um órgão sem posição política: transmitirá, sempre, a sua posição diante dos problemas mais sentidos pelo povo brasileiro. Mas, principalmente “O BARRACO” será um jornal de luta. Luta por melhores dias. Luta por melhores condições de vida. Luta pelo direito de morar. Luta contra a exploração. Luta contra a injustiça social. (...)

Nesta batalha, a justiça, o direito e a liberdade estão em jogo. Não tememos metralhadoras, nem fuzis, nem canhões. Haveremos de conseguir nossos objetivos. Estamos bem preparados para a luta. NOSSA ARMA É A UNIÃO!12 12 “O BARRACO”: Jornal dos favelados. O Barraco, Belo Horizonte, jan. 1962, p. 1.

O jornal O Barraco foi parte dessa estratégia de luta para formar uma base política em expansão nas dinâmicas e jogos políticos municipais da capital de Minas Gerais. Nenhum dos “candidatos dos favelados” apoiados pela FTFBH conseguiu vencer as eleições, mas conseguiram ganhos políticos significativos ao pautar as disputas eleitorais. O prefeito eleito, Jorge Carone (1963-1965), do Partido Republicano (PR), incorporou o tema das reformas urbanas do movimento de favelas ao seu governo e chegou a desapropriar terras de “latifundiários urbanos” para garantir o direito de morar dos favelados. Além disso, um dos “advogados de favelas”, o sindicalista Dimas Perrim, conseguiu ser eleito como suplente e assumiu a cadeira de vereador pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1963. Antes de ser cassado, no golpe de 1964, Dimas Perrim tinha vinculação ao partido comunista e trabalhista, liderou a crítica às remoções de favelas e propôs um projeto de lei na Câmara de Vereadores que fazia eco à luta pela reforma urbana e que recebeu apoio da FTFBH (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Rio de Janeiro: E-papers, 2010., p. 148-177).

A eleição de 1962 tornou possível um acordo com o jornal Binômio que permitia maior regularidade a O Barraco, que passou a ser publicado quinzenalmente. O jornal era apresentado como órgão da Federação dos Trabalhadores Favelados, tendo como parte de seu expediente Gumercindo Mendes de Morais, morador e líder da associação civil de favela Nova Brasília, e como colaboradores todos os associados das Uniões de Defesa Coletivas.13 13 EXPEDIENTE. Binômio, Belo Horizonte, 20 ago. 1962, seção O Barraco, p. 3. O jornal Binômio surgiu em 1952, da luta constituída no movimento estudantil na oposição ao governo do estado, sendo o seu nome uma ironia com o slogan “Binômio, energia e desenvolvimento”, do governo estadual de Juscelino Kubitschek (1950-1955). Como estratégia de difusão, vendas e penetração social, o Binômio tornou-se nos anos 1960 um semanário e chegou a publicar periódicos de associações do movimento estudantil e do movimento de favelas, numa perspectiva crítica e de oposição ao establishment político e em apoio ao nacionalismo de esquerda (ARAÚJO, 1996ARAÚJO, Maria Marta Martins. Binômio: Pasquim e panfleto (1952-1964). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1996.).

No segundo semestre de 1962, uma série de fotografias de despejo que racializava a retórica das injustiças sociais na luta pelo direito à moradia foi publicada no jornal O Barraco. Poder contar com uma imprensa moderna, com um parque gráfico de rotogravuras para imprimir fotografias, além de uma série de profissionais do jornalismo para apoiar a edição do impresso do movimento de favelas, era uma das vantagens da vinculação de O Barraco ao jornal Binômio. Não havia indicação de autoria nessas imagens, mas elas tinham um significado para o movimento social, visto que, na lista de materiais que foram aprendidos na sede da FTFBH, encontravam-se um dicionário, uma máquina de escrever e algumas fotos relacionadas ao cenário de despejo coletivo que dialogavam com os enfoques das fotos publicadas no periódico.14 14 APM, Belo Horizonte. Materiais apreendidos na sede da FTFBH, [1964]. Fundo Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, pasta 0121.

Figura 2
Fotografia no jornal O Barraco

A fotografia acima foi publicada em outubro de 1962, cerca de um ano após o despejo da Camponesa. A ocupação da vila/favela Camponesa ocorreu no segundo semestre de 1961 e foi acelerada pela decisão tomada no I Congresso Nacional dos Trabalhadores Agrícolas para resolver o problema urbano e agrário, ocupando “latifúndios urbanos” de Belo Horizonte e exigindo as reformas agrária e urbana (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Rio de Janeiro: E-papers, 2010., p. 102-106). No foco central da fotografia, estava uma criança negra, sem roupa, apoiando-se na frente de sua moradia; no segundo plano, havia um barraco de madeira, no lado direito, e um cenário de uma vegetação, no esquerdo. Esses traços icônicos da fotografia eram significados na retórica da marginalidade social do desenvolvimento urbano-industrial brasileiro.

O enquadramento da fotografia tinha como referência a figura do menor abandonado, numa retórica que mostrava o abandono da infância na pobreza urbana e na destruição das casas e das famílias de trabalhadores com as remoções das favelas - tema racializado na imaginação do menor abandonado, mas também enfatizado em passeatas e manifestações dos trabalhadores favelados, com a dramatização das mães carregando os filhos. O fato de a fotografia ser um “flagrante” de uma criança despreocupada, nua, numa pose que não podemos dizer se foi ensaiada ou não, servia para denunciar a situação de ingenuidade diante do contexto de violência da “guerra” do “dinheiro” e dos “latifundiários urbanos” contra as favelas. Na legenda da imagem, havia a seguinte descrição:

O menino da foto, cinco anos ainda não completos, já é refugiado de guerra. Da guerra brutal que os latifundiários do asfalto - o dinheiro, a “Justiça” e as armas do lado deles movem aos flagelados urbanos, à “raça” inferior dos miseráveis. Foi expulso da Vila Camponesa e mora nos restos de caixotes na “Cabana do Pai Tomás”. O resto é silêncio - mas não por muito tempo.15 15 FAVELADOS da Camponesa abandonados pelo governo. Binômio, Belo Horizonte, 22 out. 1962, seção O Barraco, p. 6.

A imagem referia-se à “guerra” contra as favelas. Nos anos 1950, a Prefeitura de Belo Horizonte institucionalizou uma política de desfavelamento através do Departamento de Habitações e Bairros Populares (DHBP), criado em 1955, e da Lei nº 572 de 1956,16 16 Ver nota 6. que reformou o Código de Posturas Municipais e estabeleceu o status ilegal das favelas, abrindo espaço para a repressão do estabelecimento de melhoramentos urbanos e reformas nas moradias construídas em áreas informais. Assumia-se de forma aberta e deliberada uma política de precarização das moradias nas favelas e propugnava-se a sua remoção. Na década de 1960, antes do golpe de 1964, já era comum a militarização das remoções de favelas. Na favela Camponesa, situada na região central de Belo Horizonte, nas imediações do bairro Santa Efigênia, a polícia militar atuou em favor dos proprietários do terreno e das classes médias próximas ao local, destruindo os barracos, criminalizando os “invasores” e removendo parte das famílias para outra favela - a Cabana do Pai Tomás, situada na zona oeste de Belo Horizonte, nas proximidades da Cidade Industrial. A fotografia não dava nome ao menor abandonado, sugerindo que essa era uma situação comum. No período de crescimento da adesão à FTFBH, houve um aumento do número de confrontos de despejo coletivo e o cenário de “abandono” e “desumanização” para com as famílias nas favelas não era restrito ao caso da Vila Camponesa, mas era como um cenário de “guerra” contra a “‘raça’ dos miseráveis”.

Na reportagem intitulada Favelados da Camponesa abandonados pelo governo, narrava-se o ocaso das famílias diante da promessa do governo de Minas Gerais de assistência social e habitação.17 17 FAVELADOS da Camponesa abandonados pelo governo. Binômio, Belo Horizonte, 22 out. 1962, seção O Barraco, p. 6. Entre 1960 e 1965, o governador Magalhães Pinto, eleito pela União Democrática Nacional para o governo de Minas Gerais, autorizou o uso da polícia militar para remover as favelas, mas também prometeu realocar os moradores em outros espaços, realizando um cadastro na Secretaria de Trabalho, criada em seu governo e que tinha como um de seus objetivos tratar da questão do “desfavelamento”. O movimento de trabalhadores favelados lidava com o governo estadual de forma ambivalente, ora utilizando-se da patronagem para conseguir recursos materiais e promessas de melhorias, ora criticando de forma contundente o que era visto como a militarização da remoção das favelas.

Na militarização da remoção, contava-se que “grande parte dos transferidos - a maior parte é bom dizer - continua praticamente vivendo ao relento”, abrigando-se em “toscas cobertas feitas de caixote velho”. Se na reportagem e na fotografia se generalizava essa situação, também se narrava o caso particular de “Elizete Santos”, transferida que “foi obrigada a vender o que lhe restava dos velhos e pobres móveis para comprar remédio para os dois filhos menores”.18 18 FAVELADOS da Camponesa abandonados pelo governo. Binômio, Belo Horizonte, 22 out. 1962, seção O Barraco, p. 3. Esses casos de pessoas que eram desabrigadas nos despejos circulavam e ganhavam um significado na consciência das injustiças. Na militarização dos despejos e no confronto com a polícia militar, registravam-se agressões e violências contra os moradores de favelas, sendo a força policial comparada aos “capitães do mato”:

OS NOVOS CAPITÃES DO MATO

A Polícia Militar está ocupando duas favelas de Belo Horizonte, submetendo seus moradores a todos constrangimentos da “praça de guerra”. É certo que as conquistas não lhes foi difícil não houve baixas, nem gasto de munição. Bastou-lhe chegar e tomar conta, ante o olhar sem surpresa, nem ódio dos favelados.19 19 OS NOVOS capitães do mato. Binômio, Belo Horizonte, 17 set. 1962, seção O Barraco, p. 5.

Na gramática formulada pela militância da FTFBH, a miséria e a remoção militarizada eram racializadas. Na diferença da forma como os trabalhadores e suas famílias pobres eram tratadas pela força policial, evocava-se a memória da escravidão no Brasil e a situação de indignidade das famílias e da população não branca, majoritariamente de migrantes. Os policiais militares de Minas Gerais eram encarados e identificados como os “novos capitães do mato”. Esse uso da memória da escravidão para politizar o conflito social das favelas e a formação da identidade de trabalhador favelado evidencia que, na construção das diferenças e das narrativas do confronto com a polícia, havia uma racialização da arena do conflito. Não se trata, aqui, da história da escravização, mas de um estereótipo que, juntamente com outros signos sociais inscritos no espaço urbano, racializava as desigualdades e a gramática das injustiças do movimento dos trabalhadores favelados.

A racialização dos despejos coletivos apoiados pela polícia militar e a percepção de que a guerra contra as favelas desumanizava os moradores, comparando-os à condição de escravos, oferecem-nos outros significados para o golpe de 1964. Com a publicação do Ato Institucional em abril de 1964 e após a instauração de um inquérito, o coronel Gradinor Soares, membro da Polícia Militar de Minas Gerais, foi nomeado como interventor na Federação dos Trabalhadores Favelados. Ele fechou associações, criminalizou lideranças e usou da patronagem para estabelecer alianças com alguns grupos dentro das favelas. Essa ação, bem como a instituição do Banco Nacional de Habitação, anunciava-se como um recrudescimento das remoções nas políticas de desfavelamento impulsionadas pela política habitacional e urbana na modernização autoritária da ditadura civil-militar (OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. O Golpe de 1964 e a repressão ao movimento de “trabalhadores favelados” de Belo Horizonte. Antítese, v. 8, n. 15, p. 317-338, nov. 2015.; URVOY, 2020URVOY, Philippe. Cidade em disputa: Lutas de moradores e urbanismo autoritário em Belo Horizonte (Brasil) e Porto (Portugal) - 1960-1980. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020.). E, interpretando a contrapelo esse processo, ao contrário do discurso hegemônico e oficial da democracia racial na ditadura, a intervenção na FTFBH representou o bloqueio da construção da cidadania dos “trabalhadores favelados”, a limitação das práticas de luta pelo direito de morar e o racismo da militarização dos despejos e da “guerra” contra as favelas.

Na interpretação da “guerra” contra as favelas e os espaços periféricos de Belo Horizonte na ditadura, Philippe Urvoy (2020)URVOY, Philippe. Cidade em disputa: Lutas de moradores e urbanismo autoritário em Belo Horizonte (Brasil) e Porto (Portugal) - 1960-1980. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. salientou a construção de um “urbanismo autoritário” em que o racismo, articulado à ideologia da ordem, da segurança nacional e do higienismo, foi um dos traços que definiu a exclusão dos moradores das favelas e da periferia nas políticas de remoção e precarização da vida durante o regime militar. A modernização conservadora dos governos militares tinha como bases a repressão da mobilização em larga escala de várias associações no espaço público e a interdição das retóricas de injustiça social e racial articuladas no movimento de trabalhadores favelados, que somente veio a se reconstituir em meados dos anos 1970, com a fundação da União dos Trabalhadores de Periferia (UTP) e o crescimento dos movimentos comunitários populares e do Jornal dos Bairros.20 20 O Jornal dos Bairros foi criado em 1976 e publicado até 1981. Tinha sede no Barreiro, circulação nos bairros e localidades industriais da região metropolitana de Belo Horizonte, e edição elaborada por jornalistas, intelectuais e trabalhadores do campo das esquerdas. Outros analistas salientam que a repressão à FTFBH acompanhou uma política de “desfavelamento” atualizada no fechamento do espaço público de participação e uma estratégia de acomodação de interesses, reforçando a patronagem e incentivando associações e lideranças locais a evitarem o confronto com as autoridades públicas (SOMARRIBA; VALADARES; AFONSO, 1984SOMARRIBA, Maria das Mercês Gomes; VALADARES, Maria Gezica; AFONSO, Mariza Rezende. Lutas urbanas em Belo Horizonte. Petrópolis: Vozes; Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984.; RAJÃO, 2019RAJÃO, Raphael. Sobre eleições, festivais e resolução de problemas: Futebol de várzea e redes políticas locais em Belo Horizonte. Estudos Históricos, v. 32, n. 68, p. 633-654, set./dez. 2019.).

Em ambas as interpretações, pode-se dizer que o racismo, compreendido aqui como a criação de fronteiras e hierarquias baseadas na racialização das diferenças sociais dos grupos excluídos do espaço urbano, foi o fundamento para as políticas de “desfavelamento” e “guerra às favelas” anunciadas pela ditadura. Tais políticas foram executadas através da repressão política e da política habitacional que procurava modernizar as cidades e transformar os hábitos e modos de vida dos “marginais sociais” - categoria usada nas políticas de governo e no espaço público para nomear os grupos vistos como “atrasados” e incapazes de mobilização política autônoma, associados à exclusão de classe e raça experimentada nas grandes cidades brasileiras.

Considerações finais

As relações raciais e o conceito social de raça têm sido pouco utilizados para compreensão do espaço urbano e de sua formação. A análise do movimento de favelas de Belo Horizonte foi marcada pela constituição de uma sociologia urbana identificada com um antirracismo arracialista. Tentava-se institucionalizar uma metodologia para identificar a questão urbana e as desigualdades sociais na modernização do Brasil e para refletir sobre a “realidade brasileira”, evitando o racialismo do pensamento social brasileiro. Em Belo Horizonte, essa sociologia urbana apagou a noção de “cor”/“raça” da reflexão social, e incorporou a memória social republicana, que silenciava sobre a experiência negra e a relação da cidade planejada com a dissolução da ordem escravista. Além disso, deixou de levar em conta um debate das relações raciais e do racismo à brasileira, que ganhou vida nova nas políticas de embranquecimento e na construção das distinções e dos conflitos sociais na urbanização brasileira.

Muitas vezes enfatizando os vínculos de patronagem construídos pelos trabalhadores favelados com o poder público e outros agentes constitutivos da formação do espaço urbano, tal sociologia identificou esses movimentos como “atrasados”, sem compreender a linguagem e a gramática da vida pública articuladas pelo associativismo. Como mostramos, o associativismo dos trabalhadores favelados constituiu símbolos, alegorias e experiências que expressavam uma consciência das injustiças do espaço urbano de Belo Horizonte. Assim, requalificavam-se os estigmas de classe e raça implícitos na imagem da favela, a partir da ação política, vinculada à experiência de moradia em áreas informais e às culturas políticas operárias.

O movimento social construía a identidade de trabalhador favelado em relação à retórica da cidadania para o “trabalhador do Brasil”, numa expectativa de assimilação das diferenças étnico-raciais na identidade nacional e de expansão dos direitos para os trabalhadores. Essa retórica não apagava a percepção do racismo e a racialização na experiência dos moradores de favela e na militarização dos despejos coletivos na década de 1960. O debate sobre as relações raciais na historiografia ajuda a qualificar as práticas sociais e políticas da FTFBH e as experiências dos moradores na formação de uma consciência de classe e raça no desenvolvimento urbano-industrial brasileiro.

  • 1
    BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964. Dispõe sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações introduzidas pelo Poder Constituinte originário da revolução Vitoriosa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm>. Acesso em: 18 mar. 2021.
  • 2
    Assim como Osmundo Pinho (2008)PINHO, Osmundo. Introdução. In: SANSONE, Livio; PINHO, Osmundo (Org.). Raça: Novas perspectivas antropológicas. Salvador: Associação Brasileira de Antropologia; EDUFBA, 2008, p. 9-25., Antônio Guimarães (2005)GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: 34; FUSP, 2005. e Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura (2010), partilhamos da ideia de que as relações raciais são um tópico presente na constituição e na profissionalização das ciências sociais e da história, ganhando vários significados nos paradigmas de análise do social ao longo do século XX. Logo, a maior evidência que o debate tem ganhado nas últimas décadas, a partir das políticas de ações afirmativas e das discussões sobre a decolonialidade e o pós-abolição, deve ser vista em perspectiva, recuperando a bibliografia brasileira construída sobre o tema e compreendendo que parte do cânone das humanidades na segunda metade do século XX foi construído a partir da perspectiva do antirracismo arracialista.
  • 3
    Nos anos 1970 e 1980, vários cientistas sociais situados no campo do marxismo escreveram obras em diálogo com Florestan Fernandes e críticas ao colonialismo, destacando-se Abdias Nascimento (1978)NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., Clóvis Moura (1988)MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988., Lélia Gonzalez (2020)GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-americano: Ensaios e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020. e Carlos Hasenbalg (2005)HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte: Humanistas, 2005.. Os dois últimos também produziram um importante trabalho em coautoria, Lugar de negro (1982GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos Alfredo. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.).
  • 4
    A tabela foi construída a partir da consulta a estatísticas produzidas por agência estadual vinculada ao sistema censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
  • 5
    CARTÓRIO JERO OLÍVIA, Belo Horizonte. Estatuto da Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte, 27 jan. 1960.
  • 6
    BELO HORIZONTE. Lei nº 572, de 12 de setembro de 1956. Altera as multas impostas por infração ao regulamento de construções quando houver exploração de favelas e dá outras providências. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/mg/b/belo-horizonte/lei-ordinaria/1956/58/572/lei-ordinaria-n-572-1956-altera-as-multas-impostas-por-infracao-ao-regula mento-de-construcoes-quando-houver-exploracao-de-favelas-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 7
    FALECIMENTO. José Gonçalves dos Santos, operário em construção. O Barraco, Belo Horizonte, jan. 1962, p. 1.
  • 8
    As expressões utilizadas entre aspas, como “advogado de favelas”, “latifundiário urbano”, “candidato popular” e seus significados remetem a termos empregados no jornal O Barraco.
  • 9
    ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM), Belo Horizonte. Relatório Agente nº 1896, 14 fev. 1962. Fundo Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, pasta 0119.
  • 10
    Destaco aqui duas análises sobre o meio afro-brasileiro e sua relação com as lideranças políticas identificadas com o “populismo” ou “trabalhismo”: Gomes (2012)GOMES, Arilson dos Santos. O Trabalhismo e o Movimento Social Negro brasileiro (1943-1958). Temporalidades, v. 4, n. 2, ago./dez. 2012.; Domingues (2018)DOMINGUES, Petrônio. Estilo Avatar: Nestor Macedo e o populismo afro-brasileiro. São Paulo: Alameda, 2018..
  • 11
    A expressão “união operário-estudantil” foi corrente nos movimentos sociais de estudantes, trabalhadores, camponeses, e favelas nos anos 1960, sendo empregada para designar o projeto das esquerdas de conscientização e mobilização popular. Em Belo Horizonte, várias organizações estudantis, ações voltadas para cultura popular e associativismos de moradores e trabalhadores foram estimulados por essa perspectiva.
  • 12
    “O BARRACO”: Jornal dos favelados. O Barraco, Belo Horizonte, jan. 1962, p. 1.
  • 13
    EXPEDIENTE. Binômio, Belo Horizonte, 20 ago. 1962, seção O Barraco, p. 3.
  • 14
    APM, Belo Horizonte. Materiais apreendidos na sede da FTFBH, [1964]. Fundo Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, pasta 0121.
  • 15
    FAVELADOS da Camponesa abandonados pelo governo. Binômio, Belo Horizonte, 22 out. 1962, seção O Barraco, p. 6.
  • 16
    Ver nota 6.
  • 17
    FAVELADOS da Camponesa abandonados pelo governo. Binômio, Belo Horizonte, 22 out. 1962, seção O Barraco, p. 6.
  • 18
    FAVELADOS da Camponesa abandonados pelo governo. Binômio, Belo Horizonte, 22 out. 1962, seção O Barraco, p. 3.
  • 19
    OS NOVOS capitães do mato. Binômio, Belo Horizonte, 17 set. 1962, seção O Barraco, p. 5.
  • 20
    O Jornal dos Bairros foi criado em 1976 e publicado até 1981. Tinha sede no Barreiro, circulação nos bairros e localidades industriais da região metropolitana de Belo Horizonte, e edição elaborada por jornalistas, intelectuais e trabalhadores do campo das esquerdas.

Agradecimentos

Agradeço às críticas realizadas por pareceristas da revista e no âmbito do Laboratório de Estudos da História dos Mundos do Trabalho (LEHMT-UFRJ), e à bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq (Processo Nº 307069/2021-4) e Jovem Cientista de Nosso Estado da FAPERJ (Processo Nº E-26/201.2064/2022).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2022
  • Revisado
    18 Mar 2022
  • Aceito
    24 Mar 2022
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