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A invenção de biografias, traduções e historiografia: Entrevista com Roger Chartier – Parte III

The Invention of Biographies, Translations, and Historiography: Interview with Roger Chartier – Part III

Dando sequência à publicação iniciada em edições anteriores (CHARTIER, 2022aCHARTIER, Roger. A mobilidade dos textos, o livro como metáfora e o universo digital. Entrevistadores: André Furtado e Anna Coelho. Varia Historia, v. 38, n. 76, p. 311-324, jan./abr. 2022a.; 2022bCHARTIER, Roger. Materialidade dos escritos, constituição de acervos e a função-autor. Entrevistadores: André Furtado e Anna Coelho. Varia Historia, v. 38, n. 77, p. 611-628, maio/ago. 2022b.),1 1 A transcrição foi feita pela equipe do CEMOPE, grupo de pesquisa dirigido por Cristina Ferreira (FURB), contando com as colaborações de Ana Carolina Zimmermann, Ana Caroline Oliani, Ana Caroline Rodrigues, Bruno Barbera, Giovanna Ferraz, Marina Ramos, Martin Bachmann, Rafaela Steyer e Tiago Lenz. Os créditos completos estão disponíveis na primeira parte da entrevista (CHARTIER, 2022a, p. 312). a terceira parte desta entrevista segue propondo discussões suscitadas por um recente estudo do professor Roger Chartier (2020a)CHARTIER, Roger. Literatura e cultura escrita: Permanência das obras, mobilidade dos textos, pluralidade das leituras. In: CHARTIER, Roger; RODRIGUES, José Damião; MAGALHÃES, Justino (Org.). Escritas e cultura na Europa e no Atlântico Modernos. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2020a, p. 19-39., intitulado Literatura e cultura escrita: Permanência das obras, mobilidade dos textos, pluralidade das leituras.

Temporalidade, circulação de textos e assimetrias

Para analisar um livro de literatura, história, um discurso político, é preciso considerar, nas palavras do senhor, “um eixo sincrónico que permite situar cada produção da escrita no seu tempo, e a coloca em relação com outras, que são contemporâneas e pertencem a outros registos da escrita ou da experiência”, bem como “um eixo diacrónico que a inscreve no passado, do género ou da disciplina” (CHARTIER, 2020aCHARTIER, Roger. Literatura e cultura escrita: Permanência das obras, mobilidade dos textos, pluralidade das leituras. In: CHARTIER, Roger; RODRIGUES, José Damião; MAGALHÃES, Justino (Org.). Escritas e cultura na Europa e no Atlântico Modernos. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2020a, p. 19-39., p. 36). Mas quando se estudam coleções e a produção de historiadores ou biógrafos dentro desses projetos editoriais, parece-me que se agrega a tais aspectos a própria avaliação desses registros sobre os passados que eles abordam. Assim, como seria possível refletir sobre a análise histórica do corpus textual, especificamente em relação às biografias, considerando as dimensões dos eixos sincrônico e diacrônico nas relações dos textos com as diferentes temporalidades na produção escrita, observando o tempo do escritor e o passado ao qual ele se refere?

Eu havia retomado essa ideia dos eixos sincrônico e diacrônico de um livro do grande historiador americano Carl Schorske (1988)SCHORSKE, Carl. Viena fin-de-siècle: Política e Cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1988., Vienna fin-de-siècle, que mostra a prática dessa dupla análise para qualquer forma de produção simbólica. Podem ser os quadros de Gustav Klimt, a arquitetura da cidade, a literatura crítica do período, a psicanálise. Então, parecia-me importante e interessante seguir essa ideia, porque ela define duas perspectivas fundamentais.

Eu também havia pensado nessa distinção com a obra de Pierre Bourdieu,2 2 Ver, entre outros estudos do mesmo autor, Bourdieu (2004). porque o eixo diacrônico não é o mesmo para várias práticas intelectuais. No caso da literatura ou da arte, esse eixo pode até ter uma longa duração, ao tornar Cervantes contemporâneo de Gabriel García Márquez. Nesse sentido, há sempre a presença de um passado do gênero nas obras contemporâneas, que pode ser de ordem vária, tal como uma imitação acadêmica, um rechaço, uma revolução estética, um pastiche, uma forma de kitsch. Todas as possibilidades existem, mas o importante é que essa presença do passado é muito forte, diferentemente, por exemplo, das ciências exatas, nas quais o passado útil é muito limitado. Evidentemente, pode-se fazer referência a Galileu Galilei, mas, na prática científica, o passado que se utiliza, como mostram as referências bibliográficas dos artigos, é um passado de dois, três, quatro ou cinco anos.

Há, então, uma grande diferença em relação ao mundo literário ou intelectual, nos quais esse passado-presente pode haver uma longa duração. A filosofia seria um exemplo ainda mais paroxístico, com a presença contemporânea de Platão ou Aristóteles, mas isso também é relevante para a literatura e, inclusive, para a história. Evidentemente, os historiadores franceses sempre citam Jules Michelet como uma fonte inesgotável de inspiração.

Assim, essa é a razão dos eixos e, para o eixo diacrônico, há uma diferença do passado considerado pelas diferentes práticas intelectuais.

Você gostaria ou sugere aplicar esse modelo de interpretação para as biografias. Vamos voltar, nesse caso, à discussão sobre o século XVIII, porque é o momento no qual, com todos os elementos que já temos debatido,3 3 Ver, em especial: Chartier (2022b, p. 621-627). inventa-se o gênero da biografia literária, no sentido de um gênero que articula os momentos da vida, as experiências, os sofrimentos, as felicidades do escritor, às obras escritas em relação com essas experiências. Trata-se do modelo que permanece até hoje.

O problema da invenção da biografia no século XVIII é que a ideia existia, mas a possibilidade era quase inexistente para os autores do passado, que não haviam deixado nenhum acervo de sua experiência de vida. A discussão começou com Shakespeare: como escrever uma biografia literária articulando experiências de vida e produção das obras para um autor do qual não se conhecia bem a cronologia da produção da escrita das peças – muito diferente, talvez, da cronologia de sua publicação – e para quem não havia nenhum arquivo, salvo alguns contratos de venda ou de compra de casa e uma participação em um processo. Isso era, então, um desafo para aquele momento.

Era muito difícil aplicar para os autores do passado o novo modelo de biografia. O que existiam antes eram compilações de anedotas ou, como vemos, por exemplo, no Renascimento Italiano, uma justaposição entre um cursus honorum4 4 Em tradução livre, a expressão latina significa algo como “curso de honras”. Tratava-se de uma espécie de conjunto de escalas para que, desde a Antiguidade e, particularmente, na República Romana, mas também no início do Império, fosse possível aos homens de posição senatorial galgar novos postos de caráter público, sobretudo vinculados à administração política ou da área militar. e um repertório de obras. Nunca se estabelecia uma relação entre um e outro. Portanto, o que havia sido proposto no século XVIII somente se tornou possível quando, a partir do século XIX, apareceram os acervos, tanto os arquivos de indivíduos (desde memórias e diários íntimos até correspondências), quanto os arquivos sobre a criação estética, que permitem localizar as obras em seu contexto de escrita, de representação ou publicação.

Dessa maneira, parece-me que a pergunta sobre a biografia se encontra nestas dimensões de temporalidade, de temporalidade interna quando no próprio relato se vinculam criações e experiências, e de temporalidade histórica, que separa o tempo do biografiado e o tempo do biógrafo. Aí vemos uma diferença, quando há uma contemporaneidade entre o biografiado e o biógrafo ou quando há uma distância cronológica que faz com que os recursos necessários para o paradigma da biografia literária não existam. Publicam-se biografias de Shakespeare a cada ano e sempre o método é o mesmo, ou seja: deduzir da obra elementos da vida que, supostamente, explicam as obras. Isso se encontra, inclusive, na magnífica biografia de Stephen Greenblatt (2004)GREENBLATT, Stephen. Will in the World: How Shakespeare Became Shakespeare. Nova York: Norton, 2004., Will in the World: How Shakespeare Became Shakespeare, na qual esse mecanismo funciona, porque não há outro recurso possível.Por isso, vejo essa questão da diferença de temporalidade, de novo, como um indício de uma ruptura, de uma descontinuidade forte no século XVIII.

Ainda no sentido do debate sobre o tempo, segundo as refexões do senhor, o escritor espanhol Miguel de Cervantes instalou no presente da sua produção ao menos três gêneros discursivos que tinham temporalidades muito distintas e contra os quais ele teria inventado uma maneira exclusiva, absolutamente inovadora e original de escrever ficção. Diante dessa observação, e levando em conta que os gêneros não podem ser concebidos como categorias classificadoras totalmente estáveis, pergunto: qual é o papel que a materialidade da escrita desempenha para a definição das ordens discursivas que buscam rotular os textos, especialmente os literários?

Para responder, podemos ficar com Cervantes, no capítulo de Don Quixote no qual o barbeiro e o padre estão destruindo a biblioteca. Queimam os livros porque os consideram responsáveis por tornar totalmente louco o seu leitor, Dom Quixote. E o que eles encontravam nessa biblioteca? Grandes livros e pequenos livros – sendo que os grandes são todos os de cavalaria, um desses gêneros que mencionava a pergunta, porque Quixote se apoderou dos livros de cavalaria e dos romances pastoris, que entram na escrita de Cervantes. Então, havia, como uma primeira relação: grande livro é igual a romance de cavalaria. E, quando terminaram com os grandes, encontraram os livros pequenos, que são todos de poesia. Ora, isso é uma ilustração forte da relação que pode existir entre gêneros discursivos e formas ou formatos materiais dos livros. É particularmente espetacular, nesse caso, de grandes versus pequenos livros, que correspondem estritamente a duas classes de texto: cavalaria e poesia.

Então, a partir desse caso da biblioteca de Dom Quixote, poderíamos pensar que a ordem dos textos ou discursos é sempre uma ordem dos livros ou dos objetos impressos, mas sem uma perspectiva absoluta e mecânica, que universalizaria para todas as situações, todos gêneros, a relação entre um conteúdo textual e uma forma material. Contudo, existem essas relações. O formato in-quarto era interessante em si mesmo porque é muito cômodo na imprensa da Primeira Modernidade, uma vez que basta dobrar uma folha de papel duas vezes, para que tenhamos um folheto de quatro folhas e oito páginas. Esse formato era o modelo exclusivo ou quase exclusivo de publicação na Inglaterra das obras de teatro, na Espanha dos romances e das relações de sucessos, bem como, por exemplo, do repertório medieval da literatura vendida por ambulantes tanto na Inglaterra, com os Double-books, quanto na França, com a Bibliothèque Bleue, que utilizam o formato in-quarto para as versões breves dos romances de cavalaria.

Você vê que aqui se estabelecia uma relação, que os leitores-compradores poderiam perceber, entre uma classe de discurso definida a partir de seu gênero e, por outro lado, um formato que dominava (por exemplo, quase 98% dos panfetos e libelos durante o período da Fronde, que foi o conjunto de rebeliões ocorridas na França a partir da metade do século XVII, tinham o formato in-quarto).

É verdade que essa adequação é mais forte antes da imprensa industrializada, porque todos os formatos derivam de folhas de papel que são dobradas duas vezes, três vezes, quatro vezes etc. Há, então, uma estrutura mais estável dos formatos, entre o grande formato, in-folio, um outro intermediário porque pode ser um formato para publicações populares, mas também para a “literatura” do período (o Don Quixote, de 1605, foi publicado in-quarto), e os pequenos formatos, aqueles que se poderiam colocar na bolsa, que cabiam nas mãos ou se acomodavam em sacolas. Eram in-octavo ou até menores, pois se tratava de um tipo de texto que deveria acompanhar o leitor, para que ele pudesse trazer consigo esses livros muito facilmente.

A partir da imprensa industrial, no século XIX ou XX, essa relação tão forte entre gênero e materialidade desaparece, salvo quando as editoras queriam identificar suas coleções ou sua produção inteira a partir da forma ou do formato dos textos. Algumas vezes, pode aparecer de novo uma relação entre gênero, formato ou materialidade. Por exemplo, na França, a Série Noire, da Gallimard (Paris), é uma coleção de romances policiais que tem um formato homogêneo, sempre o mesmo, facilmente reconhecido. Ou essa relação poderia existir para a coleção Harlequin, das Éditions Harlequin (Toronto), para leitoras – mas não somente leitoras, também leitores –, composta por romances sentimentais e cujos livros sempre tinham, quando eram vendidos nos Estados Unidos, o mesmo pequeno formato in-octavo, além da mesma materialidade ou uma capa com uma ilustração, tornando-os imediatamente identificáveis em uma livraria.

Então, essa relação entre materialidade e gênero não desaparece no mundo contemporâneo, mas toma novas formas e persiste.

Podemos estudar tais efeitos sobre os leitores que, quando entram numa livraria ou biblioteca, são guiados até os gêneros a partir de suas percepções dos objetos impressos em suas diferentes materialidades.

Próximo ao final do texto do senhor publicado em Portugal (CHARTIER, 2020aCHARTIER, Roger. Literatura e cultura escrita: Permanência das obras, mobilidade dos textos, pluralidade das leituras. In: CHARTIER, Roger; RODRIGUES, José Damião; MAGALHÃES, Justino (Org.). Escritas e cultura na Europa e no Atlântico Modernos. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2020a, p. 19-39., p. 36), há uma reflexão sobre o fato de, para o caso da literatura, os passados serem sempre, de alguma forma, vivos, em relação aos quais novas criações se inspiram ou se distanciam. Atualmente, tem-se verificado o que vem sendo chamado de “cultura do cancelamento”. Como muitos sabem, trata-se de uma prática nascida na internet de denunciar e/ou excluir alguém das redes sociais por conta de seu comportamento considerado inadequado, preconceituoso e, sobretudo, criminoso, quando se apregoam o sexismo, a homofobia, o racismo. Essa prática pode recair também sobre as obras, quaisquer que sejam suas áreas do conhecimento ou procedência autoral. No Brasil, isso ocorre com escritores considerados racistas, como Monteiro Lobato, cogitando-se, inclusive, a proibição de sua inserção em currículos escolares. Observando tais questões e a força de inspiração ou de distanciamento dos passados dessas criações, como o senhor avalia os movimentos de “cancelamento” de textos e/ou autorias até então integrantes dos cânones nacionais ou que eram classificados como clássicos de determinadas literaturas?

Acho que podemos começar com uma distinção entre conhecimento e celebração. No primeiro caso, parece-me que podemos ou devemos localizar cada obra no seu contexto histórico, o tempo de sua composição e impressão ou nos horizontes de representações coletivas que encontravam a publicação ou que inspiravam os escritos. Dessa maneira, podemos evitar impor sobre as obras do passado categorias que são, geralmente, as nossas. A partir dessa perspectiva, todo o passado da escrita literária ou intelectual pode ser um objeto de estudo e, nesse caso, não há nem necessidade, nem justificativa para o “cancelamento”. Todos os textos, mesmo os mais horríveis que foram publicados, podem ou devem ser objetos dessa abordagem analítica, inclusive Mein Kampf, de Adolf Hitler (1925)HITLER, Adolf. Mein Kampf. Munique: Eher, 1925.. A questão é diferente quando se desloca do conhecimento que se deve considerar em todo o passado, mesmo para obras que nos aborrecem, para a celebração canônica.

De fato, há formas de celebrações ou de canonizações (eventos públicos, leituras impostas) desenvolvidas sem nenhum aparato crítico. Aqui há uma outra perspectiva, porque se devem introduzir, nos critérios do julgamento, elementos que se ligam à sensibilidade, aos direitos, aos sofrimentos dos leitores de hoje em relação com o passado e que podem justificar procedimentos de exclusão (sem proibir, com certeza, o estudo histórico).

Um exemplo que foi e é discutido na França é o caso do escritor Louis-Ferdinand Céline, que é visto – não por mim, mas por muitos críticos e leitores – como autor de uma obra literária de grande força, pela invenção no uso das palavras, no estilo, mas que havia publicado, durante os anos 1930, panfetos antissemitas absolutamente horríveis. Então, o que fazer com a obra de Céline? Parece-me que, como objeto de conhecimento, como edição crítica (incluindo os textos que foram excluídos por seus herdeiros literários), é necessário produzir um efeito contrário ao “cancelamento”, pois esses panfetos que foram excluídos de sua obra pertencem ao corpus de Céline e devem ser publicados, numa forma que localize o momento de sua elaboração e o contexto de sua produção, não para neutralizar a obscenidade dos textos, mas para contribuir com o conhecimento histórico deles, ainda que pareçam insuportáveis. Céline escreveu esses textos; são partes de sua obra. Mas quando, para o mesmo Céline, havia a ideia de que se deveria introduzir seu nome na lista dos personagens honrados com glórias nacionais, parece-me normal que seu nome fosse suprimido.

Nesse sentido, pode existir uma prudência no tocante à circulação dos textos. Por exemplo: pode-se editar hoje uma nova publicação de Mein Kampf, ainda que se discuta se isso é útil ou não, sobretudo no caso de uma tradução ao francês. Mas, para aqueles que se interessam por Mein Kampf, como objeto histórico, parece-me que devem ter a competência para ler o livro em alemão. Assim, pode-se discutir a relevância de sua edição, inclusive numa edição crítica, com uma enorme quantidade de notas. A recente edição científica publicada pela Fayard encontrou um sucesso problemático e, talvez, inquietante. E sabemos que, na França, são proibidos os textos negacionistas.

Desse modo, vê-se que a distinção entre conhecimento e celebração é absolutamente essencial. É preciso, portanto, deixar essa oposição teórica bem evidente, quando alguns ou muitos casos apresentam dificuldades.

Estamos diante de uma situação que se deveria repetir para muitos autores e que precisa de uma forma de compromisso, de uma análise precisa daquilo que se deve fazer para que a obra não seja “cancelada”, mas que, ao mesmo tempo, destaquem-se alguns aspectos que não poderiam ser recebidos hoje sem discussão ou contextualização. Hoje, esses escritos e autores podem ser objeto de uma apreciação crítica na edição do texto, de uma apresentação didática dele. É somente começando com uma forte distinção entre conhecimento e celebração que poderemos, depois, considerar para cada caso singular as formas de compromisso possíveis para evitar tanto o “cancelamento” cego, quanto a ausência de reflexão sobre a diferença dos tempos, acerca do que parecia normal, evidente, sem implicar um engajamento ideológico muito forte, mas que hoje parece insuportável diante das transformações das sociedades e das culturas. Precisamos de um julgamento prudente para encontrar a melhor forma de manter uma presença explicada, localizada, historicizada.

Os trabalhos do senhor demonstram que, do ponto de vista teóricometodológico, é necessário identificar morfologicamente as diferentes modalidades de inscrição e transmissão dos discursos, para que possamos reconhecer melhor a pluralidade de operações, agentes e instituições implicados na emergência de quaisquer textos, além dos efeitos produzidos por suas formas materiais. Assim, uma abordagem histórica da literatura consistiria em reconstruir os sistemas de representações que tais escritos integram, sincrônica e diacronicamente, bem como os usos que podem ser feitos a partir de suas circulações. Quando se estudam traduções, no entanto, as dificuldades aumentam, pois temos que atentar, no mínimo, tanto à configuração que seleciona determinado escrito e certa autoria para ingressar num circuito estrangeiro, quanto ao novo espaço receptivo. Mas como mapear essas trocas editoriais e culturais se os discursos não são equivalentes e se há desequilíbrios nessas relações que impactam diretamente a salvaguarda de documentos e fontes sobre esses processos?

Essa é uma pergunta que se dirige aos trabalhos que fiz nos últimos anos e que se dedicam, quase exclusivamente, à tradução e às traduções.

Menciono um primeiro livro (CHARTIER, 2020bCHARTIER, Roger. Mobilidade e materialidade dos textos: Traduzir nos séculos XVI e XVII. Chapecó: Argos; Salvador: EdUFBA, 2020b.)5 5 A edição brasileira foi resenhada no n. 76 de Varia Historia (BEZERRA, 2022). que foi publicado com quatro ensaios sobre a Brevísima relación de la destrucción de las Indias, de Bartolomé de Las Casas (1552)LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destrucción de las Indias. Sevilha: Sabastian Trugillo, 1552.,Baltasar Gracián (1647)GRACIÁN, Baltasar. Oráculo manual y arte de prudencia. Huesca: Juan Nogués, 1647. e as traduções de seu Oráculo manual y arte de prudencia; e Antônio José da Silva (1744)SILVA, Antônio José da. Vida do grande Dom Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança. In: Teatro comico portuguez ou Collecçaõ das operas portuguezas, que se representaraõ na Casa do Teatro publico do Bairro Alto de Lisboa. 2 v.. Lisboa: Regia Oficina Sylviana; Academia Real, 1744, p. 12-109., cujo Don Quixote era, ao mesmo tempo, uma migração entre gêneros (do romance para a peça teatral), porque Silva se inspirara na segunda parte de Don Quixote, e uma tradução entre línguas, porque se poderia considerar como uma primeira “tradução” de Don Quixote ao português, quando a verdadeira seria publicada somente em 1798.

É, então, um tema que me parece importante em relação também com as discussões contemporâneas sobre o intraduzível, que é, entretanto, traduzido; bem como acerca da globalização de um mundo que não tem uma língua universal; ou todas as refexões dos linguistas sobre as diferenças morfológicas entre idiomas que podem tornar muito difícil uma tradução ou deixar quase impossível de a compreender como uma forma de identificação do outro no discurso.

Para ver ou discutir as dificuldades que você mencionava, parece-me que há vários dispositivos. Vou-me referir a três. O primeiro se vincula às suas palavras sobre desigualdade, desequilíbrio, porque, em cada momento, um elemento essencial consiste em compreender quais são as línguas cujas obras se traduzem e quais traduzem sem estarem traduzidas. E há um desequilíbrio que é totalmente esquecido na história da literatura. Na Primeira Modernidade, os textos italianos ou em espanhol são traduzidos rapidamente e quase universalmente na Europa, pelo menos na parte ocidental, em particular na Inglaterra, enquanto os textos ingleses não circulam e não são traduzidos. Um caso é o de Don Quixote, que foi traduzido para o inglês em 1612, sete anos depois da primeira edição, a única que existia. Supõe-se que o texto traduzido havia circulado na forma manuscrita, antes mesmo da versão impressa. Hamlet, de Shakespeare, é traduzido pela primeira vez ao espanhol em 1798, por Leandro Fernández de Moratín, que havia passado um tempo na Inglaterra. O caso de Don Quixote corresponde, então, a uma forma extrema do desequilíbrio entre as recepções de obras por toda uma série de línguas, ao mesmo tempo que não são, elas próprias, traduzidas.

No mundo contemporâneo, os sociólogos da tradução têm mostrado essa desigualdade ou esse desequilíbrio entre as línguas que traduzem e são traduzidas – por exemplo, o inglês – e outras línguas que traduzem, mas não são traduzidas. Há inúmeras línguas no mundo que não são muito frequentemente traduzidas. Então, podemos fazer uma cartografia desses desequilíbrios e desigualdades. Será uma cartografia dinâmica, histórica.

O segundo dispositivo que me parece importante para discutir a sua observação é a identificação das razões que levam às traduções e que podem conduzir a uma transformação do texto no seu novo espaço de recepção. Aqui, parecem decisivas as diferenças entre as línguas, porque elas são tanto culturais quanto linguísticas. Eu pensava, por exemplo, em toda uma discussão que havia sobre a possibilidade ou não de traduzir a palavra “saudade”, porque, evidentemente, não é apenas uma questão linguística. A questão foi discutida entre José Eduardo Agualusa e seu tradutor para o inglês, e foi publicado como um artigo ou uma crônica no jornal O Globo em 2015. Esse caso era interessante porque as posições se tinham invertido: o tradutor, no texto de Nação crioula (AGUALUSA, 1997AGUALUSA, José Eduardo. Nação crioula. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.), não havia traduzido “saudade”, mas deixado o termo tal como era e acrescentado notas de pé de página. À época, Agualusa pensava que isso correspondia a um erro, que tudo se poderia traduzir e que o tradutor não deveria ser derrotado pelas palavras. Mas, quando discutem alguns meses depois, o tradutor havia mudado sua posição, refetindo que, efetivamente, tudo poderia ser traduzido. Desse momento em diante, passaria a traduzir “saudade” como homesickness, nostalgia, melancholy. Simultaneamente, contudo, Agualusa (2015)AGUALUSA, José Eduardo. Sobre o intraduzível. O Globo, Rio de Janeiro, 15 jun. 2015. Cultura, p. 35. havia mudado sua posição, dizendo que, de fato, havia algo irredutível nessa palavra, relacionado à sua raiz etimológica em “solidão”, “estar sozinho”, estar separado pela distância, mas compartilhando o mesmo sentimento pela emoção. Não havia, portanto, palavras em outras línguas que pudessem utilizar para traduzir essa relação. Trata-se de um desafo cultural porque a palavra “saudade” está carregada com sentidos que parecem impossíveis de estarem juntos em outra palavra para efetuar a tradução.

Algumas vezes, essa distância que explica as razões ou a impossibilidade de traduzir podem ser mais fortes. É o caso, por exemplo, da língua chinesa, pois no mandarim os verbos não possuem tempos e, dessa maneira, se existe uma temporalidade num poema, ela não se expressa através das palavras em si mesmas. Os verbos são invariantes. O que pode fazer um tradutor com isso? Se traduzir com um infinitivo, perde a temporalidade; se traduzir as diversas temporalidades, afasta-se da língua traduzida. Então, esses são os primeiros elementos da reflexão sobre os contextos e as razões das traduções.

Uma segunda questão, que é diretamente o seu ponto, seria considerar os vários contextos de tradução que, algumas vezes, se o texto não apresentar grandes dificuldades ou não introduzir muitas distâncias entre as línguas, podem-se vincular às distâncias de intenções e aos efeitos das traduções.

No ensaio que eu dediquei às traduções, muito numerosas, de Las Casas (CHARTIER, 2020bCHARTIER, Roger. Mobilidade e materialidade dos textos: Traduzir nos séculos XVI e XVII. Chapecó: Argos; Salvador: EdUFBA, 2020b.), vê-se bem que, quando o texto é traduzido para o alemão, o francês e o inglês, no mundo protestante; depois ao italiano, no contexto do confito entre Veneza e o Papa, e ainda na Catalunha, no momento de uma primeira independência catalã nos anos de 1640, todos esses contextos, sem que o texto seja modificado literalmente, introduzem horizontes de circulação, de recepção e de compreensão muito diferentes – e se poderia dizer exatamente o mesmo para as edições em espanhol de Las Casas, porque, em 1552, tratava-se de um texto que era uma crítica radical da política dos conquistadores e da monarquia, sendo que, quando o texto foi retomado, no começo do século XIX, para as guerras de independência da América Latina, o sentido foi quase invertido: eram os crioulos que se reivindicavam como se fossem os indígenas americanos, vítimas da e opostos à Coroa espanhola. Assim, os contextos de reedição e de tradução podem ser considerados de maneira paralela.

Ainda sobre este ponto, um outro exemplo que me parece espetacular é o caso de Baltasar Gracián. Em 1647, seu Oráculo manual y arte de prudencia define uma moral da dissimulação necessária em um mundo corrupto e se dirige a todo indivíduo capaz de entender o estilo denso e metafórico de Gracián. Em 1684, há uma tradução francesa que muda o título para L’Homme de cour e considera que esse texto corresponde a uma série de regras para a vida na sociedade e na sociabilidade de corte. Para tanto, usa uma palavra que não aparecia no texto de Gracián (1684)GRACIÁN, Baltasar. L’Homme de cour. Paris: Veuve-Martin et Jean Boudot, 1684., que é o termo “cortês” ou “cortesão”, logo convertido na identidade, no próprio estatuto da obra. Isso o torna um manual para seguir ou compreender os comportamentos necessários na corte. É uma transformação radical do sentido do texto. E por que o fez Amelot de la Houssaie, que é tradutor francês, no contexto dos anos 1680? Ora, porque é um momento no qual a corte desloca-se para Versalhes. No palácio, identificava-se esse texto sobre a prudência como um manual do comportamento cortês, o que explica por que Norbert Elias (1993, p. 214; p. 290-291ELIAS, Norbert. O processo civilizador. V. 2 – Formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.; 2001, p. 124; p. 300)ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. utiliza Gracián em seus livros para dizer que é o primeiro registro definidor da psicologia do cortesão um livro onde, no entanto, nunca se encontrava a palavra “cortesão”. Elias havia lido a tradução francesa de Houssaie (e mesmo se tivesse lido alguma versão alemã do século XVIII, teria encontrado um resultado idêntico, porque estas se basearam naquela realizada por Amelot de la Houssaie).

Algumas vezes, portanto, a tradução define o estatuto e a posteridade de um texto de uma maneira muito afastada do original. É possível, nos séculos XIX e XX, encontrar exemplos paralelos desse tipo de transformação do sentido, ligados à pluralidade dos contextos de tradução ou, inclusive, com dificuldades em relação à herança cultural ou às singularidades gramaticais das línguas.

Para terminar, parece-me que tudo isso só pode ser realizado se reduzirmos a escala de observação. Novamente, podemos encontrar em Auerbach (1971)AUERBACH, Erich. Mimesis: A representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1971. a análise do fragmento, do detalhe, do trecho particular, porque é somente dessa forma que conseguimos aprofundar a análise. Todos esses elementos podem ser mobilizados no estudo das traduções de uma mesma obra, como no caso da Brevísima relación de la destrucción de las Indias, de Las Casas (1552)LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destrucción de las Indias. Sevilha: Sabastian Trugillo, 1552., ou seguindo uma só palavra no texto, por ela ser emblemática ou um neologismo. Eu fiz isso para uma pesquisa sobre o Il libro del cortegiano, de Baldassare Castiglione (1528)CASTIGLIONE, Baldassare. Il libro del cortegiano. Veneza: Case d’Aldo Romano & d’Andrea d’Asola suo suocero, 1528.. Nesse caso, há uma palavra, sprezzatura, que define todo o comportamento do cortesão, porque é a sprezzatura que permite respeitar a graça que é necessária na fala e na conduta do cortesão. Sprezzatura era quase um neologismo em italiano, o que era um problema para os tradutores para o espanhol, o francês, o inglês, o latim que, nos séculos XVI e XVII, confrontaram-se com a dificuldade de traduzir adequadamente uma palavra que era um paradoxo, pois sprezzatura significa algo como “não ter preço, não ter atenção, não ter cuidado”. Em italiano, como vocês sabem, o “s” inicial indica uma contraposição: prezzare/sprezzare. Castiglione havia, então, escolhido uma palavra pejorativa para caracterizar o comportamento mais essencial do cortesão. Era uma operação tanto lexicológica, gramatical, quanto sociocultural.

Assim, seguir como os tradutores tentaram imitar a estrutura da palavra e recuperar uma palavra negativa, em sua própria língua, para identificar o que seria necessário ao cortesão é um exemplo de estudo da tradução em pequena escala de observação.

Em uma entrevista concedida ao MidiaCult – Grupo de Estudos de História da Cultura Midiática da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em março de 2021 (CHARTIER, 2021CHARTIER, Roger. Representações das práticas, práticas da representação. Entrevistadora: Valéria dos Santos Guimarães. História (São Paulo), v. 40, p. 1-11, 2021.), o senhor propôs uma genealogia do conceito de representação e afirmou que ele é fundamental para demonstrar os mecanismos de construção de esquemas de pensamento e percepção da realidade. Essa talvez seja a maior contribuição da história cultural como o senhor a define, ou seja, a reflexão a respeito dos modos de classificação e categorização utilizados por uma dada sociedade, num determinado tempo e lugar, a respeito de qualquer um de seus produtos, seja uma obra literária ou um discurso político. No entanto, no que se convencionou chamar (pelo menos no Brasil) de história da historiografia, essa reflexão sobre os modos de classificação é frequentemente ignorada ou então minimizada. Ignora-se a historicidade das produções e se desenvolve um sistema de análise baseado estritamente na relação entre a cronologia da vida do autor e a sua obra. A que motivos o senhor atribui a resistência dos historiadores em incorporar reflexões já consolidadas a respeito da análise de outras obras, como as literárias? Em outras palavras, por que, nos estudos da produção historiográfica, a respeito de sua própria prática, os historiadores insistem numa análise “vida e obra”?

Muito obrigado por essa pergunta, pois, de uma certa maneira, é uma questão que nos oferece a possibilidade para chegar a uma conclusão que possa unir vários elementos que temos discutido. Porque, quando você menciona esta resistência, esse paradigma da relação direta e exclusiva entre vida e obra, refere-se ao que debatemos sobre o fato de que é no século XVIII que se instala esse paradigma para escrever as biografias literárias ou intelectuais.

Tal modo de pensar se localiza, dessa maneira, na ruptura ou na descontinuidade do século XVIII, quando se começa a refletir de uma forma diferente, que vai conduzir a nossa modernidade à relação entre uma criação cultural, intelectual ou literária e as experiências da vida de um indivíduo. Tal resistência tem, então, essa primeira razão. O que me parece é que herdamos esse modelo de compreensão e que talvez seja necessário seguir, tanto para os autores que hoje deixam as possibilidades para esse cruzamento entre vida e obra, quanto retrospectivamente, em face das dificuldades que se encontram no caso de autores anteriores ao século XVIII. Nestas situações, precisamos superar os obstáculos para encontrar os recursos, os documentos, os arquivos que podem nutrir esse tipo de compreensão das obras em relação com as vidas.

Além disso, parece-me que você tematiza as reticências que há para inserir na prática historiográfica as categorias mencionadas no começo de sua intervenção, como a de representação e também (porque se podem vincular a ela) as noções de habitus ou de campo, que se encontram na obra de Bourdieu. A noção de representação pode ser uma maneira importante de evitar uma forma de anacronismo, porque permite situar cada indivíduo dentro de um conjunto compartilhado de concepções, de percepções do mundo social, que definem os critérios de apreciação, de julgamento.

Dessa maneira, o indivíduo se localiza dentro de uma trajetória compartilhada por outros indivíduos que tenham conhecido o mesmo destino social. Há, então, uma possibilidade, ou uma necessidade, de localizar o indivíduo singular dentro de um sistema de representações que compartilha com outros no mesmo momento histórico. Mas, para evitar, talvez, a relação entre vida e obra em uma escala estritamente individual, parece-me que a noção de campo (pode-se falar de espaço, de domínio, não importa tanto a palavra), seria essencial, porque permite localizar a prática intelectual, artística, estética, de um indivíduo particular em um espaço social de afrontamentos, relações, oposições e, assim, impor uma modalidade de pensar de forma relacional. Inclusive, se você está fazendo uma biografia de um indivíduo particular é preciso levar em conta que o que foi escrito ou feito por esse indivíduo depende, conscientemente ou não, de sua localização em um espaço de combate, de discussão, de disputa que, por sua vez, define o sentido de sua própria contribuição.

O que importa é entender e praticar esse modo de pensamento relacional. O indivíduo não é somente um gênio singular, pois sempre compartilha esquemas de pensamento, de percepção e de representação com os outros que tenham tido a mesma trajetória social. É o que ensina o conceito de habitus social. E essa forma de organizar a percepção do mundo que está presente nas obras, qualquer que seja o gênero, não se define somente como a projeção da individualidade na obra, mas também pela posição de tal obra em um mundo social, cultural, intelectual, estético, que teria sua configuração particular em um momento histórico dado. É por isso que, à dimensão de recuperação diacrônica do passado da disciplina ou da prática, deve-se agregar ou vincular uma outra dimensão, a realidade das relações múltiplas, confitivas ou colaborativas, entre um indivíduo singular e os outros que, quaisquer que sejam (mas, nesse caso, trata-se de sua trajetória social), participam do mesmo espaço de criação.

Acredito ser possível, assim, evitar o engano da biografia estritamente individual, que esquece tanto o fato de que cada indivíduo é também socialmente construído, quanto a historicidade de uma prática, qualquer que seja, pois ela sempre está localizada em um espaço coletivamente construído. Sem abandonar a ideia de biografia, seria necessário situar o gênero biográfico em uma reflexão mais profunda sobre individualidade e representações coletivas, entre as escolhas singulares e as relações, percebidas ou não, que as podem explicar.

Seria uma maneira de localizar os gêneros tradicionais da historiografia dentro de uma perspectiva sociológica ou histórica, que abre novas formas de pensar tanto para as trajetórias individuais, quanto para as obras em si.

Muito obrigado, professor Chartier, por nos conceder, remotamente, esta entrevista.

Muito obrigado. Isso demonstra que Agualusa tinha razão: a saudade é uma mistura de vários sentimentos: a tristeza da ausência, mas também uma forma forte de presença!

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    A transcrição foi feita pela equipe do CEMOPE, grupo de pesquisa dirigido por Cristina Ferreira (FURB), contando com as colaborações de Ana Carolina Zimmermann, Ana Caroline Oliani, Ana Caroline Rodrigues, Bruno Barbera, Giovanna Ferraz, Marina Ramos, Martin Bachmann, Rafaela Steyer e Tiago Lenz. Os créditos completos estão disponíveis na primeira parte da entrevista (CHARTIER, 2022aCHARTIER, Roger. A mobilidade dos textos, o livro como metáfora e o universo digital. Entrevistadores: André Furtado e Anna Coelho. Varia Historia, v. 38, n. 76, p. 311-324, jan./abr. 2022a., p. 312).
  • 2
    Ver, entre outros estudos do mesmo autor, Bourdieu (2004)BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: Por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Ed. Unesp, 2004..
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    Ver, em especial: Chartier (2022b, p. 621-627)CHARTIER, Roger. Materialidade dos escritos, constituição de acervos e a função-autor. Entrevistadores: André Furtado e Anna Coelho. Varia Historia, v. 38, n. 77, p. 611-628, maio/ago. 2022b..
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    Em tradução livre, a expressão latina significa algo como “curso de honras”. Tratava-se de uma espécie de conjunto de escalas para que, desde a Antiguidade e, particularmente, na República Romana, mas também no início do Império, fosse possível aos homens de posição senatorial galgar novos postos de caráter público, sobretudo vinculados à administração política ou da área militar.
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    A edição brasileira foi resenhada no n. 76 de Varia Historia (BEZERRA, 2022BEZERRA, Valéria Cristina. As vidas das obras: Reinvenção e circulação de textos. Varia Historia, v. 38, n. 76, p. 301-308, jan./abr. 2022.).

Referências

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  • BEZERRA, Valéria Cristina. As vidas das obras: Reinvenção e circulação de textos. Varia Historia, v. 38, n. 76, p. 301-308, jan./abr. 2022.
  • BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: Por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Ed. Unesp, 2004.
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  • CHARTIER, Roger. Mobilidade e materialidade dos textos: Traduzir nos séculos XVI e XVII. Chapecó: Argos; Salvador: EdUFBA, 2020b.
  • CHARTIER, Roger. Representações das práticas, práticas da representação. Entrevistadora: Valéria dos Santos Guimarães. História (São Paulo), v. 40, p. 1-11, 2021.
  • CHARTIER, Roger. A mobilidade dos textos, o livro como metáfora e o universo digital. Entrevistadores: André Furtado e Anna Coelho. Varia Historia, v. 38, n. 76, p. 311-324, jan./abr. 2022a.
  • CHARTIER, Roger. Materialidade dos escritos, constituição de acervos e a função-autor. Entrevistadores: André Furtado e Anna Coelho. Varia Historia, v. 38, n. 77, p. 611-628, maio/ago. 2022b.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2021
  • Aceito
    08 Jan 2022
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