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Legados em vida A Fundação Mário Soares e o Instituto Lula: Projetos políticos e valores democráticos no mundo lusófono

Resumo

Nas últimas décadas, as democracias contemporâneas de corte republicano têm acompanhado a iniciativa de ex-chefes de Estado em promover a criação de entidades que se voltam à defesa e à divulgação do legado de seus governos. Essas iniciativas, cujo ponto de referência são os museus-bibliotecas presidenciais dos Estados Unidos, avançam pela Europa e pela América Latina, e têm na Fundação Mario Soares (FMS), sediada em Lisboa, e no Instituto Lula (IL), em São Paulo, duas experiências significativas. Criadas e conduzidas pelos seus respectivos patronos, ambas são exemplares de uma nova geração de centros memoriais presidenciais que operam em registro múltiplo: são órgãos de caráter civil que reúnem condições legais para receber apoio privado e subvenções públicas; promovem a organização e a divulgação dos acervos dos presidentes, assim como lançam programas que giram em torno da presença histórica do patrono e de sua agremiação. São, também, plataformas que agregam ideias e proposições dirigidas para os destinos do país. Nosso foco, no presente texto, concentra-se em três questões relativas à trajetória da FMS e do IL: perfil institucional, narrativa política e projetos estratégicos.

Palavras-chave
Presidência da República; centros memoriais presidenciais; legados políticos

Abstract

In recent decades, contemporary democracies have watched initiatives led by former heads of state that sought to establish entities dedicated to preserving and publicizing the legacies of their administrations. This growing trend, inspired by the presidential museumlibraries of the United States, is gaining momentum across Europe and Latin America. The Mario Soares Foundation (FMS), based in Lisbon, and the Lula Institute (IL), in São Paulo, constitute two important experiences. Both institutions, founded and overseen by their respective patrons, exemplify a new breed of presidential memorial centers that operate within a multifaceted framework: they are civil organizations that meet the legal conditions to receive private support and public subsidies; they curate and disseminate the presidents’ collections, while also spearheading programs that revolve around the historical presence of the patron and his party. Furthermore, they serve as platforms that bring together ideas and propositions about the country’s destinies. This article focuses on three facets of the trajectories of the FMS and the IL: their institutional profiles, the political narratives they embody, and the strategic projects they endorse.

Keywords
Presidency of the Republic; presidential memorial centers; political legacies

Os presidentes da República, independentemente dos sistemas de governo, são peças-chave na estrutura e no modus operandi das democracias contemporâneas. À presidência, são costumeiramente atribuídas responsabilidades em áreas sensíveis do Estado, como a das relações externas, da defesa interna e da relação entre os poderes. Cabem ainda ao mandatário, em sistemas presidencialistas e mesmo em semipresidencialistas, responsabilidades diretas de governo.

À presidência, estão associadas também prerrogativas relativas ao exercício exclusivo e soberano da graça individual e do indulto para condenados. A esse respeito, Gloeckner, com base em Hespanha ( 2010HESPANHA, António Manuel. A política perdida: Ordem e governo antes da modernidade. Curitiba: Juruá, 2010., 2012HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Alameda, 2012.), assinala que a clemência, ou a “economia da graça”, tem origem na formação dos regimes monárquicos, sendo conectada “ao direito régio e à própria figura do rei, que se deveria fazer amar mais do que ser temido”. Nessa relação, o direito penal “não era a única forma de se exercer o controle social (uma vez que à deontologia do poder de reinar também se acrescia o exercício da clemência)”. A graça, alerta Gloeckner, “não era arbitrária, estando em franca relação com o Bem supremo”. Assim, conclui, “o poder do príncipe sobre a clemência é justificad[o] não como uma violação da justiça, mas como o seu complemento, ou seja, como clemência suprema”. 1 1 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Os paradoxos da concessão de graça pelo Presidente da República. In: Canal Ciências Criminais, 11 ago. 2022. Disponível em: https://canalciencias\criminais.com.br/os-paradoxos-da-concessao-de-graca-pelo-presidente-da-republica. Acesso em: 1 maio 2023.

Temos, dessa maneira, uma figura política sui generis que integra o sistema político-institucional ao mesmo tempo que se sobrepõe a ele, sendo que, nessa figura, estão fundidas as exigências tanto do tempo das circunstâncias, das disputas diuturnas pelo poder, quanto da aplicação da justiça e do exercício do bem. O monarca seria o responsável último pela proteção daquela nacionalidade. Na República, porém, as prerrogativas de governo e as da soberania se esgotam ao fim do mandato presidencial, quando o até então detentor daqueles encargos retorna à condição civil, à vida ordinária. Independentemente disso, há por parte dos governos a adoção de medidas no sentido de resguardar a segurança pessoal do presidente e de seus familiares. Esse circuito apenas se completa, portanto, quando se leva em conta também a figura do ex-presidente.

Quando voltamos os olhos para a trajetória dos ex-presidentes dos Estados Unidos da América, por exemplo, há dois aspectos que nos mostram como a mística que envolve e compõe a presidência se estende para o ex-detentor do cargo. Levitsky e Ziblatt ( 2018, p. 128LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.), ao examinarem as regras informais que balizam a democracia daquele país, chamam a atenção para o exercício contínuo, por parte dos presidentes da República, de políticas de comedimento, seja nas suas relações com os tribunais, seja com o Congresso. Segundo esses autores, “com exceção dos tempos de guerra, eles [os presidentes] foram criteriosos em seu uso de ordens executivas”. E arrematam: “Mesmo na ausência de barreiras constitucionais, a ação executiva unilateral configurou exceção de tempos de guerra, em vez de regra”.

Findo o mandato, essa regra informal é adaptada à nova situação, sendo que, agora, ao ex-presidente, cabe manter posição digna, discreta, abnegada, voltada ao bem comum e afastada das refregas político-­partidárias. Recentemente, porém, durante e depois da presidência de Donald Trump, a política de comedimento tem dado lugar a e acirrado o que a literatura vem chamando de “jogo bruto constitucional” ( constitutional hardball) ( LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, pp. 169-193LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.).

A par dessa postura sobranceira e afastada dos ex-mandatários, ainda amplamente majoritária entre eles, mantém-se a tradição do seu envolvimento direto em reunir condições para erguer entidades/monumentos, em geral nos seus estados de origem, que têm como principal objetivo fixar seus nomes na longa história presidencial daquele país. São os museus ou bibliotecas presidenciais que se responsabilizam por recolher, organizar e divulgar as realizações do presidente, mas especialmente da Presidência. Essas entidades costumam ser erguidas por fundos privados e doadas à União quando os documentos são lá depositados. 2 2 Sobre as bibliotecas e os museus presidenciais norte-americanos, ver um apanhado legal e histórico em Novaes ( 2014, pp. 45-61). Ver, também: ARDAILLON, Danielle. Entrevistadora: Luciana Heymann. FGV CPDOC, 2007, p. 24-25. Disponível em: https://www18.fgv.br/\cpdoc/storage/historal/arq/Entrevista1518.pdf. Acesso em: 1 maio 2023. São, em maioria, arquivos de governo e compõem uma ampla rede que é administrada pelo Office of Presidential Libraries [Escritório das Bibliotecas Presidenciais] – órgão vinculado à National Archives and Records Administration [Administração Nacional de Arquivos e Registros]. 3 3 A esse respeito, ver NATIONAL ARCHIVES. Presidential Libraries. Disponível em: https://www.archives.gov/presidential-libraries. Acesso em: 1 maio 2023.

Fora dos Estados Unidos, há várias iniciativas, por parte de ex-presidentes e/ou de correligionários, de criação de centros memoriais que terminam por não reproduzir o modelo monumental acima mencionado. A par da constituição de memoriais oficiais que são voltados para homenagens póstumas a presidentes consagrados como “heróis da Pátria”, 4 4 Ver, por exemplo, o mausoléu consagrado ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez nas dependências do Cuartel de la Montana, localizado nas imediações de Caracas. Ali estão depositados seus restos mortais. INFOGRAFÍA: Así es la flor donde descansa Chávez. In: Últimas Noticias, 17 mar. 2013. Disponível em: https://web.archive.org/web/20140103205624/<http:/www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/ciudad/parroquias/infografia\-\--asi-es-la-flor-donde-\descansa-chavez.aspx. Acesso em: 1 maio 2023. temos assistido, nas últimas décadas, à formação de entidades que operam em um registro múltiplo: são órgãos de caráter civil que reúnem condições legais para receber apoio privado e subvenções públicas; promovem a organização e a divulgação do acervo do presidente, assim como lançam programas que giram em torno da presença histórica do patrono e de sua agremiação; são também, por fim, plataformas que agregam ideias e proposições dirigidas para os destinos do país. 5 5 A esse respeito, ver a experiência do Instituto Patria, criado e presidido por Cristina Kirchner, atual vice-presidente da Argentina, em Instituto Patria: Pensamiento, Acción y Trabajo para la Inclusión Americana. Disponível em: https://www.institutopatria.com.ar/. Acesso em: 1 maio 2023.

No mundo lusófono, há algumas iniciativas importantes relativas à criação de centros memoriais presidenciais que, de forma articulada, têm atuado nos campos acima mencionados: o da guarda documental, o da narrativa histórica e o da discussão de agendas de futuro. Dois desses centros são coirmãos: a Fundação Mário Soares e Maria Barroso, com sede em Lisboa, e a Fundação Fernando Henrique Cardoso (FFHC), localizada em São Paulo. A segunda, de acordo com o depoimento expresso de Cardoso, foi diretamente inspirada na primeira. 6 6 CARDOSO, Fernando Henrique. Entrevistadora: Luciana Heymann. FGV CPDOC, 2007, p. 15-16. Disponível em: https://www18.fgv.br/cpdoc/storage/historal/arq/Entrevista1519.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.A respeito desse tema, como também do trabalho levado adiante pela Fundação Fernando Henrique Cardoso em torno da construção do patrono, ver estudo de Heymann ( 2009, pp. 51-65). O Instituto Lula, liderado pelo atual presidente, também com sede em São Paulo, é mais um desses centros que, mesmo tendo sido criado, na década de 1990, com outros propósitos e outro nome, tem recentemente, sob a designação atual, se destacado em seu papel de entidade diretamente vinculada ao nome e à trajetória de seu patrono.

No presente trabalho, ao tomarmos como objeto a atuação da Fundação Mário Soares (FMS) 7 7 Optamos, neste texto, por denominar a atual Fundação Mario Soares e Maria Barroso pela sua designação original: Fundação Mario Soares (FMS). e do Instituto Lula (IL), iremos avançar em um duplo território. Em um primeiro movimento, interessa-nos construir um perfil de cada uma dessas entidades, levando em conta aspectos como: a constituição do centro memorial, articulações, equipes; montagem e políticas de acervo; programas de divulgação externa e realização de eventos; projeção nacional e internacional.

Outra investida de análise terá como objetivo estudar as narrativas que têm sido produzidas no âmbito dessas entidades em torno de seus patronos e da família política correspondente – a socialista e a petista, assim como iniciativas e projetos que podem ser vistos como estratégicos para o futuro da FMS e do IL. O foco recairá na Casa Comum, uma plataforma organizada e mantida pela FMS que disponibiliza ampla documentação oriunda de países e organizações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e no Memorial da Democracia, um museu virtual produzido pelo Instituto Lula “com o objetivo de contribuir para o resgate da memória das lutas de nosso povo pela democracia, pela igualdade e pela justiça social”. 8 8 Memorial da Democracia. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/. Acesso em: 1 maio 2023. Ao final, a título de balanço, são apresentadas breves reflexões em torno do papel desses centros de memoriais nos espaços públicos das democracias contemporâneas.

Fundação Mário Soares: Formação e perfil institucional

As duas entidades que são objeto deste trabalho foram criadas na década de 1990. A FMS, estabelecida em 1991, deu início às suas atividades cinco anos depois, logo após o término do segundo mandato presidencial de Mário Soares (1991-1996). O ex-presidente, por ocasião da inauguração da entidade, explicitou em breve depoimento à Rede de Televisão Portuguesa (RTP) dois pontos importantes sobre o que pretendia com aquela iniciativa: ela não teria cunho partidário e muito menos alimentaria eventuais candidaturas a cargos públicos no futuro. Era um organismo voltado à cultura e que não deveria servir de “trampolim” a nada. Segundo Soares, “eu lá preciso de trampolim”. 9 9 INAUGURAÇÃO da Fundação Mário Soares. RTP Arquivos, 4 jun. 1996. Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/inauguracao-da-fundacao-mario-soares/. Acesso em: 1 maio 2023.

Soares, ao que tudo indica, preparou as condições para erguer a entidade no decorrer do seu primeiro mandato presidencial (1986-1991). Tanto é que, poucos meses depois de ter alcançado a reeleição por ampla margem de votos, tinha em mãos os nomes da equipe diretora, os recursos financeiros e a documentação necessária para lavrar a escritura da entidade em setembro de 1991. 10 10 ESCRITURA da Fundação Mário Soares, 12 set. 1991. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/fundacao/lei24/docs/escritura_fms.pdf. Acesso em: 1 maio 2023. Na ocasião, a FMS começava a ganhar forma, conforme os estatutos ali apresentados.

A FMS foi estabelecida como uma instituição de direito privado e de utilidade pública sem fins lucrativos, voltada para realizar, promover e patrocinar ações, estudos de caráter cultural, científico e educativo nos domínios dos direitos humanos, da ciência política e das relações internacionais. Mantida por recursos próprios, por subvenção pública e apoio privado via mecenato, a entidade, originalmente, foi composta pela presidência e pelos conselhos de administração, fiscal e geral. Mais tarde, criou-se um órgão executivo responsável por administrar o seu dia a dia. Em agosto de 2020, a FMS alterou seus estatutos, passando a ser designada Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Atualmente, tem como missão a promoção de uma cultura cívica e democrática inspirada na vida e nos legados de Mário Soares e Maria Barroso e a preservação e divulgação da memória histórica e da herança cultural do Portugal Contemporâneo, além de ter como princípios norteadores a liberdade, a tolerância, a solidariedade, a igualdade e a cidadania. 11 11 Ver os estatutos atualizados da entidade, em: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/fundacao/lei24/docs/03_estatutos.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.

Após o mandato na chefia de Estado, Soares assumiu a presidência vitalícia da entidade. Foi ladeado, no Conselho de Administração, pela filha, Maria Isabel Barroso Lopes Soares, e por correligionários e pessoas do seu círculo íntimo, tais como José Magalhães Saldanha Gomes da Motta, ex-militar, economista, empresário e diretor de suas campanhas à presidência da República; Carlos Augusto Pulido Valente Monjardino, empresário e depois Secretário Adjunto do Governador de Macau e presidente do Museu do Oriente; e António Augusto Serra Campos Dias da Cunha, empresário e ex-dirigente esportivo. Para o conselho fiscal, foram nomeados o jurista Artur Eduardo Brochado dos Santos Silva, além dos empresários Jorge Manuel Jardim Gonçalves e Raul de Almeida Capela. À frente do Órgão Executivo, foi escolhido o advogado Carlos Barroso, sobrinho de Soares, que permaneceu na administração da FMS por 24 anos, até sua morte, em maio de 2020. Já Alfredo Caldeira, outra figura importante no corpo administrativo da entidade, foi responsável, por décadas, por projetos relativos ao incremento do arquivo e da biblioteca da FMS.

A FMS, de início, teve como atividade prioritária promover a organização da documentação do seu patrono, o qual manifestara seu desejo de disponibilizá-la, o quanto antes, em vida ( CALDEIRA, 2005, p. 130CALDEIRA, Alfredo. Preservar e divulgar a memória. In: SEMINÁRIO DOCUMENTOS PRIVADOS DE TITULARES DE CARGOS PÚBLICOS, 2004, São Paulo. Documentos privados de interesse público: O acesso em questão. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2005, p. 129-149.). A par disso, levou adiante uma política de constituição de coleções que, nos dias de hoje, abriga vasta galeria de personagens do mundo político e cultural luso, cobrindo boa parte da história do republicanismo e do socialismo democrático daquele país. O arquivo comporta 73 fundos documentais, dos quais 68 são acervos pessoais. Há ainda fundos de periódicos, tais como o do Diário de Lisboa, e de instituições, tais como acervos, maiores ou menores, do Museu Maçônico/Grande Oriente Lusitano, da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), do Movimento das Forças Armadas (MFA) e do Partido Socialista (PS). 12 12 Esses dados foram colhidos na plataforma Casa Comum. Disponível em: http://casacomum.org/cc/arquivos. Acesso em: 1 maio 2023.

Os arquivos pessoais são, como se esperava, predominantemente masculinos, dado que se encontram depositados, até o momento, somente sete fundos de mulheres. Temos também ampla maioria de personalidades nascidas em Portugal. Há um brasileiro e um total de sete nomes oriundos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. No plano político-ideológico, há quatro eixos bem marcados. O primeiro deles engloba lideranças políticas e culturais vinculadas à história e à trajetória do republicanismo luso. O segundo agrega o ativismo antissalazarista e antifascista das décadas de 1930 a 1960. Nesse caso, há um subconjunto importante de nomes vinculados a grupos e organizações que estão na origem do Partido Socialista português. Em terceira vertente, há fundos de personalidades vinculadas ao 25 de Abril de 1974 – políticos de várias tendências das esquerdas portuguesas, com destaque para aqueles vinculados ao PS; jornalistas, escritores, ativistas, sindicalistas e militares identificados com a derrubada do regime salazarista. Por fim, há um eixo relacionado à luta anticolonial composto por fundos de personalidades ligadas à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), ao Movimento pela Libertação de Angola (MPLA) e ao Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Uma das decisões mais importantes da direção da entidade, no plano cultural, foi a criação da Casa Museu – Centro Cultural João Soares, localizada em Cortes, nas imediações da cidade de Leiria. 13 13 Ver maiores dados em: CASA Museu – Apresentação. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/casa_museu/apresentacao/. Acesso em: 1 maio 2023. Erguido em homenagem ao pai de Soares, o pedagogo e ativista republicano João Soares, o complexo reúne biblioteca, espaços educativos, exposições temporárias com objetos recebidos pelo patrono durante os seus governos, além de uma exposição permanente que cobre a história portuguesa do século XX. Composta por nove secções, a mostra dá ênfase à história do republicanismo e da luta pela democracia em Portugal. A última seção apresenta documentos variados sobre os anos da presidência de Mário Soares. 14 14 Ver dados sobre a exposição permanente: SÉCULO XX português: Os caminhos da democracia – João Soares/Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/casa_museu/exposicao_longa_duracao/. Acesso em: 1 maio 2023. A Casa Museu firma a imagem da família Soares na história política do país.

Desde meados da década de 1990, duas outras iniciativas da direção da FMS têm contribuído para estreitar os laços da entidade com o campo universitário português, nomeadamente com o Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL). Foram elas: a realização dos Cursos Livres de História Contemporânea, conduzidos em parceria com o IHC da UNL, e a instituição do Prêmio Mário Soares, concedido a cada ano a trabalhos acadêmicos originais voltados para o Portugal contemporâneo.

Ao lado dessas atividades regulares, a FMS abriga e promove eventos que têm levantado e discutido temas relativos aos destinos da democracia portuguesa, destacando-se, entre outras iniciativas, debates em torno dos Desafios da Democracia Deliberativa e Participativa, realizados na entidade em julho de 2022, além do ciclo de conferências Resistência no feminino – promovido pela UNL em parceria com a FMS ao longo de 2023 –, cujo principal objetivo é “resgatar memórias e testemunhos de mulheres que resistiram de diferentes formas à opressão, discriminação e repressão”. 15 15 APRESENTAÇÃO. In: Resistência no feminino. Disponível em: https://resistencianofeminino.fcsh.unl.pt/apresentacao/. Acesso em: 1 maio 2023.

A FMS, nas primeiras décadas do novo século, por conta do perfil do seu acervo e do prestígio nacional e internacional de seu patrono, reuniu condições para apoiar e dar sustentação à criação e à manutenção de centros memoriais espalhados pelo universo lusófono, nomeadamente em países como Guiné Bissau e Timor Leste. A presença da FMS se traduziu em iniciativas como: a guarda e a digitalização de acervos de líderes da luta anticolonial, que posteriormente foram doados aos países de origem; a realização de eventos acadêmicos conjuntos voltados para a importância da memória histórica; o preparo de quadros técnicos para centros coirmãos; além do envio de equipes técnicas da entidade encarregadas de desenvolver projetos de construção desses centros, tais como o Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro, erguido em Cacheu, Guiné Bissau, em julho de 2016. 16 16 Ver: INAUGURADO memorial de escravatura. In: União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, 9 jul. 2016. Disponível em: https://www.uccla.pt/noticias/inaugurado-memorial-\de-escravatura-em-cacheu Acesso em: 1 maio 2023. No mesmo passo, a FMS avançou em processos de integração com essas entidades através do projeto Casa Comum.

Mário Soares foi presença constante na FMS, vindo a participar com regularidade de eventos realizados pela entidade, fossem eles conferências, premiações, debates, homenagens etc.. Ali, manteve-se ativo e ao mesmo tempo abrigado dos embates diretos e imediatos que marcaram a vida partidária. Em nenhum momento, porém, manteve-se alheio ao debate público acerca de questões nacionais e internacionais. Após ser eleito deputado europeu (1999) e ter concorrido, sem sucesso, à chefia do Parlamento Europeu (2000), Soares fez ainda uma última investida no universo político-partidário quando disputou a presidência da República (2003), aos 81 anos. Alcançou apenas a terceira posição. Morreu em Lisboa em janeiro de 2017. Desde então, Maria Isabel Soares, sua filha, tem-se mantido à frente da FMS.

A FMS, como vimos, foi um dos frutos das vitórias presidenciais de Mário Soares. Para o líder socialista, passado o segundo mandato, cabia encontrar um lugar para si no debate público nacional e internacional. A FMS, em tese, deveria ser esse lugar – e, de fato, o foi.

Do governo paralelo ao Instituto Lula

A história da criação do Instituto Lula, por sua vez, foi bem diferente, tendo origem na primeira disputa presidencial do líder petista nas eleições de 1989. Na ocasião, o vitorioso, em segundo turno, foi Fernando Collor de Mello (Partido da Reconstrução Nacional), eleito com 49,84% dos votos. O candidato petista obteve no pleito 44,23% da votação ( ANT, 2022, pp. 172-184ANT, Clara. Quatro décadas com Lula: O poder de andar junto. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.).

Lula e sua equipe, após avaliarem as razões da derrota, buscaram, inicialmente, reunir a frente política formada no segundo turno da eleição com vistas a formular políticas públicas alternativas às do governo de Fernando Collor. Esse coletivo deveria funcionar nos moldes de um “governo paralelo”, tal como foi comum no Reino Unido. A proposta teve pouca adesão, mas abriu caminho para a criação de grupos de trabalho que começaram a formular projetos de modo a enfrentar os seculares problemas brasileiros. Para manter, articular e organizar o trabalho desses grupos, Lula tomou a iniciativa de criar, em 1990, o Instituto de Pesquisa e Estudo dos Trabalhadores (IPET), transformado três anos depois em Instituto de Pesquisa e Estudo da Cidadania (IC) ( ANT, 2022, pp. 172-184ANT, Clara. Quatro décadas com Lula: O poder de andar junto. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.).

Nos anos 1990, passada a febre de mobilizações que marcou a década anterior, a agenda liberal se impôs, seja pela via radical, durante a gestão de Fernando Collor, seja pela temperada, nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Para Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT), a última década do século foi de expansão e consolidação no campo das esquerdas a par de seguidas derrotas presidenciais (1994 e 1998).

Naqueles anos de entressafra política, Lula, depois de exercer a presidência do PT por alguns anos (1990-1994), fixou-se no Instituto de Pesquisa e Estudo da Cidadania. Ali, afastado do cotidiano da administração do partido, renovou o contato com figuras públicas e com quadros técnicos vinculados à universidade, tendo como norte a formulação de políticas públicas de cunho estratégico que dessem fundamento a um novo projeto de poder. Para tal, o IC promoveu, na década de 1990 e no começo dos anos 2000, inúmeros eventos que se desdobraram na aprovação de documentos-base sobre temas como segurança alimentar, reforma agrária, educação, Amazônia, Nordeste, moradia popular, combate à pobreza etc. ( ANT, 2022, pp. 184-194ANT, Clara. Quatro décadas com Lula: O poder de andar junto. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.). Vários desses documentos, mais tarde, foram incorporados à plataforma do candidato e ao programa de governo de Lula em seus dois primeiros mandatos presidenciais (2003-2010).

O líder petista, em 2011, fora do governo, criou o Instituto Lula (IL), sucedâneo direto do IC. Para isso, atendeu, em primeiro lugar, às exigências legais e práticas quanto à guarda e à manutenção do acervo em seu nome produzido durante os tempos da presidência. Afinal, conforme a legislação brasileira que dispõe sobre o assunto, fixada na Lei nº 8.394/91, 17 17 BRASIL. Lei nº 8.394, de 30 de dezembro de 1991. Dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8394.htm. Acesso em: 1 maio 2023. a documentação presidencial configura-se como um bem privado – daí a responsabilidade pessoal e intransferível do ex-mandatário sobre aquele conjunto – de interesse público ( LOPES; RODRIGUES, 2019LOPES, Bruna Pimentel; RODRIGUES, Georgete Medleg. Os acervos privados de presidentes da República no Brasil: Entre as noções de propriedade privada e interesse público. InCID, v. 10, n. 1, p. 64-80, mar./ago. 2019.). Em razão disso, caberia ao Estado, em tese, “definir políticas de apoio à pesquisa que estimulassem os proprietários dos arquivos a facultar o acesso a esses documentos” ( COSTA, 1998, p. 197COSTA, Célia Leite. Intimidade versus interesse público: A problemática dos arquivos. Estudos Históricos, v. 11, n. 21, p. 189-200, 1998.) . Na prática, uma vez que essas políticas de apoio não saíram do papel, o problema tomou vulto e foi assim resumido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “cuidar do acervo é obrigação, mas não há dinheiro”. 18 18 CRUZ, Bruna Souza; BEZERRA, Mirthyani. FHC na defesa de Lula: “Cuidar de acervo é obrigação, mas não há dinheiro”. In: UOL, 9 fev. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/02/09/fhc-na-defesa-de-lula-cuidar-de-acervo-e-\obrigacao-mas-nao-ha-dinheiro.htm. Acesso em: 1 maio 2023.

O IL, ao lado de se responsabilizar pelo acervo documental do seu patrono, foi também concebido como uma plataforma para manter em alta a presença e a projeção internacional do então ex-presidente. Daí o foco da entidade em três frentes de ação: no aprofundamento das relações com os países da África, no avanço da integração latino-americana e no combate à fome no mundo. O IL, no plano da memória política, promove a divulgação da história de Lula e de seus governos, além de criar um museu virtual voltado para a ampla divulgação do projeto Memorial da Democracia, 19 19 Memorial da Democracia. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/. Acesso em: 1 maio 2023. lançado em 2015.

Lula, assim como Mário Soares, nomeou pessoas do seu círculo íntimo para compor a diretoria da entidade, destacando-se os nomes de Paulo Sakamoto, administrador e companheiro dos tempos do sindicalismo; Paulo Vannuchi, jornalista e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2005-2010); Clara Ant, arquiteta e ex-assessora especial da Presidência da República (2003-2010); Luiz Dulci, professor e ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República (2003-2010); e Celso Marcondes, jornalista e assessor de comunicação de órgãos dos governos Lula. O IL constitui-se como uma entidade sem fins lucrativos, sem vinculações partidárias e religiosas e é mantido por doações de empresas e pessoas físicas.

A direção do IL, desde logo, concentrou seus esforços em construir uma agenda voltada para fixar a marca da entidade no circuito internacional, contando para isso com a boa aceitação do nome do patrono em fóruns e agências multilaterais. Duas iniciativas foram importantes para atingir esse objetivo: as dezenas de viagens que Lula e membros do IL realizaram para o exterior, nomeadamente para a África e para a América Latina, e a promoção de eventos acadêmicos e políticos sobre temas de alcance internacional em conjunto com entidades congêneres, tais como o Fórum do Progresso Social, realizado em Paris, em dezembro de 2012, em convênio com a Fundação Jean Jaurès. 20 20 Ver iniciativa e eventos do IL: CONHEÇA a história e as atividades do Instituto Lula, de 1990 a 2015. In: Lula, 6 jul. 2016. Disponível em: https://lula.com.br/conheca-historia-e-atividades-\do-instituto-lula-de-1990-2015/. Acesso em: 1 maio 2023. Essas investidas surtiram efeito e contribuíram para assegurar reconhecimento e recursos para a entidade.

No plano interno, porém, o quadro não é o mesmo. São inúmeras as dificuldades que a entidade tem enfrentado para garantir a preservação e a disponibilização do acervo do patrono, o qual foi depositado, provisoriamente, em um galpão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, e lá permanece desde então. Para dar a partida nos trabalhos de digitalização e disponibilização, a entidade assinou convênios com a Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores, e a TVT, mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e região. No site do IL, não há prazo definido para a conclusão desse trabalho de disponibilização do acervo de Lula.

Quanto a esses problemas, cabe situá-los em um contexto político crítico – marcado pelo desgaste do governo e pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (2016) – que teve como um dos seus componentes a atuação de segmentos do sistema de Justiça Federal, nomeadamente a organizada na força-tarefa da Lava Jato, que colocaram no banco dos réus várias lideranças petistas, inclusive o então ex-presidente Lula, sob a acusação de corrupção. Lula, depois de julgado e condenado nas instâncias inferiores da Justiça, foi preso em abril de 2018. Em novembro do ano seguinte, o líder petista foi libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal. 21 21 Sobre a crise política brasileira, ver diferentes abordagens em Singer ( 2018); Abranches ( 2018); Perlatto; Dulci; Chaloub ( 2020). Ver ainda relato sobre a prisão de Lula em Morais ( 2021) e Ant ( 2022).

O IL, como era de se esperar, não passou incólume nesses anos críticos. Até porque ganhou corpo, entre segmentos do sistema de justiça, a tese de que o instituto poderia ter sido instrumentalizado pelo ex-presidente para o cometimento de ilícitos e crimes os mais diversos, tais como o de privilegiar empresas em troca de apoio financeiro à entidade ou mesmo o de promover “tráfico de influência internacional”, entre outros. Daí, adveio a adoção de medidas judiciais rigorosas contra o IL, destacando-se a suspensão da isenção tributária da entidade, sob a acusação de desvio de finalidade (agosto de 2016); a quebra de sigilos fiscal e bancário (março de 2016); além da suspensão das atividades do IL para averiguação (maio de 2017), sob a alegação de que a entidade era “local de encontro para a perpetração de vários ilícitos criminais”. 22 22 JUIZ federal determina a suspensão das atividades do Instituto Lula. In: Jornal Nacional, 9 maio 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/juiz-federal-\determina-suspensao-das-atividades-do-instituto-lula.html. Acesso em: 1 maio 2023. Ver relato sobre o tema em Ant ( 2022, p. 376). Todas essas medidas, inclusive a que suspendera as atividades do IL, foram derrubadas em instâncias superiores da Justiça Federal.

O IL, nos últimos anos, tem retomado sua agenda de atividades, seja no plano interno, seja no externo, sendo que, desde 2020, encontra-se sob nova direção. A nova equipe é formada por Marcio Pochmann, economista e ex-presidente da Fundação Perseu Abramo (2012-2020); Paulo Sakamoto, histórico dirigente da entidade; Tamires Sampaio, advogada e militante do movimento negro; Juvandia Moreira Leite e Moisés Selerges, dirigentes sindicais. Lula permanece como presidente de honra do IL. A troca de guarda, além de trazer sangue novo para o instituto, sinaliza para uma maior incorporação de pautas contemporâneas – daí o espaço no corpo diretivo assegurado às mulheres e aos negros. Em paralelo, representa o estreitamento de laços do instituto com a Fundação Perseu Abramo – importante entidade de formação política vinculada ao PT –, com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e com o movimento sindical do ABC paulista – berço da liderança de Lula e de muitos dos seus principais companheiros de jornada.

O IL, nos últimos anos, abriu um leque de atividades que vem desenvolvendo no front interno. No eixo formação, tem realizado eventos e cursos em torno de temas como relações de trabalho, novas desigualdades sociais, crise climática e sustentabilidade, inteligência artificial etc.. 23 23 Ver ÁREA de formação In : Instituto Lula. Disponível em: https://www.institutolula.org/\formacao/formacao. Acesso em: 1 maio 2023. Há ainda o lançamento de editais de premiação e uma linha de publicações de pesquisa sobre o tema Democracia e representatividade. O IL, por fim, lança conteúdos em profusão pelo YouTube, nos quais divulga atividades do patrono e da entidade.

No front externo, a presença do IL perdeu fôlego quando comparada com os tempos do lançamento e do primeiro quinquênio da entidade. O foco agora está definido no aprofundamento das relações com entidades e lideranças latino-americanas.

Narrativas biográficas e projetos estratégicos

Os centros memoriais presidenciais, como nos referimos, são lugares de memória erguidos com a finalidade primeira de defender e divulgar o legado do seu patrono. O mesmo a dizer das duas entidades em tela. Daí, cabe colocarmos o foco nas narrativas presentes nos sites da FMS e do IL acerca da trajetória de seus criadores, de seus governos e correntes políticas. Em seguida, examinaremos alguns projetos que têm aberto novas perspectivas para o futuro das duas entidades.

O site da FMS apresenta um perfil biográfico clássico e bastante sucinto do seu patrono. 24 24 Ver relato biográfico: BIOGRAFIA Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/mario_soares/biografia/ Acesso em: 1 maio 2023. Divide-se em uma introdução com breves dados pessoais (nascimento, familiares, casamento, falecimento); uma primeira seção sobre formação universitária e atividades profissionais realizadas em Portugal e na França; duas seções sobre atividades políticas (uma antes e outra depois do 25 de Abril); e mais duas sobre outras atividades em Portugal e no exterior.

Quanto às atividades políticas, Soares é apresentado como um ativista antissalazarista que atuou direta e seguidamente, desde os tempos de estudante universitário em Lisboa, em organismos que travaram a luta democrática contra o regime ditatorial entre as décadas de 1940 e 1960, tais como o Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF) e o Movimento de Unidade Democrática (MUD), do qual foi membro da primeira Comissão Central. Destaca-se, ainda, sua participação em entidades de coordenação de campanhas de candidatos presidenciais que se colocaram em oposição frontal ao salazarismo, assim como mencionam-se as prisões, a deportação à África e o exílio forçado na França no começo dos anos 1970. Salienta-se, por fim, o papel de Soares em reunir grupos e lideranças com vistas a construir uma alternativa de poder no campo da esquerda portuguesa assentada no ideário socialista-democrático. Daí o advento, em 1973, do Partido Socialista, do qual Soares assumiu o cargo de secretário-geral.

Quanto à presença do patrono no pós-25 de Abril, temos no perfil os seguintes destaques: 1) o combate que travou, no interior e fora do governo, ao longo de 1975, contra a “perversão totalitária” que ameaçava o “espírito original e democrático da Revolução de Abril”; 25 25 BIOGRAFIA Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. 2) o papel de Soares, como líder partidário, como primeiro-ministro e depois como presidente da República, em iniciativas no sentido de democratizar e institucionalizar o processo revolucionário; 3) sua atuação no plano internacional, seja em tratativas para o reconhecimento pelos governos europeus do novo regime português, seja na adoção de políticas que favoreceram o ingresso de Portugal no bloco europeu, seja em negociar e favorecer os processos de libertação de possessões portuguesas na África.

Soares, assim, surge como um líder democrata, socialista, moderno/europeu e anticolonialista. Temos, como esperado, um perfil coerente, elogioso, mas algo discreto, educado, controlado, sem maiores arroubos. Tal postura comedida, por sinal, representa um traço que percorre toda a comunicação da entidade com o público, e é o que podemos perceber também na forma pela qual a história política contemporânea de Portugal é narrada na exposição de longa duração que compõe o acervo da Casa Museu – Centro Cultural João Soares.

Há, no site da FMS, textos que regem essa exposição e que têm como objetivo cobrir o século XX português. 26 26 Consultar textos da exposição de longa duração: SÉCULO XX português: Os caminhos da democracia – João Soares/Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso . O tom desse material é austero e crítico, e acompanha as mudanças políticas que marcaram o Portugal contemporâneo entre a crise do regime monárquico, em meados do século XIX, e a presidência de Mário Soares (1985-1996). Soares, nesses textos, não é colocado na posição de herói, mas sim como um ator político, entre outros, que combate o salazarismo e participa da construção da democracia portuguesa. Percebe-se a ênfase no personagem somente nos dois últimos textos: A institucionalização da democracia (1976-1985) e A Presidência da República (1985-1996).

Nessas duas narrativas elaboradas em torno do patrono da FMS, não há menção ao envolvimento direto de Soares como militante do Partido Comunista Português (PCP) nas décadas de 1940 e 1950, ainda que se registre sua participação em entidades civis vinculadas à agremiação. 27 27 Mario Soares, em seus livros e depoimentos, registrou, por inúmeras vezes, sua condição de militante do PCP. Ver exemplo em Avillez ( 1996, pp. 40-100). Tal informação, por certo, poderia toldar a imagem que a FMS projetava para seu patrono como “líder ocidental” que se destacara na luta contra a “perversão totalitária” – leia-se o comunismo. Independentemente disso, a entidade não tem pautado sua política de acervo por esse crivo ideológico, e tem buscado recolher, organizar e disponibilizar arquivos privados de ativistas comunistas que marcaram o Portugal contemporâneo. O mesmo aconteceu com militantes que compuseram agremiações da extrema esquerda lusa que, por vezes, entraram em confronto direto com o PS e com o próprio Mário Soares. A entidade termina, assim, por propagar uma outra narrativa política bem mais ampla e plural do que as anteriores. 28 28 Sobre as múltiplas narrativas presentes em centros presidenciais que operam pelas exposições e arquivos, ver Novaes ( 2014 ).

No site do IL, a trajetória do patrono é apresentada na seção Vida de Lula . 29 29 VIDA de Lula In : Instituto Lula. Disponível em: https://portal.institutolula.org/o-instituto/vida-de-lula. Acesso em: 1 maio 2023. As discussões deste e dos próximos três parágrafos se baseiam nessa página e em suas subdivisões. Nela, os dados estão ordenados em uma detalhada linha de tempo, na qual há o cruzamento de episódios da trajetória de Lula com acontecimentos políticos relevantes. São cinco subseções: Primeiros anos (até 1969); Sindicalista (1969-1980); Carreira Política (1980-2013); Presidente (2003-2011); Vida após a presidência (2011-...). O enfoque é pessoal, e o personagem é tratado como um homem de origem humilde que, com determinação, enfrentou desafios e construiu seu próprio destino. A linguagem é direta, coloquial, jornalística e prenhe de elogios.

Nas subseções Sindicalista e Carreira Política, há os seguintes destaques: a liderança de Lula no ciclo de greves de trabalhadores de proporções inéditas até então; a intervenção do governo militar no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo seguida da prisão de Lula e de membros da diretoria da entidade; a libertação, a construção do Partido dos Trabalhadores e a articulação na formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT); o deputado federal mais votado no país nas eleições de 1986; e o candidato derrotado para presidência em três ocasiões, sendo finalmente eleito para o cargo em 2002.

O caráter excepcional de Lula e de suas realizações é sublinhado também na seção que cobre os anos da Presidência da República. Nela, o líder petista é apresentado como o primeiro operário a se instalar no Palácio do Planalto. E mais: como “o primeiro presidente civil eleito nascido em Pernambuco, o primeiro sem diploma universitário e o primeiro filiado a um partido de esquerda”. Há, ainda, menção a importantes programas governamentais, tais como o Bolsa Família, o Universidade para Todos (Prouni) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), assim como não se deixam em branco alguns problemas político-legais enfrentados pelo governo e pelo Partido dos Trabalhadores por ocasião do escândalo então designado “Mensalão”. Quanto ao fim do segundo governo Lula, o texto chama a atenção para dois aspectos: a popularidade recorde obtida pelo governo na última pesquisa do Ibope (87% de aprovação) e o ineditismo que marcou a posse de Dilma Roussef na presidência: “No dia 1º de janeiro de 2011, o primeiro operário a ocupar a sala principal do Palácio do Planalto passaria a faixa verde-amarela para a primeira presidenta do Brasil”.

No relato acerca dos anos que se seguiram à presidência da República, Lula é apresentado como um estadista que tem como agenda prioritária estimular e desenvolver “um intercâmbio mundial de ideias e iniciativas com foco especialmente na África e na América Latina”. Nesse âmbito, coube ao Instituto Lula, em parceria com entidades congêneres, promover eventos internacionais sobre temas de interesse global, tais como a conferência Fórum pelo Progresso Social: O crescimento para sair da crise, realizada em associação com a Fundação Jean Jaurès em Paris (dezembro de 2012), além do encontro Novas abordagens unificadas para erradicar a fome na África, promovido em consórcio com a Comissão da União Africana (AUC) e com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Adis Abeba, Etiópia (junho de 2013). O relato registra, por fim, breve nota sobre o périplo de Lula pela América Latina em 2013. Não há, portanto, menção aos processos, à prisão, à saída do cárcere e à candidatura à presidência da República em 2022.

Como se observa, estamos diante de duas estratégias distintas de comunicação que dizem respeito à trajetória dos seus patronos. Na FMS, temos um relato em tom menor – informativo, discreto, distante da propaganda e do farto elogio –, com vistas a apresentar Soares como um homem-chave na travessia histórica de Portugal da ditadura rumo a um regime democrático, estável e europeu. O foco está na relevância histórica do personagem, assim como no resgate de sua memória e de suas realizações. Daí a importância dada pela direção da entidade à guarda e à divulgação de documentos do patrono e de sua família política socialista e republicana. O projeto Casa Comum também pode ser visto sob essa ótica.

Quanto ao IL, temos o que poderíamos chamar de uma narrativa de intervenção, voltada mais claramente para o aqui e o agora. A linguagem, assim, apresenta-se mais aberta, solta, e dirigida explicitamente a nutrir a mitologia em torno do patrono. Não faltam adjetivos, os termos são fortes, e o personagem esteve e está a ultrapassar entraves e a produzir sua inédita obra. O tom é maior – personalista, acentuado, heroico. Temos, dessa maneira, uma entidade memorial que opera com os olhos bem mais voltados para o presente/futuro do que para um passado a se resgatar.

Os projetos vistos como estratégicos pelas duas entidades constituem igualmente âmbitos relevantes de análise. A FMS, nos últimos anos, particularmente após a morte do patrono e a consequente troca de direção, tem buscado encontrar novos meios que possibilitem não apenas manter, mas ampliar o escopo de suas atividades. Para tal, cabe mencionar duas medidas de caráter estratégico e que podem contribuir no seu reposicionamento para as próximas décadas. Uma delas, adotada em 2020, foi a de aprovar um novo nome para a entidade, que passou a ser designada Fundação Mário Soares e Maria Barroso. A iniciativa se apresenta carregada de significados: homenageia a esposa de Mário Soares, ativista e atriz de renome nacional; emite um sinal de que a fundação, sensível à questão feminina, aposta em uma maior presença das mulheres na memória construída pela entidade; e, por fim, demonstra o interesse da direção em promover maior abertura ao mundo da cultura. Ou seja, a entidade, cada vez mais, deve operar em dupla chave: na preservação e na divulgação da memória histórica e da herança cultural do Portugal contemporâneo. 30 30 FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES E MARIA BARROSO. Relatório de atividades e contas, 2020, p. 4. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/fundacao/lei24/docs/2020_relatorio_e_contas.\pdf. Acesso em: 1 maio 2023.

O projeto Casa Comum é outra iniciativa que tem sido colocada em destaque pela nova direção da entidade. A FMS há décadas recebe, organiza e disponibiliza arquivos de lideranças políticas e artísticas do mundo lusófono, assim como tem dado assessoria técnica regular na montagem e na manutenção de entidades de memória histórica que foram criadas na esteira dos processos de libertação de antigas possessões portuguesas em África. Foi nesse contexto que adveio a proposta de lançar e colocar no ar o projeto Casa Comum, qual seja: a constituição de um portal, com endereço digital próprio, que reúne e disponibiliza a documentação custodiada pela FMS que é oriunda de vários países e organizações da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). No bojo do projeto, está o objetivo de “dar acesso centralizado a catálogos e outros instrumentos de descrição de fundos e coleções, permitindo a pesquisa simultânea de documentos de diferentes proveniências e potenciando a descoberta de complementaridades e relações entre eles”. 31 31 PROJETO. In: Casa Comum. Disponível em: http://casacomum.org/cc/projeto. Acesso em: 1 maio 2023. Segundo dados de 2020, o projeto reúne mais de 1.600.000 páginas, entre textos, fotografias e vídeos. 32 32 FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES E MARIA BARROSO. Relatório de atividades e contas, 2020.

A plataforma Casa Comum possibilita ao pesquisador caminhos múltiplos de acesso à documentação, contando inclusive com três guias de pesquisa sobre temas transversais: Mário Soares e a Europa, Partido Comunista Português e O Movimento Estudantil da oposição ao Estado Novo. Os três guias possuem o mesmo formato: informações sobre o conteúdo do tema no portal, os caminhos para o acesso, e uma listagem de arquivos que orientam a investigação. A plataforma apresenta, ainda, uma página na qual há acesso para todas as entidades parceiras, tais como o Arquivo e Museu da Resistência Timorense; o Arquivo Histórico de São Tomé e Príncipe; o Arquivo Nacional de Cabo Verde; o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, Bissau; o Observatório em Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo etc.. Todo esse esforço tem sido traduzido em números significativos: a plataforma, em 2016, teve mais de 100 mil utilizadores e mais de 700 mil visualizações. 33 33 FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES. Relatório e contas, 2016. Disponível em: https://fmsoares\barroso.pt/fundacao/lei24/docs/2016_relatorio_e_contas.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.

Casa Comum, assim, tem-se firmado como um dos mais importantes ativos da fundação, isso porque o projeto, em primeiro lugar, pode ser visto como um exemplo bem-sucedido do uso de novas tecnologias para o livre acesso ao monumental acervo da fundação; e, em segundo lugar, por manter e mesmo ampliar a conexão com instituições de memória do mundo lusófono.

No caso do IL, a aposta tem sido a de elaborar, conduzir e alimentar o Memorial da Democracia. O projeto surgiu ousado: um edifício-sede seria construído, na cidade de São Paulo, com a finalidade de “contribuir para o resgate da memória das lutas do nosso povo pela democracia, pela igualdade e pela justiça social”. 34 34 UM MUSEU Virtual. In: Memorial da Democracia. Disponível em: http://www.memorial\dademocracia.com.br/museu. Acesso em: 1 maio 2023. Para viabilizar o projeto, o IL obteve da prefeitura de São Paulo a cessão de um terreno para erguer o prédio do memorial. Essa cessão, no entanto, foi embargada pelo Ministério Público, e o processo permanece inconcluso. Enquanto isso, o IL achou por bem colocar no ar um “museu virtual”, que oferece aos visitantes digitais uma gama de textos, fotos, documentos, áudios e trechos de filmes sobre diferentes momentos da história brasileira.

O projeto é fruto do trabalho de jornalistas, designers e historiadores. No campo específico da história, o IL tem contado com o suporte de historiadores e historiadoras vinculados ao Projeto República: Núcleo de Pesquisa, Documentação e Memória, coordenado pela professora Heloisa Starling e sediado no Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais. O Projeto República, criado em 2001, tem como foco principal “o período histórico republicano brasileiro, o percurso da história das ideias e dos conceitos no Brasil e o estudo da temática do republicanismo”. 35 35 SOBRE o Projeto República. In: Projeto República UFMG. Disponível em: https://www.ufmg.br/brasildoc/sobre-o-projeto-republica/. Acesso em: 1 maio 2023. Seus levantamentos documentais e pesquisas abordam seis temas relativos à história contemporânea do Brasil, a saber: Golpe Militar de 1964; Órgãos de Informação e Repressão da Ditadura; Informantes, Infiltrados e Agentes de Repressão; Censura; Ditadura Militar e Populações Indígenas; Organizações e Movimentos de Resistência.

O trabalho em conjunto com segmentos da universidade, como visto acima, tem marcado a história da entidade, bastando lembrar os projetos que assim foram formulados no âmbito do Instituto Cidadania e que cobriram diferentes áreas, sendo que vários deles terminaram por servir de fundamento para políticas públicas durante os governos do presidente Lula. A prática agora se reproduz em torno de um outro objetivo: elaborar e divulgar para os professores e para o público em geral uma narrativa histórica fundamentada em uma noção inclusiva e estratégica de democracia. Como registrado no site no projeto, “a democracia não cai do céu. (…) Ela é essencial para que a voz de todos se faça ouvir e os interesses das grandes maiorias sejam levadas em conta na sociedade”. 36 36 UM MUSEU Virtual. In: Memorial da Democracia.

O “museu virtual”, assim, surge desenhado e alimentado por segmentos universitários de prestígio que têm apostado em projetos que podem ser vinculados à vertente da chamada história pública, isso é, aquela produzida e dirigida para públicos que ultrapassam os muros da universidade ( CARVALHO; TEIXEIRA, 2019CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares (Org.). História pública e divulgação da História. São Paulo: Letra e Voz, 2019.). Heloisa Starling, na cerimônia de lançamento do Memorial da Democracia, realizada em setembro de 2015, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, tratou de fixar, em seu pronunciamento, alguns parâmetros que estavam a nortear o projeto, a saber: 1) a história brasileira não é e nunca foi unívoca: “ela é dinâmica e paradoxal, escravagista e insurgente, cruel e generosa”; 2) a história do nosso país, como a dos demais, “não é finita, ela é inconclusa e cheia de perguntas” sobre o que virá (…) ela “não tem uma perspectiva de destino. Ela é feita de escolhas e de suas consequências”; 3) os brasileiros, entre os séculos XIX e o XX,

protagonizaram uma longa e duríssima jornada para garantir a nossa construção democrática. A partir dos anos de 1970, e esse sindicato é um dos locais onde isso aconteceu, os brasileiros apostaram na ideia de que a democracia é mais do que um regime de governo, a democracia é uma forma de sociedade… 37 37 Ver pronunciamento de Starling: INSTITUTO Lula lança Memorial da Democracia no ABC Paulista. In: Fundação Perseu Abramo, 1 set. 2015. Disponível em: https://fpabramo.org.br/tv-fpa/instituto-lula-lanca-memorial-da-democracia-no-abc-paulista/. Acesso em: 1 maio 2023.

Starling, assim, deixa explícito seu afastamento de concepções de história marcadas pela teleologia, pelo elogio fácil ou pelo personalismo. Propugna pelo relato de uma história política plasmada pela experiência social, ao mesmo tempo que entende a democracia não como artefato institucional que produz e reproduz elites políticas, mas como fruto dessa experiência social.

Lula, ao discursar nessa mesma cerimônia, corrobora as proposições de Starling. Sua fala, como de costume, mostra-se prenhe de casos e histórias exemplares vividos por ele e por seus companheiros de jornada, seja dos tempos do sindicato, seja no PT ou em disputas políticas. Dessa maneira, busca fazer-se entender pelo seu testemunho pessoal e de classe.

A democracia, para ele, “não é algo fácil de se compreender”. Isso porque, no começo da década de 1970, durante a ditadura militar, a economia crescia a altas taxas e o trabalhador achava que vivia bem. Assim, continua Lula, ele pouco se importava com o que acontecia fora das fábricas. “Naquele instante, a democracia para os trabalhadores era ter um emprego, um salário e viver tranquilamente”. Isso nos leva a compreender, segundo Lula, que “a democracia não é uma coisa que já está dada”. É algo que precisa ser trabalhado, “são valores que a gente precisa convencer as pessoas todo o dia”, porque as pessoas “só se dão conta da sua importância quando ela já não existe mais”. Para ele, a democracia não pode ser identificada como um “pacto de silêncio”; ela pressupõe envolvimento, movimento, demandas, reivindicação. Democracia, em suas palavras, “é a sociedade em movimentação à procura de conquistar mais direitos, outros direitos”. 38 38 Ver pronunciamento de Lula: INSTITUTO Lula lança Memorial da Democracia no ABC Paulista. In: Fundação Perseu Abramo, 1 set. 2015.

O Memorial da Democracia, hoje ainda configurado como um “museu virtual”, é um projeto em curso e que tem contado com amplo respaldo da direção do IL, que vê nele um importante instrumento de formação e de divulgação política. Novas pesquisas poderão melhor entender e situar seu papel no projeto de poder liderado pelo presidente Lula e pelo PT. De qualquer forma, há de se levar em conta, em outras investigações, a capacidade que o campo hegemonizado pelo PT tem tido na criação e na manutenção de um complexo de entidades que operam de forma integrada na construção de políticas públicas (Instituto Cidadania/Instituto Lula), no debate e na divulgação de questões voltadas mais diretamente para municiar o PT e os partidos aliados – atividade essa liderada pela Fundação Perseu Abramo –, e, por fim, na elaboração e na disseminação de uma narrativa histórica comprometida com o lema de que a “democracia é obra da sociedade brasileira”.

Considerações finais

Finalizemos este ensaio com três breves comentários que podem servir de trilha para novos trabalhos. Primeiro: há de se levar em conta, no estudo desses centros memoriais, o fenômeno aqui apontado e que, preliminarmente, poderíamos chamar de “presidência estendida”, isso é, cabe considerar que há atribuições presidenciais político-simbólicas, relativas à Chefia de Estado, que vão além do exercício regular do mandato. Daí, portanto, o reconhecimento, por parte do sistema político-legal e da sociedade, de entidades que são formadas com o propósito de guardar, nutrir e propagar a memória dos seus patronos/presidentes. Trata-se de uma experiência de longo curso e disseminada pelo mundo, sendo que aqui nos concentramos em dois exemplos que se apresentam significativos no universo luso-brasileiro: o da criação da Fundação Mário Soares, hoje em dia designada Fundação Mario Soares e Maria Barroso, e do Instituto Lula.

Segundo: esses dois centros presidenciais, criados para administrar os legados de Mário Soares, de Lula e de seus governos, têm também cumprido a função de dar lastro simbólico e institucional à atuação pública – e política – de seus patronos, seja no sentido de lhes garantir um espaço reservado das refregas políticas internas, seja como plataforma para sua atuação em fóruns internacionais. Organizados como entidades civis, de utilidade pública e sem fins lucrativos, até o momento, esses centros têm-se mostrado operacionais em dar conta de uma agenda múltipla, que envolve responsabilidades em torno da guarda documental do patrono, da promoção de atividades culturais em consórcio com a universidade, e da articulação de diferentes grupos no sentido de subsidiar políticas sobre diferentes temas. FMS e IL construíram esse perfil institucional múltiplo, ainda que, nos últimos anos, tenham enfrentado inúmeras dificuldades.

Terceiro: nesta pesquisa, que segue em curso, colocamos o foco de análise em dois centros memoriais e mencionamos mais quatro. Temos, portanto, um número razoável deles, que nos permite apresentar uma tipologia preliminar em torno de dois critérios: perfil institucional e a maneira pela qual eles têm operado nos espaços públicos de seus respectivos países. Uma dessas entidades, a Fundación Comandante Eterno Hugo Chávez, é responsável pelo mausoléu em homenagem ao seu patrono. Ou seja, sua função precípua é a de consagrar a figura do herói nacional presidente revolucionário. Ao lado dela, foi criado outro organismo, igualmente oficial, responsável por divulgar o ideário e o legado de Chávez, o Instituto de Altos Estudios del Pensamiento Político de Hugo Chávez.

Os museus-bibliotecas dos presidentes norte-americanos representam outra modalidade de organização e são entidades-chave para a pesquisa histórica norte-americana. Erguidos pelos ex-presidentes com fundos privados e administrados sob supervisão pública, cumprem o papel cívico, político e cerimonial de celebrar e cultuar a entidade Presidência da República – desde muito fundamental na ordem político-simbólica dos Estados Unidos.

Temos, por fim, um novo modelo de centro presidencial formado e conduzido diretamente pelo ex-mandatário, de forma bastante autônoma, cuja finalidade consiste em reunir condições políticas e financeiras para divulgar – e não propriamente cultuar ou celebrar – o nome e a obra de seu patrono. 39 39 Cremos que, ao examinar e classificar esses centros memoriais, cabe ainda avançar em uma vertente de análise relativa aos regimes de historicidade que porventura conformam essas entidades, ou seja, devemos deter-nos na maneira pela qual elas operam e promovem a articulação entre passado-presente e futuro ( HARTOG, 2013). Em uma abordagem preliminar, ainda a ser testada em novas investigações sobre o tema, teríamos, em primeiro lugar, aquelas entidades que, tais como os centros-monumentos e os museus-bibliotecas norte-americanos, elaboram e divulgam narrativas sobre os patronos fundadas em um tempo heroico, circular, exemplar. Os centros presidenciais “múltiplos”, por sua vez, operariam em uma chave temporal moderna, processual, futurista. Os patronos, em razão disso, são concebidos e apresentados como agentes históricos que agregam condições para fixar pontes entre o ontem, o hoje e o amanhã. Esse é o formato em vigor da Fundação Mario Soares e Maria Barroso, da Fundação Fernando Henrique Cardoso, do Instituto Patria e do Instituto Lula, cada qual à sua maneira, à imagem e semelhança do patrono. A FMS, como vimos, firmou-se como importante centro documental de Portugal contemporâneo e das lutas de libertação no mundo português. A par disso, a entidade deverá reforçar sua imagem como centro de debates de questões contemporâneas.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, após deixar o governo e não mais disputar cargos políticos, tem-se dedicado a publicar seus diários, memórias e ensaios políticos, ao mesmo tempo que permanece à frente da entidade que leva o seu nome. Inaugurado em 2004, o então Instituto Fernando Henrique Cardoso, agora transformado em fundação, tem operado como centro múltiplo, conforme os termos aqui já apontados. A FFHC se tem destacado na guarda documental do patrono e da sua família, assim como na realização de um vasto número de eventos voltados a debater questões político-sociais contemporâneas. No âmbito das atividades da fundação, salienta-se a coordenação, ao lado do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, do projeto Plataforma Democrática, um amplo portal que reúne publicações, videoteca e links de acesso para bibliotecas virtuais sobre a democracia e a sociedade da informação. O projeto tem como norte o fortalecimento da cultura e das instituições democráticas no Brasil e na América Latina. 40 40 Ver: QUEM somos. In: Plataforma Democrática. Disponível em: https://www.plataforma\democratica.org/quem-somos. Acesso em: 1 maio 2023. A entidade, recentemente, foi classificada pela equipe do professor James McGann como uma das mais importantes think tanks [centro catalizador de ideias] da América do Sul, ao lado de outras instituições brasileiras como a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) etc.. 41 41 Ver: MCGANN, James G.. 2018 Global Go To Think Tank Index Report. In: Scholarly Commons – Penn Libraries. Disponível em: https://repository.upenn.edu/handle/20.500.14332/48575. Acesso em: 1 maio 2023. Ver debate relativo à noção think tank e sua aplicação para entidades brasileiras em Hauck ( 2015).

Cristina Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva, após encerrarem seus mandatos nos anos 2010, criaram entidades civis próprias e designadas para a divulgação de seus nomes e governos. Tal atitude, porém, não fez com que se afastassem do dia a dia da política, tal como ocorreu com vários presidentes dos EUA e o próprio Fernando Henrique Cardoso. Cremos que é nesse quadro que cabe examinarmos alguns aspectos constitutivos do Instituto Patria e do Instituto Lula.

O Instituto Patria, fundado em 2016, é definido “como um espaço plural para a reflexão e para a construção do pensamento para a ação”. 42 42 EL INSTITUTO. In: Instituto Patria. Disponível em: https://www.institutopatria.com.ar/actividades-estrategicas/. Acesso em: 1 maio 2023. Trad. livre do autor: “como un espacio plural para la reflexión y la construcción de pensamiento para la acción”. Possui três claras linhas de ação: espaço de divulgação das atividades públicas da presidente de honra da entidade; estímulo à arregimentação de militantes e de quadros peronistas identificados com a liderança de Kirchner; e a promoção de cursos de formação sobre questões políticas, econômicas e sociais. Não há, como nos demais centros aqui estudados, maiores informações sobre a vida, os governos ou os arquivos privados ou presidenciais de Kirchner. O que temos, em profusão, são imagens da líder em atividades no aqui e no agora. O foco da entidade, portanto, até o momento, está em nutrir a liderança política da atual vice-­presidente argentina.

O Instituto Lula, como nos referimos, vive uma fase de transição marcada pela mudança de nomes na direção da entidade e pela retomada das atividades políticas do patrono. O foco agora, tal como ocorre no Instituto Patria, está na realização de cursos de formação e em projetos que contribuem para firmar a imagem do patrono e do IL como comprometidos com a construção da democracia no país. 43 43 Em consulta ao site do IL em abril de 2023, verificou-se que, até o momento, a eleição de Lula à presidência da República, em outubro de 2022, não proporcionou maiores alterações na direção e nas atividades da entidade. A única novidade digna de nota é a publicação discreta de atos do novo governo. Permanece a ênfase na realização de cursos de formação e na atualização do projeto Memorial da Democracia.

Referências

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  • SINGER, André. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
  • 1
    GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Os paradoxos da concessão de graça pelo Presidente da República. In: Canal Ciências Criminais, 11 ago. 2022. Disponível em: https://canalciencias\criminais.com.br/os-paradoxos-da-concessao-de-graca-pelo-presidente-da-republica. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 2
    Sobre as bibliotecas e os museus presidenciais norte-americanos, ver um apanhado legal e histórico em Novaes ( 2014, pp. 45-61NOVAES, Raphael de Souza. Preparando o passado: Dimensões da construção histórica de Fernando Henrique Cardoso pela Fundação iFHC. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.). Ver, também: ARDAILLON, Danielle. Entrevistadora: Luciana Heymann. FGV CPDOC, 2007, p. 24-25. Disponível em: https://www18.fgv.br/\cpdoc/storage/historal/arq/Entrevista1518.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 3
    A esse respeito, ver NATIONAL ARCHIVES. Presidential Libraries. Disponível em: https://www.archives.gov/presidential-libraries. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 4
    Ver, por exemplo, o mausoléu consagrado ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez nas dependências do Cuartel de la Montana, localizado nas imediações de Caracas. Ali estão depositados seus restos mortais. INFOGRAFÍA: Así es la flor donde descansa Chávez. In: Últimas Noticias, 17 mar. 2013. Disponível em: https://web.archive.org/web/20140103205624/<http:/www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/ciudad/parroquias/infografia\-\--asi-es-la-flor-donde-\descansa-chavez.aspx. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 5
    A esse respeito, ver a experiência do Instituto Patria, criado e presidido por Cristina Kirchner, atual vice-presidente da Argentina, em Instituto Patria: Pensamiento, Acción y Trabajo para la Inclusión Americana. Disponível em: https://www.institutopatria.com.ar/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 6
    CARDOSO, Fernando Henrique. Entrevistadora: Luciana Heymann. FGV CPDOC, 2007, p. 15-16. Disponível em: https://www18.fgv.br/cpdoc/storage/historal/arq/Entrevista1519.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.A respeito desse tema, como também do trabalho levado adiante pela Fundação Fernando Henrique Cardoso em torno da construção do patrono, ver estudo de Heymann ( 2009, pp. 51-65HEYMANN, Luciana Quillet. Memórias de presidente: Reflexões acerca da construção do legado de FHC. In: SOIHET, Rachel et al.. (Org.). Mitos, projetos e práticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 51-65.).
  • 7
    Optamos, neste texto, por denominar a atual Fundação Mario Soares e Maria Barroso pela sua designação original: Fundação Mario Soares (FMS).
  • 8
    Memorial da Democracia. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 9
    INAUGURAÇÃO da Fundação Mário Soares. RTP Arquivos, 4 jun. 1996. Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/inauguracao-da-fundacao-mario-soares/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 10
    ESCRITURA da Fundação Mário Soares, 12 set. 1991. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/fundacao/lei24/docs/escritura_fms.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 11
    Ver os estatutos atualizados da entidade, em: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/fundacao/lei24/docs/03_estatutos.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 12
    Esses dados foram colhidos na plataforma Casa Comum. Disponível em: http://casacomum.org/cc/arquivos. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 13
    Ver maiores dados em: CASA Museu – Apresentação. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/casa_museu/apresentacao/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 14
    Ver dados sobre a exposição permanente: SÉCULO XX português: Os caminhos da democracia – João Soares/Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/casa_museu/exposicao_longa_duracao/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 15
    APRESENTAÇÃO. In: Resistência no feminino. Disponível em: https://resistencianofeminino.fcsh.unl.pt/apresentacao/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 16
    Ver: INAUGURADO memorial de escravatura. In: União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, 9 jul. 2016. Disponível em: https://www.uccla.pt/noticias/inaugurado-memorial-\de-escravatura-em-cacheu Acesso em: 1 maio 2023.
  • 17
    BRASIL. Lei nº 8.394, de 30 de dezembro de 1991. Dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8394.htm. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 18
    CRUZ, Bruna Souza; BEZERRA, Mirthyani. FHC na defesa de Lula: “Cuidar de acervo é obrigação, mas não há dinheiro”. In: UOL, 9 fev. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/02/09/fhc-na-defesa-de-lula-cuidar-de-acervo-e-\obrigacao-mas-nao-ha-dinheiro.htm. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 19
    Memorial da Democracia. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 20
    Ver iniciativa e eventos do IL: CONHEÇA a história e as atividades do Instituto Lula, de 1990 a 2015. In: Lula, 6 jul. 2016. Disponível em: https://lula.com.br/conheca-historia-e-atividades-\do-instituto-lula-de-1990-2015/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 21
    Sobre a crise política brasileira, ver diferentes abordagens em Singer ( 2018SINGER, André. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.); Abranches ( 2018ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.); Perlatto; Dulci; Chaloub ( 2020PERLATTO, Fernando; DULCI, João; CHALOUB, Jorge (Org.). A Nova República brasileira em crise. Curitiba: Appris, 2020.). Ver ainda relato sobre a prisão de Lula em Morais ( 2021MORAIS, Fernando. Lula: Biografia. V. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.) e Ant ( 2022ANT, Clara. Quatro décadas com Lula: O poder de andar junto. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.).
  • 22
    JUIZ federal determina a suspensão das atividades do Instituto Lula. In: Jornal Nacional, 9 maio 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/juiz-federal-\determina-suspensao-das-atividades-do-instituto-lula.html. Acesso em: 1 maio 2023. Ver relato sobre o tema em Ant ( 2022, p. 376ANT, Clara. Quatro décadas com Lula: O poder de andar junto. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.).
  • 23
    Ver ÁREA de formação In : Instituto Lula. Disponível em: https://www.institutolula.org/\formacao/formacao. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 24
    Ver relato biográfico: BIOGRAFIA Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/mario_soares/biografia/ Acesso em: 1 maio 2023.
  • 25
    BIOGRAFIA Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso.
  • 26
    Consultar textos da exposição de longa duração: SÉCULO XX português: Os caminhos da democracia – João Soares/Mário Soares. In: Fundação Mário Soares e Maria Barroso .
  • 27
    Mario Soares, em seus livros e depoimentos, registrou, por inúmeras vezes, sua condição de militante do PCP. Ver exemplo em Avillez ( 1996, pp. 40-100AVILLEZ, Maria João. Soares: Ditadura e revolução. Lisboa: Círculo de Letras, 1996.).
  • 28
    Sobre as múltiplas narrativas presentes em centros presidenciais que operam pelas exposições e arquivos, ver Novaes ( 2014NOVAES, Raphael de Souza. Preparando o passado: Dimensões da construção histórica de Fernando Henrique Cardoso pela Fundação iFHC. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. ).
  • 29
    VIDA de Lula In : Instituto Lula. Disponível em: https://portal.institutolula.org/o-instituto/vida-de-lula. Acesso em: 1 maio 2023. As discussões deste e dos próximos três parágrafos se baseiam nessa página e em suas subdivisões.
  • 30
    FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES E MARIA BARROSO. Relatório de atividades e contas, 2020, p. 4. Disponível em: https://fmsoaresbarroso.pt/fundacao/lei24/docs/2020_relatorio_e_contas.\pdf. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 31
    PROJETO. In: Casa Comum. Disponível em: http://casacomum.org/cc/projeto. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 32
    FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES E MARIA BARROSO. Relatório de atividades e contas, 2020.
  • 33
    FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES. Relatório e contas, 2016. Disponível em: https://fmsoares\barroso.pt/fundacao/lei24/docs/2016_relatorio_e_contas.pdf. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 34
    UM MUSEU Virtual. In: Memorial da Democracia. Disponível em: http://www.memorial\dademocracia.com.br/museu. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 35
    SOBRE o Projeto República. In: Projeto República UFMG. Disponível em: https://www.ufmg.br/brasildoc/sobre-o-projeto-republica/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 36
    UM MUSEU Virtual. In: Memorial da Democracia.
  • 37
    Ver pronunciamento de Starling: INSTITUTO Lula lança Memorial da Democracia no ABC Paulista. In: Fundação Perseu Abramo, 1 set. 2015. Disponível em: https://fpabramo.org.br/tv-fpa/instituto-lula-lanca-memorial-da-democracia-no-abc-paulista/. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 38
    Ver pronunciamento de Lula: INSTITUTO Lula lança Memorial da Democracia no ABC Paulista. In: Fundação Perseu Abramo, 1 set. 2015.
  • 39
    Cremos que, ao examinar e classificar esses centros memoriais, cabe ainda avançar em uma vertente de análise relativa aos regimes de historicidade que porventura conformam essas entidades, ou seja, devemos deter-nos na maneira pela qual elas operam e promovem a articulação entre passado-presente e futuro ( HARTOG, 2013HARTOG, François. Regimes de historicidade: Presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.). Em uma abordagem preliminar, ainda a ser testada em novas investigações sobre o tema, teríamos, em primeiro lugar, aquelas entidades que, tais como os centros-monumentos e os museus-bibliotecas norte-americanos, elaboram e divulgam narrativas sobre os patronos fundadas em um tempo heroico, circular, exemplar. Os centros presidenciais “múltiplos”, por sua vez, operariam em uma chave temporal moderna, processual, futurista. Os patronos, em razão disso, são concebidos e apresentados como agentes históricos que agregam condições para fixar pontes entre o ontem, o hoje e o amanhã.
  • 40
    Ver: QUEM somos. In: Plataforma Democrática. Disponível em: https://www.plataforma\democratica.org/quem-somos. Acesso em: 1 maio 2023.
  • 41
    Ver: MCGANN, James G.. 2018 Global Go To Think Tank Index Report. In: Scholarly Commons – Penn Libraries. Disponível em: https://repository.upenn.edu/handle/20.500.14332/48575. Acesso em: 1 maio 2023. Ver debate relativo à noção think tank e sua aplicação para entidades brasileiras em Hauck ( 2015HAUCK, Juliana Cristina Rosa. Think Tanks: Quem são, como atuam e qual seu panorama de ação no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.).
  • 42
    EL INSTITUTO. In: Instituto Patria. Disponível em: https://www.institutopatria.com.ar/actividades-estrategicas/. Acesso em: 1 maio 2023. Trad. livre do autor: “como un espacio plural para la reflexión y la construcción de pensamiento para la acción”.
  • 43
    Em consulta ao site do IL em abril de 2023, verificou-se que, até o momento, a eleição de Lula à presidência da República, em outubro de 2022, não proporcionou maiores alterações na direção e nas atividades da entidade. A única novidade digna de nota é a publicação discreta de atos do novo governo. Permanece a ênfase na realização de cursos de formação e na atualização do projeto Memorial da Democracia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2023
  • Revisado
    01 Maio 2023
  • Aceito
    01 Maio 2023
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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