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Cartas forais régias e costume Portugal, séc. XII-XIII

Resumo

Os séculos XII e XIII, em Portugal, têm sido historiograficamente identificados como charneira dos forais, dada a abundância documental desses atos jurídicos, principalmente emitidos pela monarquia. Apesar de o teor dos diplomas refletir, frequentemente, “usos e costumes”, tal aspecto não merece a devida atenção, preferindo-se sublinhar potenciais significados políticos atinentes às capacidades daquele que assina os forais: o rei. Para os medievais, que criaram e usaram o instrumento, ele tinha um sentido e uma potência que se conjugavam a vários outros do direito formal, do qual o costume – além da lei – era uma forma. De igual modo, contudo, é ainda possível observar na elaboração desse tipo de instrumento jurídico o peso de normas – ditas não formais. O entrelaçamento entre cartas forais e costume é o problema central deste artigo, por meio de uma perspectiva que pretende ressaltar modulações históricas de caráter multinormativo.

Palavras-chave
Forais; costume; Portugal medieval

Abstract

The 12th and 13th centuries, in Portugal, have been historiographically identified as the hinge of the forais [charters], given the abundance of documents of these legal acts, mainly issued by the monarchy. Although the content of the diplomas often reflects “uses and customs”, this aspect does not merit due attention, preferring to underline potential political meanings concerning the capacities of the one who signs the forais: the king. For the medieval people, who created and used the instrument, it had a meaning and a power that went hand in hand with several others of formal law, of which custom – in addition to law – was a form. But, equally, it is still possible to observe in the elaboration of this type of legal instrument the weight of – so-called non-formal – norms. The intertwining of forais and custom is the central problem of this article, through a perspective that aims to highlight historical modulations of a multinormative character.

Keywords
Forais; custom; Medieval Portugal

Introdução

As cartas forais constituem importante instrumento da regulação da vida em sociedade na Idade Média. Como registro escrito dos direitos e deveres de mulheres e homens que teciam e pertenciam a redes sociais e políticas, quer em pequenas comunidades rurais, quer em cidades de grande porte, os forais instituem vínculos que tanto podem introduzir mudanças relativamente à instituição do poder como reforçar formas pelas quais a sociedade costumava se conceber e se apresentar. O entrelaçamento entre cartas forais e costume é o problema central deste artigo.

Na perspectiva da história do direito, trata-se de dois temas bastante conhecidos, embora o costume tenha assumido maior destaque ao longo dos últimos tempos, com feições diversas: de visões românticas a análises culturalistas. Na era contemporânea, o costume tem servido a vários propósitos, sobretudo políticos, como o de ajudar a promover e a legitimar reivindicações regionais e localistas no seio dos Estados nacionais. Tais iniciativas, muitas vezes, apoiam-se no conhecimento produzido por juristas, cujas elaborações teóricas sobre os “costumes” ressaltam com frequência tratar-se de direitos formais atinentes a certas comunidades, cujas origens seriam difíceis de estabelecer, constituindo um tipo de espírito associativo e normativo que paira sobre seus membros e os envolve, com capacidades sociais vinculantes. A concepção romântica considera o costume como uma espécie de direito popular, portador de essência e originalidade. 1 1 Entre outras passagens significativas de Paolo Grossi ( 2014, p. 117), destacamos: “Sob o mar perenemente agitado dos acontecimentos cotidianos estão as águas profundas, mas calmas – e calmas porque profundas – da tranquilidade jurídica. É a plataforma constitucional do costume, fato primordial, segunda natureza, por vezes – mas em mínima parte – expresso pela palavra escrita e transformado em lex por obra de um príncipe zeloso; com mais frequência conservado no estado original de trama invisível, mas onipresente e imperiosa, na qual estão imersos homens e coisas”. A esse direito se contraporia a lei dos juristas, das autoridades estatais, que sufocaria o “verdadeiro” espírito da comunidade. Este, imemorial e natural; aquele, artificial, mas necessário porque civilizador e meio incontornável para a construção de uma comunidade territorial nacional. Nos termos da disciplina da história, a explicação romântica encerra diversos problemas, ressaltando-se o caráter “etéreo” que impede de dar concretude, no tempo e no espaço, às manifestações normativas. Sem nos aprofundarmos nas críticas que as visões românticas têm sofrido, importa destacar o caráter histórico do costume identificado por vários estudiosos que questionaram dita perspectiva, entre os quais ganham especial relevância as contribuições de Paola Miceli ( 2012MICELI, Paola. Derecho consuetudinario y memoria: Práctica jurídica y costumbre en Castilla y León (siglos XI-XIV). Madrid: Dykinson, 2012.), sobretudo para a Idade Média. De forma resumida, a autora entende que

Não há dúvida de que a antropologia tem contribuído significativamente para o estudo das sociedades pré-capitalistas, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de as estudar nos livrando dos preconceitos modernos. No caso particular do costume, contudo, o que se evidencia é uma sobreinterpretação do fenômeno consuetudinário numa chave antropológica que negligencia a natureza jurídica que tem na documentação 2 2 Trad. livre da autora: “No hay ninguna duda de que la antropología ha contribuido notablemente al estudio de las sociedades precapitalistas, sobre todo en lo que concierne a la posibilidad de estudiarlas despojándonos de los prejuicios modernos. Sin embargo, en el caso particular de la costumbre lo que se evidencia es una sobreinterpretación del fenómeno consuetudinario en clave antropológica que descuida el carácter jurídico que tiene en la documentación”. Para além desta autora, que oferece densa revisão crítica sobre esse problema, são igualmente importantes, ainda que sobre outras geografias, os autores citados na bibliografia ao final deste artigo, cujos títulos remetem claramente para o “costume”. ( MICELI, 2012, pp. 49-50MICELI, Paola. Derecho consuetudinario y memoria: Práctica jurídica y costumbre en Castilla y León (siglos XI-XIV). Madrid: Dykinson, 2012.).

Ao contrário de ser entendido como um espírito difícil de determinar e domesticar, o costume assume, então, feições bastante concretas na experiência das comunidades, sob forma jurídica. Esta é a conformação que pode ser analisada pelos historiadores e que aparece de maneira consistente nos registros documentais. Sobre a historicidade dos costumes, continua inspiradora a obra de John Gilissen ( 1982GILISSEN, John. La coutume. Bruxelas: Brepols, 1982.), La coutume [ O costume], na qual se oferece um rico panorama erudito sobre o tema, além de propostas metodológicas que possibilitam, de maneira operativa, tentar distinguir conteúdos de “lei” em textos de aparência costumeira ( GILISSEN, 1953GILISSEN, John. Loi et coutume: Quelques aspects de l’interpénétration des sources du droit dans l’ancien droit belge. Tijdschrift voor Rechtsgeschiedenis, v. 21, p. 257-296, 1953.). A proposta do autor oferece ainda a possibilidade de distinguir igualmente conteúdos costumeiros em outras formas normativas, inclusive nas leis. Um processo de caldeamento interessante de ser estudado.

Os séculos XII e XIII, em Portugal, têm sido historiograficamente identificados como charneira dos forais, dada a abundância documental desses atos jurídicos, principalmente emitidos pela monarquia. Apesar de o teor dos diplomas refletir, frequentemente, “usos e costumes”, tal aspecto não merece a devida atenção, preferindo-se sublinhar potenciais significados políticos atinentes às capacidades daquele que assina os forais: o rei. O protagonismo atribuído aos forais pode ser explicado por motivações diversas, mas há duas principais, importantes para o argumento central deste artigo.

A primeira configura-se como meta-história. Trata-se do peso que na historiografia portuguesa a monarquia assumiu, como vetor do tempo histórico, o qual, por sua vez, é positivamente identificado com a construção e a realização do Estado. 3 3 A maior parte dos historiadores e juristas que se debruçaram sobre o tema, ainda que eventualmente, aponta a necessidade de se matizarem alguns aspectos relativamente às estruturas do poder na Idade Média portuguesa, e reconhece a existência de outras lógicas não estatais. O fato é que tal constatação acaba por sofrer uma avaliação negativa no que tange à qualidade e à eficácia da organização política do período. Assim, o progresso das sociedades humanas na linha do tempo, como direção civilizacional, somente seria alcançável por meio da criação e da solidificação das estruturas jurídicas e burocráticas, que, no Ocidente cristão, têm sua imagem apoteótica localizada entre a segunda metade do século XIX e o início do XX. O “Estado”, então, imbui-se de “espírito nacional”, que o torna corpo vivo. A história, como disciplina moderna e ciência do passado da nação, ofereceria os métodos adequados para atestar os acertos e os erros cometidos ao longo do caminho percorrido. No campo das certezas positivas, emergem as “evidências” de certo tipo de poder com características monopolistas. A monarquia é vista como melhor regime de poder, ainda que se reconheçam seus fracassos, atribuídos às incapacidades do tempo histórico dos agentes que “ainda” não estavam à altura dos padrões civilizacionais do futuro. A Igreja assume igualmente papel relevante (inclusive como educadora de reis), sendo seus membros mais destacados do ponto de vista intelectual assinalados quase sempre por aspectos que fortalecem uma certa ideia institucional. De todo modo, o percurso “desejável” exige que, em determinado momento, ocorra a eliminação da concorrência entre o poder laico e o eclesiástico, com a vitória do primeiro. A monarquia torna-se, portanto, o tema de estudo privilegiado na história, como encarnação do Estado. Embora a historiografia medievalista portuguesa tenha abandonado há algum tempo um viés nacionalista, como meta-história, o fato é que a concepção moderna de Estado acabou por substituir essa mesma perspectiva, identificando no passado medieval fortes manifestações “precoces” da competência dos reis em centralizar o poder, ou seja, em governar com tendências monopolistas ( COELHO, 2014COELHO, Maria Filomena. Revisitando o problema da centralização do poder na Idade Média: Reflexões historiográficas. In: NEMI, Ana; ALMEIDA, Néri de Barros; PINHEIRO, Rossana (Org.). A construção da narrativa histórica: Séculos XIX e XX. V. 1. Campinas: Ed. Unicamp, 2014, p. 39-62., 2018COELHO, Maria Filomena. Um universo plural: Política e poderes públicos na Idade Média (séc. XII-XIII). In: TORRES FAUAZ, Armando (Ed.). La Edad Media en perspectiva latinoamericana. Heredia: Ed. de la Universidad Nacional de Costa Rica, 2018, p. 133-150., 2023COELHO, Maria Filomena. O Estado “virtuoso”: Corpos e pluralismo jurídico em Portugal (séc. XII-XIII). In: TEODORO, Leandro; MAGALHÃES, Ana Paula (Org.). A formação de reinos virtuosos (sécs. XII-XVII). Florianópolis: Ed. UFSC, 2023, p. 24-40.).

A segunda das motivações que explicaria o sucesso historiográfico dos forais é de tipo documental. Relativamente aos primeiros reinados, a documentação disponível expedida pela monarquia não é tão abundante quanto a produzida a partir de meados do século XIII, sendo em boa parte composta por cartas forais ou confirmações. Assim, à primeira razão apontada soma-se a segunda, e o resultado é a transformação das cartas forais em evidência do poder de centralização dos monarcas portugueses da Primeira Dinastia, 4 4 Tal “evidência”, entretanto, não tem tanto peso para a historiografia quanto aquele atribuído às chamadas Leis Gerais (1211), Confirmações Gerais (1217), e Inquirições Gerais (1220). Para uma crítica a essa interpretação, ver Coelho ( 2019 2020). principalmente nos reinados de Afonso Henriques (1128-1185) ( M. F. COELHO, 2019COELHO, Maria Filomena. Las leyes de 1211: La voz del rey de Portugal al servicio de la concordia. Temas Medievales, v. 27, n. 1, p. 1-26, 2019b.), Sancho I (1185-1211), Afonso II (1211-1223) e Sancho II (1223-1248). No que se refere às particularidades documentais, deve-se destacar o peso de abordagens que, ainda hoje, estabelecem vincadas diferenças entre os chamados “usos e costumes” – posto que registrados por escrito – e as propriamente ditas “cartas forais”, às quais frequentemente se atribui qualidade jurídica superior por serem outorgadas por uma autoridade ( MERÊA, 1948MERÊA, Paulo. Em torno da palavra “fórum”: Notas de semântica jurídica. Separata de: Revista Portuguesa de Filologia, v. 1, t. I, p. 485-494, 1948.; NOGUEIRA, 2009NOGUEIRA, José Artur Duarte. Balanço historiográfico dos estudos portugueses sobre foros medievais. In: GAMBRA GUTIÉRREZ, Andrés; SUÁREZ BILBAO, Fernando (Coord.) Los Fueros de Sepúlveda y las Sociedades de Frontera. Madrid: Dykinson, 2009, p. 237-258.; REIS, 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.; SILVA, 2011SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do direito Português: Fontes de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.).

Neste artigo, tentaremos analisar as cartas forais por meio de lógicas que não se subordinem aos paradigmas oitocentistas, com o objetivo de contribuir para o conhecimento de como governaram esses primeiros reis de Portugal, de maneira mais complexa e contrastada. 5 5 Destacamos, entretanto, que alguns autores, principalmente ao discutir o controverso papel historiográfico atribuído aos concelhos portugueses na Idade Média, afastam-se de posições mais jurisdicistas, como é o caso de Borges Coelho ( 1986) e de José Mattoso ( 1995), embora por vias metodológicas e teóricas diversas. Entretanto, nota-se certa tendência em estudos monográficos sobre os forais considerarem o exercício do poder régio com um caráter mais de acordo com o pluralismo jurídico, embora a historiografia de síntese continue a adotar perspectivas centralistas e monopolistas. Para o início da Idade Moderna, continua sendo importante a análise de António Manuel Hespanha ( 2001).

A adoção do paradigma monopolista/monista pela historiografia levou à necessidade metodológica de selecionar fontes primárias que provassem as habilidades e a eficácia régia no tocante a esse tipo de poder. Com relação a Portugal, o aspecto militar seria “facilmente” atestado pela liderança que os reis assumiam nas empresas de “reconquista” 6 6 O termo sofreu forte crítica devido aos conteúdos políticos que sua utilização mobiliza: o suposto direito dos cristãos aos territórios ibéricos “ocupados” por muçulmanos. de territórios sob domínio muçulmano e no enfrentamento às recorrentes “agressões” de Leão e Castela. Sobre a governança, os fatores jurídicos e administrativos assumem preponderância, principalmente quanto à capacidade de criar leis e de fazê-las cumprir. Como referimos, essa tipologia documental, essencial para embasar uma perspectiva estatalista e monista, é rara, e, desse modo, os forais acabam por ganhar importância.

Embora uma carta foral, teoricamente, não seja um código de leis, isso não impediu que muitas vezes se acabasse por praticamente considerá-la como tal. 7 7 A tipificação dos forais como leis requer algumas reflexões. Alexandre Herculano ( 1862, pp. 49-50, grifos no original) chama a atenção para o problema de forma histórica: “Ainda no decurso do século XIII fuero significava [em Castela] não só os costumes não escriptos, as instituições municipaes, e os simples aforamentos collectivos ou singulares, mas até os corpos de leis ou a legislação civil. Entre nós as expressões forum, foros produziram dous vocabulos diversos, foro e foral. Foro, sem abranger um sentido tão amplo como fuero, tomou o valor de direito tradicional, o de imunidade e privilegios que pertenciam a uma classe, a uma corporação, além da significação trivial, que ainda hoje conserva, de prestações em reconhecimento de domínio, ao passo que foral importava em regra a carta de povoação, o diploma regulador dos direitos e deveres collectivos das cidades, villas e logares (…) para designar as cartas constitutivas dos municípios, os códigos que ou estatuíam ou fixavam o direito publico local, e que constituíam pela aggregação de varios individuos uma pessoa moral (…)”. Em termos concretos, tratar-se-ia de uma série de itens normativos, em tom de obrigações e direitos, estabelecidos e firmados pelo monarca. Os senhores também outorgaram cartas de foral às populações de seus domínios, como instrumento importante das lógicas feudo-vassálicas, aspecto este amplamente considerado pela historiografia. Entretanto, esse mesmo instrumento, com conteúdos muito similares, quando produzido pela monarquia, leva, surpreendentemente, a interpretações historiográficas diametralmente opostas, servindo, inclusive, para sugerir estratégias monárquicas de combate ao feudalismo no reino de Portugal. Em obra de referência sobre a história de Portugal na Idade Média, José Mattoso ( 1997, p. 216MATTOSO, José (Coord.). História de Portugal. V. 2 – A monarquia feudal (1096-1480). Lisboa: Estampa, 1997.) resume bem o problema historiográfico:

Comecemos por descartar a ideia juridicista que faz do Estado a fonte de toda a legalidade e, desta, a condição para se considerar as relações sociais que ela define com as únicas entidades que se podem ter em consideração. Esta ideia é pressuposta mais ou menos inconscientemente por quase todos os autores portugueses que têm estudado a questão, porque, em geral, partem do princípio que os concelhos foram criados por decisão régia: mesmo que existissem antes da concessão do respectivo foral, o que alguns admitem, só o sancionamento régio lhe daria direito à existência. Ora a investigação recente tem mostrado cada vez mais a capacidade organizativa de grupos humanos locais independentemente de qualquer autoridade ou sancionamento superior. É indispensável, portanto, conceber a formação dos concelhos como um processo autónomo. De resto, o que na minha opinião, constitui, de facto, a sua natureza própria é precisamente sua capacidade autonómica.

Em outra obra, José Mattoso ( 1995MATTOSO, José. Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). V. 1 – Oposição. Lisboa: Estampa, 1995.) chamava a atenção, há várias décadas, para a necessidade de se considerar o peso da vida comunitária das populações citadinas e rurais, quando anterior aos forais. Sem se vincular àqueles que em outro momento pretenderam identificar as origens jurídicas da comunidade no conventus publicus vicinorum do Código Visigodo, o autor entendia que não se podiam ignorar as capacidades políticas e de organização social dos núcleos populacionais, que, obviamente, não dependiam de poderes externos e superiores para se configurarem no nível local ( MATTOSO, 1995, p. 348MATTOSO, José. Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). V. 1 – Oposição. Lisboa: Estampa, 1995.). Embora com especificidades e graus diversos de complexidade e de diferenciação social, o fato é que as comunidades de aldeia e as urbanas haviam criado/adotado normas pelas quais regiam a vida cotidiana. Assim, a relação que um senhor viesse a ter com a comunidade deveria, necessariamente, considerar esses direitos, fosse para conservá-los, minimizá-los ou, até mesmo, eliminá-los. Conhecidos como “usos e costumes”, tais dispositivos compunham um feixe que dificilmente desapareceria na reconfiguração das novas realidades de dominação senhorial, inclusive régia. Esse aspecto é pouco explorado pela historiografia, que deixa de perceber, na própria linguagem dos forais, conteúdos que revelam a proteção do interesse das comunidades, ademais de assegurarem ao poderoso outorgante do instrumento posição de autoridade jurisdicional superior. 8 8 Maria Helena da Cruz Coelho ( 2014, p. 460), incontornável referência da historiografia portuguesa e estudiosa da temática concelhia, assim adverte: “E se as cartas de foral nos surgem, no geral, como documentos emanados pelo conde D. Henrique, por D. Afonso Henriques e por D. Sancho, ou ainda por alguns nobres ou eclesiásticos, parecendo-nos actos de vontade unilateral, estamos convictas que, muitas vezes, as populações das vilas e lugares tê-las-iam reclamado junto dos seus senhores, obtendo, mais livre ou compulsivamente, um deferimento”.

A maneira como pretendemos explorar alguns problemas centrais neste artigo afasta-se de abordagens anacrônicas, seduzidas pelo valor que a nossa contemporaneidade atribui ao instrumento jurídico per se. Para os medievais, que criaram e usaram o instrumento, ele tinha um sentido e uma potência que se conjugavam a vários outros do direito formal, do qual o costume – além da lei – era uma forma. Mas, de igual modo, é ainda possível observar o peso de normas – ditas não formais – na elaboração desse tipo de instrumento.

Relativamente ao problema que certas análises introduziram no estudo do tema, observa-se a insistência em estabelecer especificidades entre instrumentos jurídicos que, embora apoiados em diferenças tipológicas, acabam por denotar objetivos hierarquizadores. Assim, por exemplo, estabelecem-se padrões identificadores para separar cartas de povoamento de cartas de foro, de forais. António Reis ( 2007REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2007., n.p.), estudioso da matéria, esclarece, entretanto, que o léxico não revela realmente a precisão que muitas vezes se lhe pretende atribuir:

Nas últimas décadas do século XIII começou a usar-se a palavra foral. Encontramo-la pela primeira vez no de Lagoaça, em 1286: “a tal preyto que façam foro e vezinhança, assy como he teudo no foral de Mogadoyro”. Mas é no século XIV que o vocábulo se generaliza. É utilizado nos capítulos especiais apresentados por várias povoações do reino nas cortes de Santarém, em 1331, onde, em paralelismo, e com frequência nos mesmos parágrafos, se usa ainda, no mesmo sentido, a palavra foro ou a expressão foro e costumes antigos. Em geral, na exposição feita pelos procuradores, em nome dos concelhos, emprega-se o termo foral, enquanto na resposta de El-Rei se continua a utilizar o termo foro, o que denota a origem e difusão popular do vocábulo, que a Chancelaria Régia acolhe com alguma resistência. (…) A palavra foro, se não deixa de ser utilizada, passa a ter uma acepção cada vez mais restrita, ligada aos contratos de enfiteuse ou emprazamento. Foral é a designação que se impôs gradualmente, para referir aquilo que, em termos diplomáticos, do século XI ao século XIII, se chamou, entre nós, foro ou carta de foro, e, nas últimas décadas do século XV, era já a única palavra com que tais documentos se designavam.

Observam-se, assim, transformações históricas dos nomes que não sustentam definições nominalistas e descontextualizadas. Aliás, é mesmo interessante aprofundar a interpenetração entre foro e foral derivada da íntima relação de sentidos entre ambas as palavras. De modo bastante similar, chamamos a atenção para o problema criado com a separação entre “costumes e foros” e “carta foral”. Sem negar que se trate de instrumentos diferentes, não se deve perder de vista o quanto de “costumes e foros” existe em uma “carta foral”. 9 9 Maria Alice Tavares ( 2007, p. 14), ao se referir aos Costumes da Guarda, nota as influências que estes recebem de Salamanca, permitindo concluir que “a comunicação dos costumes coincide com as famílias de forais, pois admite interpolações relacionadas com as áreas de influência mais próximas”. Tal realidade evidencia-se especialmente pela hibridação das fórmulas que se registram nos documentos em que as expressões consuetudinem e forum se associam de maneira variada ( REIS, 2015, p. 104REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). Ainda no que se refere ao nome, seus significados e significantes, ganha especial interesse a observação de Filipa Roldão e Joana Serafim ( 2021, p. 377ROLDÃO, Filipa; SERAFIM, Joana. Os mais antigos forais régios portugueses: Uma proposta de estudo e de edição. In: MARTÍNEZ PEÑÍN, Raquel; CAVERO DOMÍNGUEZ, Gregoria (Coord.). Poder y poderes en la Edad Media. Murcia: Ed. de la Universidad de Murcia, 2021, p. 375-386.):

está ainda por esclarecer em definitivo o que documental e juridicamente cabe sob a designação de foral, que variações semânticas devem ser utilizadas para nomear os atos jurídicos em tudo similares, mas com características diferenciadas (distintos outorgantes, distintos contextos geopolíticos das comunidades e diversos objetivos a alcançar, por exemplo), e como interpretar a composição textual destes documentos e as vias da sua transmissibilidade dentro e fora do Reino.

Cartas de pactos

Não é raro encontrarmos nas cartas de foral concedidas pelos reis expressões que remetem à celebração de um pacto, do qual o registro escrito é, simultaneamente, o fechamento de um acordo e a aspiração de uma relação promissora para ambas as partes. Faz-se menção, assim, a carta de firmeza, carta de doação e de firmeza, carta de firmeza e estabilidade, carta de firmeza e foro, carta de convenção e firmeza. Expressam, portanto, uma ideia de pacto, diferentemente do caráter unilateral típico de um decreto, como bem assinalam José Mattoso ( 1995MATTOSO, José. Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). V. 1 – Oposição. Lisboa: Estampa, 1995.), 10 10 “O foral ou o sancionamento resultam muito mais de um pacto entre a autoridade superior e a comunidade local para uma delimitação dos respectivos direitos do que uma decisão unilateral do soberano” ( MATTOSO, 1995, p. 216). António Reis ( 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.) 11 11 “Para vincar o valor que passavam a ter as disposições neles contidas, tal como outros documentos, alguns forais designam-se como cartam firmitudinis, cartam donationis et firmitudinis, cartam firmitudinis et stabilitatis, cartam firmitudinis et foro, cartam conventionis et firmitudinis, firmamenti cartam, cartam stabilitatis, firmitatis scripturam, etc. Raramente, e talvez a sublinhar o carácter unilateral do pacto, o foral é designado como decretum ou decreta” ( REIS, 2015, pp. 103-104). e José Domingues e Pedro Pinto ( 2015DOMINGUES, José; PINTO, Pedro. Os foros extensos na Idade Média em Portugal. Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, v. 37, p. 153-174, 2015.), ao se referirem a um “direito pactuado”. Nesse sentido, tais registros inserem-se em uma ordem política, cuja lógica pactista não deveria ser considerada apenas de forma circunstancial.

Sem deixar de admitir que houvesse comunidades obrigadas a aceitar uma situação de submissão jurisdicional, selada em carta foral, entre meados do século XII e a metade do XIII, não se pode, por outro lado, negar que também houvesse muitos casos que podem ser considerados acordo entre partes. Do lado das populações abrangidas pelos forais, as vantagens devem ser analisadas, sobretudo, no que afeta as capacidades dos mais privilegiados. Inauguradas com a secessão de Leão, operada pela aristocracia que apoiou o alçamento de Afonso Henriques ao trono de Portugal, as transformações políticas do reino redesenharam as redes de poder, criando um novo espaço interessante para aqueles que, anteriormente, no contexto do império da Hispania, tinham muito mais dificuldade para se projetar. A repentina redução da geografia do poder régio, para os que ficaram dentro das fronteiras portuguesas, significou maior proximidade com o monarca e a possibilidade de estabelecer com ele laços que permitiam redimensionar o poder das oligarquias locais. Por outro lado, a nascente dinastia de Borgonha tinha absoluta necessidade de se entrelaçar aos poderes – grandes e pequenos – do novo reino, e, também, de que eles vissem como vantajosa tal associação. 12 12 Relativamente ao reinado de Sancho II e ao papel dos forais régios na articulação entre a aristocracia e a própria monarquia, ver a inspiradora interpretação de Hermenegildo Fernandes ( 2010, pp. 146-149).

De fato, como facilmente se comprova na letra das cartas forais, os deveres e exações estipulados, embora tenham o rei como beneficiário último, são vigiados, cobrados e também usufruídos pelos homens-bons, partícipes do concelho, cujas funções, por si sós, garantem-lhes estatuto privilegiado na hierarquia social. A associação com o rei oferece-lhes uma legitimidade que, derivada de fonte externa à comunidade, é muito mais difícil de contestar, quer pelos menos abastados, quer pelos opositores políticos. Em termos da representação simbólica, os ofícios concelhios dão mais lustro e eficácia às posições de mando local, que deixam de ser apenas fáticas para se revestirem da aura própria dos poderes superiores.

No que tange a essa perspectiva, vale a pena lembrar a maneira mais radical como Alexandre Herculano ( 1862, pp. 40-41HERCULANO, Alexandre. História de Portugal. T. IV, Livro VIII, Parte I. Lisboa: Bertrand, 1862., grifos da autora) entendia o valor da tradição oligárquica e aristocrática:

Os foraes que nos restam não fazem por via de regra senão determinar até que ponto se estenderão as garantias da nova comunidade, em que consistirão as suas relações de direitos e deveres para com o estado ou para com o senhor ou oficial da coroa, que no território da nova municipalidade representa o poder publico. Do mesmo modo que (…) a condição civil dos indivíduos que iam constituir os grêmios populares não era uma situação que se creava por este facto, assim os cargos municipaes, o methodo de se proverem, as suas atribuições, tudo, enfim, o que pertence exclusivamente á economia interna, que não prende de algum modo aquella pequena sociedade á sociedade universal, apenas figura na respectiva carta de modo indireto: e por isso de nenhum desses diplomas, tomado separadamente, se podem conhecer os caracteres da organização municipal. Os factos constantes, ou pelo menos mais geraes, que representavam o mecanismo do concelho, eram, digamos assim, um complexo de idéas, uma doutrina, um typo, que fluctuava, que não estava expresso, fixado em nenhum monumento escripto, mas que preexistia de um modo absoluto, que precedia á creação de qualquer nova municipalidade, que todos comprehendiam, e ninguém ignorava dever-se dar mais ou menos completamente em o novo gremio.

Para além de conter “esse complexo de ideias” tradicional, o documento escrito e assinado pelo monarca, em que se registram os direitos e deveres que afetam as populações de diferentes localidades do reino, é uma convergência histórica de interesses sociais e políticos de grupos aristocráticos e oligárquicos, aos quais se soma o monarca. Existe, porém, uma fórmula própria da voz régia que se manifesta nas cartas e que, obviamente, requer um tom de superioridade, como compete à cabeça do corpo político. Ao se recorrer ao rei com o objetivo de obter uma carta de foro, espera-se determinado resultado que, em termos documentais, somente se alcançará se o monarca disser claramente que “é sua vontade” outorgar/reconhecer àquela população determinados direitos. A carta foral implica necessariamente uma autoridade que a conceda, e, embora as palavras da concessão reforcem a vontade do monarca, isso não significa ser ele o real motor do vínculo. Com muita frequência, é possível atestar a vontade das populações na base das cartas de foro, como em Melgaço, Montenegro e Monsaraz ( REIS, 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). 13 13 “foi a rogo dos habitantes de Monsaraz que D. Afonso III lhes concedeu o foro de Beja: ‘apraz-­me de boa e espontânea vontade dar e conceder a vós, presentes quanto futuros, o foral de Beja que me pedistes’” ( REIS, 2015, p. 110). Trad. livre da autora: “placuit mihi libenti animo et spontanea voluntate dare et concedere vobis tam presentibus quam futuris ibidem permansuris forum de Begis quod a me peciistis”. Os registros escritos aos quais temos acesso hoje são o produto final de um processo de negociação, que certamente transcorreu entre as oligarquias locais e o monarca, mas cujos meandros desconhecemos devido à tipologia do documento.

Certamente, é evidência clara do que vimos a argumentar a outorga de forais por Afonso Henriques, entre 1162 e 1163, a Mós, Trancoso, Marialva, Moreira, Celorico e Aguiar da Beira, à raiz das incursões portuguesas em território de Leão, que levaram à tomada de Salamanca. As circunstâncias políticas que propiciaram esse desfecho – ainda que de pouca duração –, com a colaboração de boa parte da oligarquia de Salamanca, ajudam a ressaltar o caráter de pacto dessa concessão de forais. Aliás, como bem observou António Reis ( 2015, p. 167REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015., p. 343), tratar-se-ia de uma “reoutorga”, uma vez que nada se mudava relativamente aos conteúdos que Fernando II de Leão havia assinado.

A oligarquia do costume

Pelo teor das cartas de foro, é evidente, como referimos, a organização da vida sob uma lógica profundamente hierarquizada e assentada nos privilégios das ordens superiores. Tais artifícios sociais derivam de uma tradição amplamente conhecida, à qual se recorre para moldar novas situações. Como assinalou Alexandre Herculano ( 1862, p. 40HERCULANO, Alexandre. História de Portugal. T. IV, Livro VIII, Parte I. Lisboa: Bertrand, 1862.), “esses mesmos diplomas [forais] nos insinuam que a ideia do município, das suas fórmulas e das suas magistraturas, era uma cousa tradicional”. Os exemplos são vastos. A “melhor” parte da sociedade será muitas vezes definida pelos “homens bons”, ou por outras expressões e palavras que remetem àqueles que não estão submetidos a outrem por laços de servidão. A liberdade é exigência fundamental para assumir uma posição de superioridade social. 14 14 Também nos forais de Penacova (1192) e Povos (1195). No foral de Santarém, de 1095, “ meliorum civitatis”. Entre os livres, porém, marcavam-se as desejadas diferenças entre aqueles que estavam aptos a governar a vila/cidade e os que eram apenas moradores. 15 15 No foral de Melgaço (1185), por exemplo, estabelece-se a diferença entre “vizinhos” e “moradores”. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (ANTT), Lisboa. Foral de Melgaço, 1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3.

A tradição, em termos da instituição das hierarquias sociais, manifesta-se igualmente pela ocupação do espaço, que pode anteceder a concessão do foral. A elitização do território, como se sabe, faz parte das estratégias do poder, principalmente nos núcleos urbanos, e essa característica acaba recolhida pelos textos de muitos forais, evidenciando o interesse oligárquico de grupos favorecidos pelo novo instrumento jurídico. 16 16 Os burgos mais antigos são assim caracterizados nos forais de Constantim (1096) e Guimarães (1096), na época condal. Determinadas áreas, mais antigas e/ou próximas de edificações e espaços do poder, como igrejas, fortalezas, praças e mercados, podem transmitir a seus ocupantes uma identidade superior.

O dinamismo social não é desconhecido na época, sendo, entretanto, acomodado dentro da tradição e das normas costumeiras. As cartas de foro dos primeiros reinados são bons exemplos nesse sentido, devido às situações sociais e políticas que a configuração do novo reino apresentava. Guimarães, que já havia recebido carta de foro do conde Dom Henrique, em 1096, confirmada e acrescentada, em 1128, por Afonso Henriques, é geralmente citado como exemplo de promoção de um perfil social oligárquico com bases econômicas. 17 17 ANTT, Lisboa. Foral de Guimarães, 1228. Gaveta 15, maço 8, n. 20. Ver, também: Reis ( 2015, p. 133). Nesse caso, aferiu-se o merecimento dos que podem, pela fortuna pessoal, aceder aos degraus sociais superiores da cidade. A medida se estabelece pela cavalaria, ou seja, pela capacidade de sustentar cavalo e os respectivos apetrechos para cumprir a função militar. “Como se” (ficção) fossem cavaleiros: eis a porta de entrada às ordens superiores. Mas o fingere pode impor cuidados e matizes, para que não se confundam os cavaleiros per naturam com aqueles “como se fossem”. A natureza do sangue ancestral dava lastro e firmeza à posição elevada da cavalaria, coisa que se antevia frágil relativamente aos recém-admitidos nesse estatuto, como se observa na carta de foro de Leiria, de 1142: “Se um cavaleiro natural perder seu cavalo e não o puder recuperar, permanecerá sob o foro da cavalaria. Mas se outro cavaleiro que não o seja por natureza perder seu cavalo, conservará o foro da cavalaria por dois anos; então, se não conseguir outro, que pague rationem”. 18 18 ANTT, Lisboa. Carta de foro de Leiria, 1142. Forais Antigos, maço 2, n. 1. Trad. livre da autora: “Si miles per naturam ibi perdiderit equum suum et recuperare non potuerit semper stet in foro militis. Alius vero miles qui non fuerit per naturam si perdiderit equm stet in foro militis per duos annos, deinde si non habuerit det rationem”. Consultar igualmente Reis ( 2015, p. 134).

O modo de ascender pela cavalaria – portanto, por canais tradicionais – mostrou-se socialmente eficaz, como demonstra o protagonismo que a cavalaria vilã adquiria em forais posteriores, como os de Coimbra, Santarém e Lisboa, de 1179. Neles, a cavalaria vilã é o sustentáculo estratégico dianteiro das hostes régias. Igualmente interessante é o papel militar dos besteiros, cuja importância terá consequências na promoção social desses indivíduos, os quais serão, pelos forais de 1179, equiparados aos cavaleiros: “que os besteiros tenham foro de cavaleiro”. 19 19 ANTT, Lisboa. Foral de Coimbra, 1179. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 57v-58; Foral de Santarém, 1179. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 4v-5v; Foral de Lisboa, 1179. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 7v-8v. Trad. livre da autora: “balistarii habeant forum militum”.

O governo das cidades é o concelho, ao qual podem apenas aceder os homens-bons, quer em sua versão mais alargada – quando as circunstâncias requeriam –, quer no modo mais restrito. Ocupando funções reitoras, cujas denominações em Portugal variavam – alcaldes, alvazis, justiças –, eram os responsáveis pela ordenação da comunidade ( REIS, 2015, p. 139REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). Governar é gerenciar a produção e a distribuição das riquezas, que, obviamente, não se reduzem ao que hoje consideramos próprio do campo da economia. Na Idade Média, economia, no sentido da palavra grega ( oikonomia), era o gerenciamento da casa, e a riqueza advinha de muitas fontes, que não se limitavam a ingressos e rendas, mas se estendiam a aspectos considerados essenciais, como o das relações sociais e o das capacidades simbólicas e afetivas ( HESPANHA, 1983HESPANHA, António Manuel. Savants et rustiques: La violence douce de la raison juridique. Ius Comune, v. 10, p. 1-47, 1983.). O protagonismo do princípio do Digesto (ULPIANO, em CUNHA, 2010, p. 23CUNHA, Edilson Alkmin (Ed.). Corpus Iuris Civilis: Digesto. Livro 1. Brasília: TRF 1, 2010.), herdado da Antiguidade, que definia justiça como “a cada um o seu” [ suum cuique tribuere], acabou por resumir o que se esperava do governante. Era a cabeça de um corpo político – de um “universo” – que poderia ser um reino, um concelho, um mosteiro, uma linhagem, uma corporação de ofícios, da qual se esperava que gerenciasse, com justiça, a distribuição das recompensas – e punições – aos membros. O governante era sobretudo juiz. Os forais reforçam tal concepção pela instituição de ofícios reitores nomeados por palavras que evidenciam a preponderância da justiça, ampliando as cadeias institucionais, com conexões entre os níveis local e do reino.

Essa dinâmica jurídica de territorialização do poder em várias escalas operava igualmente no nível regional, permitindo que, pela via da justiça, determinados concelhos vinculassem comunidades de aldeias aos seus juízes, na qualidade de sedes ou de julgados. Também nesse sentido, as implicações sociais desdobram-se em cadeias de dependência e de projeção que se refletem na criação de ofícios encarregados de coletar as cargas devidas no âmbito das aldeias, propiciando a distinção social de tais funções, como no caso dos mordomos.

O direito de eleger juiz próprio passa a constituir princípio preponderante na relação entre os concelhos e a coroa, como forma de reconhecer as capacidades das oligarquias locais. Ao mesmo tempo, em termos regionais, por meio dessas faculdades, garantia-se a autonomia relativamente a outros potentados concelhios. Assim fica claro no foral de Sintra, de 1154: “que o juiz e o saião sejam naturais e nomeados e cessados pelo concelho, e jamais juiz ou saião de outra terra tenha poder sobre vós”. 20 20 ANTT, Lisboa. Foral de Sintra, 1154. Forais Antigos, maço 1, n. 11. Trad. livre da autora: “Iudicem et saiom sit ex naturalibus et intret et exeat per manum concilii, et numquam iudicem neque saiom de alia terra super vos veniat”.

Apesar da diferença que, teoricamente, existe entre as funções de um alcalde e de um alcaide, sendo as primeiras atinentes à justiça, e as segundas à defesa militar, o fato é que frequentemente se estabeleceu uma interpenetração entre elas. A maneira como tradicionalmente se concebia a governança, atrelada à justiça, estimulava os poderosos locais a “dizerem justiça”, ainda que, supostamente, não fosse esse o seu papel. A importância social das funções militares foi, como já referido, promovida com bastante destaque na vida concelhia, e nos núcleos em que as fortalezas tinham papel relevante, os alcaides acabavam por se projetar de forma significativa. Isso se verifica, sobretudo, no centro-sul do reino, como revelam os forais de 1179, onde os alcaides/pretores assumem assuntos judiciais ( REIS, 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). 21 21 “Nalguns municípios do centro, na primeira metade do século XII (Seia, 1136; Penela, 1136; Leiria, 1142; possivelmente Tomar, 1174) é atribuída uma grande importância ao alcaide, que, em certas circunstâncias, pode constituir uma alternativa ao juiz. Tal situação dever-se-á por certo à localização desses territórios, então na linha de fronteira, e à importância que nessa conjuntura era dada aos militares” ( REIS, 2015, p. 147, grifos da autora). Mais tarde, em Sortelha, pelo foral de 1228, tentava-se separar as funções, evidenciando a provável recorrência dessa confusão: “o juiz de palácio é o vozeiro de todas as querelas, o pretor ou o senhor não venham ao curralem”. 22 22 ANTT, Lisboa. Foral de Sortelha, 1228. Gaveta 15, maço 3, n. 7. Trad. livre da autora: “de totis querelis de palatio judex sit vozerio, pretor vel dominus non veniat ad curralem”. Ver, também: Reis ( 2015, pp. 147-148). Se é certo que em alguns momentos se deseja ressaltar a diferença, em outros, a amálgama parece natural. De acordo com Reis ( 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.), a preponderância dos “usos e costumes” talvez seja a explicação para o destaque que os pretores assumem com respeito às questões de justiça nos forais concedidos a populações de origem franca, guardando semelhança com dispositivos aplicados em seus lugares de origem. De todo modo, tais costumes não eram estranhos às práticas do reino de Portugal, onde já se observava, como vimos, uma elasticidade no tocante às especificidades das funções concelhias e municipais.

O modelo social e político que se pretendia implementar é facilmente reconhecido no teor dos forais, com mais ou menos detalhamento. O processo de oligarquização, ou de elitização, tem nesse instrumento jurídico parte importante da legitimação necessária para o exercício do poder físico e simbólico sobre a comunidade. O crescimento e a complexidade das estruturas de poder são acompanhados pela instituição de outras funções, além das já mencionadas:

Ao mordomo cabia a recolha dos foros, rendas, tributos e até das coimas, sendo estas as responsáveis por o vermos a intervir em assuntos de justiça. Em alguns municípios – Seia, Banho, Porto, forais dos grupos de Numão e de Évora – o responsável por essas funções era designado como meirinho. (…) Com o desenvolvimento dos centros urbanos, vários dos cargos a que se fez referência foram-se desdobrando e distribuindo por categorias hierarquicamente interligadas: o alcaide maior e o alcaide menor, os porteiros, o almotacé maior e os almotacés menores. Outros cargos entretanto apareceram, alguns directamente inseridos na instituição municipal, outros ao seu serviço, como os escrivães, o pregoeiro, o andador, o tesoureiro, os juízes do verde, os juízes dos órfãos, e os procuradores ( REIS, 2015, pp. 149-150REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).

Notem-se, como apontado por António Reis ( 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.), os desdobramentos dos cargos elaborados de maneira “hierarquicamente interligada”. Esse é um aspecto central para o que tentamos ressaltar neste artigo, ou seja, a estreita vinculação entre uma organização social que o costume consagrou como tradição e o teor dos forais. As cláusulas que instituem “novidades” administrativas e de justiça refletem uma realidade sociológica, fruto de concepção tradicional que facilmente traduz e se adapta às necessidades das oligarquias, sejam elas mais antigas ou mais recentes. Em ambos os casos, o modus operandi assenta-se nas lógicas de serviço e benefício com que se criam e distribuem as funções concelhias, configurando redes pessoais, às quais se soma o monarca pela letra dos forais.

Como elemento central das estratégias de centralização do poder régio, é comum se ressaltar a criação de cargos que garantiriam, em cada localidade, a vontade do monarca. As denominações são variadas, podendo mesmo alcançar uma especialização justificada pelas necessidades administrativas e fiscais, muito embora seja frequente se comprovar, no cotidiano, que o exercício dessas funções acabava por se realizar de forma bastante flexível. A plasticidade pode ser explicada pela força das circunstâncias, mas há outro ponto importante a se considerar, ligado ao fato de que esses oficiais eram, muitas vezes, originários das próprias comunidades e/ou moradores da localidade. Em Melgaço, o “representante do rei deve ser morador da vila”, 23 23 ANTT, Lisboa. Foral de Melgaço, 1181-1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3. Trad. livre da autora: “vicarius regis debet esse morator ville”. coisa que necessariamente enxerta o representante régio nas redes locais e o leva a considerar os costumes da terra no cumprimento do ofício.

Ainda no que tange às estratégias oligárquicas do poder, parecem importantes as recorrentes proibições à entrada de aristocratas na comunidade de moradores, por via da compra de herdades. Tal preocupação é, em geral, considerada compreensível do ponto de vista da coroa, uma vez que o estatuto de privilégio e isenção que costuma afetar as ordens superiores desobrigaria esses poderosos do pagamento dos foros, diminuindo, assim, o caudal de ingressos da monarquia. Como observamos, no entanto, essa implicação econômica da interpretação deve abranger igualmente a oligarquia local, que seria negativamente afetada, quer relativamente aos ingressos municipais, quer às suas capacidades de exercer o poder no espaço do concelho. Cremos ser justamente nesse sentido que, pelo foral de Guimarães, de 1128, proibiu-se a pousada de cavaleiros livres de vassalagem, cuja presença – às vezes prolongada – pudesse afetar os estatutos da cidade: “que nenhum cavaleiro tenha pousada em Guimarães, exceto por amor de seu senhor”. Ou seja, permitia-se apenas a estada daqueles que estivessem vinculados a senhores devidamente integrados às estruturas de poder locais. De forma similar, a necessária intermediação do concelho na legitimação das transações patrimoniais consolida a posição de autoridade alcançada pelos “melhores” da comunidade: “quem vender ou comprar bens em Guimarães, ante o Concelho, tenha-os de forma livre e que ninguém lhos possa reclamar por mal” . 24 24 ANTT, Lisboa. Foral de Guimarães, 1128. Gaveta 15, maço 8, n. 20; Foral de Guimarães, 1128. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 51v. Trad. livre da autora: “nullo cavallario non habeat pausada in Vimaranes nisi tantum per amorem domini sui”; “qui vendiderit aut comparaverit nullo aver in Vimaranes ante illo concilio habeat illum liber et nemo sit ausus postea qui illum requirat per male”.

Um dos aspectos essenciais ao processo de oligarquização dos concelhos, no qual a monarquia tem papel decisivo, é a maneira “aristocrática” pela qual os forais constroem a diferenciação social: a isenção e o privilégio. Portanto, ainda que os deveres tenham de ser cumpridos de forma igualitária no interior do conjunto dos “melhores”, há, com respeito aos inferiores, obviamente, diferenças marcantes. É, contudo, com relação ao conjunto do reino que se observam com mais nitidez os marcadores próprios da tradição aristocrática da isenção. Recorrendo uma vez mais ao foral de Guimarães, de 1128:

E eu querendo fazer honra e parte a vós, a vossos filhos e a toda a vossa descendência, confirmo o foro que vos deram meu pai e minha mãe, e, além disso, dou-vos o foro de que não pagueis portagem, em toda a minha terra. (…) E das herdades daqueles burgueses que comigo suportaram males e penas em Guimarães nunca paguem fossadeiras e os seus bens, onde quer que estejam, fiquem a salvo livres e aqueles que os tomarem por mal paguem-me LX soldos, e, além disso, paguem esses bens em dobro ao respectivo dono. 25 25 ANTT, Lisboa. Foral de Guimarães, 1128. Gaveta 15, maço 8, n. 20; Foral de Guimarães, 1128. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 51v. Trad. livre da autora: “Et ego uolo super uos et super filios uestros et super omni progenie uestra facere honorem et cabo. Auctorizo uobis illum forum quod dedit uobis pater meus et mater mea et insuper dono uobis foros quod in tota mea terra non donetis portaticum. (…) Et de illas hereditates de illos burzeses qui mecum sustinuerunt male et pena in Vimaranes nunquam donent fossadeiras et suo auer ubicumque steterit sit saluus et qui illum prendiderit per malum pectet mihi LX solidos et insuper illo auer duplato ad dominum suum”. A isenção régia concedida aos concelhos no âmbito do reino é frequente. Outro exemplo é o foral de Bragança, de 1187, publicado em: AZEVEDO, Rui de; COSTA, Avelino J. da; PEREIRA, Marcelino (Ed.). Documentos de Sancho I (1174-1211). Coimbra: Centro de História da Universidade de Coimbra, 1979, p. 39, doc. 24. Ver, ainda: Reis ( 2015, pp. 337-338).

O exercício do poder tinha na justiça seu principal pilar, e ainda que os reis se esforçassem por se apresentar como recurso último e mais importante na matéria, com alcance geral sobre o reino, no nível local, os poderosos tentavam igualmente se imbuir dessa capacidade. O concelho, como persona jurídica, assumia tal função, colocando-se como meio necessário à realização da justiça, como se observa no foral de Melgaço, de 1185:

Se vier alguém de fora que tenha inimizade com um morador da vila, e não quiser um acordo financeiro e desprezar o concelho da vila, então o morador da vila com seus amigos podem ir contra ele. E se o perseguirem e matarem, não respondam ante o rei. E se eles se recusarem a atender ao chamado, paguem V soldos e sejam contraditos pelo concelho. 26 26 ANTT, Lisboa. Foral de Melgaço, 1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3. Trad. livre da autora: “Si quis de foris venerit qui inimiciciam cum morante in villa habuerit et non antea a suo inimico financiam quesierit et despicit concilium ville, tunc morator ville cum amicis contra illum exeat. Et si eum usque ad mortem percusserit vel eum occiderit pro homicidio regi non respondeat. Si autem eum noluerint adiuvare quos vocaverit V solidos pariant et sint contradicti concilio”.

O caso, bastante interessante, ressalta a estratégia do concelho de Melgaço, que consegue, no próprio foral concedido pelo rei, colocar-se como a autoridade que transforma os atos justiceiros de vizinhos e moradores em justiça.

O pagamento de multas e taxas pelas populações é assunto que ocupa boa parte do clausulado dos forais. Por um lado, as formas e conteúdos das exações têm servido para fundamentar interpretações que ressaltam o fortalecimento da monarquia e, por outro, para a elaboração de quadros e tabelas que comprovam a semelhança local e regional das cargas que pesam sobre os vizinhos e moradores de aldeias, vilas e cidades, permitindo compreender melhor a dinâmica da difusão de modelos foraleiros. Há, entretanto, outro aspecto, pouco estudado, que evidencia como a associação entre a monarquia e as oligarquias locais permite operar uma reorganização das lógicas de apropriação e de redistribuição da riqueza, atribuindo ao concessor do foral o lugar simbólico de superioridade estratégica, que legitima a exação. Ao mesmo tempo, o distanciamento físico do rei, em cujo nome se realiza a cobrança, desonera politicamente os poderes locais, que, quando conveniente, podem-se apresentar como meros cumpridores da função de arrecadar o que é devido ao rei. O benefício que correspondia ao ofício – este entendido como serviço – era extraído pelo próprio beneficiado, ou pelo concelho, das rendas cobradas, a vários títulos.

Costumes e poder régio

Como já referido, os reis de Portugal perceberam muito cedo as vantagens de se associarem à força dos “costumes”. 27 27 Tal estratégia permaneceu válida durante muito tempo, como mostra o interessante estudo de Maria Helena da Cruz Coelho (1990) sobre S. Martinho de Mouros, cujo foral dataria do reinado de Fernando I de Leão. Em 1342, no reinado de Afonso IV, a Chancelaria portuguesa decide registrar por escrito os usos e costumes de S. Martinho de Mouros, que remontariam à época de Sesnando e que teriam sido confirmados por Alfonso VI e por D. Teresa. Ao mesmo tempo, o foral que se considera no século XIV acata 42% do conteúdo relativamente aos “usos e costumes”. Assim, conclui a autora: “Afinal, a política inovadora de Afonso IV, ao nomear corregedores para favorecer a centralização régia, deu, em última instância, redobrado alento à tradição de um viver em comunidade” ( M. H. da C. COELHO, 1990, pp. 17-25). A prática era conhecida dos reis de Leão – ou de seus condes –, que com anterioridade tinham o hábito de reconhecerem/confirmarem os “costumes” de várias cidades, como nos casos de Coimbra (1085) e de Santarém (1095). 28 28 ANTT, Lisboa. Foral de Coimbra, 1085. Livro Preto da Sé de Coimbra, f. 7-8v; Foral de Santarém, 1095. Livro Preto da Sé de Coimbra, f. 10.

Ao mesmo tempo, é também preciso sublinhar que os forais régios não eram necessários ao nascimento de um concelho. Os exemplos da existência de concelhos antigos, anteriores à outorga da carta de foro, são numerosos e reconhecidos pelos monarcas na própria redação do novo instrumento. Há uma experiência comunitária de concepção, organização e exercício do poder que precede o senhorio monárquico/aristocrático, a qual será estrategicamente incorporada às transformações dos processos de dominação que vão integrar as realidades concelhias no cenário do reino.

Os paradigmas constituem elemento de análise de fundamental importância para a literatura dos forais. Os estudos históricos desde muito cedo identificaram “famílias de forais” que assentam paradigmas para a elaboração das cartas outorgadas ao longo do reino. Para Portugal, os mais famosos são os de Numão (1130), Évora (1162) e o trio de Coimbra, Santarém e Lisboa (1179) ( REIS, 2015REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).

Os pontos de contato entre eles são numerosos, tornando às vezes difícil estabelecer diferenças que sustentem acentuadas individualização e originalidade. Por exemplo, o foral de Numão seria subsidiário do de Salamanca ( REIS, 2015, pp. 167-168REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). 29 29 O foral de Numão foi concedido por Fernão Mendes. Da mesma forma, no de Évora, afirma-se que se tomou o que rezava no foral de Ávila, uma carta que não sobreviveu e cujo teor permanece desconhecido ( REIS, 2015, p. 167REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). No trio dos forais de 1179, de maneira similar, apesar de se reconhecerem em seus conteúdos sinais da dinamização da vida urbana de finais do século XII, retomam-se diretrizes dos paradigmas anteriores de Salamanca-Numão e de Ávila-Évora.

Com relação a Coimbra, é proveitoso perceber como no foral de 1179 não se deixam de considerar aspectos estipulados desde seu antecessor de 1085. E, de forma ainda mais acentuada, mesmo depois de 1179,

os velhos paradigmas elaborados na órbita de Coimbra continuaram a gozar de alguma fortuna ao serem outorgados a comunidades da mesma área geográfica, em cujo dia a dia predominavam ou eram mesmo exclusivas as actividades rurais: foi o caso de Avô (1187), Penacova (1192), Valezim (1201, do convento de Santa Cruz) e Pedrógão Grande (de Pedro Afonso, irmão do rei, em 1206), localidades onde a base de tributação continuou a ser a jugada, enquanto noutras, com localização mais periférica, se adoptou o critério da ração ou percentagem da colheita, como sucedeu com S. Marinha (1190, de Soeiro Mendes) e com Mortágua (1192, da Rainha D. Dulce, em nome do Rei). Também o foral de Viseu, que se apresenta (em 1187) como confirmação do que fora outorgado por D. Afonso Henriques, seguiu o antigo modelo ( REIS, 2015, pp. 172-173REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).

Os três paradigmas continuaram a ter forte expressão nos reinados seguintes, servindo como referência à produção de novos forais, ou tendo seu valor reafirmado pelas confirmações que os monarcas concediam. De maneira similar, os senhores laicos e eclesiásticos – inclusive as ordens militares – assinavam cartas de foro que se associavam a essas tradições mais abrangentes, ou a genealogias mais regionais, mas sempre legitimadas por uma fórmula que irmanava comunidades através de uma experiência comum de organização da vida.

O foral de Barcelos é uma boa amostra do peso que as referências regionais poderiam alcançar. Outorgado pelo primeiro rei, entre 1166 e 1169, chama especialmente a atenção que numa carta régia se tenha recorrido ao que se costumava fazer em Braga, nos domínios da Igreja. Afonso Henriques concede aos de Barcelos “os foros para que tenham a honra de Braga e paguem a dízima da coima de Braga e a dízima de todo trabalho” . 30 30 ANTT, Lisboa. Foral de Barcelos, [1166-1169]. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 16. Trad. livre da autora: “illis forum ut habeant honorem Bracare et pectent decimam de calumpnia Bracare et decimam de toto labore” . Consultar, também: Reis ( 2015, pp. 343-344). Em outro foral, o de Vila Nova de Famalicão, o rei Sancho I, em 1205, estipula que

não devem pagar senão três calumpnias, aquelas que são assignadas aos homens do Hospital, exceto que em vez do que estes pagam, aqueles paguem soldos (…) Mando que qualquer um que possuir besta ou bestas as tenha pelo foro de Guimarães, e que não lhe façam mal ou força por isso (…) Mando também que façais feira ao domingo de quinze em quinze dias e que pagueis portagem tal como se paga em São Pedro de Rates . 31 31 ANTT, Lisboa. Foral de Vila Nova de Famalicão, 1205. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 4v. Trad. livre da autora: “non pectent nisi tres calumpnias, illas que sunt assignate hominibus Hospitalis, excepto quod pro modiis quos illi pectant isti pectent solidos. (...) Mando quod quicumque ibi habuerit bestiam vel bestias habeant illas per forum de Vimaranes, ut non faciant illis tortum nec forciam super illas (...) Mando etiam ut faciatis feiram in dominico die de quindecim in quindecim diebus et detis portagium quomodo dant in Sancto Petro de Rates”.

Ou seja, na letra do foral, o monarca mobiliza três referências distintas, oriundas da organização laica e da eclesiástica: o direito de Guimarães, as exações impostas aos dependentes da Ordem do Hospital e o modo como em São Pedro de Rates se pagava portagem. Entretanto, aquilo que à primeira vista poderia ser considerado incongruente do ponto de vista formal ganha outros contornos quando considerado na perspectiva da experiência da região compartilhada pelos “homens que são povoadores do reguengo de Vila Nova”. 32 32 ANTT, Lisboa. Foral de Vila Nova de Famalicão, 1205. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 4v. Trad. livre da autora: “hominibus qui populaturi sunt illud regalengo de Villa Nova”.

Para além dos três paradigmas mais icônicos, os exemplos da adoção de forais são numerosos, inclusive oriundos de regiões externas às fronteiras do reino. Caso significativo é o de Melgaço (1185), no qual Afonso Henriques manifesta o pacto nestes termos: “mando e concedo a vós tal pacto para que edifiqueis e nela habiteis pelo foro que a mim pedistes, ou seja, o do burgo de Rivadávia, que considerastes bom. Este certamente me atende e eu justamente vos atendo”. 33 33 ANTT, Lisboa. Foral de Melgaço, 1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 22v-23v. Trad. livre da autora: “mando enim illam vobis et concedo tali pacto ut eam hedificetis atque in illa habitetis per illud forum quod a me quesistis scilicet de burgo de Ripia Avie quod vidistis esse bonum. Hoc mihi recte adtendite et ego vobis iuste adtendam”. Ver, também: Reis ( 2019, p. 113). Para os vizinhos de Melgaço, portanto, é em Rivadávia, na vizinha Galícia, que se encontra o referencial jurídico com o qual se identificam, provavelmente, por compartilharem com os burgueses de lá a ideia de como se deve organizar a vida municipal. 34 34 O foral de Melgaço refere-se a “vizinhos” e “moradores”; o de Rivadávia, a “burgueses”. Ambas as localidades se encontram na mesma região, que, apesar de seccionada pela fronteira política entre Portugal e Leão, abriga populações que compartilham costumes e tradições. A comparação detalhada entre os dois forais levanta uma questão interessante, uma vez que há verdadeiramente muitas diferenças entre eles, afetando dispositivos judiciais, fiscais e sociais. Tais especificidades não impediam, no entanto, o estabelecimento de uma filiação que poderia também significar uma espécie de identidade, como comunidade política, no nível regional.

A prática manifestava-se igualmente no compartilhamento dos usos e costumes (forais extensos) entre concelhos, que, tal como a dinâmica observada relativamente aos forais senhoriais e régios, não respeitava as fronteiras políticas dos reinos ( DOMINGUES; PINTO, 2015, p. 165DOMINGUES, José; PINTO, Pedro. Os foros extensos na Idade Média em Portugal. Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, v. 37, p. 153-174, 2015.). Isso reforça uma das ideias principais que buscamos defender neste artigo: a importância de dar a devida atenção ao peso dos poderes locais na (re)elaboração, preservação e solicitação de concessão e/ou reconhecimento superior de seus direitos comunitários.

Conclusão

Até aqui, procuramos mostrar como, nos primeiros reinados da Dinastia de Borgonha, em Portugal, a construção política do reino assentou-se, entre outros aspectos, numa decisiva e eficaz hibridação entre os monarcas e as comunidades rurais e urbanas. Tal situação é facilmente notada nos registros escritos preservados de instrumentos conhecidos como “cartas forais” e “usos e costumes”. Frequentemente, a historiografia insiste no caráter formal diferenciador entre ambos, como resultado de uma visão estatalista, que promove os forais, em função da autoria régia, em detrimento do direito consuetudinário, atribuído de maneira difusa ao povo. Trata-se de uma visão, herdeira do final do século XVIII, que tende a alçar a “lei” à categoria de única fonte legítima e superior do direito, menosprezando o costume ( GILISSEN, 1982, p. 19GILISSEN, John. La coutume. Bruxelas: Brepols, 1982.). Além de privilegiar o que se classifica como “saber de juristas”, promovem-se na mesma esteira as formas resultantes desse “saber”, do qual a monarquia seria a configuração legítima em termos de poder público. Entretanto, as centenas de cartas de foral outorgadas pela monarquia no período analisado permitem observar a importância de se considerarem os conteúdos normativos escritos numa perspectiva que, sem negar o fortalecimento do poder régio, permite entender esse processo em profunda conexão com a afirmação de uma oligarquia concelhia, assentado de maneira vigorosa sobre lógicas do costume e da tradição.

Nesse sentido, foi preciso refletir criticamente sobre a própria definição de “usos e costumes”, nos termos defendidos por John Gilissen ( 1982, p. 25GILISSEN, John. La coutume. Bruxelas: Brepols, 1982.):

Os usos nascem da repetição de atos ou do comportamento dos homens em um dado grupo social. Os usos tornam-se costume quando essa maneira de agir é entendida como obrigatória pelo grupo, ao mesmo tempo que uma ação contrária aos usos é considerada como devendo ser sancionada. Essa sanção origina-se frequentemente da autoridade judiciária; eis por que se afirmou muitas vezes que o costume somente se estabelece definitivamente a partir do momento em que os juízes o constatam e aplicam. Mas essa confirmação jurisprudencial não é necessária para que o grupo sinta e aceite a maneira de agir como obrigatória, ou seja, como regra de direito. 35 35 Trad. livre da autora: “L’usage naît de la répétition d’actes ou du comportement des hommes dans un groupe social donné; il implique une continuité d’agir dans un sens donné. L’usage devient coutume lorsque cette façon d’agir est ressentie par le groupe comme obligatoire, en ce sens qu’une action contraire à l’usage est considérée comme devant être sanctionnée. Cette sanction vient le plus souvent de l’autorité judiciaire; c’est pourquoi on a souvent affirmé que la coutume n’est définitivement établie qu’à partir du moment où les juges la constatent, et l’appliquent. Mais cette confirmation jurisprudentielle n’est pas requise pour que le groupe sente et accepte la façon d’agir comme obligatoire, c’est-à-dire comme règle de droit”.

O caráter vinculante das normas é evidente e é esta a chave do poder político que assume conotações facilmente traduzidas como instrumento de proteção do bem público, do bem comum. Essa particularidade será explorada e ressaltada no teor dos numerosos forais concedidos pelos reis portugueses. Os costumes, cada vez mais territorializados nos séculos XII e XIII, vão sendo progressivamente colocados sob a forma escrita, “tornando-se uma espécie de lei” 36 36 Trad. livre da autora: “devenant une sorte de loi” . ( GILISSEN, 1982, pp. 25-26GILISSEN, John. La coutume. Bruxelas: Brepols, 1982.). 37 37 Mais adiante, Gilissen ( 1982, p. 57) diz também: “os costumes homologados foram reconhecidos pelo príncipe como tendo força de lei”. Trad. livre da autora: “les coutumes homologuées ont été reconnues par le prince comme ayant force de loi”. Pensamos que essa classificação “a meias” mereceria mais coragem para derrubar de vez os anteparos que o “saber jurídico” ainda impõe às experiências legisladoras que não procedem das “autoridades legítimas”. A operação levada a cabo pela monarquia e pelas oligarquias locais resulta, por sua vez, no reforço da dinâmica que promove o costume, com a repetição e a difusão de modelos que passam a constituir famílias de forais. Se a repetição engendra o costume, a repetição das cartas forais torna-as costume.

O fato é que a monarquia terá um papel primordial para alçar costumes locais a uma posição de autoridade, e os inserir no cenário político mais amplo do reino. Esse deslocamento é igualmente visível nos conteúdos das cartas forais. Tópicos e dispositivos, quando analisados, apontam para a existência de comunidades epistêmicas e comunidades de práticas, as quais, entrelaçadas aos poderes concedidos pela monarquia, exigem para seu estudo histórico uma metodologia que permita perceber as hibridações operadas entre as diversas esferas de saber, considerando que os forais têm como objetivo a produção normativa para “um determinado campo de ação” 38 38 Trad. livre da autora: “a specific field of action”. ( DUVE, 2022a, p. 4DUVE, Thomas. Legal History as a History of the Translation of Knowledge of Normativity. Max Planck Institute for Legal History and Legal Theory Research Paper Series, n. 16, 2022a.). O método há de considerar, portanto, “certa constelação histórica de discursos, práticas, regras, normas e princípios” 39 39 Trad. livre da autora: “certain historical constellation of discourses, practices, rules, norms, and principles”. ( DUVE, 2022b, p. 2DUVE, Thomas. Legal History as an Observation of Historical Regimes of Normativity. Max Planck Institute for Legal History and Legal Theory Research Paper Series, n. 17, 2022b.), a qual, justamente no caso específico dos forais, necessita assentar-se em um “regime histórico de normatividade” 40 40 Trad. livre da autora: “historical regime of normativity”. ( DUVE, 2022b, p. 1DUVE, Thomas. Legal History as an Observation of Historical Regimes of Normativity. Max Planck Institute for Legal History and Legal Theory Research Paper Series, n. 17, 2022b.). Um regime, como modo de viver a “coisa pública”, resultado de transformações operadas na fonte formal, as quais, por sua vez, são consequência dos pactos firmados entre poderes locais e poder monárquico. Ou seja, novas relações sociais e políticas que se configuram como poder que produz norma. Nessa dimensão é que se estabelece a conexão entre costumes e forais. Na história que se segue aos quatro primeiros reinados, e que para vários estudiosos significou “uma nova era”, lembramos, entretanto, que o quinto monarca, Afonso III (1248-1279), antes de assumir o trono de Portugal, fez um juramento, em 1245, nos seguintes termos:

Eu D. Afonso, conde de Bolonha, filho de D. Afonso de ilustre memória rei de Portugal, prometo, e juro sobre estes Santos Evangelhos de Deus, que por qualquer título que alcançar o reino de Portugal, guardarei, e farei guardar a todas as Comunidades, Concelhos, Cavaleiros, e aos povos, aos Religiosos, e Clero do dito Reino todos os bons costumes, e foros escritos, e não escritos que tiveram em tempo de meu Avô, e de meu Bisavô. 41 41 ANTT, Lisboa. Juramento de D. Afonso III, 1245. Mitra Arquiepiscopal de Braga, rolo 6. Grifos da autora.

Referências

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  • 1
    Entre outras passagens significativas de Paolo Grossi ( 2014, p. 117GROSSI, Paolo. A ordem jurídica medieval. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.), destacamos: “Sob o mar perenemente agitado dos acontecimentos cotidianos estão as águas profundas, mas calmas – e calmas porque profundas – da tranquilidade jurídica. É a plataforma constitucional do costume, fato primordial, segunda natureza, por vezes – mas em mínima parte – expresso pela palavra escrita e transformado em lex por obra de um príncipe zeloso; com mais frequência conservado no estado original de trama invisível, mas onipresente e imperiosa, na qual estão imersos homens e coisas”.
  • 2
    Trad. livre da autora: “No hay ninguna duda de que la antropología ha contribuido notablemente al estudio de las sociedades precapitalistas, sobre todo en lo que concierne a la posibilidad de estudiarlas despojándonos de los prejuicios modernos. Sin embargo, en el caso particular de la costumbre lo que se evidencia es una sobreinterpretación del fenómeno consuetudinario en clave antropológica que descuida el carácter jurídico que tiene en la documentación”. Para além desta autora, que oferece densa revisão crítica sobre esse problema, são igualmente importantes, ainda que sobre outras geografias, os autores citados na bibliografia ao final deste artigo, cujos títulos remetem claramente para o “costume”.
  • 3
    A maior parte dos historiadores e juristas que se debruçaram sobre o tema, ainda que eventualmente, aponta a necessidade de se matizarem alguns aspectos relativamente às estruturas do poder na Idade Média portuguesa, e reconhece a existência de outras lógicas não estatais. O fato é que tal constatação acaba por sofrer uma avaliação negativa no que tange à qualidade e à eficácia da organização política do período.
  • 4
    Tal “evidência”, entretanto, não tem tanto peso para a historiografia quanto aquele atribuído às chamadas Leis Gerais (1211), Confirmações Gerais (1217), e Inquirições Gerais (1220). Para uma crítica a essa interpretação, ver Coelho ( 2019COELHO, Maria Filomena. “Direitos que me pertencem”: Cartas de foro e jurisdição régia (Portugal, séc. XII). In: TEIXEIRA, Igor; SANTANA, Eliane Veríssimo; SILVA, Carolina Gual da (Org.). A construção de jurisdições eclesiásticas: Dízimos, ordens religiosas e territórios no direito canônico medieval (séculos XII-XIII). Porto Alegre: Cirkula, 2019a, p. 137-160. 2020COELHO, Maria Filomena. Inquirir em nome de Afonso II: A jurisdição régia a serviço da aristocracia cristã (Portugal, séc. XIII). Tempo, v. 26, p. 210-229, jan./abr. 2020.).
  • 5
    Destacamos, entretanto, que alguns autores, principalmente ao discutir o controverso papel historiográfico atribuído aos concelhos portugueses na Idade Média, afastam-se de posições mais jurisdicistas, como é o caso de Borges Coelho ( 1986COELHO, António Borges. Comunas ou concelhos. Lisboa: Caminho, 1986.) e de José Mattoso ( 1995MATTOSO, José. Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). V. 1 – Oposição. Lisboa: Estampa, 1995.), embora por vias metodológicas e teóricas diversas. Entretanto, nota-se certa tendência em estudos monográficos sobre os forais considerarem o exercício do poder régio com um caráter mais de acordo com o pluralismo jurídico, embora a historiografia de síntese continue a adotar perspectivas centralistas e monopolistas. Para o início da Idade Moderna, continua sendo importante a análise de António Manuel Hespanha ( 2001HESPANHA, António Manuel. O Foral Novo de Évora no contexto da reforma dos forais de D. Manuel. In: CÂMARA MUNICIPAL DE ÉVORA. Foral Manuelino de Évora. Évora: Câmara Municipal de Évora, 2001, p. 43-65.).
  • 6
    O termo sofreu forte crítica devido aos conteúdos políticos que sua utilização mobiliza: o suposto direito dos cristãos aos territórios ibéricos “ocupados” por muçulmanos.
  • 7
    A tipificação dos forais como leis requer algumas reflexões. Alexandre Herculano ( 1862, pp. 49-50HERCULANO, Alexandre. História de Portugal. T. IV, Livro VIII, Parte I. Lisboa: Bertrand, 1862., grifos no original) chama a atenção para o problema de forma histórica: “Ainda no decurso do século XIII fuero significava [em Castela] não só os costumes não escriptos, as instituições municipaes, e os simples aforamentos collectivos ou singulares, mas até os corpos de leis ou a legislação civil. Entre nós as expressões forum, foros produziram dous vocabulos diversos, foro e foral. Foro, sem abranger um sentido tão amplo como fuero, tomou o valor de direito tradicional, o de imunidade e privilegios que pertenciam a uma classe, a uma corporação, além da significação trivial, que ainda hoje conserva, de prestações em reconhecimento de domínio, ao passo que foral importava em regra a carta de povoação, o diploma regulador dos direitos e deveres collectivos das cidades, villas e logares (…) para designar as cartas constitutivas dos municípios, os códigos que ou estatuíam ou fixavam o direito publico local, e que constituíam pela aggregação de varios individuos uma pessoa moral (…)”.
  • 8
    Maria Helena da Cruz Coelho ( 2014, p. 460COELHO, Maria Helena da Cruz. Um Portugal em construção: A rede concelhia dos séculos XII e XIII. In: ESTEPA DÍEZ, Carlos; CARMONA RUIZ, Maria Antonia (Coord.). La Península Ibérica en tiempos de las Navas de Tolosa. Madrid: Sociedad Española de Estudios Medievales, 2014, p. 459-480.), incontornável referência da historiografia portuguesa e estudiosa da temática concelhia, assim adverte: “E se as cartas de foral nos surgem, no geral, como documentos emanados pelo conde D. Henrique, por D. Afonso Henriques e por D. Sancho, ou ainda por alguns nobres ou eclesiásticos, parecendo-nos actos de vontade unilateral, estamos convictas que, muitas vezes, as populações das vilas e lugares tê-las-iam reclamado junto dos seus senhores, obtendo, mais livre ou compulsivamente, um deferimento”.
  • 9
    Maria Alice Tavares ( 2007, p. 14TAVARES, Maria Alice S.. Vivências quotidianas da população urbana medieval: O testemunho dos Costumes e Foros da Guarda, Santarém, Évora e Beja. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2007.), ao se referir aos Costumes da Guarda, nota as influências que estes recebem de Salamanca, permitindo concluir que “a comunicação dos costumes coincide com as famílias de forais, pois admite interpolações relacionadas com as áreas de influência mais próximas”.
  • 10
    “O foral ou o sancionamento resultam muito mais de um pacto entre a autoridade superior e a comunidade local para uma delimitação dos respectivos direitos do que uma decisão unilateral do soberano” ( MATTOSO, 1995, p. 216MATTOSO, José. Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). V. 1 – Oposição. Lisboa: Estampa, 1995.).
  • 11
    “Para vincar o valor que passavam a ter as disposições neles contidas, tal como outros documentos, alguns forais designam-se como cartam firmitudinis, cartam donationis et firmitudinis, cartam firmitudinis et stabilitatis, cartam firmitudinis et foro, cartam conventionis et firmitudinis, firmamenti cartam, cartam stabilitatis, firmitatis scripturam, etc. Raramente, e talvez a sublinhar o carácter unilateral do pacto, o foral é designado como decretum ou decreta” ( REIS, 2015, pp. 103-104REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).
  • 12
    Relativamente ao reinado de Sancho II e ao papel dos forais régios na articulação entre a aristocracia e a própria monarquia, ver a inspiradora interpretação de Hermenegildo Fernandes ( 2010, pp. 146-149FERNANDES, Hermenegildo. D. Sancho II: Tragédia. Rio de Mouro: Temas e Debates, 2010.).
  • 13
    “foi a rogo dos habitantes de Monsaraz que D. Afonso III lhes concedeu o foro de Beja: ‘apraz-­me de boa e espontânea vontade dar e conceder a vós, presentes quanto futuros, o foral de Beja que me pedistes’” ( REIS, 2015, p. 110REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.). Trad. livre da autora: “placuit mihi libenti animo et spontanea voluntate dare et concedere vobis tam presentibus quam futuris ibidem permansuris forum de Begis quod a me peciistis”.
  • 14
    Também nos forais de Penacova (1192) e Povos (1195). No foral de Santarém, de 1095, “ meliorum civitatis”.
  • 15
    No foral de Melgaço (1185), por exemplo, estabelece-se a diferença entre “vizinhos” e “moradores”. ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (ANTT), Lisboa. Foral de Melgaço, 1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3.
  • 16
    Os burgos mais antigos são assim caracterizados nos forais de Constantim (1096) e Guimarães (1096), na época condal.
  • 17
    ANTT, Lisboa. Foral de Guimarães, 1228. Gaveta 15, maço 8, n. 20. Ver, também: Reis ( 2015, p. 133REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).
  • 18
    ANTT, Lisboa. Carta de foro de Leiria, 1142. Forais Antigos, maço 2, n. 1. Trad. livre da autora: “Si miles per naturam ibi perdiderit equum suum et recuperare non potuerit semper stet in foro militis. Alius vero miles qui non fuerit per naturam si perdiderit equm stet in foro militis per duos annos, deinde si non habuerit det rationem”. Consultar igualmente Reis ( 2015, p. 134REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).
  • 19
    ANTT, Lisboa. Foral de Coimbra, 1179. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 57v-58; Foral de Santarém, 1179. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 4v-5v; Foral de Lisboa, 1179. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 7v-8v. Trad. livre da autora: “balistarii habeant forum militum”.
  • 20
    ANTT, Lisboa. Foral de Sintra, 1154. Forais Antigos, maço 1, n. 11. Trad. livre da autora: “Iudicem et saiom sit ex naturalibus et intret et exeat per manum concilii, et numquam iudicem neque saiom de alia terra super vos veniat”.
  • 21
    “Nalguns municípios do centro, na primeira metade do século XII (Seia, 1136; Penela, 1136; Leiria, 1142; possivelmente Tomar, 1174) é atribuída uma grande importância ao alcaide, que, em certas circunstâncias, pode constituir uma alternativa ao juiz. Tal situação dever-se-á por certo à localização desses territórios, então na linha de fronteira, e à importância que nessa conjuntura era dada aos militares” ( REIS, 2015, p. 147REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015., grifos da autora).
  • 22
    ANTT, Lisboa. Foral de Sortelha, 1228. Gaveta 15, maço 3, n. 7. Trad. livre da autora: “de totis querelis de palatio judex sit vozerio, pretor vel dominus non veniat ad curralem”. Ver, também: Reis ( 2015, pp. 147-148REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).
  • 23
    ANTT, Lisboa. Foral de Melgaço, 1181-1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3. Trad. livre da autora: “vicarius regis debet esse morator ville”.
  • 24
    ANTT, Lisboa. Foral de Guimarães, 1128. Gaveta 15, maço 8, n. 20; Foral de Guimarães, 1128. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 51v. Trad. livre da autora: “nullo cavallario non habeat pausada in Vimaranes nisi tantum per amorem domini sui”; “qui vendiderit aut comparaverit nullo aver in Vimaranes ante illo concilio habeat illum liber et nemo sit ausus postea qui illum requirat per male”.
  • 25
    ANTT, Lisboa. Foral de Guimarães, 1128. Gaveta 15, maço 8, n. 20; Foral de Guimarães, 1128. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 51v. Trad. livre da autora: “Et ego uolo super uos et super filios uestros et super omni progenie uestra facere honorem et cabo. Auctorizo uobis illum forum quod dedit uobis pater meus et mater mea et insuper dono uobis foros quod in tota mea terra non donetis portaticum. (…) Et de illas hereditates de illos burzeses qui mecum sustinuerunt male et pena in Vimaranes nunquam donent fossadeiras et suo auer ubicumque steterit sit saluus et qui illum prendiderit per malum pectet mihi LX solidos et insuper illo auer duplato ad dominum suum”. A isenção régia concedida aos concelhos no âmbito do reino é frequente. Outro exemplo é o foral de Bragança, de 1187, publicado em: AZEVEDO, Rui de; COSTA, Avelino J. da; PEREIRA, Marcelino (Ed.). Documentos de Sancho I (1174-1211). Coimbra: Centro de História da Universidade de Coimbra, 1979, p. 39, doc. 24. Ver, ainda: Reis ( 2015, pp. 337-338REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).
  • 26
    ANTT, Lisboa. Foral de Melgaço, 1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3. Trad. livre da autora: “Si quis de foris venerit qui inimiciciam cum morante in villa habuerit et non antea a suo inimico financiam quesierit et despicit concilium ville, tunc morator ville cum amicis contra illum exeat. Et si eum usque ad mortem percusserit vel eum occiderit pro homicidio regi non respondeat. Si autem eum noluerint adiuvare quos vocaverit V solidos pariant et sint contradicti concilio”.
  • 27
    Tal estratégia permaneceu válida durante muito tempo, como mostra o interessante estudo de Maria Helena da Cruz Coelho (1990) sobre S. Martinho de Mouros, cujo foral dataria do reinado de Fernando I de Leão. Em 1342, no reinado de Afonso IV, a Chancelaria portuguesa decide registrar por escrito os usos e costumes de S. Martinho de Mouros, que remontariam à época de Sesnando e que teriam sido confirmados por Alfonso VI e por D. Teresa. Ao mesmo tempo, o foral que se considera no século XIV acata 42% do conteúdo relativamente aos “usos e costumes”. Assim, conclui a autora: “Afinal, a política inovadora de Afonso IV, ao nomear corregedores para favorecer a centralização régia, deu, em última instância, redobrado alento à tradição de um viver em comunidade” ( M. H. da C. COELHO, 1990, pp. 17-25COELHO, Maria Helena da Cruz. O conjugar da tradição e inovação: No concelho de S. Martinho de Mouros. Revista de História, v. 10, p. 17-25, 1990.).
  • 28
    ANTT, Lisboa. Foral de Coimbra, 1085. Livro Preto da Sé de Coimbra, f. 7-8v; Foral de Santarém, 1095. Livro Preto da Sé de Coimbra, f. 10.
  • 29
    O foral de Numão foi concedido por Fernão Mendes.
  • 30
    ANTT, Lisboa. Foral de Barcelos, [1166-1169]. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 16. Trad. livre da autora: “illis forum ut habeant honorem Bracare et pectent decimam de calumpnia Bracare et decimam de toto labore” . Consultar, também: Reis ( 2015, pp. 343-344REIS, António Matos. História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Horizonte, 2015.).
  • 31
    ANTT, Lisboa. Foral de Vila Nova de Famalicão, 1205. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 4v. Trad. livre da autora: “non pectent nisi tres calumpnias, illas que sunt assignate hominibus Hospitalis, excepto quod pro modiis quos illi pectant isti pectent solidos. (...) Mando quod quicumque ibi habuerit bestiam vel bestias habeant illas per forum de Vimaranes, ut non faciant illis tortum nec forciam super illas (...) Mando etiam ut faciatis feiram in dominico die de quindecim in quindecim diebus et detis portagium quomodo dant in Sancto Petro de Rates”.
  • 32
    ANTT, Lisboa. Foral de Vila Nova de Famalicão, 1205. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 4v. Trad. livre da autora: “hominibus qui populaturi sunt illud regalengo de Villa Nova”.
  • 33
    ANTT, Lisboa. Foral de Melgaço, 1185. Forais Antigos, maço 12, n. 3, f. 22v-23v. Trad. livre da autora: “mando enim illam vobis et concedo tali pacto ut eam hedificetis atque in illa habitetis per illud forum quod a me quesistis scilicet de burgo de Ripia Avie quod vidistis esse bonum. Hoc mihi recte adtendite et ego vobis iuste adtendam”. Ver, também: Reis ( 2019, p. 113REIS, António Matos. Os forais antigos de Melgaço, terra de fronteira. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, v. 15, n. 1, 2019.).
  • 34
    O foral de Melgaço refere-se a “vizinhos” e “moradores”; o de Rivadávia, a “burgueses”.
  • 35
    Trad. livre da autora: “L’usage naît de la répétition d’actes ou du comportement des hommes dans un groupe social donné; il implique une continuité d’agir dans un sens donné. L’usage devient coutume lorsque cette façon d’agir est ressentie par le groupe comme obligatoire, en ce sens qu’une action contraire à l’usage est considérée comme devant être sanctionnée. Cette sanction vient le plus souvent de l’autorité judiciaire; c’est pourquoi on a souvent affirmé que la coutume n’est définitivement établie qu’à partir du moment où les juges la constatent, et l’appliquent. Mais cette confirmation jurisprudentielle n’est pas requise pour que le groupe sente et accepte la façon d’agir comme obligatoire, c’est-à-dire comme règle de droit”.
  • 36
    Trad. livre da autora: “devenant une sorte de loi” .
  • 37
    Mais adiante, Gilissen ( 1982, p. 57GILISSEN, John. La coutume. Bruxelas: Brepols, 1982.) diz também: “os costumes homologados foram reconhecidos pelo príncipe como tendo força de lei”. Trad. livre da autora: “les coutumes homologuées ont été reconnues par le prince comme ayant force de loi”. Pensamos que essa classificação “a meias” mereceria mais coragem para derrubar de vez os anteparos que o “saber jurídico” ainda impõe às experiências legisladoras que não procedem das “autoridades legítimas”.
  • 38
    Trad. livre da autora: “a specific field of action”.
  • 39
    Trad. livre da autora: “certain historical constellation of discourses, practices, rules, norms, and principles”.
  • 40
    Trad. livre da autora: “historical regime of normativity”.
  • 41
    ANTT, Lisboa. Juramento de D. Afonso III, 1245. Mitra Arquiepiscopal de Braga, rolo 6. Grifos da autora.

Agradecimentos

Este artigo é parte do Projeto O Corpo do Estado Medieval: formas aristocráticas do poder público em Portugal (séc. XII-XIII), com bolsa do CNPq, e resultado do Estágio Sênior de Pós-Doutorado realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2021/2022), sob a supervisão do professor Samuel Rodrigues Barbosa, a quem agradeço a generosidade com que acolheu a minha pesquisa e a disponibilidade para discutir seus desdobramentos. Obviamente, ele não é responsável pelos desacertos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2022
  • Aceito
    29 Jun 2023
  • Revisado
    17 Abr 2023
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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