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Amanteigamento por aspersão térmica na soldagem em operação de dutos de pequena espessura: estabilidade e penetração do arco voltaico

Buttering by thermal spraying in welding in-service repair of pipes with small thickness: arc stability and penetration

Resumos

Este trabalho reúne resultados promissores sobre uma via alternativa de reparo em dutos e tubulações em operação com pequena espessura remanescente, envolvendo a recuperação prévia da parede do tubo por amanteigamento por processos de aspersão térmica. Avaliou-se a instabilidade apresentada pelo arco voltaico e alteração do perfil da zona fundida quando da deposição de solda por eletrodos revestidos sobre chapas de aço carbono previamente amanteigadas, com camadas de composição similar, pelos processos de aspersão térmica a chama e a arco-elétrico. Os resultados permitiram correlacionar a estabilidade do arco com o nível de oxidação das camadas aspergidas.( Medidas de temperatura do revestimento aspergido mostraram que, desde que o processo de aspersão ocorra de forma ininterrupta até a espessura final do revestimento, a temperatura superficial é crescente com a espessura do depósito, o que resulta num maior teor de óxidos, associado tanto à uma instabilidade do cordão como à uma maior penetração da poça fundida). Difratogramas de raios-X nas camadas aspergidas e análises do teor de oxigênio na zona fundida dos cordões de solda comprovaram a influência desse elemento na alteração do perfil da zona fundida. Como alternativa ao uso de ar comprimido, foi avaliada sua substituição pelo argônio como gás de arraste, verificando-se efeitos muito benéficos - redução significativa da penetração e boa estabilidade do arco voltaico - admite-se que advindos da redução da oxidação da camada aspergida pelo efeito protetor do gás inerte. A avaliação dos resultados permitiu estabelecer critérios de soldagem com menor risco de perfuração se comparados a uma condição sem revestimento prévio por aspersão térmica.

Soldagem em Operação; Aspersão Térmica; Instabilidade do Arco Voltaico


This work brings promising results about an alternative way of welding in-service repair of pipes with low reminiscent thickness, which involves a previous buttering coating of the pipe wall by thermal spraying. The characteristics of buttering layers deposited by two thermal spraying processes (arc and conventional flame) were compared, in special the influence of their degree of oxidation in dependence of the carrying gas (pressurized air or argonium) on the arc stability and penetration of weld beads SMAW over plain carbon steels previously buttered with similar composition layers. The results allowed to correlate the stability of the arc to the level of oxidation of the sprayed layers. (Temperature measurements on the surface of the sprayed layers showed that, since the process of thermal spray occur in an non-stopped way until the final thickness of the coating, the superficial temperature is increased with the thickness of the deposit, what results in a higher content of oxides, which is associated to an arc instability and a greater penetration of the molten pool.) X-ray diffractrogams and oxygen analysis proved the influence of this element in the changing profile of the fusion zone. As an alternative to the use of compressed air, its substitution by the inert gas argon as carrying gas was evaluated, verifying very benefic effects - significant reduction of penetration e good arc stability - believed coming from the reduction of oxidation in the sprayed layer by the protective effect of the inert gas. The evaluation of the results permitted to establish criteria of welding with lower risks of burn-through compared to a condition without buttering layers.

Welding in-service; Thermal Spray; Arc Instability


ARTIGOS TÉCNICOS

Nilceu NovickiI; Augusto José de Almeida BuschinelliII; Ramón Sigifredo Cortes ParedesIII

IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina, Coordenação de Produção e Controle Industrial, Itajaí, Santa Catarina, Brasil, nilceu@ifsc.edu.br

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Engenharia Mecânica, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, buschi@emc.ufsc.br

IIIUniversidade Federal do Paraná, Departamento de Engenharia Mecânica, Curitiba, Paraná, Brasil, ramon@demec.ufpr.br

RESUMO

Este trabalho reúne resultados promissores sobre uma via alternativa de reparo em dutos e tubulações em operação com pequena espessura remanescente, envolvendo a recuperação prévia da parede do tubo por amanteigamento por processos de aspersão térmica. Avaliou-se a instabilidade apresentada pelo arco voltaico e alteração do perfil da zona fundida quando da deposição de solda por eletrodos revestidos sobre chapas de aço carbono previamente amanteigadas, com camadas de composição similar, pelos processos de aspersão térmica a chama e a arco-elétrico. Os resultados permitiram correlacionar a estabilidade do arco com o nível de oxidação das camadas aspergidas.( Medidas de temperatura do revestimento aspergido mostraram que, desde que o processo de aspersão ocorra de forma ininterrupta até a espessura final do revestimento, a temperatura superficial é crescente com a espessura do depósito, o que resulta num maior teor de óxidos, associado tanto à uma instabilidade do cordão como à uma maior penetração da poça fundida). Difratogramas de raios-X nas camadas aspergidas e análises do teor de oxigênio na zona fundida dos cordões de solda comprovaram a influência desse elemento na alteração do perfil da zona fundida. Como alternativa ao uso de ar comprimido, foi avaliada sua substituição pelo argônio como gás de arraste, verificando-se efeitos muito benéficos - redução significativa da penetração e boa estabilidade do arco voltaico - admite-se que advindos da redução da oxidação da camada aspergida pelo efeito protetor do gás inerte. A avaliação dos resultados permitiu estabelecer critérios de soldagem com menor risco de perfuração se comparados a uma condição sem revestimento prévio por aspersão térmica.

Palavras-chave: Soldagem em Operação, Aspersão Térmica, Instabilidade do Arco Voltaico

ABSTRACT

This work brings promising results about an alternative way of welding in-service repair of pipes with low reminiscent thickness, which involves a previous buttering coating of the pipe wall by thermal spraying. The characteristics of buttering layers deposited by two thermal spraying processes (arc and conventional flame) were compared, in special the influence of their degree of oxidation in dependence of the carrying gas (pressurized air or argonium) on the arc stability and penetration of weld beads SMAW over plain carbon steels previously buttered with similar composition layers. The results allowed to correlate the stability of the arc to the level of oxidation of the sprayed layers. (Temperature measurements on the surface of the sprayed layers showed that, since the process of thermal spray occur in an non-stopped way until the final thickness of the coating, the superficial temperature is increased with the thickness of the deposit, what results in a higher content of oxides, which is associated to an arc instability and a greater penetration of the molten pool.) X-ray diffractrogams and oxygen analysis proved the influence of this element in the changing profile of the fusion zone. As an alternative to the use of compressed air, its substitution by the inert gas argon as carrying gas was evaluated, verifying very benefic effects - significant reduction of penetration e good arc stability - believed coming from the reduction of oxidation in the sprayed layer by the protective effect of the inert gas. The evaluation of the results permitted to establish criteria of welding with lower risks of burn-through compared to a condition without buttering layers.

Key-words: Welding in-service, Thermal Spray, Arc Instability

1. Introdução

A prática da soldagem em operação tem como grande vantagem, a possibilidade de uma intervenção, seja de reparo ou instalação, sem interromper o escoamento de fluído, evitando perda do produto, emissão de gases, parada de dutos e gasodutos, parada de unidades, interrupção de fornecimento para clientes, além de uma eventual contaminação do meio-ambiente em caso de falha na selagem e degaseificação durante os preparos para uma soldagem com interrupção de fluxo. Dentre os métodos utilizados, como o da soldagem de luvas bipartidas ou de calhas, destaca-se o reparo por deposição de solda (RDS). Este método é relativamente simples, uma vez que dispensa o uso de acessórios como calhas, além de sua aplicação não ser limitada por eventual curvatura da tubulação. A Figura 1 mostra um desenho esquemático de um RDS.


A soldagem em operação apresenta, como óbvios riscos inerentes, a perfuração da parede do tubo pela sobrepenetração do arco voltaico, e a ocorrência de trincas a frio (TF), esta agravada pelo resfriamento imposto pelo escoamento do fluido. Não obstante ela é de uso corrente, seguindo regras e códigos estabelecidos em normas internacionais como as API 1104, API RP 2201, BS 6990, CSA Z 662, e no Brasil a da Petrobrás N2163, que procuram garantir um procedimento seguro, considerando a relação entre energia de soldagem, espessura da parede e composição química do material. Entretanto tais procedimentos concentram-se quase que totalmente em tubos de aço de baixa resistência e parede espessa (6 mm ou mais) [1].

Quanto à incidência de TF uma das medidas para prevenir sua ocorrência seria o aumento da energia de soldagem, visando reduzir as velocidades de resfriamento e, com isso, a quantidade de martensita presente na ZTA. Porém, esta abordagem entra em conflito, pelo aumento da penetração da zona fundida, com o requerimento de evitar perfuração.

No Brasil, a Petrobrás realiza ou acompanha serviços de soldagem em operação há pelo menos trinta anos [3]. Porém, a perda significativa de material apresentado por tubulações instaladas há décadas, fabricadas em aços de menor resistência e sem meios adequados de proteção contra a corrosão, e o uso de tubos de parede fina à medida que se utilizam aços de maior resistência (API 5LX-65, X70 e X80, com possibilidade de uso de X100 e X120), aumenta em especial, o risco de perfuração. Diante disso, este trabalho explora o amanteigamento prévio por aspersão térmica em regiões com perda de espessura, com vistas a diminuir o risco de perfuração na subseqüente operação de RDS, além de permitir o aumento da energia de soldagem, contribuindo para a não incidência de TF. A reconstituição completa pela aspersão térmica não é indicada devido as propriedades inferiores do revestimento se comparado tanto ao material maciço antes de ser aspergido como ao material do tubo, e pelo possível desplacamento das camadas com o aumento da espessura aspergida.

Todavia deve-se considerar que revestimentos aspergidos, pelas características do processo, apresentam imperfeições como poros, trincas e óxidos. Para os processos a arco elétrico e a chama convencional, a presença de óxidos está entre 20 e 30% [4,5]. Três mecanismos distintos, entre o aquecimento das partículas na pistola e sua deposição sobre o substrato, são responsáveis pela oxidação e dependem basicamente do grau de fusão das partículas aspergidas, da atmosfera circundante e da velocidade de resfriamento. No aquecimento ocorre pela reação das partículas com o oxigênio do ambiente ou elementos oxidantes disponibilizados por produtos de eventual combustão; durante a trajetória pistola-substrato pela reação com a atmosfera circundante que entra em contato com as partículas aquecidas; e ainda no resfriamento da superfície do revestimento recém formado, que recebe influência direta da temperatura da base revestida, seja ela o substrato ou uma camada aspergida.

A condição de soldagem envolvendo um material (revestimento aspergido) rico em oxigênio provoca alterações no perfil da poça de fusão, que é resultado da interação de forças que comandam o movimento de convecção, sendo predominante a ação da Força de Marangoni [6,7], com direção e magnitude controladas pelo gradiente de tensão superficial com a temperatura (dγ/dT). Segundo o modelo proposto por Heiple e Roper [7], o aumento da presença de elementos ativos como enxofre e oxigênio provoca uma inversão de dγ/dT de negativo para positivo. Com esta inversão, a tensão superficial passa a ser maior nos pontos de alta temperatura da poça de fusão, ou seja, no centro em relação às bordas, o que faz com que o movimento de convecção (da região com menor tensão superficial para a maior) favoreça uma maior penetração. De outra forma, se o teor de elementos ativos não for suficiente para alterar dγ/dT, a tensão superficial diminui com o aumento da temperatura e o fluxo ocorre do centro para as bordas, produzindo uma poça larga e rasa.

A influencia do oxigênio no mecanismo de convecção da poça foi investigada mais recentemente por LU et al [8], que em soldagens TIG autógenas concluíram que a poça de fusão tinha um limite na absorção do oxigênio e que teores mais elevados provocavam a formação de uma camada de óxido espessa na periferia da superfície da poça, ausente na sua parte central pela maior temperatura. Portanto, a parte central sofre a inversão do movimento de convecção pela inexistência da camada de óxido, que funciona como uma barreira na periferia da poça, impedindo a absorção de oxigênio proveniente do processo de soldagem. A influência da capa óxida no perfil diferenciado do movimento de convecção, quando a poça parece não sofrer mais a influência do oxigênio, está ilustrada no modelo proposto por LU et al [9], reproduzido na Figura 2.


Este trabalho aborda principalmente a influência que da presença do oxigênio proveniente dos processos de aspersão térmica a chama convencional (FS) e arco elétrico (AS) sobre a estabilidade do arco voltaico e a penetração da zona fundida. Como o oxigênio afeta o movimento da poça de fusão, ensaios com deposição de solda considerando uma ampla faixa de espessura amanteigada foram realizados, sendo avaliadas a penetração da zona fundida e a estabilidade do arco de cordões de solda, depositados sobre superfícies 'com aspergida' e 'esmerilhada', em comparação com o arco produzido pelo mesmo cordão depositado sobre uma superfície não aspergida.

2. Materiais e Métodos

2.1 Materiais

Para substrato foram utilizados chapas de aço carbono SAE 1020. Como material de aspersão, foi utilizado o arame AWS ER70S6 e, para a deposição de solda, eletrodo revestido AWS E7018. Estes materiais não apresentam diferenças significativas de composição química, diminuindo a possibilidade de incompatibilidade metalúrgica. A Tabela 1 mostra a composição química dos diferentes materiais.

2.2 Revestimento por Aspersão Térmica

O arame AWS ER70S6 foi aspergido através dos processos AS e FS formando uma espessura entre 0,25 e 2,0 mm. A confirmação da espessura por software CAD em imagem da seção transversal permitiu relacionar a espessura com a quantidade de passes aspergidos. Como parâmetros nominais foram utilizados 150,0 mm para distância entre pistola e peça e 0,5 MPa para pressão do gás de arraste, porém com variações da distância e pressão para avaliação da estabilidade e penetração do arco voltáico quando da deposição de solda. Como gás de arraste foram utilizados ar comprimido ou argônio. A preparação do substrato para receber o revestimento foi realizada através do jateamento abrasivo de alumina (Al2O3) grana 26, até atingir uma rugosidade Ra entre 4 e 5 μm, o que garante a aderência necessária e limpeza da superfície. Os revestimentos foram sempre depositados logo após a texturização, não permitindo que um tempo de espera provocasse uma possível oxidação.

Quando necessário, o acompanhamento da temperatura da superfície aspergida ou do substrato pré-aquecido foi realizada a distância através de termômetro infravermelho da marca Raytek, modelo Raynger MX4.

2.2.1 Processo AS

Os revestimentos por AS foram realizados no Laboratório de Aspersão Térmica e Soldagens Especiais da UFPR, em uma fonte Sulzer Metco ValueArc 300E. A Tabela 2 mostra os parâmetros utilizados.

2.2.2 Processo FS

Realizados na empresa Revesteel, em Pinhais-PR, através de uma pistola Metco 012. A Tabela 3 apresenta os parâmetros utilizados.

2.2.3 Soldagem

Os cordões de solda foram realizados com eletrodos revestidos de baixo carbono AWS E7018 com 2,5 mm de diâmetro conservados em estufa a temperatura de 80ºC após desumidificação em forno a 250ºC por duas horas. Na soldagem (corrente de 70 A+, tensão controlada de 26 volts, e velocidade entre 17 e 22 cm/min) foi utilizada uma fonte microcontrolada MTE DIGITEC 450, em bancada construída no Laboratório de Soldagem da UFSC, que dispõe de um sistema automático para deslocamento do eletrodo (mantendo a tensão constante) e dispositivo de controle de velocidade para deslocamento linear da amostra, proporcionando uma maior eficácia no controle dos parâmetros se comparado a uma soldagem manual, além de permitir uma reprodutibilidade que assegura a comparação entre corpos de prova. A Figura 3 mostra a bancada de soldagem com os dispositivos de deslocamento linear da peça e mergulho do eletrodo.


O acompanhamento dos sinais de tensão e corrente foi realizado através de uma placa de aquisição de dados inseridas na própria fonte de soldagem e conectada diretamente com o microcomputador mediante um cabo serial. Através do software OSCILOS, desenvolvido pelo LABSOLDA/UFSC, o sinal é obtido da placa de aquisição inserida na fonte de soldagem.

Os ensaios foram orientados para chapas de aço carbono SAE 1020 com 3 mm de espessura, recortadas em corpos de prova de 150 x 150 mm, e "amanteigadas" por AT em 50% da área, possibilitando desta forma que um mesmo cordão de solda se sobreposse à duas regiões distintas, conforme ilustra a Figura 4. Em cada chapa foram depositados três cordões iniciados sobre a área não aspergida.


Posteriormente à realização dos ensaios, ou em etapas intercaladas onde mostrou-se necessária uma avaliação, foram retiradas amostras dos corpos de prova. Antes de cada caracterização foi realizada uma preparação metalográfica, envolvendo as seguintes etapas: corte grosseiro do corpo de prova em serra fita; retirada da amostra na região desejada com disco de corte abrasivo; embutimento em resina; lixamento progressivo; polimento automático e ataque químico em Nital (2%).

Na avaliação quantitativa da porosidade e oxidação nos revestimentos, foi utilizado o analisador de imagens Clemex em ampliações entre 200x e 500x obtidas em microscópio ótico Olympus BX60M. Para poder relacionar uma possível instabilidade com esta característica dos revestimentos aspergidos, a incidência de óxidos na superfície foi avaliada em um difratômetro de raios-X da marca Phillips, modelo Xpert. Utilizou-se radiação Cu-Kα com comprimento de onda 1,5418 Å para ângulos 2θ entre 20 e 130º. Completando a avaliação em relação a oxidação, o trabalho contou com o apoio do Instituto de Tecnologia dos Materiais da Universität der Bundeswehr Hamburg, na Alemanha, onde o teor de oxigênio presente nos revestimentos foi medido em um equipamento do tipo LECO TC-436-DR, pela técnica da fusão em gás inerte.

3. Resultados e Discussões

Tanto o teor de óxidos como a porosidade, apresentados na Tabela 4 e retirados de amostras com revestimento de 0,5 mm, estão dentro de níveis aceitáveis para os processos utilizados, e podem ser considerados adequados em comparação com o observado em aplicações industriais no Brasil. Os valores ligeiramente mais elevados no processo AS são resultados da presença de O2 e N2 dissociados na passagem do ar comprimido pelo arco e a maior energia térmica em relação à queima de gases no processo FS, o que leva a um maior tempo de resfriamento e maior quantidade de óxidos formados nas partículas, dificultando a acomodação quando do encontro com o substrato ou camadas anteriores, conseqüentemente gerando revestimentos mais irregulares [10].

3.1. Sobre a instabilidade do arco voltaico

Para a deposição dos cordões de solda, inicialmente foi testado como seria o comportamento dos cordões considerando o aspecto visual e molhabilidade. Estes testes foram realizados em uma condição de espessuras de revestimento reduzidas por esmerilhamento, isto é, não diretamente sobre a superfície 'como aspergida'. A princípio não foi constatado nenhum defeito ou desvio geométrico excessivo que tornasse inaceitável a solda. A Figura 5 mostra a molhabilidade do cordão, enquanto que pela Figura 6 não se observam indícios de descontinuidade na transição entre material aspergido e chapa maciça no local adjacente ao cordão de solda.



Todavia, em testes onde a deposição de solda ocorreu na condição 'como aspergido' (não esmerilhado), foi constatada uma instabilidade do arco voltaico em espessuras superiores a 0,5 mm independente do processo de aspersão térmica utilizado, refletindo na irregularidade dos cordões, como mostra Figura 7, a ponto de ser evidente a não aceitação da soldagem. Esta descontinuidade nos cordões não é observada em espessuras revestidas < 0,5 mm, tanto na condição 'como aspergido' ou 'esmerilhado'. Uma análise dos oscilogramas apresentados na Figura 8 mostra uma grande flutuação da tensão média na condição 'como aspergido', que não é observada na condição 'esmerilhado' e, evidentemente, quando de cordões depositados diretamente sobre chapa não revestida. Esta flutuação fica clara no gráfico da Figura 9, que compara a tensão média em intervalos de 1s, considerando três condições de textura superficial: 'sem revestimento', 'como aspergido', e 'esmerilhado'. Em relação às condições 'sem revestimento' e 'esmerilhado', a proximidade de valores e não flutuação da tensão média ao longo do cordão justificam a estabilidade do arco quando do revestimento esmerilhado, assim como obviamente quando da deposição de solda sobre superfície não revestida. Uma outra evidência da instabilidade pode ser feita observando os desvios padrões das tensões médias ao longo da deposição que, como mostra a Figura 10, são maiores em superfícies 'como aspergido'.





Para testar a hipótese de que esta instabilidade esteja sendo provocada pela presença crescente de óxidos na superfície dos revestimentos segundo a espessura, amostras da superfície de revestimentos nas condições 'como aspergido' e 'esmerilhado' com espessuras revestidas próximas a 1,00 mm, e 'como aspergido' em uma espessura de 0,47 mm, foram avaliadas por difratometria de raios-X. Os resultados, apresentados na Figura 11 confirmam a presença de óxidos diferenciada segundo textura e espessura de revestimento. A condição 'como aspergido', e=1,02 mm (Figura 11-b) é a que apresenta mais óxidos (FeO) em sua superfície, o que admite-se deve estar causando a instabilidade. Comparando esta condição com a da Figura 11-a, fica claro o efeito do esmerilhamento na redução do teor de óxidos na superfície revestida. Da mesma forma, considerando somente a variação da espessura, a diferença entre a amostra com 1,02 mm para a com 0,47 mm (Figura 11-c), mostra uma maior quantidade de óxido na superfície de maior espessura aspergida.




A relação entre espessura de revestimento e oxidação superficial pode ser explicada pela temperatura da superfície após o procedimento de aspersão, que aumenta a cada camada depositada. Com o revestimento realizado de forma contínua, as camadas vão sendo depositadas sobre as anteriores, que estão aquecidas pelo próprio processo, o que implica em maiores temperaturas superficiais e menores taxas de resfriamento. A Tabela 5 mostra uma relação entre valores da temperatura superficial medidos logo após aspersão do revestimento e a ocorrência de estabilidade do arco voltaico. Para espessura de 0,50 mm, a temperatura superficial máxima foi 178ºC. Após resfriamento natural, deu-se seqüência ao revestimento na mesma chapa até aproximadamente 1,00 mm, onde a temperatura atingiu 143ºC. Cordões depositados sobre a chapa nas duas espessuras apresentam estabilidade do arco. Em uma nova chapa, onde foi aspergido 1,00 mm de revestimento de modo contínuo, isto é, sem parada que permitisse o resfriamento intermediário, observou-se aumento na temperatura para 248ºC, e na soldagem sobre a superfície 'como aspergido' verificou-se instabilidade do arco.

Como os mecanismos responsáveis pela oxidação estão associados com a ação do gás de arraste, a substituição do ar comprimido, de uso tradicional, pelo argônio, com característica inerte, diminuiu consideravelmente a incidência de óxidos na superfície, conforme mostram os difractogramas apresentados na Figura 12. O uso do argônio na aspersão permite estabilidade do arco também em espessuras superiores a 0,50 mm e sem necessidade de esmerilhamento para redução do teor de óxidos na superfície. A Figura 13 mostra um quadro comparativo dos aspectos dos cordões de solda sobre revestimentos nas condições 'como aspergido' e 'esmerilhado', com variação de espessura e gás de arraste. A observação do aspecto dos cordões mostra que a deposição de solda sobre um revestimento que não esteve submetido aos mecanismos de oxidação dependentes da presença de oxigênio no gás de arraste, apresenta um aspecto superior inclusive aos cordões depositados diretamente sobre chapas.



Sendo de conhecimento que a oxidação é afetada por parâmetros como distância pistola-peça e pressão do gás, revestimentos foram realizados mantendo o ar comprimido como gás de arraste mas com os parâmetros alterados. A Tabela 6 mostra que, na variação de parâmetros testados, não houve influência sobre o aspecto dos cordões, sendo mantida a irregularidade tanto no aspecto superficial como no comportamento do arco voltáico durante a soldagem, em revestimentos com espessura entre 1,0 e 1,3 mm por ambos processos enfocados. A avaliação foi reforçada por difratometria de raios X. Uma análise do difractograma apresentado na Figura 14 mostra uma redução insignificante no teor de óxidos, 28,44% para 25,04% de intensidade relativa no seu pico máximo, não suficiente para alterar a condição de instabilidade do arco em uma soldagem sobre revestimento depositado com 0,4 MPa de pressão do ar comprimido e distância pistola-peça de 100 mm. Uma nova redução de pressão, para 0,3 MPa, foi testada, porém a baixa adesão provoca o desplacamento do revestimento. Se não logo após o processo de aspersão, durante a deposição de solda.


3.2 Sobre a penetração do arco voltaico

Os valores de penetração do arco voltaico quando da deposição sobre revestimento aspergido mostram uma clara influência da espessura revestida. Na Figura 15, que traz um gráfico relacionando a penetração e largura de cordões de solda segundo a espessura de revestimento, pode-se observar o aumento da capacidade de penetração do arco voltaico acompanhado de um decréscimo na largura do cordão, o que permite dividir o perfil da zona fundida sobre revestimento por aspersão térmica em três regiões segundo a penetração: I) crescente (Figura 16); II) decrescente; e III) estabilizada.



O crescimento de penetração ocorre somente até espessuras de revestimento próximas a 1,0 mm. A partir deste valor observa-se inicialmente um decréscimo com posterior estabilização,. Medidas de oxigênio feitas dentro de cada região comprovam o perfil de penetração, com crescimento, tanto de oxigênio como penetração, acompanhando a espessura revestida para a região I; inversão do crescimento da penetração e estabilização do teor de oxigênio em II; e estabilização da penetração e oxigênio em III, como mostram os valores apresentados na Tabela 7. Este padrão de crescimento é similar ao ocorrido nos experimentos de LU et al [9], apresentados anteriormente na Figura 2.

Pelas características do processo de aspersão térmica, responsável pelo amanteigamento, os cordões estão sendo depositados sobre um volume rico em oxigênio, susceptível aos efeitos provocados pela variação da tensão superficial no movimento convectivo da poça de fusão. Esta hipótese fica reforçada quando o ar compimido, até então utilizado como gás de arraste, é substituído por argônio. A utilização deste gás, de característica inerte, permite valores de penetração inferiores aos observados quando da utilização do ar comprimido. No gráfico da Figura 17 pode-se observar claramente esta diferença. Já a Figura 18 mostra micrografias características segundo o gás de arraste.



O oxigênio altera o movimento de convecção deixando a poça solidificar-se de forma profunda e estreita, ao contrário do observado quando tal alteração não se manifesta pela presença insuficiente do elemento ativo., como mostram os perfis de zona fundida segundo o gás de arraste apresentados na Figura 19. A alteração geométrica da zona fundida provocada pela inversão do sentido de convecção da poça de fusão pela presença diferenciada de oxigênio nos revestimentos tem evidente comprovação quando se analisa a presença deste elemento na zona fundida de cordões depositados em revestimentos de mesma espessura, porém diferenciados pelo gás de arraste: ar comprimido ou argônio. A Tabela 8 mostra o teor de oxigênio na zona fundida relacionado com a penetração (p) e largura (L) de cordões depositados sobre espessura revestida de 0,25 mm e 0,75 mm.


Pela observação dos resultados e tendo como parâmetro a penetração em chapas maciças, tem-se a seguinte condição: penetração superior nos revestimentos considerando ar comprimido, e inferior quando o gás utilizado é o argônio. A Tabela 9 apresenta valores médios da penetração e teor de oxigênio na zona fundida. O teor de oxigênio medido é superior na zona fundida sobre o revestimento aspergido, porém a penetração é menor. Portanto, a variação de penetração relacionada com o teor de oxigênio não é válida quando da utilização do argônio, o que sugere que talvez seja necessário um valor mínimo de oxigênio para promover tais alterações, e que pelo gás utilizado não está sendo alcançado. Por exemplo, Heiple e Roper [7] indicam 60 ppm; Lu et al [9] 130 ppm; e Taimatsu et al [11] entre 150 e 350 ppm. Deve-se considerar que as avaliações citadas foram obtidas em experimentos considerando processo TIG autógeno, diferente da situação deste trabalho, com eletrodo revestido (onde segundo Rein [12] a expectativa do teor de oxigênio é superior a 250 ppm) e sobre um substrato não maciço.

A condição proporcionada pelo argônio, de menor penetração que as observadas em soldagens diretamente sobre chapa maciça, sugere a aplicação da técnica não mais utilizando o revestimento aspergido como recuperação de espessura mas sim para provocar a maior molhabilidade do cordão de solda. Neste caso o revestimento teria a função de provocar uma menor penetração do arco voltaico na redução do risco de perfuração. Esta menor penetração porém pode comprometer o reparo. Como a ação do arco voltaico tem uma profundidade menor, poderá não atingir o metal base, deixando um volume de material aspergido entre solda e substrato, com propriedades mecânicas sabidamente inferiores, podendo dar origem à falhas, principalmente o desplacamento entre solda-revestimento e substrato. Neste caso constatou-se ainda uma incidência de poros que não ocorre quando a zona fundida atinge o substrato. Esta porosidade próxima à raiz do cordão pode ser observada na Figura 20.


Os experimentos foram testados nos dois processos de aspersão térmica propostos, com resultados de penetração média equivalentes, isto é, não existe influência significativa do processo nos valores de penetração da zona fundida. Todavia, é conhecida a maior oxidação no processo AS e que, diante disso, poderia proporcionar maiores penetrações da zona fundida. A Tabela 10 comprova o maior teor de oxigênio tanto nos revestimentos por AS como na zona fundida, em espessuras de revestimento reduzidas de 0,75 mm por usinagem. Da mesma forma ocorrem valores maiores de penetração. Porém uma análise da penetração de cordões de solda depositados sobre espessuras entre 0,70 e 0,85 mm de revestimento, portanto sem controle da espessura por usinagem, não mostra diferença significativa, como indica a ANOVA apresentada na Tabela 11, Fobservado < Fcrítico, para um nível de significância de 95%. Sobre esta aparente discrepância, devem ser observados alguns detalhes: i) os dados referentes às análises de oxigênio foram obtidos de amostras com espessura controlada, portanto equivalentes e sem influência da variação de espessura; ii) a diferença pró AS é pequena, diluindo-se em uma amostragem pela média da espessura, explicando a independência da penetração média em relação ao processo de aspersão térmica.

4. Conclusões

Quanto a instabilidade do arco voltaico:

- a oxidação proveniente do processo de aspersão térmica em revestimentos depositados de forma contínua afeta a estabilidade. O leve esmerilhamento da superfície revestida para remoção da camada de óxidos garante a estabilidade do arco;

- a deposição do revestimento de forma intermitente faz com que o resfriamento intermediário das camadas reduza a temperatura da superfície revestida e, pela menor taxa de resfriamento, a presença de óxidos. Nesta condição a estabilidade do arco não depende do esmerilhamento;

- o uso de um gás inerte em substituição ao ar comprimido reduz consideravelmente a oxidação superficial, podendo ser dispensado o esmerilhamento sem risco de instabilidade.

Quanto à penetração:

- a elevada presença de oxigênio altera o perfil da poça de fusão aumentando a penetração e diminuindo a largura do cordão. Esta condição ocorre até uma espessura limite, onde a partir dela inicialmente dá-se a inversão do movimento de convecção, com diminuição de penetração e aumento de largura. Espessuras ainda maiores promovem a estabilização da geometria da poça, e não mais se observa a influência do oxigênio;

- a zona fundida de cordões de solda sobre revestimentos depositados utilizando um gás inerte (argônio) para o arraste apresentam menos oxigênio do que os observados quando do uso do ar comprimido, não existindo mais a relação entre penetração e espessura revestida.

Quanto aos processos de aspersão térmica:

- resultados similares foram obtidos por ambos os processos testados: arco elétrico e chama convencional. As diferenças devem se dar quanto a aplicabilidade em campo.

5. Agradecimentos

Ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPQ, e ao Instituto de Tecnologia dos Materiais da Universität der Bundeswehr Hamburg, pelas análises do teor de oxigênio.

6. Referências Bibliográficas

(Recebido em 16/03/2011; Texto final em 29/08/2011).

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  • Amanteigamento por aspersão térmica na soldagem em operação de dutos de pequena espessura - estabilidade e penetração do arco voltaico

    Buttering by thermal spraying in welding in-service repair of pipes with small thickness - arc stability and penetration
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      29 Ago 2011
    • Recebido
      16 Mar 2011
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