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Efeito da Técnica de Esmerilhamento do Cordão na Dureza da ZTA de Soldas Multipasses Subaquáticas Molhadas

Effect of Grinding Technique on the Hardness HAZ of Wet Underwater Multipass Welds

Resumo:

A Soldagem Subaquática Molhada com Eletrodo Revestido (SMER) tem sido vastamente utilizada devido ao seu baixo custo em relação a outros processos aplicados debaixo d'água e por alcançar resultados de boa qualidade. Um dos principais problemas encontrados é a perda de ductilidade na Zona Termicamente Afetada (ZTA) devido ao rápido resfriamento. Uma opção para a redução da dureza e consequente aumento da ductilidade é a aplicação de um Tratamento Térmico Pós-Soldagem (TTPS). Entretanto, sua utilização por vezes se torna impraticável no ambiente subaquático. Uma alternativa é a utilização do próprio calor proveniente de passes subsequentes, promovendo o revenimento de regiões endurecidas (técnica do passe de revenimento). Neste trabalho foi estudado o efeito do esmerilhamento do cordão de solda após cada passe, visando otimizar o calor de passes subsequentes e controlar a dureza da ZTA no processo de soldagem molhada. Todas as soldas foram realizadas em um tanque hiperbárico simulando a profundidade de 10 m. Os resultados demonstraram que quando utilizada a técnica do esmerilhamento, o calor do passe subsequente é melhor utilizado e o revenimento promove o amaciamento de toda a extensão da ZTA, alcançando menores valores de dureza em relação ao processo convencional e dentro dos limites estabelecidos por normas reguladoras.

Palavras-chave:
Soldagem subaquática; Soldagem multipasse; ZTA; Revenimento

Abstract:

Wet Welding with Coated Electrode (UWW-SMAW) has been widely used due to its low cost in relation to other processes applied underwater and for achieving good quality results. One of the main problems is loss of ductility in the Heat-Affected Zone (HAZ) due to the rapid cooling. An option to reduce hardness and consequent increase in ductility is the application of a Post Welding Heat Treatment (PWHT). However, its use becomes impractical in an underwater environment. An alternative is the use of the heat from subsequent passes, promoting tempering of hardened regions (temper bead technique). In this work, the effect of grinding the weld bead after each pass was studied in order to optimize the heat of subsequent passes and to control the hardness of the HAZ in the wet welding process. All welds were carried out in a hyperbaric tank simulating a depth of 10 m. The results showed that when the grinding technique is used, the heat of the subsequent pass is better used and the tempering promotes the softening of the entire length of the HAZ, reaching lower hardness values in relation to the conventional process and within the limits established by regulatory standards.

Key-words:
Wet welding; Multi-pass Weld; HAZ; Temper

1. Introdução

A Soldagem subaquática molhada com eletrodo revestido é utilizada em reparos temporários de navios, plataformas de petróleo e oleodutos em casos de emergências e acidentes [11 Garasic I, Krajl S, Kozuh S. Investigation into cold cracking in underwater wet welding of API 5L X70 steel. Transactions of FAMENA. 2009;33(3):25-34.,22 Anand A, Khajuria A. Welding process in marine applications: a review. International Journal of Mechanical Engineering and Robotics Research. 2013;2(1):215-225.]. Este processo é muito atrativo por possuir alta eficiência com baixo custo, não necessitando de dispositivos complexos [33 Li H, Liu D, Yan Y, Guo N, Liu Y, Feng J. Effects of heat input on arc stability and weld quality in underwater wet flux-cored arc welding of E40 steel. Journal of Manufacturing Processes. 2018;31:833-843. http://dx.doi.org/10.1016/j.jmapro.2018.01.013.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jmapro.2018....
,44 Wang J, Sun Q, Hou S, Zhang T, Jin P, Feng J. Dynamic control of current and voltage waveforms and droplet transfer for ultrasonic-wave-assisted underwater wet welding. Materials & Design. 2019;181:108051. http://dx.doi.org/10.1016/j.matdes.2019.108051.
http://dx.doi.org/10.1016/j.matdes.2019....
].

As soldas subaquáticas molhada são classificadas segundo a norma AWS D3.6 em soldas classe A e B. As soldas classificadas como classe A se destinam a aplicações estruturais envolvendo tensões de projeto comparáveis às soldas realizadas fora d’água, já as da Classe B são destinadas às aplicações menos críticas e possuem uma certa tolerância a algumas descontinuidades [55 American Welding Society – AWS. ANSI/AWS D3.6M: underwater welding code. Miami: AWS; 2010.].

Vários procedimentos Classe B [66 Pessoa ECP, Bracarense AQ, Santos VR, Assunção FCR, Monteiro MJ, Marinho RR, et al. Wet welding field trials in shallow waters for structural repairs in floating oil production units. In: Proceedings of the International Conference on Ocean, Offshore, and Arctic Engineering (OMAE); 2013 June 9-14; Nantes, France. New York: ASME; 2013. http://dx.doi.org/10.1115/OMAE2013-10097.
http://dx.doi.org/10.1115/OMAE2013-10097...
] foram aprovados no Brasil em soldas molhadas nas últimas décadas. Já as tentativas de aprovação de procedimento de soldagem Classe A falharam em medições de dureza na ZTA cujo limite é estabelecido, pela referida norma, em 325 HV para aços estruturais [22 Anand A, Khajuria A. Welding process in marine applications: a review. International Journal of Mechanical Engineering and Robotics Research. 2013;2(1):215-225.,77 Pessoa ECP, Bracarense AQ, Santos VR, Monteiro MDJ, Vieira LA, Marinho RR. Challenges to develop an underwater wet welding electrode for “class A welds” classification, as required in the AWS D3.6 code. In: ASM Proceedings of the International Conference: Trends in Welding Research; 2012 June 4-8; Chicago, USA. Materials Park: ASM International; 2013. p. 259.]. As altas durezas encontradas na ZTA de soldas molhadas são resultado do uso de aços com alta temperabilidade, normalmente encontrados em estruturas de plataformas de petróleo, em combinação com as altas taxas de resfriamento encontradas na soldagem molhada [88 Łabanowski J, Fydrych D, Rogalski G. Underwater welding: a review. Gdańsk: Gdańsk University of Technology; 2008.,99 Ibarra S, Grubbs CE, Liu S. State of the art and Practice of Underwater wet welding of steel. In: Proceedings of the International Workshop on Underwater Welding of Marine Structures; 1994 December 7-9; New Orleans, USA. New Orleans: American Bureau of Shipping; 1994.].

A soldagem subaquática molhada com utilização de arco elétrico é um processo bastante complexo uma vez que o contato direto com o meio aquoso gera uma elevada taxa de resfriamento na junta soldada e o calor gerado pelo arco elétrico leva à dissociação da água em H+ e OH-. Estes fatores podem afetar diretamente as propriedades mecânicas da solda [1010 Guo N, Fu Y, Wang Y, Du Y, Feng J, Deng Z. Effects of welding velocity on metal transfer mode and weld morphology in underwater flux-cored wire welding. Journal of Materials Processing Technology. 2017;239:103-112. http://dx.doi.org/10.1016/j.jmatprotec.2016.08.019.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jmatprotec.2...
,1111 Nakpradit T, Poopat B. Investigation of diffusible hydrogen content and microstructure examination of underwater welding. International Journal of Applied Science and Technology. 2010;3(3):45-51.]. Pesquisas realizadas em soldas atmosféricas e molhadas comprovam que a elevada taxa de resfriamento leva a formação de trincas na ZTA. A taxa de resfriamento na água é maior do que as obtidas em soldagem seca sendo que, no ambiente molhado ela varia entre 800 e 500 °C/s, já no ambiente seco é comum variar entre 415 e 55 °C/s. Devido a esses fatores, os principais problemas da ZTA na soldagem molhada são a dureza excessiva e o trincamento por hidrogênio [1212 Silva WCD, Pessoa ECP, Bracarense AQ, Ribeiro LF, Ávila T. Diffusible hydrogen on underwater wet welds produced with tubular shielded electrodes using internal gas protection. In: Proceedings of the 21st Brazilian Congress of Mechanical Engineering; 2011 October 24-28; Natal, Brazil. Rio de Janeiro: ABCM; 2011.,1313 Christensen N. The metallurgy of MMA hyperbaric welding. Trondheim: SINTEF; 1983. (SINTEF report; STF34 F83032).].

O trincamento por hidrogênio é causado pela ocorrência simultânea de quatro fatores: Concentração suficiente de hidrogênio difusível, que na soldagem subaquática advém da dissociação da água, microestrutura susceptível, tensão de tração e temperatura abaixo de aproximadamente 200 °C [1414 Bracarense AQ, Pessoa ECP, Santos VR, Monteiro MJ, Rizzo FC, Paciornik S, et al. Comparative study of commercial electrodes for underwater wet welding. In: Proceedings of the IIW International Congress - 2nd Latin American Welding Congress XXXIV Congresso Nacional de Soldagem (CONSOLDA); 2008 Maio 18-21; São Paulo, Brazil. São Paulo: ABS; 2008.]. Essas condições facilmente encontradas na soldagem subaquática molhada, particularmente na ZTA, promovem a formação de microestrutura martensítica em alguns aços tornando-os susceptíveis ao trincamento por hidrogênio [1515 Yurioka N, Suzuki H, Okumura M, Ohshita S, Saito S. Carbon equivalent to assess cold cracking sensitivity and hardness of steel welds. Tokyo: Nippon Steel; 1982. p. 61-73. (Nippon Steel Technical Report; 20).].

Como forma de evitar essas consequências nas propriedades mecânicas das juntas soldadas por este processo, principalmente o aumento de dureza, existem técnicas de soldagem multipasses que apresentam vantagens sobre a soldagem de passe único uma vez que, devido aos ciclos térmicos de reaquecimento, cada passe subsequente provoca uma normalização e um refino dos grãos da camada anterior [1616 Aguiar WM. Soldagem do aço ABNT 4140 sem tratamento térmico posterior [dissertação de mestrado]. Fortaleza: Programa de Engenharia e Ciências de Materiais, Universidade Federal do Ceará; 2001.]. Além disso, o ciclo térmico também provoca revenimento no metal de solda e parte da ZTA, diminuindo as tensões residuais do passe anterior.

Devido ao aço ABNT 1045 apresentar entre 0,43 a 0,50% de carbono, quando submetido a ciclos térmicos de soldagem desenvolve elevada dureza na zona afetada pelo calor (ZTA) e apresenta facilidade ao revenimento. METALS HANDBOOK, 1991. É indicado que em processos de soldagem, para uma taxa de resfriamento de 30 °C/s, pode ser obtido 92% de martensita na soldagem [1717 Kou S. Welding metallurgy. 1st ed. New York: John Wiley & Sons; 1987.].

Dentre as alternativas de reparo por soldagem multipasses pode-se citar a técnica de meia camada recomendada pelo código ASME 95 [1818 American Society of Mechanical Engineers – ASME. ASME boiler and pressure vessel code, section XI, article IWB-4000, repair procedures. New York: ASME; 1995.] que visa proporcionar o refino e o revenimento da ZTA-GG da primeira camada numa solda multipasse, pela sobreposição dos ciclos térmicos. O código especifica a remoção da metade da primeira camada para facilitar a sobreposição do ciclo térmico da segunda camada. Desta forma, é possível tratar termicamente a ZTA de modo a obter uma microestrutura adequada, com os requisitos mínimos de tenacidade e de dureza máxima. Esses requisitos são definidos com o objetivo de garantir a integridade do componente reparado, em particular prevenir a fratura frágil.

Este trabalho busca conceber e estudar a técnica de esmerilhamento do reforço em soldas multipasses subaquáticas molhadas. Com a aplicação deste procedimento busca-se, através de um melhor aproveitamento dos ciclos térmicos impostos, atingir uma importante melhoria que é a diminuição de valores de dureza da ZTA. A técnica pode auxiliar principalmente numa melhor alteração microestrutural para ter como resultado estruturas menos duras, alcançando assim níveis impostos por norma e possibilitando a melhoria de juntas soldadas em ambientes subaquáticos.

2. Materiais e Métodos

As soldas foram realizadas em um tanque hiperbárico, Figura 1, simulando as condições encontradas em campo, como a presença d’água e a pressão exercida pelo meio.

Figura 1
Tanque hiperbárico utilizado para soldagem em ambiente subaquático e pressurizado.

Para simular a profundidade de 10 m, foi insuflado ar comprimido no interior do tanque hiperbárico até a pressão de 1 bar que pôde ser controlada e verificada por um manômetro instalado no próprio tanque. A escolha desta profundidade foi baseada no estudo de Pessoa et al. [1919 Pessoa ECP, Bracarense AQ, Liu S, Peres F. Study of re-melt temper bead and polarity effects on porosity in the under freshwater wet welds. In: Proceedings of the 23rd International Conference on Offshore Mechanics and Arctic Engineering (OMAE); 2004; Vancouver. New York: ASME; 2004. http://dx.doi.org/10.1115/OMAE2004-51037.
http://dx.doi.org/10.1115/OMAE2004-51037...
], onde notou-se uma menor ocorrência de porosidade no metal de solda. A mesma profundidade foi utilizada para todos os corpos de prova ensaiados.

Foi utilizado um aço médio carbono SAE 1045 por ser muito utilizando para construção mecânica sendo aplicado em eixos de ventiladores que são utilizados em refinarias do setor de petróleo e gás, os quais estão sujeitos a desgaste devido ao ambiente agressivo aos quais estão inseridos. Quando expostos aos ciclos térmicos de soldagem, desenvolvem elevada dureza na ZTA, podendo ser utilizados tratamentos térmicos como têmpera, normalização, recozimento e revenimento de modo a melhorar as características das peças utilizadas [2020 Azevedo AGL. Aplicação da técnica da dupla camada na soldagem do aço ABNT 1045 [dissertação de mestrado]. , Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2002.]. A composição química do aço comercial SAE 1045 utilizado neste estudo está especificada na Tabela 1:

Tabela 1
Composição química do aço SAE 1045 utilizado no estudo (% em massa).

O processo de soldagem utilizado foi o por eletrodo revestido (SMAW). Eletrodos do tipo rutílico AWS E6013 [2121 American Welding Society – AWS. A5.1/A5.1M: specification for carbon steel electrodes for shielded metal arc welding. Miami: AWS; 2012.] com diâmetro nominal de 3,25 mm foram utilizados. Para evitar que o revestimento do eletrodo absorvesse água no momento da submersão, todos os eletrodos receberam duas camadas de verniz a base de resina vinílica. Essa camada é impermeável e impede a degradação das propriedades do revestimento pela água, possibilitando a soldagem.

Para a realização do processo, foi utilizado um sistema de soldagem por gravidade para SMAW que se baseia na taxa de fusão (Tf) e na inclinação do eletrodo, que é dependente dos ângulos de soldagem (α) e ângulo da haste em relação à base (β). Em função dessas variáveis tem-se a velocidade de soldagem (Vs), dada pela Equação 1.

V s = T f c o s α + s e n α c o t g β (1)

A corrente (I) utilizada foi de 200 A e a configuração dos ângulos foram α (60°) e β (85°) como apresentada no esquema da Figura 2. Esses parâmetros foram obtidos após a realização de testes preliminares.

Figura 2
Dispositivo mecanizado de soldagem por gravidade utilizado neste trabalho.

A velocidade de soldagem é obtida tendo como base a taxa de fusão do eletrodo e os ângulos pode ser obtida através de relações trigonométricas

Para os corpos de prova, o chanfro utilizado foi de bordas paralelas e essa configuração teve como finalidade a deposição de cordões multipasses de forma mais restrita, possibilitando prever a extensão e localização da ZTA. Na Figura 3, tem-se o esquema do corpo de prova utilizado, com espessura de 19,05 mm (¾ pol.), comprimento de 200 mm e o chanfro com abertura de 7 mm e profundidade de 8 mm.

Figura 3
Corpo de prova utilizado com detalhe para o chanfro de bordas paralelas.

Uma importante variável deste trabalho encontra-se no desbaste do reforço de cada cordão de solda logo após sua deposição. Esse desbaste foi produzido por esmerilhamento controlado, deixando sempre 1,0 mm de reforço a cada passe, como representado no esquema da Figura 4. No momento (A) é realizado a deposição do cordão de solda e no momento (B) o esmerilhamento de reforço. O corpo de prova é então recolocado no tanque para soldagem de mais um passe de solda. Esse procedimento repete-se até o preenchimento do chanfro.

Figura 4
Esquema do corpo de prova esmerilhado com destaque para os processos de soldagem (A) e esmerilhamento (B).

Foram soldados no total 6 corpos de prova, sendo 3 sem a utilização da técnica de esmerilhamento denominados como CP1, CP2 e CP3 e as 3 amostras submetidas ao processo de esmerilhamento como CP4, CP5 e CP6. O esmerilhamento foi efetuado com refrigeração e o controle da altura foi feia com paquímetro em relação ao topo do chanfro, como esquematizado na Figura 4. Vale ressaltar que para os corpos de prova não esmerilhados foram necessários 5 passes para preenchimento completo do chanfro, já para aqueles submetidos ao processo de esmerilhamento foram necessários a deposição de 7 passes, quantidade maior devido à retirada de material após a deposição de cada passe.

Para estudo da dureza da ZTA, ao final do preenchimento do chanfro, foram retiradas amostras da parte central do cordão evitando assim regiões de instabilidade, como o início e final do processo, Figura 5.

Figura 5
Corpo de prova cortado com destaque para a amostra retirada para análises (C) e partes restantes do corpo de prova (A e B).

Para análise do perfil de dureza foi utilizada uma metodologia que se repete em todas as amostras. Foram feitas 40 indentações em cada amostra, sendo 20 em cada lado da junta e sempre nas regiões identificadas como ZTA. As indentações foram feitas com 0,50 mm de distância entre elas e 0,50 mm da linha de fusão, como representado no esquema da Figura 6. Esse perfil visa quantificar os valores de dureza ao longo da ZTA e, principalmente, se há regiões onde o revenimento não foi efetivo e suficiente para promover o amaciamento do material.

Figura 6
Esquema de um chanfro preenchido com 5 passes, com destaque para as regiões onde foram feitas as medidas de microdureza.

3. Resultados e Discussão

3.1. Perfil de dureza sem esmerilhamento

Os resultados para o ensaio de dureza dos chanfros preenchidos sem a utilização do método de esmerilhamento estão apresentados nos diagramas da Figura 7. Para comparação com o valor estipulado pela norma AWS D3.6 tem-se a linha de referência em vermelho, indicando 325 HV.

Figura 7
Perfil de dureza para as amostras CP1, CP2 e CP3 que não sofreram o processo de esmerilhamento. Setas vermelhas indicam posições de dureza acima da permitida pela norma.

Analisando o perfil de dureza foi constatado que houveram regiões ao longo da ZTA, representadas por setas vermelhas, que apresentaram valores superiores aos estipulados pela norma. De acordo com a norma, este fator compromete a qualidade da junta soldada, já que uma microestrutura mais dura propicia o surgimento de trincas, constatadas na ZTA dos corpos de prova.

Além das regiões internas de alta dureza, tem-se ZTAs superficiais no topo dos corpos de prova (indentações 1 a 5), que apresentam dureza elevada. Por serem a ZTA do último passe realizado para preenchimento do chanfro, essas posições superficiais não sofrem revenimento de passes posteriores, permanecendo assim com estrutura martensítica não revenida e consequente elevada dureza, cerca de 700 HV, típica dessa microestrutura [2222 American Society for Metals – ASM. Steel heat treating fundamentals and processes. Materials Park: ASM International; 2013. (Metals Handbook; 4A).]. Esse comportamento foi percebido em todas as amostras.

3.2. Perfil de dureza com utilização da técnica de Esmerilhamento.

Na Figura 8 estão apresentados os resultados dos perfis de dureza dos CPs 4, 5 e 6 que foram submetidos à aplicação da técnica de esmerilhamento do reforço à cada passe. Não foram constatados valores de dureza excessiva nas regiões internas da ZTA. Observa-se uma maior homogeneidade de valores para as regiões internas da junta soldada sempre permanecendo abaixo do valor máximo estipulado pela norma.

Figura 8
Perfil de dureza para as amostras que foram submetidas ao processo de Esmerilhamento.

Semelhante às amostras que não sofreram o processo de esmerilhamento, esses corpos de prova também apresentaram valores elevados para a dureza em posições próximas à superfície. Como já discutido, essa região apresenta altos valores por não sofrer o revenimento de passes subsequentes.

Comparando os perfis de dureza de todas das amostras deste estudo, observa-se que ao ser aplicada a técnica do esmerilhamento do reforço, tem-se a eliminação de regiões internas da junta com dureza acima da estipulada pela norma AWS D3.6, que tornaria a junta soldada mais susceptível ao surgimento de trincas.

O diagrama apresentado na Figura 9 apresenta um comparativo das médias das durezas para os corpos de prova com e sem o uso da técnica de esmerilhamento. Nele é possível identificar comportamentos que comprovam como a técnica de esmerilhamento pode contribuir para controle dos valores de dureza e consequente melhoria das propriedades da junta soldada. Nas posições indicadas pela seta azul, que representa a parte superficial dos corpos de prova, é percebido uma redução da região superficial de alta dureza. Já nas regiões inferiores da junta, indicada pela seta vermelha, é percebido que os corpos de prova submetidos ao esmerilhamento apresentaram, em toda sua extensão, valores de dureza inferiores aos que não foram submetidos à técnica, assim como, abaixo do valor de referência (325 HV).

Figura 9
Perfis médios de dureza para amostras com e sem o uso da técnica de esmerilhamento. Seta azul indicando região superficial do corpo de prova e seta vermelha regiões internas da ZTA.

A explicação para esses comportamentos se dá pelo fato de que ao realizar a retirada de parte do reforço, o calor imposto pelo passe seguinte atinge posições mais profundas da região de soldagem, sendo melhor aproveitado para um efetivo revenimento das regiões endurecidas por passes anteriores, como já apresentado no estudo de Higuchi et al. [2323 Higuchi M, Sakamoto H, Tanioka S. A study on weld repair through half bead method. IHI Engineering Review. 1980;13(2):15-19.].

Porém, vale ressaltar a importância do esmerilhamento, principalmente na soldagem subaquática, pois o contato com a água aumenta a troca de calor com o meio por convecção e com isso tem-se um resfriamento mais brusco quando comparado ao processo feito ao ar [2424 Skorupa A, Bal M. The effect of aqueous environments on the quality of underwater welded joints. Welding International. 1996;10(2):95-98. http://dx.doi.org/10.1080/09507119609548957.
http://dx.doi.org/10.1080/09507119609548...
]. Com a forte influência da convecção na retirada do calor, diminui-se a energia que é conduzida através da junta a qual promoveria o revenimento. Desta forma, realizar a soldagem subaquática nas condições apresentadas, sem o uso da técnica de esmerilhamento, não permite que o calor gerado em passes subsequentes seja suficiente para o amaciamento de regiões endurecidas pelos passes anteriores.

A Figura 10 apresenta o esquema de como o esmerilhamento do reforço auxilia na melhor utilização dos ciclos térmicos impostos no processo multipasses. Tem-se as zonas vermelhas que, ao se sobreporem, realizam o revenimento e consequente amaciamento da ZTA. Nota-se que esse processo é muito mais intenso quando o esmerilhamento do reforço é utilizado, além disso, na região do último passe também há a redução da região endurecida, também consequência da sobreposição de ciclos térmicos.

Figura 10
Esquema dos ciclos térmicos na soldagem multipasses com e sem o uso do esmerilhamento.

A Figura 11 apresenta a microestrutura resultante da ZTA de uma amostra que não foi submetida à técnica de esmerilhamento. A diferença na coloração da microestrutura está relacionada com a intensidades do revenimento e desta forma é possível identificar as regiões em que o mesmo não foi adequado, resultando em uma dureza excessiva devido a presença de martensita. As fases que contêm carboneto quando atacadas revelam-se mais escuras. Uma vez que na microestrutura martensítica o carbono é retido, há uma diminuição de carbonetos refletindo na coloração, apresentando-se mais clara [2525 Colpaert H. Metalografia dos produtos siderúrgicos comuns. 4. ed. São Paulo: Blucher; 2008.].

Figura 11
Micrografia do CP sem esmerilhamento.

No caso da ZTA superficial, como não há o passe subsequente a estrutura não sofre revenimento, sendo assim ocorre apenas a têmpera e presença pronunciada da martensita, coloração branca, e dureza elevada na ordem de 650 HV.

A diferença na intensidade do revenimento reflete na dureza da microestrutura, quando submetido a maiores temperaturas a dureza apresenta menores valores [2323 Higuchi M, Sakamoto H, Tanioka S. A study on weld repair through half bead method. IHI Engineering Review. 1980;13(2):15-19.]. Como na amostra não foi utilizada a técnica de esmerilhamento, o ciclo térmico de passes subsequentes não foi suficiente para revenimento de toda a extensão interna da ZTA. Assim, foram notadas regiões de durezas excessivas ao longo da junta soldada e que não estão presentes quando se utiliza a técnica do esmerilhamento, representando em uma melhoria, sobretudo para adequação com normas impostas para o processo subaquático.

4. Conclusões

Baseado nos resultados obtidos neste trabalho as seguintes conclusões podem ser dadas:

  1. 1

    O método de esmerilhamento se mostrou eficaz para melhoria do revenimento na região de soldagem molhada multipasse, assim, regiões inferiores de elevada dureza são suprimidas e apresentam valores menores e dentro do estabelecido por norma;

  2. 2

    A melhoria do revenimento observada nos corpos de prova esmerilhados, gerou uma redução da região superficial de elevada dureza;

  3. 3

    A aplicação da técnica de esmerilhamento controlado melhora as características de juntas produzidas por soldagem molhada pois promovem a diminuição de valores de durezas, contribuindo para alcançar resultados requeridos para a qualificação de procedimentos de soldagem molhada classe A, conforme AWS D3.6M.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Laboratório de Robótica, Soldagem e Simulação (LRSS) e Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) - Campus Ibirité.

  • Como citar: Carvalho GMA, Bracarense AQ, Pessoa ECP, Gonçalves CN. Efeito da técnica de esmerilhamento do cordão na dureza da ZTA de soldas multipasses subaquáticas molhadas. Soldagem & Inspeção. 2020;25:e2538. https://doi.org/10.1590/0104-9224/SI25.38

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2020
  • Aceito
    06 Out 2020
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