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Análise Comparativa dos Processos TIG e Eletrodo Revestido Aplicados a Soldagem em Operação em Dutos de Aço ao Carbono para Linhas de Distribuição de Gás

Comparative Analysis of GTAW and SMAW Processes Applied to In-Service Welding of Low Carbon Pipes for Gas Distribution

Resumos

Resumo

A soldagem em operação de um duto de distribuição de gás natural é uma operação crítica. O processo de soldagem com eletrodo revestido, embora simples e barato, encontra limitações quanto à espessura do duto. O processo TIG exige soldadores mais treinados e equipamentos de maior custo, mas o controle do aporte de calor permite soldar menores espessuras. Neste trabalho, os dois processos foram comparados para a soldagem de um tubo de aço API 5L grau B frequentemente utilizado nas linhas de distribuição. Os resultados mostraram que os dois processos forneceram resultados satisfatórios de propriedades mecânicas, a resistência à tração mínima foi de 430 MPa em ambos os processos, dentro do intervalo esperado de 415 a 760 MPa. A tenacidade também ao impacto foi de 50 e 48 J para as juntas por TIG e eletrodo revestido, respectivamente. Comparativamente, a solda pelo processo TIG apresentou mais regiões de grãos refinados. A dureza da ZTA com eletrodo revestido foi em torno de 220 HV, quanto para o TIG o valor foi ligeiramente menor, 180 HV. Nos dois processos, foi superior ao metal base, porém muito abaixo do valor limite de 350 HV considerado crítico para fissuração por hidrogênio (trinca a frio).

Palavras-chave:
Propriedades mecânicas; Microestrutura; Tubulação


Abstract

The in-service welding of natural gas distribution pipes is a critical operation. The shield metal arc welding (SMAW) process has low cost and is very simple, but it has limitations in the minimum pipe thickness. Gas tungsten inert arc welding (GTAW) employs more qualified operators and expensive welding machines and accessories. However, it can weld thinner pipes. In this work, both processes were tested and compared for the welding of an API 5L grade B pipe, often used in the distribution lines of Rio de Janeiro State. The results obtained showed that both processes gave satisfactory results. The minimum tensile strength was 430 MPa for both methods, under the standard range of 415 to 760 MPa. The impact toughness was 50 and 48 J for GTAW and SMAW, respectively. The GTAW showed more fine grains than the SMAW process. The hardness values in the SMAW HAZ was around 220 HV, while the GTAW HAZ was slightly lower, at 180 HV. For both processes, the hardness measured in the heat affected zone (HAZ) was superior to the base metal (BM), but much lower than the limit of 350 HV considered critical for hydrogen induced cold cracking.

Key-words:
Mechanical properties; Microstructure; Piping


1. Introdução

A soldagem de um duto em operação, também conhecida como soldagem em serviço, é definida pela norma Petrobras N-2163 como soldagem em um duto que contenha qualquer produto ou resíduo pressurizado ou não, com ou sem fluxo [11 Petrobras. Norma Petrobras N-2163: soldagem e trepanação em equipamentos tubulações industriais e dutos em operação. Rio de Janeiro: Petrobras; 2016.]. Especificamente para o setor de óleo e gás, a API 1104 define a soldagem em serviço para quela realizada em linhas contendo petróleo cru ou derivados do petróleo submetidos ou não a pressão e fluxo [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.]. Este processo pode ser aplicado quando se demanda ampliar a vida útil da tubulação, devido à processos de desgaste e corrosão, danos acidentais ou vandalismos [33 Wu Q, Yu A, Kang Z, Kuang C, Liu H. Molecular dynamics study on the microscopic mechanism of in-service welding damage and failure. Engineering Failure Analysis. 2022;137:106402. http://dx.doi.org/10.1016/j.engfailanal.2022.106402.
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]. A soldagem em operação também ocorre pela necessidade de expansão com a interligação de novas derivações ou ramificações nos dutos [44 Liu W, Tao H, Li CW, Guo GF, Gu GL. The effect of pressure on burnthrough susceptibility during in-service welding. AMM. 2011;121(126):2313-2317. http://dx.doi.org/10.4028/www.scientific.net/AMM.121-126.2313.
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]. A vantagem da solda em operação é permitir a intervenção do reparo ou da expansão sem a parada operacional do duto, fato que implicaria na falta de fornecimento do produto para os clientes. A soldagem em operação também evita a emissão do gás no meio ambiente.

A norma API 1104, assim como outras referências destacam duas preocupações principais para soldagens em serviço: a perfuração e a formação de trincas a frio induzida por hidrogênio [33 Wu Q, Yu A, Kang Z, Kuang C, Liu H. Molecular dynamics study on the microscopic mechanism of in-service welding damage and failure. Engineering Failure Analysis. 2022;137:106402. http://dx.doi.org/10.1016/j.engfailanal.2022.106402.
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,55 Yuhua C. Study on the in-service weldability of X70 pipeline steel. Dongying: China University of Petroleum; 2006.

6 Bruce WA, Amend WE. Guidelines for pipeline repair by direct deposition of weld metal. In: WTIA/APIA Welded Pipeline Symposium. Sydney: Welding Institute of Australia; 2009. p. 1–18.

7 Wu Q, Han T, Wang Y, Wang H, Zhang H, Gu S. In-situ observation of high-temperature failure behavior of pipeline steel and investigation on burn-through mechanism during in-service welding. Engineering Failure Analysis. 2020;109:104236. http://dx.doi.org/10.1016/j.engfailanal.2019.104236.
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8 Novicki N, Buschinelli AJDA, Paredes RSC. Amanteigamento por aspersão térmica na soldagem em operação de dutos de pequena espessura: estabilidade e penetração do arco voltaico. Soldagem e Inspeção. 2011;16(3):243-255. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242011000300006.
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-99 Pereira AS, Buschinelli AJA, Niño CE, Kejelin NZ. Soldagem em operação de dutos de alta resistência e baixa espessura com ênfase nas trincas a frio. Soldagem e Inspeção. 2012;17(2):88-95. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242012000200002.
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]. Contudo, mesmo antes de ocorrer a perfuração deve-se verificar a possibilidade de ocorrer uma instabilidade química do fluido, podendo resultar em acidentes. A ocorrência da perfuração é consequência de uma excessiva penetração da solda, a qual está em função da entrada de calor na solda e da capacidade de fluxo interno da tubulação em remover calor da parede do duto [1010 Cisilino AP, Chapetti MD, Otegui JL. Minimum thickness for circumferential sleeve repair fillet welds in corroded gas pipelines. International Journal of Pressure Vessels and Piping. 2002;79(1):79. http://dx.doi.org/10.1016/S0308-0161(01)00123-5.
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].

A norma API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.] estabelece que para uma operação de soldagem com baixo risco a tubulação deve possuir uma espessura mínima de 6,35mm. Já a Petrobras, na NR 2163 [11 Petrobras. Norma Petrobras N-2163: soldagem e trepanação em equipamentos tubulações industriais e dutos em operação. Rio de Janeiro: Petrobras; 2016.] é mais conservadora, e estabelece a espessura mínima de 12,7mm para uma operação segura em todas as condições. Em condições não seguras, as normas recomendam que a utilização de recursos adicionais, como modelos de análise térmica. A NR 2163 [11 Petrobras. Norma Petrobras N-2163: soldagem e trepanação em equipamentos tubulações industriais e dutos em operação. Rio de Janeiro: Petrobras; 2016.] abrange operações de soldagem a partir de 3,20mm de espessura. Contudo, há uma necessidade crescente de parâmetros e estudos aplicados na soldagem em operação em dutos com espessuras inferiores a 6 mm e baixa resistência. Isto se deve a dois motivos: i) os dutos instalados desde a década de 1960 e 70 em aços de baixa resistência, com meios de proteção contra a corrosão ineficientes, apresentam perdas significativas de espessura e, consequentemente, baixas espessuras remanescentes; ii) visando a diminuição de peso e custos, cresceu a utilização de aços de maior resistência mecânica, com menor espessura de parede.

O processo de soldagem mais frequentemente aplicado na soldagem em operação é o eletrodo revestido, utilizando eletrodos tipo básico, devido à baixa higroscopia do material, objetivando diminuir o risco de ocorrer trinca a frio na junta soldada. A trinca a frio ocorre pela ação de três fatores: presença de hidrogênio; microestrutura frágil; e presença de tensões residuais [1111 Bezerra AA. Trinca a frio na soldagem. Sinergia. 2005;6(4):71-76.,1212 Barbieri GR, Fogliatto AAB, Wolfart M. Influência das temperaturas de pré e pós-aquecimento sobre a formação de trincas induzidas por hidrogênio na soldagem de reparo de aços AISI D6. Tecnologica em Metalurgia, Materiais e Mineração. 2023;20:e2533. http://dx.doi.org/10.4322/2176-1523.20222533.
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]. Desta forma, a trinca a frio é um problema em procedimentos de soldagem em operação, pois a vazão do fluido pode fazer o material experimentar altas taxas de resfriamento. As quais podem ocasionar a formação de martensita nos cordões de solda, aumentando a probabilidade de ocorrência de trinca a frio. Portanto, ao tratar-se de uma solda em operação em dutos de espessura menor que 6 mm, as normativas ressaltam a preocupação e os cuidados necessários para prevenir a trinca a frio, assim como, a perfuração da parede do duto devido ao arco elétrico. Os parâmetros a serem controlados na especificação de procedimento de soldagem devem levar em consideração estes dois problemas potenciais [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.].

Este trabalho tem como proposta estudar e avaliar a aplicação do processo de soldagem TIG manual em uma junta sobreposta em duto de baixa espessura (5,0 mm), comparando com o processo por eletrodo revestido, ambos com o máximo de 4 ml/100g. Segundo a pesquisa de Mascarenhas [1313 Mascarenhas LAB. Estudo da aplicação do processo TIG alimentado para a soldagem em operação [dissertação de mestrado]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2005.], dadas as condições, o processo TIG apresenta como vantagem em relação ao eletrodo revestido a maior estabilidade do arco, permitindo melhor controle da poça de fusão e a penetração. Outra vantagem do TIG é a tendência a um menor nível de hidrogênio difusível, sem a necessidade de ressecagem e armazenagem dos eletrodos revestidos básicos [1313 Mascarenhas LAB. Estudo da aplicação do processo TIG alimentado para a soldagem em operação [dissertação de mestrado]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2005.]. Entretanto, a soldagem TIG possui como principais desvantagens a necessidade de maior treinamento para qualificação dos soldadores e a menor taxa de deposição. Em se tratando de soldagem em campo, como a apresentada neste trabalho, a soldagem TIG ainda possui como desvantagem a necessidade de deslocamento dos cilindros de gás e a possibilidade de a estabilidade do gás de proteção ser prejudicada por ventos fortes.

2. Materiais e Métodos

O material utilizado foi um tubo de aço API 5L grau B PSL2 [88 Novicki N, Buschinelli AJDA, Paredes RSC. Amanteigamento por aspersão térmica na soldagem em operação de dutos de pequena espessura: estabilidade e penetração do arco voltaico. Soldagem e Inspeção. 2011;16(3):243-255. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242011000300006.
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] com diâmetro nominal 355,6 mm (14’’) e espessura de parede de 7,9 mm. A parede interna do tubo foi usinada radialmente até obter a espessura de 5 mm. Para o material utilizado na dupla calha, ou seja, luva bipartida, foi utilizado um tubo API 5L grau B PSL1 [1414 American Petroleum Institute. API 5L Specification for line pipe. Washington: API; 2019.] de diâmetro nominal de 508 mm (20”) e espessura 6,35 mm cortado e calandrado para obter curvatura semelhante ao tubo de 355,6 mm de diâmetro. As composições químicas destes materiais são similares, conforme mostrado na Tabela 1, que também apresenta o carbono equivalente calculado pela fórmula CEIIW (Equação 1) [1515 ASM Handbook. Welding, brazing, and soldering. Ohio: ASM International; 1993. Vol. 6.].

Tabela 1
Composições químicas do tubo e dupla calha (% em peso), conforme certificados de qualidade do fornecedor para o lote ao qual pertence o material adquirido.
C E I I W = C + M n 6 + C r + M o + V 5 + C u + N i 15 (1)

A Tabela 2 apresenta as composições químicas dos metais de adição utilizados nas soldagens das juntas, utilizando os processos TIG e eletrodo revestido. Para o processo por eletrodo revestido, foram utilizados dois eletrodos AWS E7018-1 H4R com 2,5 mm no passe de raiz e 3,25 mm nos demais passes. No processo de soldagem TIG, o arame eletrodo ER 70S foi utilizado em todos os passes.

Tabela 2
Composições químicas dos eletrodos AWS E7018-1 H4R e da vareta TIG ER 70S-3, conforme certificados de qualidade do fornecedor.

A Figura 1 ilustra a condição de execução do experimento simulando a soldagem em serviço, conforme sugerido pela norma API 1104 para qualificação de procedimento de soldagem [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.]. No experimento, todas as posições de soldagem são abrangidas. O fluido utilizado para o resfriamento foi água, as conexões de entrada e saída foram construídas com tubulação e mangueiras de 19,05mm. A bomba d’água e o reservatório estavam posicionados a uma distância de 5m do experimento. O detalhe da junta circunferencial à direita identifica os passes aplicados nos dois processos de solda utilizando uma sequência de deposição. O passe 1 é o passe de raiz, e os passes 2 e 3 são necessários para proporcionar a completa união das peças. Apesar de não configurar um processo de “temper bead” [1616 Sperko WJ. Exploring temper bead welding. Welding Journal. 2005;84(7):37-40.,1717 Alberry PJ. Sensitivity analysis of half-bead and alternative GTAW techniques. Welding Research Supplement. 1989;11:442s-451s.], os passes 01 e 02 atuam para revenir parcialmente o passe 1. A NR 2163 [11 Petrobras. Norma Petrobras N-2163: soldagem e trepanação em equipamentos tubulações industriais e dutos em operação. Rio de Janeiro: Petrobras; 2016.] determina como deve ser a sequência de passes para que ocorra esse efeito de revenimento.

Figura 1
Ilustração do experimento e identificação das juntas e sequência dos passes do processo de soldagem. Fonte: American Petroleum Institute [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.].

A Tabela 3 identifica as condições de operação: pressão, vazão do fluido interno e a taxa de resfriamento entre 250 °C e 100 °C. A taxa de resfriamento foi medida conforme procedimento da norma N-2163 [11 Petrobras. Norma Petrobras N-2163: soldagem e trepanação em equipamentos tubulações industriais e dutos em operação. Rio de Janeiro: Petrobras; 2016.] que prevê o aquecimento do tubo com um maçarico até 300°C (não ultrapassando 325ºC) e a utilização de um pirômetro para medir o tempo de resfriamento de 250 a 100°C. Este procedimento deve ser repetido três vezes em posições distintas do tubo.

Tabela 3
Dados operacionais durante a execução do experimento.

A Tabela 4 apresenta os parâmetros aplicados na soldagem circunferencial, corrente, tensão e velocidade de soldagem (Vs), bem como o aporte de calor (E), que foi calculado com coeficiente de eficiência do arco (η) igual a 0,60 [1818 Marques PV, Modenesi PJ. Algumas equações úteis em soldagem. Soldagem e Inspeção. 2014;19(1):91-101. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242014000100011.
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,1919 American Society of Mechanical Engineers. IX Welding, brazing and fusion qualifications. New York: ASME; 2017.] nos dois processos. A corrente e a tensão foram medias usando um alicate volt-amperímetro. Os parâmetros de soldagem para o processo eletrodo revestido seguiram uma Especificação de Procedimento de Soldagem qualificada (RQPS). Os soldadores foram qualificados nesta (EPS). Para o processo TIG, os parâmetros de soldagem, tensão e corrente utilizados foram baseados em catálogo do fabricante do consumível.

Tabela 4
Parâmetros dos processos de soldagem.

Para a soldagem pelo processo TIG utilizou-se: corrente contínua- polaridade direta (CC-), e gás de proteção Argônio 99,99%. No processo eletrodo revestido foi utilizada corrente contínua e polaridade inversa (CC+).

Após 48 horas de conclusão da soldagem, 100% das juntas foram submetidas à inspeção visual e por líquidos penetrantes. Adicionalmente, as juntas longitudinais foram inspecionadas por ultrassom. Os ensaios foram realizados por inspetores qualificados, conforme determinação da norma API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.]. A classificação do líquido penetrante e do revelador utilizados na inspeção atendem aos requisitos da ASTM E 1417, sendo o líquido penetrante do tipo II (visível), método A (lavável com água) e Nível 2 [2020 American Society for Testing and Materials. E1417: standard practice for liquid penetrant testing. West Conshohocken: ASTM International; 2021.]. O equipamento de ultrassom utilizado na inspeção foi o Mitech MFD 350B e transdutores de duplo cristal, angular de 45º, 60º e 70º e o acoplante metil.

A Figura 2 apresenta de forma esquemática a luva resultante da soldagem da dupla calha. As soldas de interesse são as juntas circunferenciais, porque somente nelas há penetração da solda no duto que se encontra em operação, representando um risco efetivo à operação de soldagem. A pesquisa foi então direcionada para estas juntas, sendo todos os corpos de prova para os ensaios mecânicos e metalúrgicos delas retirados.

Figura 2
Ilustração para retirada dos corpos de prova por processo de soldagem. FB – Ensaio de dobramento de face; NB – ensaio Nick Break; T – Tração. Fonte: American Petroleum Institute [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.].

As duas juntas foram avaliadas por meio dos ensaios de tração com corpo de prova transversal, ensaio “Nick Break” e dobramento de face, conforme determinação da API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.]. Adicionalmente foram realizados ensaios de impacto Charpy. A Tabela 5 mostra a quantidade de corpos de prova por ensaio e por junta.

Tabela 5
Quantidade de amostras por ensaio mecânico / por processo de soldagem.

Os ensaios de tração foram conduzidos conforme norma ASTM A370 [2121 American Society for Testing and Materials. ASTM A370: standard test methods and definitions for mechanical testing of steel product. West Conshohocken: ASTM International; 2022 [acesso em 29 jun. 2022]. Disponível em: http://www.astm.org/cgi-bin/resolver.cgi?A370-21
http://www.astm.org/cgi-bin/resolver.cgi...
] em dois corpos de prova para cada processo de soldagem. Para o ensaio Charpy, a confecção dos corpos de prova seguiu como referência a norma ASTM E23 [22]. Diante da espessura do tubo de 5 mm, foram confeccionados corpos de prova do tipo “sub-size” (tamanho reduzido) de 55 x 10 x 3,33 mm com entalhe em V-2 mm, próximo à ZTA das juntas. Para o ensaio, foi utilizado a máquina da marca PANANTEC ATMI com pêndulo tipo C. O ensaio foi realizado segundo a norma EN-12732 na temperatura de 21°C [2323 European Committee for Standardization. EN 12732:2022: gas infrastructure - welding steel pipework - functional requirements. Brussels: European Committee for Standardization; 2014.].

O ensaio de fratura (Nick Break) avalia a existência ou não de defeitos nas juntas soldadas. O dimensional dos corpos de prova atende a norma API 1104, com aproximadamente 228,6 mm (9 pol.) de comprimento e aproximadamente 25,4 mm (1 pol.) de largura. Os corpos de prova foram entalhados com uma serra de cada lado no centro da solda, e cada entalhe tem aproximadamente 3,17 mm (1/8 pol.) de profundidade [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.].

O ensaio de dobramento fornece resultados qualitativos, com objetivo de detectar descontinuidades metalúrgicas que podem afetar o comportamento dos materiais em serviço. Foram dobradas as faces das soldas para avaliação da possível propagação de trincas na ZTA e no metal de base na região próxima a ZTA. O ensaio foi realizado com ângulo de dobramento de 180°, utilizando um cutelo de raio 45mm e espaçamento de 120mm. Os parâmetros do ensaio, as dimensões do corpo de prova, e os critérios de aceitação, utilizados são aqueles definidos pela norma API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.].

O ensaio macrográfico foi realizado com o objetivo de identificar as regiões e extensão do metal de base (MB), metal de solda e ZTA (Zona Termicamente Afetada), assim como identificar possíveis defeitos e descontinuidades. A microestrutura foi investigada por microscopia ótica (MO) e eletrônica de varredura, com objetivo de identificar os microconstituintes da junta soldada. As amostras foram preparadas metalograficamente por lixamento, polimento com pasta de diamante e ataque com nital 3%.

As medições de microdureza foram conduzidas de acordo com a norma ABNT NBR ISO 6507-1 [2424 Associação Brasileira de Normas Técnicas. ABNT 6507-1: metallic materials - vickers hardness test. Part 1: test method. Rio de Janeiro: ABNT; 2008.] utilizando carga de 4,9 N (500 gf) em um microdurometro modelo HVS-1000 fabricado pela TIME Group. Para o ensaio de microdureza, as amostras foram lixadas, polidas e atacadas seguindo o mesmo procedimento aplicado para a observação em microscopia. As medidas foram realizadas fazendo-se um perfil de microdureza. Nas imagens das Figuras 3(a) e 3(b), a linha vermelha indica a região analisada.

Figura 3
Macrografia da soldagem, ataque nital: (a) Eletrodo Revestido; (b) TIG. Linha vermelha indica o perfil de microdureza; Pontos A - D exemplificam as regiões onde foram realizadas as análises microestruturais; Elipse vermelha indica a presença de uma região com falta de fusão na soldagem TIG. Cotas em milímetro.

3. Resultados e Discussão

As macrografias das juntas soldadas pelos processos de eletrodo revestido e TIG são apresentadas nas Figuras 3(a) e 3(b), respectivamente. As imagens indicam que o processo de eletrodo revestido resultou em uma maior profundidade da zona termicamente afetada, com 2,1 mm, contra 1,7 mm no processo TIG. Também é possível observar a presença de uma região de falta de fusão entre os cordões de solda 2 e 3 no processo TIG. A presença desta descontinuidade indica a necessidade de maior treinamento para qualificação do soldador, desvantagem inerente ao processo TIG.

Analisando os dados apresentados na Tabela 1, merece destaque o fato do carbono equivalente (Ceq) dos materiais do tubo (0,25%) e da dupla calha (0,28%) se situarem bem abaixo do valor limite estipulado na norma API 5L [1414 American Petroleum Institute. API 5L Specification for line pipe. Washington: API; 2019.]. Os materiais possuem baixa temperabilidade e são, portanto, pouco susceptíveis à formação de martensita na ZTA. Por outro lado, caso a ocorra a formação de martensita, esta será uma martensita não revenida, possuindo um comportamento ainda mais frágil que a martensita revenida, fase normalmente formada durante os tratamentos térmicos de tempera e revenido [2525 ASM International. ASM handbook: properties and selection: irons steels and high performance alloys. Ohio: ASM; 1990. vol. 1.,2626 Zhou T, Lu J, Hedström P. Mechanical behavior of fresh and tempered martensite in a CrMoV-alloyed steel explained by microstructural evolution and strength modeling. Metallurgical and Materials Transactions. A, Physical Metallurgy and Materials Science. 2020;51(10):5077-5087. http://dx.doi.org/10.1007/s11661-020-05922-x.
http://dx.doi.org/10.1007/s11661-020-059...
]. A formação de martensita na ZTA causa a fragilização da junta soldada, tornando-a susceptível a formação de trincas, que podem resultar em falhas de tubulações [2727 Soares JP, Faria P, Paranhos R. Efeito do arrefecimento causado pelo fluido durante a soldagem em operação em tubulações com espessura de parede de 6 e 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2017;22(3):269-280. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si2203.05.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si22...
].

Para o processo TIG, os parâmetros de soldagem, tensão e corrente foram semelhantes a estudos experimentais de outros autores, como Soares et al. [2727 Soares JP, Faria P, Paranhos R. Efeito do arrefecimento causado pelo fluido durante a soldagem em operação em tubulações com espessura de parede de 6 e 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2017;22(3):269-280. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si2203.05.
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] e Srisutraporn et al. [2828 Srisutraporn S, Paoniam R, Poopat B, Kwankaew S. Effect of tempered bead techniques on maximum HAZ hardness for in service pipeline welding. In: MATEC Web of Conferences 192. Les Ulis: Edp Sciences; 2018. p. 01046. . http://dx.doi.org/10.1051/matecconf/201819201046.
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], que utilizaram o mesmo processo em trabalhos sobre soldagem em serviço. Observa-se no presente estudo que o aporte de calor do processo TIG variou entre 18,0 e 22,8 kJ/cm, superior ao processo por eletrodo revestido, que ficou entre 8,5 a 10,0 kJ/cm. Esse resultado está de acordo com as velocidades de soldagem, o maior aporte de calor foi obtido com uma velocidade de 4,6 cm/min, enquanto o menor com 10 cm/min. A menor velocidade de soldagem acarretará um maior tempo de operação em campo, importante fato a ser analisado, pois implica diretamente nos custos do procedimento. Contudo, para a soldagem de reparo ou expansão de linhas de gás, caso apresentado nesse trabalho, o tempo utilizado com a operação de soldagem é uma parcela do tempo total da operação, que compreende também o deslocamento de equipe e a preparação do local para soldagem. Desta forma, apesar do processo TIG ampliar o tempo total de operação, e consequentemente, os seus custos, este acréscimo não é um fator impeditivo. Contudo, deve ser analisado com maior cautela.

Em 2000 Bruce [2929 Bruce WA. Welding onto in-service thin-wall pipelines. Ohio: Edison Welding Institute; 2000.] publicou um estudo indicando limites de aportes térmicos a serem utilizados para procedimentos de soldagem em serviço com eletrodo revestido. A Tabela 6 apresenta esses limites, os quais variam de acordo com o diâmetro do eletrodo e a espessura remanescente da tubulação. Este projeto foi executado em um tubo com 5,0 mm, ligeiramente menor que a espessura de 6,4 mm indicada por Bruce na Tabela 6. Desta forma, os limites de aporte de calor seriam ligeiramente menores que os indicados. Confrontando esses limites com a Tabela 4, observa-se que os passes 1 e 2, feitos com eletrodo de 3,2 mm, não deveriam ultrapassar 8,7 kJ/cm. Contudo, o aporte de calor desses passes foram de 9,2 e 10,0 kJ/cm. O passe de raiz é aquele que possui o maior risco operacional. Para este, o limite estaria um pouco abaixo de 9,4 kJ/cm, e, de fato, este estudo utilizou 8,5 kJ/cm. Desta forma, verifica-se que os valores apresentados por Bruce [2929 Bruce WA. Welding onto in-service thin-wall pipelines. Ohio: Edison Welding Institute; 2000.] estão em consonância com os encontrados nos experimentos.

Tabela 6
Limites de energia de soldagem para evitar perfurações ao soldar com eletrodos de baixo hidrogênio em tubulações contendo gás Nitrogênio estático. (Fonte: Bruce [2929 Bruce WA. Welding onto in-service thin-wall pipelines. Ohio: Edison Welding Institute; 2000.]).

A Tabela 4 também indica que os valores de aporte de calor para o processo TIG são superiores, contudo, este fato não resulta em uma maior penetração, como observado nas macroscopias (Figura 3). Apontando que os limites determinados para eletrodo revestido não podem ser extrapolados para outros processos de soldagem. Quando comparado a que utilizaram a soldagem TIG [2727 Soares JP, Faria P, Paranhos R. Efeito do arrefecimento causado pelo fluido durante a soldagem em operação em tubulações com espessura de parede de 6 e 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2017;22(3):269-280. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si2203.05.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si22...
,2828 Srisutraporn S, Paoniam R, Poopat B, Kwankaew S. Effect of tempered bead techniques on maximum HAZ hardness for in service pipeline welding. In: MATEC Web of Conferences 192. Les Ulis: Edp Sciences; 2018. p. 01046. . http://dx.doi.org/10.1051/matecconf/201819201046.
http://dx.doi.org/10.1051/matecconf/2018...
], os valores do aporte de calor estão semelhantes e sem indicações de perfuração. Faria et al. [3030 Faria P, Soares JP, Araujo FFDS, Paranhos R. Soldagem em operação: parte 1 - efeito do arrefecimento causado pelo fluido em tubulação de espessura 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2012;17(4):280-287. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242012000400002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242012...
] avaliaram o efeito da circulação de fluido (água) em duas faixas de temperatura, 6 a 10 ºC e 26 a 36 ºC para a soldagem TIG de tubos com 11 mm de espessura. Os autores relataram que a parte interna do tubo atingiu temperaturas de 338 e 298ºC para as faixas de maior e menor temperatura respectivamente. Em outro estudo do grupo, Soares et al. [2727 Soares JP, Faria P, Paranhos R. Efeito do arrefecimento causado pelo fluido durante a soldagem em operação em tubulações com espessura de parede de 6 e 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2017;22(3):269-280. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si2203.05.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si22...
] realizaram o mesmo experimento em tubos de 6 mm de espessura, encontrando dessa vez temperaturas máximas de 558 e 442ºC na parte interna do tubo para as soldagens com fluido entre 26 a 36 ºC e 6 a 10 ºC, respectivamente. Os valores apresentados nos trabalhos citados são inferiores ao limite indicado pela EWI (Edison Welding Institute) que é de 980 °C para aços carbono [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.]. Este limite também é referenciado na norma N-2163 [11 Petrobras. Norma Petrobras N-2163: soldagem e trepanação em equipamentos tubulações industriais e dutos em operação. Rio de Janeiro: Petrobras; 2016.]. O limite EWI é tido como a temperatura máxima que pode ser atingida na parede interna da tubulação sem que haja risco de perfuração [3030 Faria P, Soares JP, Araujo FFDS, Paranhos R. Soldagem em operação: parte 1 - efeito do arrefecimento causado pelo fluido em tubulação de espessura 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2012;17(4):280-287. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242012000400002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242012...
].

Não foram detectadas trincas superficiais ou outros defeitos de soldagem após a inspeção visual e ensaio por líquidos penetrantes. A técnica de líquidos penetrantes é amplamente utilizada para inspeção de juntas soldadas, e, quando utilizado penetrante visível tipo II, é capaz de detectar trincas de até 30 µm, de acordo com a norma Petrobras N-2370 [3131 Petrobras. Norma Petrobras N-2370: liquidos penetrantes. Rio de Janeiro: Petrobras; 2003.], desde que estas estejam na superfície Zolfaghari e Kolahan [3232 Zolfaghari A, Kolahan F. Reliability and sensitivity of visible liquid penetrant NDT for inspection of welded components. Materials Testing. 2017;59(3):290-294. http://dx.doi.org/10.3139/120.111000.
http://dx.doi.org/10.3139/120.111000...
]. O ensaio de ultrassom nas soldas longitudinais não detectou descontinuidades internas.

A Tabela 7 apresenta os resultados de tração para os dois processos de soldagem, TIG e eletrodo revestido. São comparados os resultados obtidos com os limites determinados pela norma do material API 5L para materiais PSL 2 (L245 BM). Observa-se que o limite de resistência para o processo TIG foi muito semelhante ao processo por eletrodo revestido. Entretanto, quando comparamos os resultados aqui apresentados com o trabalho de Soares et al. [2727 Soares JP, Faria P, Paranhos R. Efeito do arrefecimento causado pelo fluido durante a soldagem em operação em tubulações com espessura de parede de 6 e 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2017;22(3):269-280. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si2203.05.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si22...
], no qual os autores utilizaram parâmetros semelhantes (espessura de 6 mm, processo TIG na raiz e no reforço, e eletrodo revestido no enchimento e acabamento), os resultados de limites de resistência e escoamento de Soares et al. [2727 Soares JP, Faria P, Paranhos R. Efeito do arrefecimento causado pelo fluido durante a soldagem em operação em tubulações com espessura de parede de 6 e 11 mm. Soldagem e Inspeção. 2017;22(3):269-280. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si2203.05.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/si22...
] foram superiores, atingindo valores entre 535 e 605 MPa. Contudo, os autores utilizaram um metal de base diferente, o aço API 5L X60, cuja resistência é superior ao utilizado neste trabalho. Estes resultados indicam que a junta soldada não é o ponto de menor resistência, sendo a resistência à tração definida pelo metal da base. Conforme critério de aceitação da norma americana API 1104 para o processo de qualificação de EPS, os resultados para os processos TIG e eletrodo são considerados aprovados.

Tabela 7
Resultado de ensaio de tração para os processos TIG e eletrodo revestido (ER).

Nos ensaios de Nick Break, as amostras não apresentaram descontinuidades, sendo os dois processos considerados aprovados pela norma API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.]. Nos ensaios de dobramento de face, não foram encontradas descontinuidades nos 4 CP’s do processo de eletrodo revestido, sendo considerados aprovados conforme a norma API 1104. No processo TIG, um dos 4 corpos de prova apresentou uma descontinuidade com 4,5 mm de comprimento na região do dobramento, o que pode ser considerado um erro pontual. A presença de descontinuidades na soldagem TIG também foi observada na macrografia (Figura 3(a)). Em um processo de qualificação de soldagem pela norma API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.], o procedimento não seria necessariamente reprovado. A norma indica a confecção de mais dois corpos de prova retirados de regiões adjacentes. Caso os dois corpos de prova sejam aprovados no ensaio de dobramento, a junta soldada é considerada aprovada; caso um dos ensaios adicionais apresente uma descontinuidade, a junta soldada é reprovada. Entretanto, a qualificação da junta soldada está além do escopo deste trabalho. Todavia, a existência desta descontinuidade corrobora uma desvantagem do processo TIG já debatida, e de grande importância, que é a necessidade de qualificação e experiencia do operador.

Com relação ao ensaio de impacto Charpy, a norma API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.], frequentemente aplicada para qualificação do procedimento de soldagem, não determina a realização deste ensaio. Entretanto, diante da relevância da tenacidade para análise do experimento em estudo, foram consideradas as características e os requisitos da norma europeia EN 12732 [2323 European Committee for Standardization. EN 12732:2022: gas infrastructure - welding steel pipework - functional requirements. Brussels: European Committee for Standardization; 2014.], visto que esta prescreve valores mínimos para o metal de solda com entalhe no centro e para a ZTA. A Tabela 8 apresenta os valores individuais e o valor médio de três medidas da energia de impacto para os dois processos (TIG e eletrodo revestido) na região da ZTA. Observa-se que o valor médio do processo TIG foi ligeiramente superior a soldagem por eletrodo revestido, 50 contra 48 J. Contudo, os resultados dos três corpos de prova de ambos os processos são próximos, fato que demandaria um maior número de ensaios para subsidiar um trabalho estatístico. Todavia, todos os resultados foram substancialmente superiores ao mínimo determinado pela norma EN 12732 [2323 European Committee for Standardization. EN 12732:2022: gas infrastructure - welding steel pipework - functional requirements. Brussels: European Committee for Standardization; 2014.], de 27 J. A análise da superfície de fratura no MEV mostrou que ambos os processos resultaram em fraturas dúcteis, com microcavidades (“dimples”), inclusive na região central dos corpos de prova, conforme mostrado nas Figuras 4(a-b). Desta forma, pode-se concluir que o aporte de calor aplicado e o arrefecimento do fluido interno não produziram uma ZTA de baixa tenacidade, nos dois processos utilizados.

Tabela 8
Resultados do ensaio de impacto Charpy (V) na temperatura ambiente para os processos TIG e eletrodo revestido.
Figura 4
Imagens das superfícies de fratura: (a) Eletrodo Revestido; (b) TIG.

Os perfis de microdureza obtidos para as juntas soldadas com eletrodo revestido e TIG são apresentados na Figura 5. Observa-se que, para os dois processos, a dureza da ZTA é próxima do metal base, situando-se na faixa de 160 a 200 HV. Estes valores são relativamente baixos, ainda muito inferiores ao limite de 350 HV considerado crítico na API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.], do ponto de vista do risco de trincas a frio. Um aumento gradual da dureza é observado no metal de solda, atingindo valores mais altos no último passe. Comparando os dois processos, o TIG apresentou menores valores de dureza em relação ao eletrodo revestido, porém mesmo a dureza mais elevada encontrada (272 HV0,5) encontra-se bem abaixo do valor crítico para trinca a frio. A dureza mais alta encontrada no último passe pode ser atribuída ao fato deste não ser beneficiado pelo aporte térmico de um passe subsequente, fato que promove o revenido dos passes anteriores, diminuindo a dureza.

Figura 5
Perfis de microdurezas das juntas soldadas TIG e eletrodo revestido.

Os perfis de microdureza obtidos para as juntas soldadas com eletrodo revestido e TIG são apresentados na Figura 5. Observa-se que, para os dois processos, a dureza da ZTA é próxima do metal base, situando-se na faixa de 160 a 200 HV. Estes valores são relativamente baixos, ainda muito inferiores ao limite de 350 HV considerado crítico na API 1104 [22 American Petroleum Institute. API 1104: welding of pipelines and related facilities. Washington: API; 2018.], do ponto de vista do risco de trincas a frio. Um aumento gradual da dureza é observado no metal de solda, atingindo valores mais altos no último passe. Comparando os dois processos, o TIG apresentou menores valores de dureza em relação ao eletrodo revestido, porém mesmo a dureza mais elevada encontrada (272 HV0,5) encontra-se bem abaixo do valor crítico para trinca a frio. A dureza mais alta encontrada no último passe pode ser atribuída ao fato deste não ser beneficiado pelo aporte térmico de um passe subsequente, fato que promove o revenido dos passes anteriores, diminuindo a dureza. O fato do processo TIG ter usado um maior o aporte térmico, provavelmente resultou em tempos maiores no ciclo de resfriamento, consequentemente aumentando o tempo de exposição da junta soldada à temperaturas entre 800 e 500°C. Resultando, em menores valores de dureza quando comparados com a junta soldada por eletrodo revestido.

A Figura 6 apresenta a microestrutura do metal base, que pode ser definida como ferrita e perlita bandeada, tipicamente obtida por laminação a quente. O tamanho de grão medido ao longo da direção de laminação é 7,5 ± 0,9 μm (ASTM 11.2). As Figuras 7(a-d) apresentam diversas regiões da microestrutura da junta obtida com o processo eletrodo revestido. A ZTA de grãos finos (ZTAGF) é mostrada na Figura 7(a), porém os grãos desta região não são mais refinados do que no metal base. A ZTA de grãos grosseiros (ZTAGG) possui microestrutura de ferrita poligonal e ferrita com segunda fase alinhada (FSA), que corresponde à microdureza na faixa de 190 – 200 HV, de acordo a Figura 5. No metal de solda (MS), observa-se com menor aumento a estrutura de grãos colunares contendo ferrita alotriomorfa de contorno de grão. Em maior aumento (Figura 7(d)), podem ser vistos os constituintes FSA e ferrita acicular (FA) (Figura 7(d)).

Figura 6
Microestrutura do metal base.
Figura 7
Microestruturas do metal de solda obtido com eletrodo revestido: (a) ZTAGF; (b) ZTAGG; (c-d) MS, primeiro passe. As regiões apresentadas são identificadas na Figura 3(a).

As Figuras 8(a-d) apresentam as microestruturas da junta soldada obtida pelo processo TIG. A ZTAGF (Figura 7(a)) possui tamanho de grão similar à da mesma região da junta obtida pelo Eletrodo Revestido. A ZTAGG do processo TIG apresentou estrutura de ferrita e bainita, sem ferrita FSA (Figura 8(b)). Conforme a Figura 5, esta microestrutura tem menor dureza do que a região correspondente pelo processo TIG. No metal de solda (Figura 8(c)), observa-se também ferrita alotriomorfa (PF), ferrita acicular (FA) e ferrita com segunda fase alinhada (FSA) tipo Widmansttaten. Foi também observado, ao contrário do processo eletrodo revestido, uma região de grãos reaquecidos e equiaxiais no metal de solda (Figura 7(d)), entre passes. Esta região surge pelo reaquecimento de um passe pela deposição do passe subsequente. O tamanho de grão é bastante fino, cerca de 5,9 ± 0,7 μm (ASTM 11.9), o que pode ter contribuído para a elevada tenacidade medida nos ensaios Charpy.

Figura 8
Microestruturas do metal de solda obtido com TIG: (a) ZTAGF; (b) ZTAGG; (c-d) MS, primeiro passe. As regiões apresentadas são identificadas na Figura 3(b).

4. Conclusões

Embora o procedimento não tenha sido qualificado, os resultados obtidos neste trabalho demostram a viabilidade do uso do processo TIG para soldagem em operação de tubos de aço API 5L grau B. Maior grau de treinamento dos soldadores são necessários para qualificação do procedimento. Em uma análise comparativa com o processo tradicionalmente utilizado de eletrodos revestidos, ambos apresentaram propriedades mecânicas satisfatórias, com tenacidade ao impacto alcançada com o TIG ligeiramente maior que no eletrodo revestido. Além disso, com o processo TIG obteve-se um maior refinamento microestrutural de regiões da junta soldada. Ambos os processos resultaram em valores de dureza seguramente abaixo do limite de 350 HV, considerado crítico para a ocorrência de trincas a frio. Com o processo TIG pode-se realizar a solda com maior aporte de calor, resultando em uma ZTA com menor profundidade, o que indica a possibilidade do processo TIG ser utilizado em soldagem de tubos com menor espessura. Contudo, a soldagem TIG exige maior treinamento dos soldadores, a presença de descontinuidades nos exames de macrografia e no ensaio de dobramento demostram o quanto complexa é a execução do processo. Destaca-se também que a velocidade de soldagem do processo TIG é inferior (menor produtividade), resultando em um maior tempo para a execução do serviço.

Apesar do maior tempo de operação e da demanda por soldadores com maior treinamento, é possível concluir que o processo TIG pode oferecer vantagens para a soldagem em operação. Destaca-se que no presente estudo a junta soldada pelo processo TIG apresentou uma dureza mais próxima do metal de base, assim como grãos mais refinados, e, principalmente, uma menor profundidade da ZTA. A possibilidade da soldagem pelo processo TIG abre novas possibilidades para os engenheiros de manutenção de linhas de distribuição de gás.

22American Society for Testing and Materials ASTM E23 - Standard test methods for notched bar impact testing of metallic materials West Conshohocken: ASTM International; 2018 [acesso em 29 jun. 2022]. Disponível em: http://www.astm.org/cgi-bin/resolver.cgi?E23-18

  • Como citar: Brandão AA, Tavares SSM, Breves IMS, Pardal JM, Pimenta AR. Análise comparativa dos processos TIG e eletrodo revestido aplicados a soldagem em operação em dutos de aço ao carbono para linhas de distribuição de gás. Soldagem & Inspeção. 2023;28:e2808. https://doi.org/10.1590/0104-9224/SI28.08

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2023
  • Aceito
    16 Out 2023
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