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Tempo e distâncias na produção editorial de literatura

Resumos

Este artigo analisa a temporalização observada no campo editorial brasileiro a partir do surgimento da Companhia das Letras no final dos anos 80, interpretando seu prestígio e distinção culturais ao longo de três eixos de oposições. Em primeiro lugar face às editoras economicamente dominantes, como Record e Ediouro; em segundo, frente a um grupo de novas editoras buscando seu lugar no mundo editorial a partir do modelo "profissional" estabelecido pela Companhia das Letras. Finalmente, o artigo situa esse espaço diferencial no contexto de uma história editorial nacional específica, dotada de uma dinâmica própria, de suas genealogias e de suas fórmulas editoriais. Desse modo, procura-se estabelecer a existência de um princípio organizacional básico para a determinação dos estados dos campos de produção cultural, bem como contribuir para o estudo da função desempenhada pelas editoras na construção da cultura nacional.


The article analyzes the temporalization observed in the field of Brazilian publishing since the appearing of Companhia das Letras at the end of the 1980s. It interprets the extent of the latter's cultural prestige and distinction along three axis. Firstly, in opposition to economically dominant publishing houses such as Record and Ediouro; secondly, in opposition to a group of new publishers searching for a place in the publishing world inspired by the "professional" model established by the Companhia das Letras; lastly, it situates this differential space within a specific national publishing history, with its own dynamics of temporal and spatial production, its genealogies, and its publishing formulae. In this way, the article seeks to provide a basic organizing principle for the determination of states of fields of cultural production, and to contribute to the study of publishing's function in the construction of national culture.


Tempo e distâncias na produção editorial de literatura

Gustavo Sorá

Introdução

A marca de uma editora como empresa cultural é muito mais que um nome. É afirmar um lugar em um espaço de relações e marcar diferenças e distâncias comparativamente a outras marcas. É a síntese de um modo específico de classificar livros, autores e leitores, tendo como parâmetro outros modos. Em regra, toda linha editorial tem afinidade com outras linhas, parecidas, imitáveis, fato que gera a definição de subespaços de concorrência. Mas, observam-se casos em que a fundação de uma editora marca época por conseguir impor novos esquemas de produção, de percepção e de apreciação do que é considerado o "bom livro". Essas irrupções têm a propriedade de produzir o tempo, como conseqüência da legitimação de novos parâmetros para estabelecer distâncias e medir o novo em relação ao já existente. São as vanguardas, no sentido sociológico de "tomar posição à frente de", instaurar estilos e atitudes a partir dos quais se alinham e se definem outros pretendentes. O surgimento da marca que faz época permite identificar um princípio organizador fundamental dos campos de produção cultural (Bourdieu 1977) e revelar mecanismos da edição de livros como modo de institucionalização da ordem dos discursos (Foucault 1992).

O objetivo deste texto é analisar um momento da produção de tempo no campo editorial, a partir de diferenças e oposições que colocam frente a frente editoras de literatura no Brasil.

O mapeamento dessas pontuações do tempo ajuda a construir um estado do campo editorial e a demonstrar a interdependência no espaço e no tempo de empresas com lógicas econômicas e culturais opostas, mas complementares. Os dados que constituem a matéria-prima deste trabalho foram selecionados a partir de dois planos de investigação1 1 Este artigo nasce de interpretações esboçadas em minha dissertação de mestrado e foi reformulado com base na investigação em curso para a tese de doutorado. Desejo agradecer aos professores Afrânio Garcia Jr. e Luís de Castro Faria, meus orientadores, e aos professores Federico Neiburg e José Sergio Leite Lopes por seus comentários críticos e sugestões. : o primeiro consiste no trabalho de campo realizado desde 1991 nas feiras internacionais de livros do Rio de Janeiro e de São Paulo; o segundo, por meio de entrevistas, etnografia de empresas, trabalhos de arquivo e bibliográfico2 2 Os estudos que tratam da atividade editorial no Brasil já formam um conjunto apreciável. Dentre estes, podem ser diferenciados três grupos: a) "diagnósticos do setor" (p. ex., Fábio Lucas, Crepúsculo dos Símbolos. Reflexões sobre o Livro no Brasil, Campinas, SP, Pontes, 1989; Gilberto Barbosa Salgado, O Imaginário em Movimento. Crescimento e Expansão da Indústria Editorial no Brasil (1960-1994), Dissertação de Mestrado, IUPERJ, 1995 etc.); b) trabalhos que problematizam a produção e a circulação de livros como um dos aspectos de estudos mais amplos sobre "elites", "cultura", "literatura" ou "pensamento social" brasileiros (p. ex., Sérgio Miceli, Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945), São Paulo, Difel, 1979; Antonio Candido, Literatura e Sociedade, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1980 etc.); c) estudos especialmente centrados em análises sobre a prática editorial e os editores (p. ex., Pontes 1988; Alice Koshiyama, Monteiro Lobato: Intelectual, Empresário, Editor, São Paulo, T. A. Queiroz, 1982; Pedro B. Moraes, Fidalgos do Café e Livros do Brasil. Monteiro Lobato e a Criação de Editoras Nacionais, Dissertação de Mestrado, PPGAS-MN-UFRJ, 1995 etc.). Em uma classificação mais ampla, poder-se-ia citar um conjunto de estudos que enfatizam a leitura como prática cultural. No entanto, não cabe em um artigo desta natureza deter-me em uma análise de tais textos ou na contextualização da minha própria contribuição nessa área. Para os fins deste artigo, procurei dar ênfase aos dados obtidos no trabalho de campo, que foram complementados com informações extraídas do livro de Hallewell (1985), a mais completa fonte historiográfica sobre a atividade editorial brasileira até a atualidade. Na tese de doutorado, pretendo apresentar uma síntese mais aprofundada dessa "tradição de estudos em formação". , explora uma perspectiva comparativa que permite contribuir para a história social e cultural do campo editorial no Brasil3 3 O primeiro plano constituiu o tema central de minha dissertação de mestrado (Sorá 1994). O segundo norteia as investigações em curso para a tese de doutorado. Assim, este artigo representa um vínculo entre os dois momentos. As feiras internacionais são um referencial rico e, além de permitirem visualizar relações e tecer hipóteses sobre a configuração de diferentes estados do campo editorial no Brasil, também são consideradas meio privilegiado para estudar as dimensões da internacionalização dos mercados nacionais e lingüísticos de livros (Sorá 1996). Os atuais profissionais do livro, categoria moldada a partir dos processos de relativa internacionalização do mercado editorial, são designados de uma perspectiva sociohistórica que privilegia o contraste com editores típicos do período de definição do mercado nacional do livro entre os anos 35 e 60. .

Dentro desses limites, o texto apresenta, em primeiro lugar, a expressividade das distâncias mediante o contraste sincrônico entre editoras atuais de literatura. Para tanto, são expostas as possibilidades de análise de distribuição a partir das feiras de livros. Assim, é desenvolvida uma primeira linha de argumentação que está associada a um princípio de estruturação das relações entre editores, extensível por homologia a outras esferas da produção cultural. A seguir, apresenta uma descrição contrastante de três casos de editoras de literatura (Ediouro, Companhia das Letras e Relume-Dumará), estabelecida a partir de seus modos de apresentação nas feiras.

Por um lado, toma-se o vetor literatura como um gênero entre outros ¾ mas com a capacidade de gerar, a causa da "função-autor" (cf. Foucault 1992; Chartier 1994:33-65), um poder simbólico e um espaço de diferenças editoriais de extrema diversidade ¾, a partir do qual são medidos os demais4 4 Como demonstrarei no decorrer da análise, é a atividade da função-autor - considerada a partir de Chartier e Foucault como "função classificadora maior dos discursos", quando se revela com maior força a associação de um texto ao nome de um indivíduo como "princípio de unicidade e coerência do discurso" (Chartier 1994:57) - que estrutura as opções editoriais que reúnem literatura e filosofia, pensamento ou ciências sociais. É freqüente em certos casos - como se verá na Relume-Dumará e como ocorreu com a Civilização Brasileira - que a literatura, mesmo ocupando um segmento menor do catálogo, funcione como um ideal cultural dos editores, de "difícil" acesso, mas garantia máxima de prestígio cultural e de contribuição para a cultura nacional. É por isso que, em que pese ao caráter híbrido das configurações classificatórias dos catálogos aqui considerados, a palavra literatura está inscrita no título deste artigo. . Por outro, as editoras selecionadas correspondem à escolha de um eixo de polaridades entre outros, embora central, como aquele formado pelas diferentes ênfases culturais ou econômicas imprimidas no desenvolvimento de estratégias editoriais no início dos anos 905 5 No Brasil, as feiras foram produto e produtoras de um sistema editorial amplamente diversificado. No início dos anos 90, de umas 150 editoras "ativas", 50 publicavam 85% dos livros. Entre os 300 milhões de exemplares anuais (média dos cinco primeiros anos da década de 90, que situou o Brasil entre os quinze principais produtores), 50% eram produzidos por uma dezena de editoras de livros didáticos. Outro grande conjunto de difícil caracterização e quantificação é o formado pelos livros "religiosos". Existem também grupos bem diferenciados de editores de livros técnicos, profissionais, esotéricos etc. Dentro da categoria "literatura", por fenômenos ligados à expansão do sistema escolar e às estratégias dos editores de "didáticos", constituiu-se, a partir dos anos 80, um considerável nicho de editores especializados em livros infantis. Nos anos 90, um processo de menor envergadura definiu livros para o segmento "juvenil". Outro setor consolidado nos anos 90 é o das editoras universitárias, que publicam preferencialmente "ensaios" de disciplinas humanísticas, sociais e artísticas, e entram em concorrência "no mercado" com editoras tradicionais voltadas para a publicação de livros acadêmicos. Os livros didáticos, religiosos e técnicos constituem o maior volume de livros brasileiros. A literatura e as disciplinas filosóficas e sociais trazem diversidade aos 13 mil títulos da média anual do mercado entre 1990-1995, com tiragens médias de 3 mil exemplares. Outro traço morfológico geral é a dinâmica do eixo Rio-São Paulo que concentra 80% das editoras do país. No Rio predomina a ação associativa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (política), e em São Paulo, a Câmara Brasileira do Livro (mercado). .

Uma das hipóteses que sustentam a análise afirma que o lugar e o valor atribuídos, em um determinado momento, a uma editora ¾ e portanto a seu catálogo (gêneros, autores e temas) ¾, são relativos ao conjunto formado entre editoras contemporâneas, mas temporalmente discordantes, isto é, relacionadas em graus diferentes às inovações duradouras e aos modos editoriais do passado, que se atualizam e causam impacto no presente possível através da ação de formas de pensamento e de estratégias de edição consagradas. Assim, é possível afirmar que o espaço das editoras de livros se estrutura em um sistema de oposições pluridirecionais (Bourdieu 1977; 1992:178 e 306): as editoras de "vanguarda" opõem-se às editoras de "vanguarda já consagradas", mas também às editoras "comerciais", "populares" etc. É por isso que, em um segundo momento, se considera, a partir da análise sincrônica, as linhas históricas e genealógicas a que estão unidas as editoras aqui em foco ¾ por exemplo, o lugar de editoras de longa trajetória, como a Civilização Brasileira, a Jorge Zahar, a José Olympio, com suas estratégias para marcar e temporalizar o campo editorial e seu deslocamento morfológico, à medida que a prática da edição sofre o impacto de novos projetos.

Este artigo busca revelar o lugar específico e o relacionamento das análises estrutural e histórica na explicação da dinâmica e da evolução de um campo de produção cultural singular. Pretende fornecer dados e interpretações que dialoguem com os trabalhos que informam a história social e cultural do campo editorial brasileiro, assim como desmontar um princípio de estruturação de um tipo de sistema cultural, como é aquele organizado ao redor da atividade editorial.

Feiras internacionais de livros.

Manifestação do campo do presente

Nesse tipo de feira materializam-se não apenas contatos diretos entre autores e leitores. Intermediários culturais como editores, distribuidores, livreiros, críticos, agentes literários ou bibliotecários ¾ figuras apagadas pela propriedade simbólica do objeto-livro e pela "função-autor" ¾ tornam-se visíveis, públicos, ao se submeterem às lógicas de exibição próprias das feiras-exposições. Cotidianamente a identidade de cada intermediário está fragmentada nos espaços das livrarias ou bibliotecas, ou contida nos limites dos catálogos. Nas bienais6 6 Bienal é o nome das feiras internacionais de livros realizadas a cada dois anos, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A primeira bienal paulista ocorreu em 1970 e a carioca, onze anos depois. A partir de 1981, vêm sendo realizadas em anos alternados em cada cidade. Pode-se afirmar que as bienais surgem depois de consolidado o mercado nacional do livro, consagrando o eixo Rio-São Paulo como legislador do mesmo, impondo categorias específicas ( profissionais do livro) e criando condições para a inserção das "praças brasileiras" em um circuito de feiras internacionais que foi sendo delineado desde os anos 60. Para os agentes brasileiros, sua confirmação no mercado internacional deu-se em 1994, quando o Brasil foi país-tema da Feira de Frankfurt (cf. Sorá 1996). surge a individualidade a partir da competição entre as marcas, quando cada expositor busca maximizar sua imagem através da organização de uma amostra representativa (tanto no sentido estatístico como simbólico) do seu patrimônio. A participação de um expositor em uma bienal representa a atualização de uma história e um recurso para lutar pela conservação ou melhoria de uma posição nesse sistema cultural.

Atualmente, as feiras internacionais representam um dos espaços mais conspícuos da consagração editorial. Como rituais, mobilizam forças da publicidade e difundem técnicas econômicas, tendências culturais e uma moral profissionalizante, por meio de fórmulas que estabelecem uma matriz prática de distâncias, delimitadora do lugar que corresponde a cada autor, livro e leitor, distribuindo cada expositor de acordo com o patrimônio econômico e cultural acumulado.

Essas distâncias, materializadas na morfologia do espaço e na simbologia de apresentação dos expositores, permitem construir relações pertinentes para que se compreenda a produção de diferenças e a hierarquização de tempos editoriais. Nas feiras, congregam-se empresas e agentes das mais variadas idades, origens, linhas e interesses. As bienais produzem um efeito de sincronização: enquanto a Nova Fronteira recria a publicação póstuma de Sagarana, de Guimarães Rosa, e a Record expõe Jorge Amado ao lado de García Márquez em estandes sempre localizados bem perto da entrada, a Relume-Dumará lança um novo autor acadêmico carioca em seu espaço situado no meio da feira, enquanto dois jovens anônimos perambulam lá no fundo, bem no fundo, na praça de alimentação, tentando conquistar meia dúzia de leitores com suas poesias fotocopiadas e encadernadas artesanalmente. Os vultos literários precisam de um novo pedestal; o autor desconhecido, de reconhecimento; e os poetas errantes, de dinheiro para uma publicação por conta do autor. A pirâmide da república das letras não pára de se construir e está cimentada tanto por aqueles grandes nomes como por esses boêmios. Entre os dois extremos, oscilam oposições tão variadas quanto complexo e autônomo seja o ápice da pirâmide; tão distantes como as possibilidades existentes em uma época de se questionar a hierarquia e expressar mudanças de rumo significativas. Como em um jogo, todos apostam, se expõem e impõem ao mesmo tempo, configurando um campo de disputas como campo do presente, "como o demonstra o fato de um autor do passado estar presente no lugar exato onde está em jogo" (Bourdieu 1977:39).

Cultura e economia editorial:

as feiras, a dinâmica dos gêneros e a força do literário

As empresas de difusão, como os autores e os leitores, podem caracterizar-se por ciclos de vida: modos de surgimento, amadurecimento e envelhecimento. Essa relação com o tempo pode ser analisada a partir das formas de classificação de livros, autores e leitores, que sintetizam atitudes para com o simbólico e o econômico. As distâncias que os editores constroem em relação ao "empresarial" e ao "cultural" geram um dos princípios de diferenciação inerentes aos subespaços de concorrência, e se manifestam nos gêneros tratados, nas concepções de autor, nas tiragens, nos estilos de lançamento de títulos, nos circuitos de difusão utilizados, nas estratégias de reedição e, fundamentalmente, nas formas de adquirir textos, de se relacionar com os escritores, com seus leitores e com os leitores que pretendem alcançar. Em seu conjunto, esses itens permitem caracterizar as editoras em empresas orientadas por investimentos seguros a curto prazo ¾ conhecidas como empresas comerciais ¾ e empresas orientadas por investimentos arriscados a longo prazo ¾ as chamadas empresas culturais.

As primeiras ¾ com um ciclo de produção curto ¾, que oferecem produtos para uma procura e interesses preexistentes e em formas preestabelecidas, esperam benefícios essencialmente econômicos, fazendo girar rapidamente essa espécie de capital sem as demoras de tempo que o capital cultural exige. As segundas ¾ com um ciclo de produção longo ¾, aceitando o risco inerente às apostas culturais ou "combinando prudência econômica com audácia intelectual", perseguem benefícios propriamente culturais e realizam os atos profissionais como "atos intelectuais", que redundam em avaliações e gratificações típicas dos "intelectuais": prestígio, debates, renome (Bourdieu 1977:23-27).

Essa forma de diferenciação corresponde à separação dos diferentes públicos em termos dos usos das leituras e dos livros como práticas e bens aptos a fornecer benefícios de distinção cultural e social. Por um lado, editoras para leitores seletos, separados pelo alto capital escolar e/ou social (produtores potenciais); por outro, editoras para o grande público, empenhadas na vulgarização. Além disso, esse esquema de diferenças corresponde a divergências nos estilos de autores publicáveis em relação aos capitais de consagração, suas posições nos respectivos espaços de criação e outras características que os levam a produzir textos para ciclos curtos e textos para ciclos longos. Esse princípio de homologia que correlaciona classes de escritores, textos, editores, livros e leitores, embora estruture todos os subespaços de concorrência, é mais claro e evidente nas categorias de livros acadêmicos e de literatura, gêneros estruturados em torno da função-autor, e torna-se mais eufemizado nos livros técnicos, didáticos e religiosos.

As bienais e as feiras internacionais, geralmente, funcionam como rituais de classificação criados para que a exposição favoreça o horizonte de excelência cultural marcado pelas noções de literatura e autor dominantes na parte anterior das feiras, extremidade que, ao expor os escritores consagrados, dominadores do mercado, se transforma em um critério de legitimidade cultural pelo qual se medem os outros gêneros. Editoras de livros didáticos, infantis, religiosos e de outras espécies levam às bienais suas publicações classificadas pela diácrise literária, como querendo mostrar que, apesar de suas especificidades, também pretendem a literatura e a excelência cultural. Sua produção fundamental ¾ livros de escola, de igreja e de outras instituições socializadoras de leituras em que o princípio do autor não é a coordenada principal ¾ não é levada à bienal, ou é mostrada de modo secundário no fundo do estande. A autoridade do escritor marca a luta de classificação por excelência verificada nas bienais, como lugares de mercado e espetáculos de consagração cultural que expressam e criam condições para a institucionalização de um campo literário. Ao mesmo tempo, como se verá nos casos das editoras interpretadas a seguir, é na publicação de literatura que o editor acentua sua atividade como selecionador cultural, cúmplice da consagração do criador, reconhecedor que é reconhecido em um nome e em um estilo de apresentação.

A literatura entre volumes e linhas.

Das coleções de clássicos ao intelecto bem temperado

Ediouro

Como toda editora de grande porte e catálogo extenso, ela é difícil de ser resumida em um gênero. No entanto, pelo volume de produção e por sua linha mais estável, é auto-referenciada e referenciada por todos como editora de literatura. A Ediouro é um caso "limite" entre as empresas de vulgarização ou de ciclo curto. Fundada no início dos anos 40 por Jorge e Antonio Gertum Carneiro como Tecnoprint, formou esse perfil a partir de sua coleção livros de ouro, pioneira na introdução do estilo pocket books no Brasil. Procura competir com a Record, ainda que em sua longa trajetória tenha sabido encontrar seu lugar vendendo edições muito simples, a "preços populares".

Tanto em seus grandes estandes como em seus livros, tudo é explícito para que o leitor sacie suas necessidades, a começar pelas econômicas. Cada livro traz na lombada o preço codificado por um sistema de símbolos e, ao abrir as inconfundíveis capas de cartão mole, flexíveis, brilhantes, com desenhos coloridos, encontra-se na falsa folha de rosto uma mensagem dos editores, idêntica em todos os exemplares:

"Um livro Ediouro é incomparável!! Fazemos tudo que é possível para oferecer livros da mais alta qualidade. Nosso papel é de primeira. A composição eletrônica e computadorizada garante letras sem defeito e um acabamento perfeito. O sistema de encadernação é o moderno método de perfect binding. Todo este esforço é recompensado: só oferecemos livros de alto padrão, por um preço mínimo."

Depois desses critérios de diferenciação exclusivamente técnicos, os editores sentem-se na obrigação de aclarar, na mesma página em todos os livros, que "as nossas edições reproduzem integralmente os textos originais". Enfim, junto ao selo editorial, aparece um desenho em perspectiva do grande parque gráfico da Ediouro, instalado em Bonsucesso, bairro da periferia industrial do Rio de Janeiro.

Essa imagem é ampliada em seus assemelhados estandes de bienal para bienal: muito grandes, com paredes de vidro e arremates superiores em acrílico vermelho e amarelo, com um exército de vendedores contratados para a feira, potentes luzes fluorescentes e enorme quantidade de cartazes plastificados que anunciam uma infindável relação de categorias de livros. Aqui, todo livro tem sua coleção e a gama de gêneros é enorme: passatempos, brincadeiras, religião, livro-jogo, RPG, testes, auto-ajuda e yoga, dicas para o lar, horóscopo, esportes, ginástica, artes marciais, guias profissionais, fotografia, clássicos, esoterismo (com uma grande quantidade de títulos), automóveis, sabedoria e pensamento, tricô e crochê, pintura, saúde, artesanato, desenho, literatura, infantis, folclore, filosofia, juvenis, didáticos, mitologia, dicionários. Entre seus lançamentos para a VI Bienal do Rio de Janeiro (1993), destacavam-se os livros Por Deus, pela Pátria e pela Coca-Cola, de Mark Pendergrast, e dois livros do jogador de basquete Ervin "Magic" Johnson: Minha Vida e O que Você Pode Fazer para Evitar a AIDS ¾ estes últimos ladeados de fotografias em tamanho natural do jogador. Na compra dos dois livros, o consumidor era agraciado com uma fotomontagem ao lado do ídolo. Além disso, por cada compra feita ganhava-se um exemplar de Coquetel, a pioneira revista de passatempos e palavras cruzadas. Também não faltavam livros em promoção.

Nos livros, a categoria mais redundante era a de clássicos. Este gênero, nas estantes localizadas no fundo do estande, ocupava quatro vezes mais espaço que os livros de outras categorias e compreendia as coleções clássicos de bolso, prestígio e universidade de bolso. Aluísio Affonso, gerente editorial, preferia falar de clássicos populares.

A primeira coleção era anunciada como clássicos de todos os tempos e contava com uma centena de títulos, entre os quais sobressaíam os de Nietzsche, Schopenhauer, Platão e Kant, com nove, cinco, quatro e três títulos, respectivamente, cada um, e outros cinqüenta autores do panteão da filosofia universal.

A segunda coleção era chamada clássicos da literatura brasileira, com uma centena de autores, dentre os quais se destacavam dezoito títulos de Machado de Assis, quatorze de José de Alencar, seis de Aluísio de Azevedo, três de Afrânio Peixoto, cinco de Lima Barreto e outros autores como Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Olavo Bilac. Uma seção bastante reduzida dessa coleção apresentava, também, clássicos da literatura portuguesa, dentre os quais sobressaíam onze títulos de Eça de Queiroz, cinco de Camilo Castelo Branco e quatro de Alexandre Herculano e Júlio Diniz.

Por último, da terceira coleção faziam parte, como títulos de bolso, O Capital de Marx (um volume pequeno), Guerra e Paz de Tolstoi, O Processo de Kafka e dezenas de títulos de autores que vão de Voltaire a Oscar Wilde, de Cervantes a Darwin.

Dessas coleções, a maior correspondia à de clássicos da literatura brasileira. Os preços da editora, talvez os menores do mercado, e sua extensa rede nacional de livrarias Curió fazem com que suas coleções sejam as mais utilizadas nos cursos de literatura e ciências sociais, de 5ª a 8ª série da escola primária, na escola secundária e nos cursos universitários7 7 Apenas recentemente a Ediouro planejou introduzir-se no lucrativo subcampo de livros didáticos. Ainda que as referidas coleções tivessem sido criadas pensando na obrigatória e grande demanda de "autores clássicos" pelas instituições escolares, não circulam nas escolas com a lógica sistemática da divulgação de livros didáticos (que conta com visitas de divulgadores às escolas e oferta de livros aos professores). .

O catálogo da Ediouro é escolhido, segundo Aluísio Affonso, "acompanhando as editoras estrangeiras e observando a concorrência", por isso, catálogos e periódicos bibliográficos são o instrumento quase exclusivo de captação de títulos. O resultado é um catálogo equilibrado entre autores brasileiros e estrangeiros, com muitos títulos de cada autor. A Ediouro mantém um dos índices mais altos de publicação anual de livros (cerca de 120): num pólo, clássicos que caíram no domínio público (depois de sessenta anos da morte do autor); no outro, uma grande quantidade de livros "sem autor", livros com títulos extensos para responder às necessidades do leitor (guias práticos, técnicas, conselhos, ajudas, passatempos) e nos quais o nome do autor parece mera decoração da capa. A intensa publicação de clássicos, em que prevalecem os de filosofia, literatura e seus subgêneros, é a arma através da qual os editores avaliam a mudança de rumo da Ediouro, de uma linha popular e de massa à conquista de "faixas de público extremamente exigentes". Ainda que Affonso exaltasse a especificidade da empresa, naquele momento a tendência escolhida a aproximava de sua maior concorrente, a Record, que, segundo ele, "não populariza tanto e tem melhor qualidade e variedade". Por oposição, existem editoras que sublimam os números através de jogos simbólicos.

Companhia das Letras

Em seus estandes, em contraste, a visualização dos livros não está associada a cartazes de orientação. Seus responsáveis apostam nas formas e nas abstrações: os nomes em estandartes de tecido com fundo em tons pastéis de azul, verde, rosa; vinhetas de meios de locomoção à antiga; spots; vendedores universitários; estantes sóbrias de madeira ou de metal preto. Na bienal de 1994 o clima do ambiente era completado pela voz e as imagens de intelectuais de renome, que apareciam em entrevistas reproduzidas em vídeo, em alguns casos no idioma original. No estande, sempre compartilhado com a Jorge Zahar Editora, o casal de editores Luiz Schwarcz e Lilia Moritz acompanhava de perto essa movimentação.

Schwarcz concebe sua editora como de literatura, já que esta noção funciona como um princípio de seleção de títulos. Segundo o diretor, "mesmo nas obras de não-ficção, eu considero que a gente está fazendo não-ficção literária, quer dizer, com preocupações literárias [...], mesmo que as obras sejam históricas, de ciência política, ou trabalho interdisciplinar na área de não-ficção, todos os trabalhos têm um cuidado literário com o texto"8 8 Entrevista realizada na 12ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, agosto de 1992. .

Tanto vulgarmente como entre os profissionais do livro, os juízos que prevalecem sobre essa editora sempre começam pela menção à qualidade das capas, à estética do objeto-livro. Reconhecíveis à distância, seus livros têm mudanças de estilo características, feitas à medida que vão sendo imitados por outras marcas9 9 Não necessariamente por concorrentes diretos, mas a editora tem criado estilos que vêm sendo imitados em coleções "mais sofisticadas" de empresas de vulgarização (p. ex., a coleção de clássicos de literatura brasileira da FTD ¾ livros didáticos). . Seu catálogo, já extenso, tem a dinâmica de toda editora que cresce. A diversificação necessária da sua linha editorial levou à entrada no grande filão do princípio dos anos 90, os livros infantis, criando o selo Companhia das Letrinhas.

Até 1991, os autores mais publicados eram Rubem Fonseca, com sete títulos; Augusto de Campos, Peter Gay e Carlo Guinzburg, com quatro títulos cada um; e Ross MacDonald, Edmund Wilson, Robert Darnton, Bruce Chatwin, Evelyn Waugh, Jean Starobinski, V. S. Naipaul, José Saramago, Adauto Novaes, com três títulos. Outros autores publicados eram Raymond Williams, Flora Süssekind, Ítalo Calvino, Peter Burke, Wanderley Guilherme dos Santos, José Murilo de Carvalho, Anthony Burgess, Sérgio P. Rouanet, J. C. Onetti, Hannah Arendt, Oscar Wilde, Richard Morse, Marshall Berman, Vinícius de Morais, Didier Eribon, G. Duby, Chico Buarque. Noventa por cento eram classificados como ficção e ensaio. Outras categorias compreendidas estavam discriminadas como policiais, poesia, vida cotidiana, especiais e biografia.

Schwarcz admira Jorge Zahar10 10 Jornal do Sindicato Nacional de Editores de Livros, julho de 1993, p. 4. , que o acompanha com sua tradicional marca especializada em livros acadêmicos na área de ciências humanas. Zahar distribui os livros da Companhia das Letras no Rio, e Schwarcz distribui os livros da Jorge Zahar em São Paulo. Cada um apóia a outra marca e ambos se retroalimentam simbioticamente.

Nas bienais de São Paulo, Luiz Schwarcz cuida dos estandes até como vendedor. Sabe que a feira é a única oportunidade periódica de romper com as mediações do crítico, do livreiro, do distribuidor, do jornalista e sentir a pulsação de seu público. Mesmo dirigindo uma empresa em constante expansão, o editor, preso à lógica cultural com a qual conquistou prestígio, dedica atenção e tempo pessoal ao reconhecimento dos autores de seu catálogo. A Companhia das Letras será melhor caracterizada após a descrição de uma editora mais recente do Rio de Janeiro.

Relume-Dumará

Com um pequeno estande, estreou em bienais em 1993. Naquele ano, as dificuldades para pagar a participação na feira do Rio refletiram-se na estrutura padronizada do pequeno estande, revestido de tecido vermelho púrpura que caía do teto. Da mesma cor era o painel de madeira com arremate triangular que, cobrindo toda a largura do estande e iluminado por refletores, trazia o literário nome da editora. Com estilo semelhante ao da Companhia das Letras, o nome Relume-Dumará distinguia-se por uma vinheta à antiga de um cavaleiro com chapéu lendo a galope.

Todo o seu pequeno catálogo estava no estande. Entre os 64 títulos, apenas quinze eram de autores estrangeiros e exclusivamente lançamentos. Os livros eram de formas e design variados, com capas bem diferentes. Em uma mesa na entrada reluzia o best seller Confissões de Adolescente de Maria Mariana, anunciado como "o livro cult de uma geração", além de outros títulos de narrativa, como Uma Sombra Logo Serás de Osvaldo Soriano, Um Monarca da Fuzarca de Pompéia, Azevedo e do Patrocínio, De volta à Estação Finlândia de Aarão Reis e mais sete títulos, misturados com ensaios da área de ciências humanas, dentre os quais se destacavam três de Hannah Arendt e outros de reconhecidos intelectuais do meio acadêmico carioca, como Roberto DaMatta, Rubem Cesar Fernandes, Luiz Eduardo Soares, Hélio Silva. A maioria dos títulos correspondia à psicanálise e à saúde. Ao lado da entrada, um televisor exibia a peça de teatro Viagem a Forli, incluída na Trilogia de Mauro Rasi. No interior estavam expostas as coleções de psicanálise, uma coleção com títulos de Shakespeare e as edições de alguns periódicos acadêmicos (RBCS, BIB-ANPOCS, Physis, Anuário de Psicanálise). Apenas pequenos cartazes feitos em computador mencionavam duas ou três categorias. Os livros se repetiam no fundo, em pouca quantidade, colocados em estantes forradas de tecido.

As paredes do estande também foram estilizadas com a miniexposição "Capas de Ontem", uma idéia de Jorge Cassol, capista da editora, que pretendia retratar "um momento de reflexão comunicativa na história dos livros". As capas foram cuidadosamente emolduradas, iluminadas, introduzidas por um texto teorizante de Cassol e impressionaram favoravelmente a crítica jornalística. Nessa exposição, repetida nas feiras seguintes com novas versões, podia se perceber a intenção dos editores de repensar e aumentar as possibilidades de comunicação e expressão dos livros.

A bienal não representava pouco para seus editores: um deles achou fantástico ter participado, não por ter conseguido um inusitado retorno econômico de 30%, mas por "ter-se apresentado à sociedade". As metáforas escolhidas pelo editor comparavam a Relume-Dumará a uma menina de quinze anos: debutaram, perderam a virgindade, se mostraram, "agora é um avião que decolou e voa sozinho". Exibir o nome e o catálogo nas feiras internacionais representa, para os pequenos editores, todo um rito de institucionalização. Em compensação, outras marcas acadêmicas tradicionais, como Brasiliense ou Paz e Terra, podem dar-se ao luxo de não participar das bienais, pelo menos das bienais do Rio de Janeiro11 11 Embora a designação bienal internacional marque uma igualdade nominal entre as feiras do Rio e de São Paulo, materializada na alternância anual do espetáculo e no milhão de visitantes em cada cidade, a versão paulista impõe sua tradição nacional e seu poder de representação como "vitrina internacional" para os editores estrangeiros que visitam o Brasil em "tempos de feira". Essa diferença gera, em meados dos anos 90, uma crise, quando alguns editores propõem a realização anual da Feira de São Paulo. Por outro lado, a reação dos editores cariocas reforça um localismo que afeta seus projetos editoriais. .

Entre as presenças permanentes no estande da Relume-Dumará estava Alberto Schprejer, diretor editorial e fundador, junto com Ari Roitman, desta editora carioca nascida no final de 1989. Schprejer permaneceu todo o tempo na VI Bienal do Rio. Com entusiasmo e deslumbramento atendia o público, junto com sua cunhada ¾ uma "dos quatro da editora" localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro. Nutriam um misto de fascinação e medo de ver a empresa crescer, de sentir que decolou para o mundo dos livros e que já não dependia deles, pois até então seu catálogo era feito de gêneros e autores provenientes dos meios culturais que ambos dominavam pessoalmente. Schprejer, cientista social, com passagem pelo mestrado em filosofia da PUC-Rio, e Roitman, como psicanalista, formado em Buenos Aires e participante do grupo Letra Freudiana, teceram uma densa rede entre seus congêneres universitários, para lançar uma marca especializada em ambas as áreas, sintetizada na rubrica ensaio e aberta à publicação de narrativa e teatro. Para explicar o perfil da editora, Schprejer também enfatizava sua inserção pessoal no movimento de esquerda do fim dos anos 60. Escolhia os livros com cuidado, não através de catálogos, mas por "gosto pessoal" e recomendação de seu círculo de consultas:

"Todos os livros nossos têm o dedo de um amigo: Joel Birman, Jurandir Freire Costa, Cesar Benjamin, Eduardo Jardim, Antonio Abrantes, Sergio Flaksman, Sérgio Gois. Se você pega os livros e vê os autores, cruzamos o caminho algum dia: na militância política, na prisão, no exílio, na psicanálise, na universidade. Então é isso o que a editora mais transborda, o que mais explica ela."12 12 Entrevista realizada na VI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, agosto de 1993.

Tal caminho seguiram, por exemplo, os livros de Hannah Arendt, traduzidos por recomendação de um seu antigo orientando, ou a Revista de Psicanálise do Rio de Janeiro, organizada por um amigo de Ari Roitman.

Esse círculo era ativo, a causa da recente criação da editora. Alberto começou a se interessar pelo mercado de livros entre 1986 e 1987. A primeira idéia foi a de instalar uma livraria, mas o Plano Cruzado inviabilizou a aquisição de um local: "então eu, como já estava pesquisando, estava começando a entender, já tinha contatos, eu me preparei para montar uma distribuidora". A partir da Distribuidora Dumará (de Mará, apelido de Alberto), que distribuía livros de editoras de extração intelectual, como os da Escuta, de São Paulo, livros de arte e importados, foi adquirindo experiência em divulgação e ampliando seus contatos no mundo dos livros. As redes acadêmicas o incentivaram à edição de um primeiro livro, no fim de 1989: Freud, 50 Anos Depois. Teve essa idéia junto com Ari e, para concretizá-la, chamaram Joel Birman, que organizou uma coletânea de autores brasileiros e franceses. Com o tempo, surgiu a oportunidade de publicar uma coleção de psicanálise e depois outra de anuários de psicanálise. Tiveram sucesso, e Ari inspirou-se em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, para criar o nome Relume, que foi interpretado, segundo Alberto, "para trazer mais luz; também não estamos em Nova York para ser Simon & Schuster". Schprejer, na verdade, não reconhece a existência de um projeto muito elaborado de livros, e sim que a linha da editora "foi se fazendo. É a cada projetinho que a gente constrói. Vem um outro livro que já nos coloca numa bifurcação, numa outra direção".

Semelhante à Companhia das Letras de São Paulo, essa editora começava a captar intenções de publicação dominantes no campo intelectual do Rio. Esse padrão era mantido paralelamente a uns poucos projetos de títulos de grande vendagem. Ainda que os editores não tenham planejado o estrondoso êxito juvenil de Confissões de Adolescente, já havia certa estratégia de best seller agressivo em As Pontes de Madison de Robert James Walker13 13 A diversificação de títulos pode, em parte, ser explicada do ponto de vista da necessidade de sobrevivência material do empreendimento. Esse tipo de circunstância permite compreender como uma empresa de produção cultural opta por determinada configuração de escolhas nas quais sempre estão presentes, em maior ou menor grau, "rejeições ao econômico" enquanto distância simbólica e recurso de distinção com um poder específico, mas não como rejeição explícita aos benefícios econômicos da atividade, questão que foi sendo mais considerada no decorrer do crescimento dessa editora. Como afirma Bourdieu, "a negação da economia não é uma máscara ideológica, nem um completo repúdio ao lucro econômico". É um modo de combinar prudência econômica e audácia intelectual que estabelece a distinção entre o agente e "aqueles que se condenam, ao menos 'economicamente', porque têm a mesma audácia ou a mesma desenvoltura nos negócios comerciais e na empresa intelectual (sem mencionar aqueles que combinam imprudência econômica com prudência artística)" (Bourdieu 1977:4). . Quanto à Companhia das Letras, cada semana ela mantém títulos na relação de os mais vendidos dos suplementos literários.

Se os editores da Relume-Dumará são solicitados a indicar editoras similares, mencionam a carioca 34 e a paulista Iluminuras; por sua vez, os editores de Iluminuras apontam as editoras Ars Poetica, Nova Alexandria e Artes e Ofícios de Porto Alegre; estes designam as editoras Scritta, Estação Liberdade, Sette Letras, Contraponto e Opera Nostra, e assim vai se tecendo uma rede de afinidades entre editoras com um determinado perfil. Por trás destas, um fenômeno marcante, um juízo comum, que pode ser sintetizado nestas palavras de Schprejer: "Vamos dizer que o surgimento e o sucesso da Companhia das Letras nos inspira a todos, porque é uma bela editora e iluminou um pouco o cenário editorial, informando que era possível fazer bom livro e ter mercado com bom livro"14 14 Entrevista com Alberto Schprejer, agosto de 1993. .

O porvir: a invenção do prestígio

A seu tempo, Luiz Schwarcz explicava que não é que no Brasil não houvesse editoras de boa qualidade, e sim que em seu projeto tentou radicalizar esse aspecto e montar uma editora apenas com livros de qualidade. Sua "visão" partiu do pressuposto de que no Brasil o público leitor é proporcionalmente mais elitizado que em outros países, onde os livros de prestígio são editados por editoras mistas, que publicam best sellers convencionais e, para as elites culturais, livros "que não vendem".

A criação da Companhia das Letras foi cuidadosamente planejada. Schwarcz formou-se no ofício a partir da Brasiliense, onde chegou em 1978 como estagiário da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Ele pensava seu futuro no mundo acadêmico, mas foi atraído pela edição de livros. Na Brasiliense chegou a diretor editorial, cuidava da parte gráfica e foi responsável pela bem-sucedida coleção "Encanto Radical". Nessa época, a Brasiliense estava entre as três maiores editoras do país e Luiz era considerado o braço direito de Caio Graco da Silva Prado15 15 Folha de S. Paulo ¾ "Letras", 13/1/1990; Exame VIP, 29/10/1986. . Em março de 1986, em São Paulo, criou a editora, isto é, idéia, marca e instituição, pois a entrada no mercado ocorreu em outubro, com o lançamento simultâneo de quatro títulos: Rumo à Estação Finlândia de Edmund Wilson, A Graça de Deus de Bernard Malamud, O Anticrítico de Augusto de Campos e uma coletânea de poemas de W. H. Auden. Iniciada com duas ou três pessoas, a editora contava no começo dos anos 90 com cinqüenta funcionários. O caráter diferente e inovador vinha da publicação exclusiva de lançamentos: em seis anos produziram 350 títulos, a maioria de autores estrangeiros. A seleção editorial era feita por uma equipe de editores e consultores do mundo acadêmico e literário do Rio e de São Paulo, que faziam parte do seu círculo de relações e, em geral, também autores publicados pela editora. Schwarcz participava desse processo de modo profissional, e na área de ciências humanas, Lilia Schwarcz, historiadora e antropóloga, era um importante elemento da seleção.

A contrapartida econômica desse desafio cultural foi "substanciosa". A exemplo das maiores editoras, já no início dos anos 90 faziam grandes tiragens e iniciaram coleções de autores16 16 Pode-se mencionar os 7 mil e os 30 mil exemplares das tiragens de lançamento de Agosto de Rubem Fonseca e Estorvo de Chico Buarque, respectivamente. Estes autores "em produção", bem como Nelson Rodrigues enquanto "redescoberta", são talvez os símbolos mais fortes de autores de ficção nacional que garantem um prestígio literário imprescindível. . Mas, para firmar-se como editora de prestígio, precisavam cuidar de sua linha. Por meio da estilização contínua das capas, do cuidado com o texto, das novas concepções de editoração e de seleção, do trabalho junto à crítica jornalística e acadêmica, de novas interpretações da "história editorial" e de contribuições à cultura brasileira, em suma, do jogo com um capital simbólico, estabeleceu-se a via do grande sucesso comercial. Talvez isso explique por que no começo dos anos 90, ante o inevitável impulso de crescimento, optaram pela abertura da Companhia das Letrinhas, em vez da mera acumulação de títulos literários através do recurso aos clássicos ou aos títulos "práticos" ou "populares".

Sacerdotes e profetas

Volumes e linhas

Se a categoria usada para caracterizar o espectro de publicações de uma editora é a linha, esta noção pode funcionar como um descritor ideal da dinâmica de publicação em empresas como a Companhia das Letras ou a Relume-Dumará, ao passo que a categoria volume se aplica melhor ao estilo "de massa" da Ediouro ou da Record. O contraste entre as imagens das capas de seus catálogos gerais é uma prova evidente disso. Se um catálogo da Companhia das Letras apresenta apenas uma pintura e o nome da editora, e o da Relume-Dumará, o desenho de um traço sobre fundo branco com guardas tênues, em que o nome e o ano aparecem como um toque, o catálogo da Ediouro traz inúmeras informações sobre os preços, a rede de livrarias, os distribuidores, o parque gráfico, indicando que possuem "mais de quarenta revistas, mais de 3 mil títulos publicados e 4 milhões de unidades por mês". As "linhas" simbolizam concepções de leitor e ambientes de leitura; os "volumes", livros como mercadoria e capacidade empresarial.

Talvez pudesse ser utilizado o modelo weberiano de polarização e luta entre sacerdotes e profetas para ilustrar as distâncias entre esses dois mundos das letras (cf. Weber 1992:170-201 e 328-493). Longe dos autores (no espaço e no tempo de surgimento de seus nomes), os editores de empresas de vulgarização administram os títulos consagrados, cuidam do panteão e se alimentam dele. Os responsáveis pelas novas editoras surgem como "descobridores inspirados", sempre junto de autores em lançamento, que muitas vezes conhecem pessoalmente, pessoas na luta para conquistar um lugar no mundo das idéias. Naqueles, o gosto preestabelecido e a cultura legitimada e indiscutida; nestes, os debates e movimentos de legitimação cultural, discerníveis nos novos esquemas de produção, estilização e percepção do livro. Essa dinâmica se evidencia tanto na organização das empresas e no comportamento dos editores17 17 Os primeiros indícios sobre a estrutura das editoras são percebidos quando o investigador inaugura a fase de entrevistas ou de etnografia das empresas. Nas grandes editoras, é difícil contatar com o pessoal hierárquico tanto nas bienais como por telefone ou pessoalmente nos escritórios. Depois de um longo percurso entre empregados subalternos e médios, chega-se aos gerentes ou diretores de departamentos, seções ou editorias. Muitas vezes são especialistas em "relações públicas", sem que isto implique necessariamente a posse de títulos universitários. Nestes casos, a formação na "profissão editorial" geralmente é feita (o que não ocorre com os herdeiros ou fundadores) através da ocupação de postos administrativos pouco qualificados, até a conquista de lugares mais relevantes. Esse trajeto costuma ser realizado pela acumulação de experiências, relações pessoais e freqüentes mudanças de emprego entre editoras, até o estabelecimento num cargo de editor de uma seção específica. Nesses casos, o "subeditor" apresenta-se como alguém que exerce uma das funções principais de uma ampla cadeia de produção. Os herdeiros e fundadores são editores em relação "à casa" como um todo e criam sua identidade comportando-se segundo o perfil empresarial e cultural das editoras. Os "empresários" ocupam cargos nas entidades de classe, fazem referência contínua às estatísticas e em determinadas épocas entram em choque, através dos jornais e usando um discurso popularizante, com o papel cultural do Estado (ver, p. ex., Jornal do SNEL, edições de julho e agosto de 1993; O Globo, 20/8/1993; "Chega de Editar Só para Rico", entrevista com Sérgio Machado, editor-herdeiro da Record e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Jornal do Brasil ¾ "Idéias. Livros", 21/8/1993). O tempo deles é tomado por viagens, reuniões do "setor", negociações com autoridades públicas; têm um estilo que transparece nas roupas, nos telefones celulares, no uso do corpo e em todo um sistema de gostos e preferências. Os editores "culturais" ¾ principalmente os "fundadores", como Schwarcz e Schprejer, no início dos anos 90 ¾ têm uma maior disponibilidade para o público e os autores, cuidam de um maior número de escolhas da empresa, assistem a congressos "acadêmicos" ou debatem tendências com seus autores e conselheiros; usam roupa esporte, adotam uma imagem de sobriedade e "fazem questão" de não se preocupar, ou dizem "não é para nós", com respeito aos problemas "da classe" ou"do mercado", nos quais intervêm o Sindicato ou a Câmara. , como nos usos das representações clássicos e Brasil.

Dentre as características semelhantes da Record e da Ediouro, é abundante o uso das noções clássicos e literatura brasileira18 18 É muito freqüente que em editoras de perfil similar dominem as classificações em Obras Completas de... . Ambas monopolizam a edição dos grandes vultos da história das idéias e os difundem em larga escala. Quase sempre editam títulos "tradicionais" que caíram no domínio público ou autores em atividade consagrados por movimentos intelectuais de longa data. É importante notar que nos tempos de formação do nome desses autores, não foram essas suas editoras de lançamento. Jorge Amado, por exemplo, entrou na Record em 1974, depois da crise do petróleo que afetou o preço do papel e, com isso, a editora Martins, que vendeu os direitos de edição desse autor e os de Graciliano Ramos. O mesmo sucedeu nos anos 80 com Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e muitos outros autores editados pela José Olympio (Hallewell 1985:558)19 19 No caso da José Olympio, o início dos 80 marca o fim da intervenção estatal "saneadora" do BNDES e a compra da editora pelo grupo proprietário da Xerox do Brasil. Martins em São Paulo e José Olympio no Rio foram na década de 40 as principais editoras de "romance social" ou "romance nordestino", como posteriormente foram consagrados os gêneros e os autores "mais autenticamente brasileiros", principais produtos de exportação literária, isto é, de "identidade nacional", até a atualidade. Ainda que esse processo de consagração tenha ocorrido no interior dos catálogos dessas editoras, uma análise detalhada do estado do campo no período entre as duas guerras mundiais permite ver que pelo menos a José Olympio atuou como uma "grande empresa", beneficiando-se em certos aspectos de privilégios do Estado Novo, reeditando títulos e autores de sucesso que tinham sido publicados por pequenas editoras de vida curta, como a Schmidt ou a Ariel. Em poucos anos realizou um verdadeiro trabalho de monopolização dos autores, mensagens e fórmulas representativos da nacionalidade. Martins cresceu uma década depois da José Olympio, apropriando-se dos benefícios de sua posição como editora paulista "em oposição" ao governo Vargas, o que lhe permitiu atrair muitos intelectuais de esquerda, no campo literário, consagrados pela José Olympio, como é evidente nos casos de Jorge Amado e Graciliano Ramos. . Embora na Record e Ediouro as categorias literatura e brasileira se confundam com muitas outras, são fundamentais na identidade da editora, que as expõem como um emblema ("somos os editores de Jorge Amado", ou "temos desde Machado de Assis até Platão"). Mas, sem dúvida, a regra é um catálogo muito extenso, com investimento temporário em filões mais lucrativos. No início dos anos 90 podia se traçar esse perfil para as editoras que, como a Rocco, Nova Fronteira ou Francisco Alves, combinavam títulos de literatura e esoterismo20 20 Esta tendência é notoriamente homogênea nas editoras de literatura para o "grande público". Outro filão explorado nos 90 é o da literatura infanto-juvenil, mas esta categoria, imposta pelo sistema escolar, foi monopolizada pelas editoras de livros didáticos. .

Já na Companhia das Letras e na Relume-Dumará, mesmo expondo autores como Shakespeare, Weber ou Durkheim, nenhum autor é rotulado como clássico. Estes são apresentados como redescobertas ou atualizações, constituindo exceção dentro de um estilo de publicação de lançamentos. Entre os contínuos "novos títulos", os autores brasileiros costumam representar 50%. Trata-se de autores em formação ou em muitos casos já altamente reconhecidos, mas em plena atividade e disputa em seus campos de atuação. Nestas editoras também não se registrou a categoria Brasil como traço classificador central ou obrigatório da função-autor. Por outro lado, costumam editar a produção acadêmica e literária de vanguarda dos países centrais ou clássicos ainda "não descobertos" no Brasil.

Cair e lançar: os tempos do reconhecimento

Algumas editoras se apropriam em grande escala de títulos que, décadas depois de lançados, caem no domínio público21 21 Refiro-me de modo amplo a uma concepção de domínio público que implica não apenas a "livre apropriação legal" depois de sessenta anos, mas também a livros que com sua imposição como títulos genuinamente brasileiros ¾ os representantes do romance nordestino, por exemplo ¾ são transformados em "bens comuns", clássicos de e para todos. . Outras fabricam uma posição, fazem-se distinguir priorizando o lançamento de autores e/ou títulos inéditos ou tidos como inéditos. Cair no domínio público e lançamento de autores são duas metáforas que condensam literalmente a extensão de seus significados. O título que caiu faz subentender a obra de um autor que comprovou haver sobrevivido a sessenta anos de reconhecimento e merece um lugar no paradoxal reino do panteão literário, ao mesmo tempo que objeto de cultos ritualizados e dogmas de leitura e apropriação. O panteão povoa-se assim dos personagens e bens comuns, publicáveis e apropriáveis por todos, de valores comprovados, impostos como universais pela escola. O autor lançado, como uma flecha, busca um alvo, o da formação de um público que lhe dá valor após a experimentação de algo novo, arriscado, provocativo, particular. Mas são os editores os que manipulam e ganham força com a capacidade de se apropriar daqueles que caem ou "daqueles que merecem ser lançados"; por isso, a observação desse mecanismo ativo é um aspecto privilegiado para dimensionar as lógicas práticas da edição e o lugar do editor no campo editorial.

Entre a publicação de um título e a resposta do público leitor, gera-se uma dialética do desafio e da réplica, como no mecanismo do dom e do contradom. Para gerar um valor eficaz e criar identidade entre uma publicação e uma comunidade de leitores, o contradom deve ser, como propõe Bourdieu (1991:178), diferido e diferente. Assim, a publicação de clássicos e de livros do momento, com suas vendas previamente garantidas pelo sistema educativo e a publicidade em grande escala, respectivamente, traz respostas mais ou menos rápidas e economicamente volumosas. Com os lançamentos, o editor joga de modo mais ou menos arriscado com o tempo da crítica e da aceitação, lapso que retém, em grau variável, o tempo da resposta, uma ação da qual se extrai um poder simbólico específico.

As estratégias editoriais realizam-se em ato, sem um domínio consciente desse movimento, com base em um sentido de orientação, da situação e da resposta22 22 Esse mecanismo introduz um princípio prático que permite compreender as razões do freqüente fracasso dos empreendimentos editoriais, quando um editor perde o eixo do movimento dialético entre desafio e réplica, ao ficar "sem resposta" por seus lançamentos "arriscados demais". . Longe de estarem mecanicamente regulamentados, esses atos se moldam na prática e, entre a planificação anual e a improvisação conjuntural, são vividos com a angústia dos limites difusos, as possibilidades da economia e a perigosa ordem dos discursos e suas instituições de delimitação e controle. Mas convém considerar de novo que a "ação do tempo" e o tempo da ação "devem sua eficácia ao estado da estrutura de relações na qual intervêm; o que não implica que o modelo dessa estrutura possa fazer abstração dele" (Bourdieu 1991:180). A ação do tempo como sentido prático e a estrutura do tempo como espaço de concorrência, no qual se distinguem "por épocas" as editoras inovadoras, permitem ampliar os significados de como a Companhia das Letras e sua linhagem marcaram época, incorporando à análise alguns vínculos genealógicos, dos quais extraem relações pessoais, símbolos, modelos e outros instrumentos para construir sua legitimação como editoras herdeiras de uma ordem cultural nacional. Produziram um novo tempo, mas estão submetidas à coercitiva e irreversível ordem do tempo.

Dois modos de envelhecer

A Ediouro se mede pela Record, e a Relume-Dumará pela Companhia das Letras. As trajetórias que levam de umas às outras são paralelas, não se cruzam. Os ciclos de vida e as maneiras de envelhecer assumem duas modalidades paralelas marcadas, nas editoras para a "grande difusão", pelo inevitável crescimento do tamanho da empresa23 23 Nesse sentido, se poderia apontar pequenas empresas recentes, como a Ateniense e a Gente, surgidas com uma orientação explicitamente comercial, dada por uma combinação de edições sobre esoterismo e literatura ou literatura e negócios. , e nas editoras "culturais", ou por uma recusa a crescer, definição essencial nas empresas de produção cultural como de "negação da economia", ou por uma transformação das relações com a economia, que acarreta a aceitação do crescimento da empresa e dos gastos, uma preocupação com a procura de lucro e a divulgação, "sempre junto à desvalorização que implica toda vulgarização" (Bourdieu 1977:4, 32)24 24 Continuando a consideração da nota 22, pode-se verificar que essa condição do jogo costuma ser vivenciada pelo "editor cultural" como uma pesada angústia, da qual ele geralmente sai com a incorporação à empresa de um contador, banqueiro ou homem de negócios, que passa a ter um papel decisivo na reprodução da atividade. Esse dilema é mais controlado naqueles editores que devem sua posição a um habitus moldado por experiências culturais e origem familiar ou étnica com raízes no mundo da indústria ou do comércio, um fator de êxito nos empreendimentos de Schwarcz e Schprejer. . É por isso que a linha genealógica editorial atribuída a cada caso é diferente.

Record e Tecnoprint nasceram entre o fim dos anos 30 e o início dos anos 40, no período de consolidação do mercado nacional de livros. As duas foram, a seu modo, pioneiras e, como se pode observar em outras empresas de popularização da época (Cia. Brasil Editora, Fagundes, Mandarino), o perfil de suas publicações varia pouco, o que não ocorre com o aperfeiçoamento das técnicas de produção em série que pontuam a história dessa classe de empresas25 25 Para as grandes empresas, a história "não existe", levando-se em conta que, em quase todos os casos, não podem ser encontrados arquivos ou testemunhos ¾ além de memórias dos fundadores que às vezes vêm à tona em publicações comemorativas escritas por jornalistas ou funcionários ¾ a partir dos quais se possa "escrever" o passado empresarial. , marcada pelos momentos de incorporação de novas tecnologias, de departamentos de produção ou de novos capitais, derivados da fusão de grupos editores.

Nas editoras "culturais" a rotinização do caráter "vanguardista" é inevitável pela própria lógica de "temporalização" do campo e da participação no mercado. Como em qualquer processo de crescimento e desenvolvimento, os acontecimentos no ciclo anual de uma empresa submetem editoras e seus diretores a constantes transformações: lançamento incessante de títulos, sedimentação de um catálogo, formação de um perfil, uma personalidade que se institucionaliza na dialética do reconhecimento de um segmento específico de público, críticos e escritores que cingem a editora com seus juízos e eleições.

O crescimento da Companhia das Letras foi vertiginoso e sua localização como dominante fez surgir um catálogo que, sem um controle total ou planificação de grande antecedência, foi se moldando de acordo com um esquema de polaridades preexistentes que lhe permitiu, como veremos, inserir-se em uma linha genealógica particular da história editorial e intelectual do país. Em meados dos anos 90, apesar de alguns títulos "de massa" que chegaram a ser vendidos até em bancas de jornal (Bill Gates, Jô Soares, Chico Buarque), os títulos de "vanguarda intelectual" não paravam de aparecer (Rushdie, Roudinescu, Darnton, Miceli) e as coleções com uma tendência de vulgarização (coleção policial, biografias) não se dirigiam à escola, mas sim a um público já formado, concebido como cult. Contudo essas opções temporais passam, enquanto aos poucos a editora realiza a brasiliana "Retratos do Brasil", um tipo de coleção que a coloca "na história" da edição nacional26 26 Para uma compreensão detalhada desse consagrado estilo de coleções que balizam a história editorial brasileira, ver Pontes (1988). . Este brasão de herdeira a obriga a um conjunto finito de opções que se completa com outros títulos fora da coleção: biografias de personagens-chave da história cultural e política, reedição de clássicos do pensamento nacional, como Sérgio Buarque de Hollanda, e de textos esquecidos do século XIX. O catálogo cresce, seleciona e dá lugar a um reordenamento de textos e autores do passado e de interpretações do presente, que permitem compor e impor novas mensagens e leituras que reinventam a tradição literária e o pensamento social do Brasil.

Missão, compromisso e profissão

A Companhia das Letras é o referencial que definiu no final dos anos 80 novos esquemas de percepção e apreciação do bom livro, não a partir da imposição de um movimento literário, escola ou corrente de idéias particular, mas inventando concepções editoriais profissionais27 27 A idéia de profissionalização é utilizada com freqüência por Luiz Schwarcz como estratégia que lhe permite posicionar-se como "empresário consciente", capaz de dosar suas apostas culturais em uma empresa de porte médio, como um empresário cultural que domina em doses certas a companhia e as letras (ver "Domingo", revista do Jornal do Brasil, 27/4/1994; Folha de S. Paulo, 28/8/1994). , que envolvem os novos livros de prestígio. A imposição desse modo de produção só completou sua irrupção ou legitimação com o aparecimento posterior de um conjunto de editoras assemelhadas que se reconhecem e são reconhecidas por referência à Companhia das Letras e a seu estilo literário-ensaístico. Entre os editores dessa "comunidade", é comum julgar Luiz Schwarcz como editor paradigmático, profissional. Esta idéia diferencia e gera a percepção de um estilo de trabalho no qual o editor pode ser "inovador e realista", sempre dividindo e criando os limites da atividade, à medida que a empresa cresce, entre os negócios e a cultura, cuidando de um lugar preciso na cadeia de poderes e de intermediação que permite tornar públicas as mensagens de um autor.

Esse habitus é decisivo na fundação de um novo estilo que deslocou editoras que, como a Brasiliense, Civilização Brasileira, Paz e Terra e Zahar, ocuparam uma posição homóloga à da Companhia das Letras e sua linhagem. Essas editoras representam uma vanguarda já consagrada pelos meios intelectuais como publicadoras das linhas de pensamento dominantes no período imediatamente anterior. Nos tempos da ditadura, foram apêndices importantes para consolidar uma autonomia relativa do campo intelectual, lançando ¾ até sua afirmação como paradigma dominante ¾ o marxismo não ortodoxo das disciplinas sociais universitárias do começo dos anos 70. As mensagens derivadas dessa combinatória se expressavam em uma linguagem própria, técnica, rígida, de pretensão científica, que, "no seu tempo", opunha produtores e editores à linguagem ensaístico-literária própria das mensagens de interpretação do Brasil, dominantes entre o fim dos anos 20 e o início dos 5028 28 No fim dos anos 30 nota-se a existência de catálogos consolidados a partir da imposição de gêneros que, parafraseando Antonio Candido, "permitiram que o Brasil se apalpasse". Sobre a poesia como gênero literário "maior" se impôs o romance "social" ou "realista" (posteriormente consagrado como "nordestino"). A este se somou, simbioticamente, o ensaio de interpretação do Brasil, além das biografias e das crônicas. Estes três gêneros foram a matéria-prima das coleções "brasilianas" de maior prestígio (pertencentes à Companhia Editora Nacional e a José Olympio Editora). Os catálogos multifacetados que as continham também se povoaram de gêneros e autores que caíram no esquecimento (cf. Darnton 1992): filões lucrativos, como os de literatura popular para novas camadas de leitores ("moças", "jovens", "mulher" etc.), guias práticos e sucessos da literatura universal (de Tolstoi a S. Zweig). É diante desses catálogos "difusos" que sobressaíram as linhas especializadas das editoras que se impuseram entre os anos de 1955 e 1975, acompanhando a legitimação do saber universitário. .

Embora atualmente as editoras representativas dessas duas "gerações editoriais" possam ser muito ativas, renovando constantemente seus esquemas de produção e seu perfil editorial (sobretudo quando ocorre uma sucessão de herdeiros), uma história feita nome já as marcou como protagonistas de períodos anteriores. Monteiro Lobato, Octalles Marcondes, José Olympio, Martins e outros editores consagrados entre 1920 e 1950 definiam seu papel como uma missão, e seus catálogos eram vistos, do mesmo modo que a indústria editorial, como um milagre29 29 Basta um passar de olhos nos Anuários Brasileiros de Literatura (Irmãos Pongetti Editora/Livraria Zelio Valverde 1937/1945) para descrever esse modelo. . Caio Prado Jr., Ênio Silveira, Gasparian, Zahar, Jacob Guinsburg, Flávio Aderaldo e outros editores, que de 1955 a 1975 consolidaram, segundo sua própria percepção, uma época de "substituição de importações", foram elementos fundamentais para a especialização nas áreas sociais e para as primeiras gerações de "sociólogos científicos e brasileiros". Todos se definiam como agentes engajados, às vezes como agitadores culturais, com posições intelectuais e políticas declaradas, e atuavam explícita e assiduamente como prefaciadores, conselheiros editoriais e diretores de revistas, participando de debates e atos culturais. Tratava-se quase sempre de editoras que, ao contrário dos catálogos multifacetados de perfil literário das novas publicadoras da classe intelectual ¾ ou em alguns casos literário e político, como os da Relume-Dumará ou da Artes e Ofícios ¾, se caracterizavam por possuir catálogos de linhas mais rígidas, com uma tendência política de esquerda. Nessas editoras proliferava, obrigatoriamente, o uso da categoria Brasil como critério de ordenamento dos discursos e livros, e havia um interesse explícito em cada ato editorial de intervir na luta pela legitimação dessa palavra30 30 O depoimento de Ênio Silveira, um nome quase sinônimo da Civilização Brasileira, permite visualizar melhor esse perfil: "O nosso catálogo era bastante eclético, mas de um modo geral ele se situava numa linha ideológica bem marcada, sobretudo com os estudos brasileiros, que eram sempre transformadores da realidade, num sentido que a classe dominante e os seus porta-vozes e instrumentos militares não queriam que fossem. Ou seja, se você perguntar se a Civilização Brasileira ajudou a encaminhar um projeto, uma utopia socialista no Brasil, eu respondo que sim, sem sombra de dúvidas. E isso eles achavam que era mais perigoso que qualquer plataforma política ou, na fase final, pós-64, mais perigoso que um assalto a banco" (Almeida et alii 1992:93). .

Mas os representantes de cada geração, os líderes das editoras que perduraram, não se sucedem descontinuamente e, excetuando poucos casos de colapsos empresariais, coexistem até hoje. Voltamos a trabalhar com uma perspectiva horizontal, esclarecendo que as editoras ¾ como os escritores e os leitores ¾ se distribuem a cada momento segundo esquemas de percepção e de apreciação legítimos, de acordo com o modo de produção editorial e o grau de canonização ou secularização desses esquemas geradores de práticas que são as formas de classificação. A cada momento, o campo do presente contém, em uma mesma luta, editoras contemporâneas e temporalmente discordantes. Mas essa luta que sincroniza só acontece porque as editoras que nela se enfrentam não estão presentes no mesmo presente: "estão separadas pelos tempos e pela relação com o tempo" (Bourdieu 1977:40). As editoras da linhagem da Companhia das Letras são contemporâneas apenas pelo fato de se reconhecerem em relação a esta e em direção ao futuro, um tempo marcado pela tendência de editores profissionais, patrocínio de empresas, legitimação via jornalismo, catálogos de "gêneros confusos", re-alianças entre literatura e pensamento social, ciência e filosofia, religião e cultura, ecologia e literatura. As vanguardas já consagradas reconhecem seus contemporâneos no passado, uma "outra época", a partir da qual esses editores podem definir-se de maneira similar a Jorge Zahar: "olhe, eu sou parte do movimento de substituição de importações". Esses agentes, para quem "todo o tempo passado (quando não havia xerox) foi melhor", com freqüência falam de crise: "crise universitária, crise acadêmica. A universidade de hoje não tem comparação com o que ela era antes de eu ser editor, o que é uma das razões da minha frustração profissional. A universidade brasileira era melhor quando tinha 150 mil alunos, do que hoje, quando tem, sabe-se lá, dois milhões, três milhões"31 31 "Jorge Zahar, Editor de Idéias", O Globo ¾ Segundo Caderno, p. 3, entrevista de Luiz P. Horta. Por sua vez, é paradigmática para nossa análise a coluna que, abaixo dessa entrevista, foi redigida por Luiz Schwarcz, que fala da figura do grande editor, para ele "um pessimista com crença no futuro". Em um campo pautado pelo grande poder das relações de parentesco, são inúmeros os significados desse apadrinhamento editorial ou das alianças preferenciais. Inclusive pode-se escrever outro texto abordando apenas essa perspectiva antropológica. .

Nos anos 90, o espectro de publicadoras "culturais" tornou-se mais complexo e se especializou, ao mesmo tempo que se multiplicava a estrutura acadêmica da pós-graduação. Além das editoras de estilo literário consideradas, este subcampo se completa com a consolidação de um segmento de editoras universitárias com "pretensões de mercado", isto é, que buscam sair do espaço fechado do campus para conquistar um lugar nas vitrinas das livrarias32 32 Esse perfil, instalado nos anos 60 pelas editoras pioneiras da Universidade de São Paulo e da Universidade de Brasília, inclui nos últimos anos outras editoras de universidades federais (UFRJ, p. ex.) e estaduais (Unesp, UERJ, Unicamp), que geralmente se apresentam no mercado em co-edições com pequenas editoras culturais. .

A história feita nome

Os nomes das editoras são, para todos os casos, poderosos indícios da construção da identidade "da casa" e devem ser interpretados como apostas com significados ajustados às disputas de uma época. Em sua naturalidade, escondem-se escolhas que descrevem, de maneira condensada, as restritas combinatórias de lógicas culturais e econômicas que cada agente pode assumir para se fazer reconhecer em um espaço de relações e possibilidades. A análise dos nomes das editoras permite concluir este artigo, ao ampliar a compreensão sobre as diferenças estruturais geradas pelas editoras do fim dos anos 80 em relação às editoras "pioneiras" e às de consolidação no mercado editorial.

As gerações anteriores estão balizadas por editoras que traziam e ainda trazem em suas designações o nome do heróico fundador ou fórmulas nacionalistas. Civilização Brasileira, José Olympio, Brasiliense, Martins, Paz e Terra, Jorge Zahar carregam nos nomes a nação ou o editor carismático, histórias de compromissos e projetos de intervenção nos destinos do Brasil. Em quase todos estes casos, seus catálogos materializaram uma grande quantidade de traduções "pioneiras" de autores não traduzidos no Brasil e de outras descobertas, muitas vezes vividas pelo editor como revelações tidas pessoalmente em viagens ao exterior. Em outros casos, as descobertas se davam dentro das próprias fronteiras, em clima de efervescente nacionalismo cultural que, somado ao freqüente desconhecimento de outros idiomas e à escassa escolarização de alguns editores, geravam a crença na edição de, por e para os brasileiros, propiciando catálogos estruturados sobretudo em autores locais.

O nome Relume-Dumará revela, em parte, histórias pessoais e literárias. Já outras editoras similares combinam fórmulas literárias ou filosóficas: Ars Poetica, Opera Nostra, Iluminuras, Nova Alexandria, Scritta, Sette Letras, Leviatã. Em oposição, Ediouro e Record são marcas que há várias décadas denotam a venda de livros em grande escala, o mercado. Já Companhia das Letras é um nome que, como a expressão marchand de quadros, reúne os representantes e as representações do mundo dos negócios com o universo literário, acadêmico, artístico; a razão de mercado e o amor à arte; economia e cultura (Bourdieu 1992:25). Como fórmula certeira, essa combinatória tão mágica quão realista é imitada por outras novas editoras ou empresas culturais (Mercado das Artes, Mercado Aberto, Artes e Ofícios), em uma angustiante procura do exato perfil do profissional do livro.

Nessas empresas "culturais", protagonistas das mudanças dos novos tempos, a concorrência pelo nacional não se dissipa, mas é mais sutil. As alianças culturais deslocam-se da política para o mercado, da crítica e das belas-artes para a publicidade e o design, para concepções "mais leves" acerca das idéias de best seller e empresa. O vínculo com as novidades do exterior concretiza-se por meio da informática e, principalmente, através de uma rede de especialistas no transporte internacional de bens editoriais (agentes literários, scouts, advogados especialistas em problemas relativos à propriedade intelectual em tempos de multimídia). A presença dos editores no mercado internacional se dá mediante a participação em feiras, com suas práticas ordenadas, reguladas, rituais domesticadores da função e posição do editor. Hoje, a moral da atividade transforma a paixão manifesta dos agitadores culturais em um maior controle das emoções dos editores profissionais.

Recebido em 6 de outubro de 1996

Reapresentado em 24 de junho de 1997

Aprovado em 1 de julho de 1997

Notas

Resumo

Este artigo analisa a temporalização observada no campo editorial brasileiro a partir do surgimento da Companhia das Letras no final dos anos 80, interpretando seu prestígio e distinção culturais ao longo de três eixos de oposições. Em primeiro lugar face às editoras economicamente dominantes, como Record e Ediouro; em segundo, frente a um grupo de novas editoras buscando seu lugar no mundo editorial a partir do modelo "profissional" estabelecido pela Companhia das Letras. Finalmente, o artigo situa esse espaço diferencial no contexto de uma história editorial nacional específica, dotada de uma dinâmica própria, de suas genealogias e de suas fórmulas editoriais. Desse modo, procura-se estabelecer a existência de um princípio organizacional básico para a determinação dos estados dos campos de produção cultural, bem como contribuir para o estudo da função desempenhada pelas editoras na construção da cultura nacional.

Abstract

The article analyzes the temporalization observed in the field of Brazilian publishing since the appearing of Companhia das Letras at the end of the 1980s. It interprets the extent of the latter's cultural prestige and distinction along three axis. Firstly, in opposition to economically dominant publishing houses such as Record and Ediouro; secondly, in opposition to a group of new publishers searching for a place in the publishing world inspired by the "professional" model established by the Companhia das Letras; lastly, it situates this differential space within a specific national publishing history, with its own dynamics of temporal and spatial production, its genealogies, and its publishing formulae. In this way, the article seeks to provide a basic organizing principle for the determination of states of fields of cultural production, and to contribute to the study of publishing's function in the construction of national culture.

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  • 1
    Este artigo nasce de interpretações esboçadas em minha dissertação de mestrado e foi reformulado com base na investigação em curso para a tese de doutorado. Desejo agradecer aos professores Afrânio Garcia Jr. e Luís de Castro Faria, meus orientadores, e aos professores Federico Neiburg e José Sergio Leite Lopes por seus comentários críticos e sugestões.
  • 2
    Os estudos que tratam da atividade editorial no Brasil já formam um conjunto apreciável. Dentre estes, podem ser diferenciados três grupos: a) "diagnósticos do setor" (p. ex., Fábio Lucas,
    Crepúsculo dos Símbolos. Reflexões sobre o Livro no Brasil, Campinas, SP, Pontes, 1989; Gilberto Barbosa Salgado, O Imaginário em Movimento. Crescimento e Expansão da Indústria Editorial no Brasil (1960-1994), Dissertação de Mestrado, IUPERJ, 1995 etc.); b) trabalhos que problematizam a produção e a circulação de livros como um dos aspectos de estudos mais amplos sobre "elites", "cultura", "literatura" ou "pensamento social" brasileiros (p. ex., Sérgio Miceli,
    Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945), São Paulo, Difel, 1979; Antonio Candido,
    Literatura e Sociedade, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1980 etc.); c) estudos especialmente centrados em análises sobre a prática editorial e os editores (p. ex., Pontes 1988; Alice Koshiyama,
    Monteiro Lobato: Intelectual, Empresário, Editor, São Paulo, T. A. Queiroz, 1982; Pedro B. Moraes, Fidalgos do Café e Livros do Brasil. Monteiro Lobato e a Criação de Editoras Nacionais, Dissertação de Mestrado, PPGAS-MN-UFRJ, 1995 etc.). Em uma classificação mais ampla, poder-se-ia citar um conjunto de estudos que enfatizam a leitura como prática cultural. No entanto, não cabe em um artigo desta natureza deter-me em uma análise de tais textos ou na contextualização da minha própria contribuição nessa área. Para os fins deste artigo, procurei dar ênfase aos dados obtidos no trabalho de campo, que foram complementados com informações extraídas do livro de Hallewell (1985), a mais completa fonte historiográfica sobre a atividade editorial brasileira até a atualidade. Na tese de doutorado, pretendo apresentar uma síntese mais aprofundada dessa "tradição de estudos em formação".
  • 3
    O primeiro plano constituiu o tema central de minha dissertação de mestrado (Sorá 1994). O segundo norteia as investigações em curso para a tese de doutorado. Assim, este artigo representa um vínculo entre os dois momentos. As feiras internacionais são um referencial rico e, além de permitirem visualizar relações e tecer hipóteses sobre a configuração de diferentes estados do campo editorial no Brasil, também são consideradas meio privilegiado para estudar as dimensões da internacionalização dos mercados nacionais e lingüísticos de livros (Sorá 1996). Os atuais
    profissionais do livro, categoria moldada a partir dos processos de relativa internacionalização do mercado editorial, são designados de uma perspectiva sociohistórica que privilegia o contraste com editores típicos do período de definição do mercado nacional do livro entre os anos 35 e 60.
  • 4
    Como demonstrarei no decorrer da análise, é a atividade da função-autor - considerada a partir de Chartier e Foucault como "função classificadora maior dos discursos", quando se revela com maior força a associação de um texto ao nome de um indivíduo como "princípio de unicidade e coerência do discurso" (Chartier 1994:57) - que estrutura as opções editoriais que reúnem literatura e filosofia, pensamento ou ciências sociais. É freqüente em certos casos - como se verá na Relume-Dumará e como ocorreu com a Civilização Brasileira - que a literatura, mesmo ocupando um segmento menor do catálogo, funcione como um ideal cultural dos editores, de "difícil" acesso, mas garantia máxima de prestígio cultural e de contribuição para a cultura nacional. É por isso que, em que pese ao caráter híbrido das configurações classificatórias dos catálogos aqui considerados, a palavra literatura está inscrita no título deste artigo.
  • 5
    No Brasil, as feiras foram produto e produtoras de um sistema editorial amplamente diversificado. No início dos anos 90, de umas 150 editoras "ativas", 50 publicavam 85% dos livros. Entre os 300 milhões de exemplares anuais (média dos cinco primeiros anos da década de 90, que situou o Brasil entre os quinze principais produtores), 50% eram produzidos por uma dezena de editoras de livros didáticos. Outro grande conjunto de difícil caracterização e quantificação é o formado pelos livros "religiosos". Existem também grupos bem diferenciados de editores de livros técnicos, profissionais, esotéricos etc. Dentro da categoria "literatura", por fenômenos ligados à expansão do sistema escolar e às estratégias dos editores de "didáticos", constituiu-se, a partir dos anos 80, um considerável nicho de editores especializados em livros infantis. Nos anos 90, um processo de menor envergadura definiu livros para o segmento "juvenil". Outro setor consolidado nos anos 90 é o das editoras universitárias, que publicam preferencialmente "ensaios" de disciplinas humanísticas, sociais e artísticas, e entram em concorrência "no mercado" com editoras tradicionais voltadas para a publicação de livros acadêmicos. Os livros didáticos, religiosos e técnicos constituem o maior volume de livros brasileiros. A literatura e as disciplinas filosóficas e sociais trazem diversidade aos 13 mil títulos da média anual do mercado entre 1990-1995, com tiragens médias de 3 mil exemplares. Outro traço morfológico geral é a dinâmica do
    eixo Rio-São Paulo que concentra 80% das editoras do país. No Rio predomina a ação associativa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (política), e em São Paulo, a Câmara Brasileira do Livro (mercado).
  • 6
    Bienal é o nome das feiras internacionais de livros realizadas a cada dois anos, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A primeira bienal paulista ocorreu em 1970 e a carioca, onze anos depois. A partir de 1981, vêm sendo realizadas em anos alternados em cada cidade. Pode-se afirmar que as bienais surgem depois de consolidado o mercado nacional do livro, consagrando o
    eixo Rio-São Paulo como legislador do mesmo, impondo categorias específicas (
    profissionais do livro) e criando condições para a inserção das "praças brasileiras" em um circuito de feiras internacionais que foi sendo delineado desde os anos 60. Para os agentes brasileiros, sua confirmação no mercado internacional deu-se em 1994, quando o Brasil foi país-tema da Feira de Frankfurt (cf. Sorá 1996).
  • 7
    Apenas recentemente a Ediouro planejou introduzir-se no lucrativo subcampo de livros didáticos. Ainda que as referidas coleções tivessem sido criadas pensando na obrigatória e grande demanda de "autores clássicos" pelas instituições escolares, não circulam nas escolas com a lógica sistemática da divulgação de livros didáticos (que conta com visitas de divulgadores às escolas e oferta de livros aos professores).
  • 8
    Entrevista realizada na 12ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, agosto de 1992.
  • 9
    Não necessariamente por concorrentes diretos, mas a editora tem criado estilos que vêm sendo imitados em coleções "mais sofisticadas" de empresas de vulgarização (p. ex., a coleção de clássicos de literatura brasileira da FTD ¾ livros didáticos).
  • 10
    Jornal do Sindicato Nacional de Editores de Livros, julho de 1993, p. 4.
  • 11
    Embora a designação bienal internacional marque uma igualdade nominal entre as feiras do Rio e de São Paulo, materializada na alternância anual do espetáculo e no milhão de visitantes em cada cidade, a versão paulista impõe sua tradição nacional e seu poder de representação como "vitrina internacional" para os editores estrangeiros que visitam o Brasil em "tempos de feira". Essa diferença gera, em meados dos anos 90, uma crise, quando alguns editores propõem a realização anual da Feira de São Paulo. Por outro lado, a reação dos editores cariocas reforça um localismo que afeta seus projetos editoriais.
  • 12
    Entrevista realizada na VI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, agosto de 1993.
  • 13
    A diversificação de títulos pode, em parte, ser explicada do ponto de vista da necessidade de sobrevivência material do empreendimento. Esse tipo de circunstância permite compreender como uma empresa de produção cultural opta por determinada configuração de escolhas nas quais sempre estão presentes, em maior ou menor grau, "rejeições ao econômico" enquanto distância simbólica e recurso de distinção com um poder específico, mas não como rejeição explícita aos benefícios econômicos da atividade, questão que foi sendo mais considerada no decorrer do crescimento dessa editora. Como afirma Bourdieu, "a negação da economia não é uma máscara ideológica, nem um completo repúdio ao lucro econômico". É um modo de combinar prudência econômica e audácia intelectual que estabelece a distinção entre o agente e "aqueles que se condenam, ao menos 'economicamente', porque têm a mesma audácia ou a mesma desenvoltura nos negócios comerciais e na empresa intelectual (sem mencionar aqueles que combinam imprudência econômica com prudência artística)" (Bourdieu 1977:4).
  • 14
    Entrevista com Alberto Schprejer, agosto de 1993.
  • 15
    Folha de S. Paulo ¾ "Letras", 13/1/1990;
    Exame VIP, 29/10/1986.
  • 16
    Pode-se mencionar os 7 mil e os 30 mil exemplares das tiragens de lançamento de
    Agosto de Rubem Fonseca e
    Estorvo de Chico Buarque, respectivamente. Estes autores "em produção", bem como Nelson Rodrigues enquanto "redescoberta", são talvez os símbolos mais fortes de
    autores de ficção nacional que garantem um prestígio literário imprescindível.
  • 17
    Os primeiros indícios sobre a estrutura das editoras são percebidos quando o investigador inaugura a fase de entrevistas ou de etnografia das empresas. Nas grandes editoras, é difícil contatar com o pessoal hierárquico tanto nas bienais como por telefone ou pessoalmente nos escritórios. Depois de um longo percurso entre empregados subalternos e médios, chega-se aos gerentes ou diretores de departamentos, seções ou editorias. Muitas vezes são especialistas em "relações públicas", sem que isto implique necessariamente a posse de títulos universitários. Nestes casos, a formação na "profissão editorial" geralmente é feita (o que não ocorre com os herdeiros ou fundadores) através da ocupação de postos administrativos pouco qualificados, até a conquista de lugares mais relevantes. Esse trajeto costuma ser realizado pela acumulação de experiências, relações pessoais e freqüentes mudanças de emprego entre editoras, até o estabelecimento num cargo de editor de uma seção específica. Nesses casos, o "subeditor" apresenta-se como alguém que exerce uma das funções principais de uma ampla cadeia de produção. Os herdeiros e fundadores são editores em relação "à casa" como um todo e criam sua identidade comportando-se segundo o perfil empresarial e cultural das editoras. Os "empresários" ocupam cargos nas entidades de classe, fazem referência contínua às estatísticas e em determinadas épocas entram em choque, através dos jornais e usando um discurso popularizante, com o papel cultural do Estado (ver, p. ex.,
    Jornal do SNEL, edições de julho e agosto de 1993;
    O Globo, 20/8/1993; "Chega de Editar Só para Rico", entrevista com Sérgio Machado, editor-herdeiro da Record e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros,
    Jornal do Brasil ¾ "Idéias. Livros", 21/8/1993). O tempo deles é tomado por viagens, reuniões do "setor", negociações com autoridades públicas; têm um estilo que transparece nas roupas, nos telefones celulares, no uso do corpo e em todo um sistema de gostos e preferências. Os editores "culturais" ¾ principalmente os "fundadores", como Schwarcz e Schprejer, no início dos anos 90 ¾ têm uma maior disponibilidade para o público e os autores, cuidam de um maior número de escolhas da empresa, assistem a congressos "acadêmicos" ou debatem tendências com
    seus autores e conselheiros; usam roupa esporte, adotam uma imagem de sobriedade e "fazem questão" de não se preocupar, ou dizem "não é para nós", com respeito aos problemas "da classe" ou"do mercado", nos quais intervêm o Sindicato ou a Câmara.
  • 18
    É muito freqüente que em editoras de perfil similar dominem as classificações em
    Obras Completas de...
  • 19
    No caso da José Olympio, o início dos 80 marca o fim da intervenção estatal "saneadora" do BNDES e a compra da editora pelo grupo proprietário da Xerox do Brasil. Martins em São Paulo e José Olympio no Rio foram na década de 40 as principais editoras de "romance social" ou "romance nordestino", como posteriormente foram consagrados os gêneros e os autores "mais autenticamente brasileiros", principais produtos de exportação literária, isto é, de "identidade nacional", até a atualidade. Ainda que esse processo de consagração tenha ocorrido no interior dos catálogos dessas editoras, uma análise detalhada do estado do campo no período entre as duas guerras mundiais permite ver que pelo menos a José Olympio atuou como uma "grande empresa", beneficiando-se em certos aspectos de privilégios do Estado Novo, reeditando títulos e autores de sucesso que tinham sido publicados por pequenas editoras de vida curta, como a Schmidt ou a Ariel. Em poucos anos realizou um verdadeiro trabalho de monopolização dos autores, mensagens e fórmulas representativos da nacionalidade. Martins cresceu uma década depois da José Olympio, apropriando-se dos benefícios de sua posição como editora paulista "em oposição" ao governo Vargas, o que lhe permitiu atrair muitos intelectuais de esquerda, no campo literário, consagrados pela José Olympio, como é evidente nos casos de Jorge Amado e Graciliano Ramos.
  • 20
    Esta tendência é notoriamente homogênea nas editoras de literatura para o "grande público". Outro filão explorado nos 90 é o da literatura infanto-juvenil, mas esta categoria, imposta pelo sistema escolar, foi monopolizada pelas editoras de livros didáticos.
  • 21
    Refiro-me de modo amplo a uma concepção de domínio público que implica não apenas a "livre apropriação legal" depois de sessenta anos, mas também a livros que com sua imposição como títulos genuinamente brasileiros ¾ os representantes do
    romance nordestino, por exemplo ¾ são transformados em "bens comuns", clássicos de e para todos.
  • 22
    Esse mecanismo introduz um princípio prático que permite compreender as razões do freqüente fracasso dos empreendimentos editoriais, quando um editor perde o eixo do movimento dialético entre desafio e réplica, ao ficar "sem resposta" por seus lançamentos "arriscados demais".
  • 23
    Nesse sentido, se poderia apontar pequenas empresas recentes, como a Ateniense e a Gente, surgidas com uma orientação explicitamente comercial, dada por uma combinação de edições sobre esoterismo e literatura ou literatura e negócios.
  • 24
    Continuando a consideração da nota 22, pode-se verificar que essa condição do jogo costuma ser vivenciada pelo "editor cultural" como uma pesada angústia, da qual ele geralmente sai com a incorporação à empresa de um contador, banqueiro ou homem de negócios, que passa a ter um papel decisivo na reprodução da atividade. Esse dilema é mais controlado naqueles editores que devem sua posição a um
    habitus moldado por experiências culturais e origem familiar ou étnica com raízes no mundo da indústria ou do comércio, um fator de êxito nos empreendimentos de Schwarcz e Schprejer.
  • 25
    Para as grandes empresas, a história "não existe", levando-se em conta que, em quase todos os casos, não podem ser encontrados arquivos ou testemunhos ¾ além de memórias dos fundadores que às vezes vêm à tona em publicações comemorativas escritas por jornalistas ou funcionários ¾ a partir dos quais se possa "escrever" o passado empresarial.
  • 26
    Para uma compreensão detalhada desse consagrado estilo de coleções que balizam a história editorial brasileira, ver Pontes (1988).
  • 27
    A idéia de
    profissionalização é utilizada com freqüência por Luiz Schwarcz como estratégia que lhe permite posicionar-se como "empresário consciente", capaz de dosar suas apostas culturais em uma empresa de porte médio, como um empresário cultural que domina em doses certas a companhia e as letras (ver "Domingo", revista do
    Jornal do Brasil, 27/4/1994;
    Folha de S. Paulo, 28/8/1994).
  • 28
    No fim dos anos 30 nota-se a existência de catálogos consolidados a partir da imposição de gêneros que, parafraseando Antonio Candido, "permitiram que o Brasil se apalpasse". Sobre a poesia como gênero literário "maior" se impôs o romance "social" ou "realista" (posteriormente consagrado como "nordestino"). A este se somou, simbioticamente, o ensaio de interpretação do Brasil, além das biografias e das crônicas. Estes três gêneros foram a matéria-prima das coleções "brasilianas" de maior prestígio (pertencentes à Companhia Editora Nacional e a José Olympio Editora). Os catálogos multifacetados que as continham também se povoaram de gêneros e autores que caíram no esquecimento (cf. Darnton 1992): filões lucrativos, como os de literatura popular para novas camadas de leitores ("moças", "jovens", "mulher" etc.), guias práticos e sucessos da literatura universal (de Tolstoi a S. Zweig). É diante desses catálogos "difusos" que sobressaíram as linhas especializadas das editoras que se impuseram entre os anos de 1955 e 1975, acompanhando a legitimação do saber universitário.
  • 29
    Basta um passar de olhos nos
    Anuários Brasileiros de Literatura (Irmãos Pongetti Editora/Livraria Zelio Valverde 1937/1945) para descrever esse modelo.
  • 30
    O depoimento de Ênio Silveira, um nome quase sinônimo da Civilização Brasileira, permite visualizar melhor esse perfil: "O nosso catálogo era bastante eclético, mas de um modo geral ele se situava numa linha ideológica bem marcada, sobretudo com os estudos brasileiros, que eram sempre transformadores da realidade, num sentido que a classe dominante e os seus porta-vozes e instrumentos militares não queriam que fossem. Ou seja, se você perguntar se a Civilização Brasileira ajudou a encaminhar um projeto, uma utopia socialista no Brasil, eu respondo que sim, sem sombra de dúvidas. E isso eles achavam que era mais perigoso que qualquer plataforma política ou, na fase final, pós-64, mais perigoso que um assalto a banco" (Almeida
    et alii 1992:93).
  • 31
    "Jorge Zahar, Editor de Idéias",
    O Globo ¾ Segundo Caderno, p. 3, entrevista de Luiz P. Horta. Por sua vez, é paradigmática para nossa análise a coluna que, abaixo dessa entrevista, foi redigida por Luiz Schwarcz, que fala da figura do grande editor, para ele "um pessimista com crença no futuro". Em um campo pautado pelo grande poder das relações de parentesco, são inúmeros os significados desse apadrinhamento editorial ou das alianças preferenciais. Inclusive pode-se escrever outro texto abordando apenas essa perspectiva antropológica.
  • 32
    Esse perfil, instalado nos anos 60 pelas editoras pioneiras da Universidade de São Paulo e da Universidade de Brasília, inclui nos últimos anos outras editoras de universidades federais (UFRJ, p. ex.) e estaduais (Unesp, UERJ, Unicamp), que geralmente se apresentam no mercado em co-edições com pequenas editoras culturais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Out 1997

    Histórico

    • Aceito
      01 Jul 1997
    • Revisado
      24 Jun 1997
    • Recebido
      06 Out 1996
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