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Nationalism reframed. Nationhood and the national question in the New Europe

RESENHAS

BRUBAKER, Rogers. 1996. Nationalism Reframed. Nationhood and the National Question in the New Europe. Cambridge: Cambridge University Press. 202 pp.

Adriana Villalón

Doutoranda, PPGAS-MN-UFRJ

O núcleo de Nationalism Reframed é a análise dos processos etnoculturais que colocam em questão o conceito ocidental, político-territorial, de nacionalidade. Estudando situações complexas - que têm como pano de fundo desde migrações maciças até simples mudanças nas administrações dos Estados, passando por bruscas transformações nas relações de força entre as antigas e as novas nações -, o livro analisa as singularidades das novas configurações do espaço político europeu geradas pela desarticulação da União Soviética, Iugoslávia e Checoslováquia, e suas conexões estruturais com a queda, no entreguerras, dos Impérios Otomano, Habsburgo e Romanov.

Brubaker dirige suas armas contra a literatura que substancializa o termo nação, seja como categoria analítica, seja como uma entidade dada. Propõe, assim, utilizar a noção de nation como uma categoria de práticas, nationhood como uma forma institucionalizada e nationness como um processo ligado a eventos, deixando a idéia de the nation, como uma comunidade estável, para os nacionalistas (:22). Essa estratégia se inspira, por um lado, nas concepções de Bourdieu - ao observar a incidência das propriedades do campo político na dinâmica do nacionalismo e ao sugerir que nação se refere também a um esquema classificatório - e, por outro, apóia-se em representantes do chamado "novo institucionalismo" na sociologia, como Powell e Di Maggio, refletindo sobre o modo como as nações e os interesses dos agentes são construídos institucionalmente. É nesse sentido que pode ser compreendida a substituição da célebre pergunta de Renan (retomada, entre outros autores contemporâneos, por Gellner) "o que é uma nação?", pela indagação a respeito dos mecanismos por meio dos quais a nationhood se institucionaliza como forma cultural e política nos Estados. Buscando inspiração em autores como Sahlins e Sewell Jr., Brubaker rompe com todo tipo de dicotomia rígida, enfatizando o aspecto fragmentário e efêmero dos movimentos nacionais, que conduzem antes a súbitas cristalizações da nationness e da nationhood do que a seu desenvolvimento gradual.

Cada capítulo do livro retrata um jogo de relações e de contraposições entre os novos Estados nacionais surgidos dos impérios multinacionais do entreguerras e suas vinculações com o mapa político europeu dos anos 90. A tese principal é a de que a noção de nationhood serve para compreender as experiências dos Estados nacionais ocidentais, mas não aquela da Europa Oriental e Central, nas quais referências cognitivas incongruentes e diferentes possibilidades de nationhood atravessam os territórios e a estrutura institucional dos Estados. Nesses casos, a nação não dependeria - nem causal nem conceitualmente - do Estado territorial, mas seria uma comunidade etnocultural independente e transcendente a ele.

Brubaker estuda essas disparidades mediante uma descrição do singular regime de nacionalidade soviético no entreguerras. Com um federalismo etnoterritorial no qual as repúblicas portavam, simultaneamente, duas definições incompatíveis de nationhood (uma político-territorial e outra etnocultural, que funcionavam como referência pessoal e como forma de organização da população pelo Estado), e com a nacionalidade russa dominante controlando as instituições-chave do Estado, a URSS cultivou quase-Estados em um plano subestatal. Eles possuíam tudo (legislatura, administração, intelligentsia, instituições científicas, língua, escola), menos o controle do governo. O colapso nos anos 90 teria sido gerado, entre outras razões, pela ampliação do espaço político, na época de Gorbachev, que permitiu a "cristalização" desses quase-Estados que estavam contidos dentro da URSS.

Três pares de conceitos, sempre em relação tensa, permeiam todo o livro, constituindo a base da análise e abrindo possibilidades originais de interpretação: nationalizing state e nationalizing nationalism, homeland state e homeland nationalism e national minority e nationalism of minorities. Com a intenção de evitar qualquer possibilidade de substancialização dessa tríade, Brubaker insere cada conceito no campo dinâmico de lutas violentas e de concorrências entre agências estatais, partidos políticos e outros agentes sociais, dentro e fora do Estado.

Os novos Estados nacionais são, para Brubaker, nationalizing states; são produtores de movimentos nacionalistas no interior de seus territórios, invocando demandas próprias em nome de um national core definido em termos etnoculturais, diferenciado da cidadania e, ao mesmo tempo, menor do que ela. Esses novos Estados, como aqueles surgidos depois do colapso da URSS, procuram compensar épocas passadas de discriminação, promovendo a própria língua e a cultura, bem como a hegemonia política sobre as minorias que eles agora passam a possuir.

Em contraposição ao nationalizing nationalism, o autor examina os movimentos nacionalistas "transfronteiriços" dos homeland nationalism vinculados aos homeland states. As elites desses Estados consideram que têm direitos e responsabilidades, não só em relação aos seus cidadãos, mas também em relação aos seus "co-nacionais étnicos" que ali moravam e que agora ficaram compreendidos dentro de territórios de novos Estados. Uma elaborada engenharia internacional supervisiona e protege os direitos dos co-nacionais étnicos. Aqui, a nação vai além da cidadania e do território estatal, o que permite colocar questões sobre os limites do direito internacional e da soberania do Estado. Por outro lado, ambas as formas de nacionalismo (homeland e nationalizing) podem ocorrer dentro de um mesmo Estado: a Sérvia conduziu um nationalizing nationalism para os albaneses em Kosovo e um homeland nationalism para os sérvios na Bósnia e na Croácia.

Brubaker situa o terceiro elemento da tríade, as national minorities, no fogo cruzado de diversas demandas territoriais. Essas minorias (grupos sem delimitação clara, que não se percebem nem são percebidos como homogêneos) atravessam, com suas exigências próprias, as tensões entre as demandas do homeland state, ao qual supostamente pertencem por afinidade étnica, e as do nationalizing state, a que pertencem por cidadania legal. Por outro lado, o autor mostra como o esforço de homeland states (como Sérvia, Turquia e Bulgária ) para mobilizar seus "co-étnicos" (sérvios, turcos e búlgaros) é a outra face dos nationalizing states (como Croácia, Hungria e Romênia), representados como inimigos e opressores. Ao mesmo tempo que estes últimos acusam as minorias que se abrigam em seu território de serem "desleais", criticam os homeland states vizinhos de serem irredentistas e invasores.

As conseqüências da transformação das "etnias titulares" em "minorias", nos Estados que entraram em colapso, podem ser diferentes, conforme se trate de comunidades populacionais que experimentam essa situação como uma mudança brusca de status (por exemplo, os 25 milhões de russos que se tornaram minoria dentro dos novos Estados pós-URSS), ou de comunidades que não se sentiram diretamente atingidas por esses processos (como os alemães-austríacos, depois da queda do Império Habsburgo, que continuaram sendo "minoria"). Entretanto, as políticas transfronteiriças de cooptação não são as mesmas para todos os co-nacionais, o que está em estreita relação com a natureza do vínculo que as minorias têm com os seus homeland states: por exemplo, a Alemanha de Weimar desenvolveu uma política diferencial para seus co-nacionais alemães na Polônia (que tinham sido cidadãos do Reich), proporcionando a eles apoio através de escolas, jornais e outras instituições - o que permitiu fortalecer a presença alemã na fronteira com o novo Estado polonês.

Completando a análise, Brubaker relaciona os processos que redesenharam, e redesenham ainda hoje, o mapa político europeu com os diferentes padrões de migração de um mesmo grupo étnico. Demonstra que as migrações geradas pelas mudanças nas elites estatais afetam mais o pessoal que depende direta ou indiretamente do Estado (como a polícia, agentes jurídicos, professores e funcionários públicos) e menos os agentes e grupos sociais relacionados com outras atividades. Assim, na Hungria, depois da Primeira Guerra Mundial, enquanto a população permaneceu nas suas terras, a administração do Estado magiar desapareceu dos Estados que o substituíram. O autor relativiza, ainda, os efeitos da guerra nas migrações maciças, mostrando como estas só ocorrem quando a guerra se combina com representações de um "ser nacional" concebido em termos "étnicos" (como entre os gregos e muçulmanos nos Bálcãs) mais do que em termos "cívicos"; ou quando as ações assimiladoras são excludentes (como no caso da Bulgária, que vem desenvolvendo, desde 1984, uma política nacionalizadora, eliminando o idioma turco e gerando uma emigração maciça de turcos).

Por fim, se é verdade que Brubaker insiste em não reificar a categoria nação, enfatizando a idéia de que os processos por ele descritos podem ser conceituados como "cristalizações repentinas", em algumas das interpretações do autor permanece a idéia do "desenvolvimento da nação", que ele pretende criticar como sendo própria dos nacionalistas. No entanto, o livro constitui um verdadeiro exercício de desconstrução dos conceitos mais correntes na literatura sobre nacionalismo, abrindo a possibilidade de novas leituras, através da análise detalhada de situações significativas que demostram os múltiplos desdobramentos possíveis dos movimentos nacionais no mundo contemporâneo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2000
  • Data do Fascículo
    Abr 1998
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