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Putas, escravos e garanhões: linguagens de exploração e de acomodação entre boxeadores profissionais

Resumos

Este artigo se baseia em trabalho de campo em uma academia de boxe localizada no gueto negro de Chicago. Busca explicar como os lutadores profissionais percebem e expressam o fato de serem mercadorias vivas, e como se reconciliam praticamente com uma impiedosa exploração, de maneira a conseguir manter um senso de integridade pessoal e de finalidade moral. A experiência que o boxeador tem da exploração do seu corpo é expressa através de três idiomas aparentados, o da prostituição, o da escravidão e o da criação animal. Esses três tropos enunciam a comercialização imoral de corpos. Mas essa consciência é neutralizada pela crença na normalidade da exploração, na "capacidade de ação" do empresariamento dos corpos e na possibilidade de casos individuais excepcionais. Essa crença, inscrita nas disposições corporais do lutador, ajuda a produzir o equívoco coletivo de reconhecimento através do qual os boxeadores se tornam cúmplices de sua própria comercialização.


This article draws on ethnographic fieldwork carried out in a boxing gym located in Chicago's black ghetto. It aims at explaining how prizefighters perceive and express the fact of being live commodities, and how they manage to reconcile themselves to ruthless exploitation in ways that enable them to maintain a sense of personal integrity and moral purpose. The boxer's experience of bodily exploitation is expressed in three related idioms, those of prostitution, slavery, and animal husbandry. All three tropes simultaneously enounce the immoral marketing of bodies. But this is neutralized by the belief in the normalcy of exploitation, in the "agency" of corporeal entrepreneurship, and in the possibility of individual exceptionalism. This belief, inscribed in the bodily dispositions of the fighter, helps to produce the collective misrecognition whereby boxers collude in their own commercialization.


Putas, escravos e garanhões:linguagens de exploração e de acomodação entre boxeadores profissionais* * Este texto se baseia em uma discussão realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, no dia 3 de maio de 2000, e faz uso, em parte, de um paper mais longo com o título "The Passion of the Pugilist: Desire and Domination in the Making of Prizefighters" ("A Paixão do Pugilista: Desejo e Dominação na Construção dos Boxeadores Profissionais"), apresentado como Morrison Library Inaugural Lecture, na Universidade da Califórnia, Berkeley, no dia 25 de abril de 1995. Este trabalho se beneficiou dos comentários e questões dos participantes do seminário sobre Cultura Popular no Museu Nacional, bem como do agudo olhar editorial de Megan L. Comfort.

Loïc Wacquant

O boxe oferece um prisma singular por intermédio do qual é possível chegar a uma compreensão das possibilidades estruturadas, percepções culturais e trajetórias individuais no interior dos bairros pobres e decadentes dos Estados Unidos. A sua natureza como atividade em que o corpo é radicalmente instrumentalizado, as suas ligações com a economia informal das ruas, o recrutamento social e etnorracial de seus praticantes, as motivações e disposições que requer, fazem do boxe a prototípica instituição masculina do gueto. De fato, a história moderna do pugilismo nos Estados Unidos é inseparável daquela das relações raciais e também das periódicas reconfigurações da fronteira de cor na área urbana desse país (Sammons 1988). O boxe é também um terreno particularmente propício para dissecar a experiência vivida e a construção simbólica da exploração na parte mais baixa da estrutura de classe e de casta.

O presente artigo baseia-se em 35 meses de trabalho de campo etnográfico e aprendizagem em uma academia de boxe situada no gueto negro de Chicago, buscando explicar como os lutadores profissionais percebem e expressam o fato brutal de serem mercadorias vivas feitas de carne e sangue, e como eles se reconciliam praticamente com a ferocidade da exploração de uma maneira que lhes permite preservar um senso de integridade pessoal e finalidade moral. Desse modo, procura contribuir simultaneamente para a antropologia das culturas das classes trabalhadoras e para a etnossociologia do corpo, da economia e da moralidade1 1 Durante o trabalho de campo, realizado entre 1988 e 1991, aprendi a lutar boxe (bem o suficiente para ser admitido no Chicago Golden Gloves e para boxear regularmente com profissionais), freqüentei torneios amadores e profissionais em vários locais do Meio-Oeste americano e em Atlantic City, observei e relacionei-me com treinadores e empresários em seu ambiente natural, e acompanhei os meus amigos da academia em seu cotidiano. Neste artigo, lanço mão das 2.200 páginas de meu diário de campo, de minhas notas de campo, das histórias de vida de meus companheiros do Stoneland Boys Club (nome fictício) e de entrevistas em profundidade com todos os cinqüenta boxeadores profissionais ativos no estado americano de Illinois no verão de 1991. .

Uma noção que costuma ser usada por críticos do boxe profissional para explicar a persistência desse esporte é a de que os lutadores são ingênuos, crédulos, equivocados ou mal-informados a respeito da verdadeira natureza de sua ocupação ¾ em suma, simples marionetes (ou bobos** ** No original, "dupes (or dopes)" em referência, segundo o autor, à noção de "cultural dopes", de Harold Garfinkel (N. do T.). ) nesse "show business sangrento" ao qual dedicam bons pedaços de suas vidas e de seus corpos. Na verdade, porém, longe de acalentar quaisquer ilusões, os boxeadores profissionais são extremamente conscientes quanto ao fato de terem entrado em um universo de exploração desenfreada em que a mentira, a manipulação, o ocultamento dos fatos e os maus-tratos são a regra, e em que os danos ao corpo e o desmantelo da vida pessoal são conseqüências normais do ofício. Um dos membros da academia de boxe no South Side de Chicago onde fui aprendiz durante cerca de três anos descreve da seguinte forma as relações entre os que fazem parte do mundo dos ringues: "Todo mundo tenta pisar em todo mundo, todo mundo tenta machucar todo mundo, e ninguém confia em ninguém". As provas tangíveis dos estragos corporais e da aflição pessoal que decorrem da profissão são muito visíveis para os boxeadores, como diz um peso-médio negro do West Side de Chicago: "Só o que você tem que fazer é dar um pulo nas academias e dar uma olhada: tem um monte de caras, suas pernas estão acabadas, sacou, eles só ficam por ali sem fazer nada. Você pensa na carreira deles, quando eles estavam subindo eles estavam até bem, mas depois, tchuff (triste), eles não têm nada para lhes dar um apoio, é mau".

Os lutadores são unânimes em afirmar que esse jogo está cheio de "empresários ladrões" ("tem um monte deles, daqueles que estão a fim de fazer uma grana rápida"), e consideram axiomático que os empresários e organizadores de lutas são "mercadores de carne" que não hesitarão em mandá-los "lutar com o King Kong por dez centavos" se isso lhes parecer lucrativo2 2 Ver Wacquant (1998a) para uma análise detalhada da estrutura e do funcionamento da economia do pugilismo como sistema de troca e de conversão mútua entre capital corporal e capital econômico possibilitada por um equívoco coletivo de reconhecimento [ collective misrecognition]. . "Se você é um lutador, e principalmente se você não tem gente graúda do seu lado", explica um peso-leve afro-americano que trabalha ocasionalmente como eletricista, após um breve período como fuzileiro naval, "é como se você estivesse em uma piscina com um monte de tubarões, sabe como é, e eles todos ali [fazendo como quem está se deliciando], 'você é bem suculento, vou tirar um naco da sua bunda!'". Um jovem peso meio-pesado porto-riquenho, por sua vez, que trabalha à noite como segurança, faz esta reveladora observação: "Quem anda por aí com sapatos de couro são eles, não nós, então [...] porque se você é empresário, nunca vai levar um soco, a menos que você seja um empresário muito ruim mesmo. E você ganha dinheiro sem ter que dar duro".

Idiomas de exploração corporal

A consciência que o boxeador tem da exploração é expressa através de três idiomas aparentados: o da prostituição, o da escravidão e o da criação animal. O primeiro aproxima a dupla lutador-empresário daquela formada pela prostituta e pelo cafetão; o segundo retrata o ringue como uma plantation e os empresários como senhores de escravos e feitores contemporâneos; o terceiro sugere que os boxeadores são tratados como cachorros, porcos, garanhões e outros animais domésticos de valor comercial. Todos os três tropos, simultaneamente, enunciam e denunciam a comercialização imoral, ou antes desumana, de corpos vivos e ativos.

De acordo com a primeira linguagem, o cafetão e o empresário teriam em comum o fato de que, com o pretexto de promover o interesse financeiro e proteger a integridade física (ou emocional) dos seus respectivos parceiros, na verdade usam e abusam deles em uma impiedosa busca de lucro. Do mesmo modo que a prostituta oferece nas ruas, por dinheiro, a capacidade de performance sexual de seu corpo feminino, o lutador vende a varejo a capacidade, resultante de treinamento, que tem o seu corpo masculino de causar e suportar abusos físicos entre as cordas do ringue. Os empresários e patrocinadores, por sua vez, ficam do lado de fora e colhem o grosso do dinheiro gerado por esse comércio de carne masculina3 3 "Eu sou uma puta que vende o sangue em vez da bunda. Mas isso faz parte do esporte. Eu nunca ganhei muito dinheiro com a minha beleza, mas sempre aparece alguém disposto a me pagar para levar porrada. E eu agüento muita porrada, cara. É um dom da natureza. Esse granito dos meus ombros pode agüentar muita pancada. Eles não me pagam para ser inteligente" (Randal "Tex" Cobb, um peso-pesado branco, que trabalha como mecânico, citado por Hauser 1986:106). Do outro lado da fronteira de gênero, talvez a melhor analogia para os boxeadores sejam as mulheres que fazem performances de pornografia comercial (Stoller e Levine 1993 e Wacquant 1997), ainda que essa atividade seja moralmente reprovada até mesmo no meio bastante próximo das atrizes pornôs, enquanto lutar boxe é uma atividade bastante valorizada nas regiões mais baixas do espaço social, de onde vêm os boxeadores. . Um veterano dos ringues, já mais velho, que atravessou a Europa continental várias vezes atuando como "oponente" diante dos lutadores locais4 4 No jargão do boxe americano, "oponente" [ opponent] é um lutador habilidoso, porém limitado (ou que já está "descendo a ladeira"), que se dispõe a lutar apenas por dinheiro contra lutadores claramente superiores. Normalmente, ele é trazido por um empresário para se confrontar (o jargão diz: "para servir de comida para") com algum boxeador em ascensão, com o objetivo de melhorar o currículo e promover a carreira deste. Shapiro (1988) retrata com sensibilidade esses "oponentes". , formula isso de uma maneira aguda:

"Todos os boxeadores são uns fodidos, como se diz. É um jeito de falar, né? Sa-be como é, os empresários são uns cafetões, sacou? E os boxeadores são iguais às putas, sacou, então os caras dão uma de alcoviteiro. É isso aí, com certeza. Eles não estão nem aí com o lutador, sacou? Eles só querem curtir, e a curtição é a grana. [com tristeza, mas sem surpresa] Eles só se importam com o dinheiro".

Um colega mais novo da academia no West Side, que abandonou um bom emprego como instalador de TV a cabo em uma cidade-satélite e mudou-se para Chicago para seguir carreira em tempo integral como boxeador, com apoio financeiro do novo dono do ginásio, também concorda com essa visão:

"Com certeza, tem um monte de empresários que a gente pode dizer que são uns cafetões: eles gostam de agenciar um lutador, saca? Eles levam os caras por aí e jogam eles prá qualquer um, só pela grana, e ficam com quase toda a grana. Deixam o lutador sem um tostão ou com o mínimo prá sobreviver. Tem um monte de empresários desse tipo, que só usam os caras, do mesmo jeito que um cafetão usa uma puta, igualzinho. [com escárnio] Tem um monte de empresários que não passam de alcoviteiros. Eles ficam atrás de qualquer lutador só prá conseguir ganhar uns trocados em cima dele, não estão nem aí com a saúde do cara nem nada".

O segundo idioma em que se expressa essa visceral consciência de exploração e subordinação a ditames exteriores vai ser buscado na experiência histórica da escravidão. Por motivos óbvios, as analogias com essa instituição de trabalho forçado e de "alienação natal" (Patterson 1982) possuem uma ressonância singular e uma forte carga emocional para os boxeadores afro-americanos. Um amigo meu da academia, um de meus parceiros regulares de treinamento, chamado Ashante, era na época um jovem peso meio-médio em ascensão, com uma longa lista de empregos abandonados na bagagem. Ele relata uma luta particularmente brutal que o despertou para a desigualdade econômica inerente ao boxe:

"Se você vai lá e está tendo uma bela duma luta dura, cara, dê valor a esse cara. Eu vi o Highmower lutar com esse garoto, cara, cara! [riso nervoso] Daí em diante eu comecei a odiar as lutas, a odiar o boxe, sério mesmo. Porque, sabe Louie [exasperado], Highmower e aquele garoto quase se mataram. Cara, a torcida ficou doida, e Ralph [o empresário] [...] eu falava, eu falava, 'mas que merda é essa?!' Cara, é a escravidão de novo. Quer dizer, olha só que merda! Esses caras estão se matando de verdade por [abaixando a voz e sussurrando incrédulo e enojado], por cem dólares [...] [enfatizando cada palavra para dramatizar seu argumento] Highmower deu um direto, o outro cara deu um direto, os dois caíram, três ou quatro vezes cada. Os dois foram parar no hospital, para ganhar o que, duzentos dólares, cem cada um? Eu disse [balançando a cabeça vigorosamente]: 'Não, isso não está certo'".

Ao expressar sua firme oposição à regulação do ofício pelo governo, o presidente de uma das maiores assim chamadas "federações" que sancionam os campeonatos mundiais5 5 Essas organizações, muitas vezes chamadas com desprezo por pessoas ligadas ao boxe como os "bandidos do alfabeto" [ alphabet bandits], são agências autonomeadas que trabalham mancomunadas com empresários para publicar os rankings e coletar enormes "taxas de autorização" em troca de incluir no campeonato lutas que são vendidas às redes de televisão. As três maiores são a World Boxing Association (criada em 1962), "uma pequena irmandade de latino-americanos" que "não passa de uma piada corrupta"; o World Boxing Council (1963), que trabalha como "feudo pessoal" de José Suleiman, um libanês educado nos Estados Unidos e empresário industrial no México, que trabalha em conjunto com a empresa Don King Productions (Hauser 1986:95, 98); e a International Boxing Federation (1983), que recentemente foi colocada sob intervenção da Justiça depois que seus principais dirigentes foram acusados por promotores federais de praticar diversos atos de corrupção (inclusive a venda secreta de suas classificações para alguns empresários). Mais recentemente, essas organizações têm enfrentado a competição de uma gama de pequenas "federações mundiais" autoproclamadas, tais como a IBC, a WBO, a IBO etc. (trata-se de um ex-lutador afro-americano que entrevistei em Atlantic City no início da década de 90) argumentou que isso iria "destruir o boxe", porém reconheceu que existem de fato

"[...] alguns empresários que querem ir pelo mau caminho, querem levar vantagem ou se aproveitar do cara, que não querem ir para a luta final [pelo título do campeonato] por terem medo de uma derrota do seu lutador. Ou que querem amarrar um lutador para sempre com contratos de cinco ou seis lutas. A escravidão acabou com Lincoln e eles querem que alguns desses lutadores sejam escravos, e isso não é bom."

A terceira linguagem de exploração entre os boxeadores evoca metáforas de animais e da agropecuária, rebaixando os boxeadores a bestas a serem criadas, alimentadas e mostradas ¾ ou mesmo devoradas com crueldade canibal ¾ de acordo com a vontade daqueles que controlam as alavancas financeiras do jogo. Certa noite, enquanto me mostrava os vários lugares perto de seu apartamento que serviam para a venda de drogas ao ar livre, Luke abruptamente iniciou uma fala irada a respeito do emaranhado de disputas entre seu treinador, seu empresário, e Ralph, o empresário branco que exerce um quase-monopólio sobre a economia do boxe da cidade. Ele estava particularmente ressentido com o fato de que seu treinador havia se aliado a Ralph quando este, traiçoeiramente, fez arranjos para evitar que Luke conseguisse lutar fora da cidade, ganhando mais:

"Sabe como é, eles querem que eu lute quando o Ralph quer que eu lute. É como, é como [...] é como se eu fosse um cavalo numa cocheira, eu me levanto toda manhã, o meu treinador me leva para me exercitar, eles me lavam, me dão comida. E me colocam de volta, colocam de volta na cocheira, e aí o Ralph vem e diz [com um tom exageradamente jovial]: 'E aí, como é que vai?'. Aí ele, sabe como é, no escritório [com uma voz melosa, imitando o jeito de falar dos brancos]: 'Como vai aquele garanhão negro?' Aí, sabe como é: 'Ele vai bem'. E aí eles pegam alguns dos caras que vão lutar, me deixam na minha cocheira, e eu continuo correndo e continuo treinando, certo? Aí ele vem e diz [com seriedade]: 'Não vou deixar ele lutar nunca'".

Relações de exploração não se limitam àquelas que unem lutadores a empresários. Elas podem se difundir, capilarmente, nas relações envolvendo treinadores, companheiros de academia e rivais, e o conjunto de personagens que acompanham os boxeadores como um séquito e que o jargão identifica como "ratos de academia" ("gym rats"). Phonzo é um lutador solitário que nunca reclama de nada ("eu nunca penso no lado negativo das coisas, as pessoas não me amolam, ninguém me amola. Nem você me amola, ninguém mesmo") e que alcançou um sucesso pouco comum no "círculo quadrado" dos ringues: ele é um dos poucos lutadores de Chicago que conquistaram algum título mundial nas últimas duas décadas. No entanto, quando um dia conversamos a respeito da melhoria de sua situação econômica e de sua carreira, sentados no salão dos fundos da academia, tudo nele, desde sua postura, jeito de corpo, tom de voz, até o olhar, revelava-o cheio de amargura. Depois de longos anos de "sacrifício", seguindo as regras do ascético regime do boxeador, correndo e treinando todos os dias, alimentando-se de acordo com dietas assassinas, e restringindo sua vida social e sexual, ele finalmente conseguiu colocar o cinto de campeão6 6 A ética profissional do "sacrifício" e o regime de treinamento dos lutadores profissionais são descritos em detalhes em "Pugs at Work" (Wacquant 1995) e em "Os Três Corpos do Lutador Profissional" (Wacquant 1998b). . Mas aquilo que deveria ter sido a apoteose de sua vida profissional e motivo de exaltação pessoal acabou se tornando um momento vazio e sem alegria.

"Phonzo: Você acaba descobrindo que através das finanças e do dinheiro ¾ e o dinheiro é poder aqui na América ¾ então, já que dinheiro é poder, o dinheiro pode trazer muitos inimigos, e também pode fazer surgir um monte de falsos amigos. [visivelmente transtornado com a lembrança] Então, hmm, eu achei que tinha amigos, ainda hoje [...]. Mas quando a situação de dinheiro começou a ficar mais decente [sua voz e olhar tornam-se frios] esses amigos viraram urubus. E quando um amigo vira urubu, ele vai bicando até deixar você só no osso. Eles te usam, se aproveitam de você, te abusam, como se você fosse um porco ou qualquer coisa assim. Eles te comem vivo. Então, quando cheguei a essa situação, eu não estava mais com as pessoas que começaram comigo, eu era uma pessoa muito infeliz. Quando ganhei o campeonato, não ganhei junto daquelas pessoas em quem eu confiava. E aqueles em que você confia às vezes vão contra você, sabe? Então, ganhar o campeonato foi uma satisfação, mas não foi a mesma coisa.

Louie: O fato de não estar com as pessoas com quem você queria estar acabou com a sua alegria?

Phonzo: Isso, acabou com a minha alegria.

Louie: E você se arrepende disso?

Phonzo: Eu não me arrependo de nada na vida. Só Deus sabe tudo o que acontece na vida, e por que acontece [...]. O que acontece é que quando as pessoas passam a te olhar como se você fosse um sabonete e não um ser humano, elas perdem o respeito por você. E quando elas perdem o respeito por você, você perde o respeito por elas. E quando têm duas pessoas trabalhando juntas sem ter respeito uma pela outra, o esquema de trabalho não vai ser bom. Ou [...] a situação de trabalho não é legal [muito tenso e rápido, amargo, sem pausa para respirar]. Porque todo mundo tenta pisar em todo mundo e todo mundo tenta machucar todo mundo e ninguém confia em ninguém, e quando a situação é esta [grave e gutural] é o caos, e quando é o caos, num jogo como o boxe, é um problema, são problemas demais para a gente lidar com eles. Então foi isso [...] eu não reclamo: fico feliz porque saí do jogo, porque saí sem ficar com orelhas de couve-flor, tenho todos os dentes ainda na minha boca, não quebrei as costelas ¾ a única coisa que eu quebrei várias vezes foram minhas mãos, de tão forte que eu batia".

Essas três linguagens de exploração não são de modo algum incompatíveis entre si, e na verdade os boxeadores costumam combiná-las de várias maneiras. Dave "TNT" Tiberi, um peso-médio de Delaware, em seu depoimento no Inquérito sobre a Corrupção no Boxe Profissional promovido pelo Senado americano no verão de 1992, depois do grande destaque dado pela mídia a uma decisão escandalosamente parcial que o privou do título nacional em uma luta televisionada para o país inteiro, desenvolveu um pouco mais a metáfora da antropofagia ao declarar, para a surpresa dos senadores, que "a maioria dos lutadores, dependendo do seu talento, é vista pelos empresários como filé, outros como costelinhas de porco, e os menos talentosos como carne moída*** *** No original, prime ribs (cuja tradução mais literal seria rosbife), pork chops e scrapple (este último é uma espécie de bolo de carne prensada feito com carne de segunda e fubá) (N. do T.). , mas é raro que sejam reconhecidos como seres humanos". Ao explicar que a International Boxing Federation havia permitido que ele concorresse ao título com o campeão James Toney só depois que ele renunciou ao seu próprio título junto à organização rival International Boxing Council e assinou um contrato de três lutas com o empresário de Toney, Tiberi muda de registro: "Lembrando daquelas circunstâncias, era como estar sendo comprado em um leilão de escravos [...] às vezes eu acho difícil considerar o boxe um esporte. Para muitos empresários, virou um tráfico de escravos privado e legalizado" (U.S. Senate 1992:10, 11). A subseqüente deposição de James Pritchard, o campeão intercontinental da categoria peso-cruzador da IBF, acrescenta um toque vampiresco à imagem aterrorizante de que o sangue vital dos lutadores está sendo sugado para ser consumido por parasitas em busca de lucro. Pritchard trabalhou para três empresários, e os três foram por ele caracterizados como "sanguessugas": "Do mesmo jeito que um mosquito, ele te pica e suga o teu sangue. É isso que eles fazem. Quando eles se grudam em você, eles sugam tudo o que podem" (U.S. Senate 1992:30). Sangue sugado, carne bicada, ossos descarnados, vitalidade esgotada e roubada: essas expressões refletem vividamente a percepção visceral dos boxeadores de que são uma mercadoria corporal desvalorizada e em perigo7 7 Como observa Orlando Patterson (1982:388), a imagem dos ossos sendo bicados e descarnados também é um tema freqüente na linguagem dos escravos do mundo inteiro: "Você me comeu quando eu era carne, agora você deve descarnar meus ossos". O sentimento de estar sendo "comido vivo" também é uma forma de consciência comum entre trabalhadores manuais que vivem em condições de superexploração em circunstâncias fisicamente degradantes. Exemplos famosos são os casos dos mineiros de estanho das terras altas da Bolívia descritos por June Nash (1979) e os trabalhadores das usinas de açúcar no Brasil analisados no clássico estudo de José Sérgio Leite Lopes, O Vapor do Diabo (1978) . A figura vampiresca do sugamento de sangue aparece na vívida descrição dos trabalhadores imigrantes argelinos na França por Abdelmalek Sayad (1999). .

Integridade através da acomodação

A grande maioria dos lutadores profissionais ¾ 88% dos praticantes desse ofício em Illinois em 1991 ¾ considera que os seus serviços são extremamente malremunerados e afirma com bastante vigor que recebe apenas "uns trocados" ou "umas migalhas". 86% deles consideram que uma "remuneração justa" teria que ser igual ou maior do que 100 dólares por round, que é o dobro da remuneração normal em Chicago na época (ver Tabela 1). Quando perguntei a um peso meio-médio negro desempregado que estava há quatro anos no ofício se ele achava que os pugilistas da cidade recebiam uma "remuneração justa" por seu trabalho, ele respondeu, mal contendo a sua raiva:

"Recebem nada! Nada disso, eles estão sendo enganados, estão sendo roubados, e lutar boxe em Chicago, prá mim, essa é minha opinião pessoal, os boxeadores em Chicago [muito alto] estão sendo abusados e usados, e nunca teve justiça para eles em Chicago, sacou? Porque os caras ganham mal, treinam demais e nunca conseguem fazer o que precisam fazer no boxe porque ninguém está nem aí com eles".

Porém, ainda que expressem a consciência da exploração de modo exaltado e muitas vezes com dor, é raro que se levantem para denunciar a grande injustiça de sua situação econômica. Ao contrário, em seu cotidiano de trabalho reconciliam-se na prática com a perspectiva evidente, senão a realidade, de se tornarem mercadorias carnais a serem compradas, vendidas e trocadas. Há três "vocabulários de motivos" (Mills 1940) que lhes permitem realizar essa acomodação e construir um senso de integridade pessoal e profissional, no sentido de "se responsabilizarem pelo seu próprio projeto de vida, dentro dos limites e pressões impostos pelas restrições estruturais, e de acordo com concepções consistentes a respeito da maneira correta de se viver, em parceria com os outros"8 8 Tomo emprestada essa caracterização da "prática da integridade" elaborada por T. Dunbar Moodie e Vivienne Ndatsche (1994:2) para o caso dos trabalhadores africanos negros migrantes que labutam nas minas de ouro na África do Sul. .

O primeiro vocabulário afirma simplesmente que a exploração faz necessariamente parte da vida, é um datum brutum da existência comum das pessoas comuns, com o qual temos que lidar da melhor maneira possível. A força de persuasão desse vocabulário tem uma origem óbvia: a exploração econômica é de fato uma constante nas regiões mais baixas do espaço social americano, onde vivem os boxeadores e seus associados. O que pode variar são suas formas fenomênicas, sua intensidade e seus beneficiários9 9 Essa aceitação dóxica da exploração como uma constante da vida é levada ao extremo por um peso-leve desempregado vindo de um subúrbio negro e pobre de Chicago, que vê na atual desigualdade, com um fervor quase religioso, um inequívoco sinal do sucesso futuro: "Claro, porque eu vou ganhar meu dinheiro, sabe, quando for minha vez de ganhar dinheiro eu vou ganhar. Tudo que vem muito fácil não vale a pena, então eu sei que tenho que lutar, tenho que lutar-lutar-lutar, tenho que ir em frente sem nada, mas eu escolhi essa vida e sei que vai ser duro". . Visto deste ângulo, o boxe difere pouco dos outros jogos sociais aos quais os jovens proletários dos bairros pobres e decadentes têm acesso, uma vez que o sistema falido de escolas públicas só oferece oportunidades inviáveis e o mercado de trabalho não-qualificado, inchado com mão-de-obra barata, a longo prazo só acena com marginalidade (McLeod 1994; Holzer 1996). Como observa sucintamente Butch, meu companheiro de academia, bombeiro e pugilista com mais de uma década de experiência nos ringues:

"Se existe uma classe de pessoas pobres, que não tem nada, sem estudo, o mercado de trabalho vai mal, e aí aparece um cara e diz: 'eu dou 150 dólares para vocês lutarem', como é que alguém vai dizer não? Eles se aproveitam da sua situação. Se o cara tivesse dinheiro no bolso e um emprego o cara não ia conseguir convencer ele a lutar. Então é claro, os caras que vêm de uma origem pobre são uns puta lutadores, porque eles lutam porque não têm mais nada. E quando eles aprendem a ganhar dinheiro, bater e machucar os outros acaba sendo um dinheiro fácil, e eles continuam fazendo isso até não poderem mais, até eles virarem dinheiro fácil para alguma outra pessoa".

De modo bastante semelhante ao que ocorre na economia informal do gueto, com a qual a economia pugilística se mistura e funde em muitos pontos de junção, é necessário aceitar os riscos quando se espera conseguir algum lucro. O mesmo peso-galo afro-americano que censura o fato de que os empresários "tratam os boxeadores como uns cachorros, tratam eles exatamente como se fossem cachorros", aproxima-os na mesma frase aos malandros que, como ele, empregam a sua esperteza e vivacidade no capitalismo de butim das ruas. "Isso é que nem fazer o que eu faço: ganhar uma grana na malandragem"10 10 Ao final dessa entrevista, feita em um restaurante perto da academia em uma noite de verão, esse boxeador-malandro se ofereceu para me levar até o local onde ele promovia jogos de azar, e mais tarde tentou insistentemente me vender várias mercadorias roubadas, inclusive um revólver usado (por 150 dólares) e uma submetralhadora nova (por 300 dólares). . Afinal, não seria a própria vida uma espécie de loteria? Um peso meio-médio mexicano que afirma estar bem consciente dos abusos que rotineiramente os empresários cometem, e que no entanto assinou recentemente um contrato de longo prazo com uma das quatro maiores agências da região, esclarece: "Você assume um risco, mas você também assume um risco quando anda na rua, sabe, você pode ser atropelado por um carro, ou pode ser assaltado quando vai levar sua mulher para um piquenique, ou qualquer coisa assim". Em condições de incerteza generalizada, em lugar de ficarem ressentidos com os empresários, alguns boxeadores se sentem gratos pela oportunidade que estes lhes oferecem de fazer suas apostas nessa estranha loteria de corpos habilidosos que é o boxe. É esta a opinião de Surly, um peso-pesado que consegue empregos intermitentes e mora em um dos conjuntos habitacionais públicos mais perigosos do West Side de Chicago:

"Acho que muitos deles, se não estivessem aqui, sabe, não teriam nenhuma chance, né? A gente precisa se arriscar. [com arrogância] Tudo tem um risco. Se você joga dados, você pode ganhar ou perder. O boxe é como o jogo, em certo sentido. Sabe como é, também precisa ter uma certa habilidade, mesmo sendo um jogo você também tem que saber o que você está fazendo".

Além disso, dada a detestável reputação do mundo dos boxeadores, ninguém pode afirmar de maneira convincente que foi realmente enganado: todos os participantes sabem muito bem que o boxe é como um tanque cheio de tubarões onde quem não devora os outros vai acabar mais cedo ou mais tarde virando refeição (Wacquant 1998a). Entrar na economia do pugilismo pressupõe, portanto, ab initio a aceitação, tácita ou explícita, de uma posição subordinada ou explorada. Martin, um peso-cruzador negro que lutou como profissional durante nove anos ao mesmo tempo que ascendia profissionalmente de leitor de medidores para um trabalho de escritório no departamento de atendimento ao cliente em uma grande empresa, reflete:

"Eu sabia que uma coisa que eu queria na vida era lutar. Se eu já decidi ser um lutador, e chega um cara e se diz 'empresário', se você quer chamar ele de 'mercador de carne', sabe, então ele é mercador de carne. Os empresários só se interessam por você se você puder lutar, sabe ¾ é a mesma coisa que qualquer outro trabalho. Em todos os empregos só se interessam por você se você estiver disposto a ir trabalhar, se a gente não vai trabalhar não se interessam mais pela gente. Então [mexe lentamente a cabeça] eu entendo a minha posição, eu entendo muito bem, e entendo que se aparece uma pessoa que vai servir de empresário, é o trabalho dele, e eles só estão interessados em você se você puder lutar. Se quiser chamar isso de vender carne, então tá, é isso que eles fazem. Mesmo assim resolvi entrar no jogo, mesmo sabendo que eu ia ser a carne [risos]".

Uma segunda força que promove a aquiescência prática dos lutadores diante de arranjos vergonhosamente exploradores é o espírito empreendedor que atravessa o ofício. Desde o momento em que colocam o pé na academia, os "artistas machos" passam a ser alimentados com uma ração ininterrupta de noções e narrativas nativas que ressaltam o indivíduo desafiador e retratam o boxeador como um guerreiro solitário, um gladiador moderno que está lá para provar seu valor ao se atracar de punhos cerrados com o seu próprio destino11 11 As (auto)biografias dos campeões, de Papa Jack Johnson e Jack Dempsey até Joe Louis, Muhammad Ali e Oscar de La Hoya, são repetições quase idênticas desse tema da singularidade super-humana e do sucesso individual diante de dificuldades formidáveis. Nessas histórias de vida empacotadas, os boxeadores aparecem em sua essência como os Horatio Algers do corpo masculino [Horatio Alger, nascido em 1834 e falecido em 1899, autor americano de estórias infantis em que os heróis levavam vidas exemplares, lutavam contra a pobreza e a adversidade e acabavam ganhando riquezas e honrarias]. . Esse vocabulário empresarial das motivações se enraíza na experiência ocupacional da autoprodução corporal: ao treinar, o boxeador usa seu próprio corpo ao mesmo tempo como matéria-prima e como ferramenta para remodelar esse mesmo corpo de acordo com as exigências peculiares do ofício. Ele se engaja em trabalhos corporais especializados que têm o objetivo de produzir um tipo específico de capital corporal que pode ser vendido e valorizado no mercado pugilístico (Wacquant 1995).

Mediante infindáveis sessões de "trabalho de estrada" [roadwork] (corridas diárias de 5 a 10 quilômetros feitas durante as manhãs), "trabalho de chão" [floorwork ] (que consiste em "lutar com a sombra", bater em diversos tipos de sacos de pancada, pular corda e fazer exercícios calistênicos) e "trabalho de ringue" [ringwork] (ensaio dos movimentos e treinamento de luta no ringue com um parceiro), o boxeador "desenvolve seus poderes adormecidos e os compele a agir de acordo com sua direção" (Marx 1956:148). Ao fazer isso, ele transforma seu organismo, apropria-se de suas capacidades e produz literalmente um novo ser corpóreo a partir do velho. E recebe um palco onde pode afirmar seu valor moral e construir um self heróico e transcendente que lhe permite escapar do status de "não-pessoa" (Goffman 1959:151-152) que costuma ser o destino de (sub)proletários como ele. Por fim, mas não com menor importância, as habilidades específicas que os boxeadores adquirem ao longo das atividades relacionadas à sua ocupação são incorporadas ao seu organismo e, desse modo, constituem sua propriedade pessoal inalienável. Os lutadores profissionais são artesãos do corpo (masculino e violento) que, tal como seus contrapartes da revolução industrial, se vangloriam de "ter um ofício" ("having a trade") em vez de "estar em um ofício" ("being in a trade") (Hobsbawm 1984:262).

Os boxeadores apreciam estar "bem no lugar da produção", serem "self-made men" no sentido literal de produzirem-se a si mesmos através do trabalho corporal diário na academia e fora dela. Muitos deles inicialmente buscam a profissão por causa de uma combinação de amor ao jogo e desejo de escapar dos "trabalhos escravos" da manufatura decadente e da nova economia de serviços, nos quais se é obrigado a "engraxar os sapatos dos outros" e agüentar submissão pessoal, humilhação cultural e perda de honra masculina para assegurar condições para um emprego durável ¾ tudo isso para ganhar uma ninharia que não garante nem segurança econômica, nem oportunidades de promoção (Bourgois 1995). Eles consistentemente interpretam o boxe profissional como uma rota de fuga diante do destino modal de "passar por vinte diferentes empregos" que não levam a lugar algum. Como observa Vinnie, um pugilista ítalo-americano que relutantemente se tornou profissional depois que um negociante local, amigo da família, se ofereceu para apoiá-lo em sua carreira:

"Vinnie: Se eu não tivesse encontrado o boxe, eu provavelmente ia estar nas ruas, trabalhando como um cidadão qualquer, por um contracheque, tendo que agüentar as ordens de alguém ¾ cara, eu fico doente só de pensar!

Louie: É mesmo? Então o boxe é um jeito de escapar disso?

Vinnie: Com certeza, com certeza. É por isso que eu digo, aos rapazes que não estão envolvidos com boxe ou com esporte ou coisa assim, os que vão à escola: você não tem que fazer isso! [gesticulando animadamente] Seja seu próprio empresário, seja seu próprio chefe, aí você não precisa ficar escutando de ninguém, não precisa ficar agüentando merda de ninguém, você consegue sua própria grana".

A vigorosa afirmação de sua "capacidade de ação"**** **** No original, agency entre aspas (N. do T.). individual encontra sua contraparte na paradoxal negação, ou desconsideração, pelo lutador, da responsabilidade econômica dos empresários, de modo a desviar a atenção dos arranjos impessoais e relações estruturadas que efetivamente determinam a forma, a velocidade e o resultado das carreiras de boxeadores (Wacquant 1998a).

Por fim, contando com a cumplicidade interessada de seus pares, treinadores, amigos e torcedores, todo boxeador se apega à noção autojustificadora de que ele será a exceção individual à regra coletiva: ele será aquele que vai conseguir dar a volta por cima, ir contra todas as expectativas, e transgredir a lei universal da extorsão pugilística. Com base apenas na sua dedicação, vontade férrea e constante vigilância, ele vai conseguir "ganhar o seu" sem "se dar mal" nesse processo. Esta é a posição defendida por Don, um antigo "contendor" que mais recentemente se tornou um valioso lutador de segundo escalão no circuito nacional em virtude de suas sólidas habilidades no ringue e de sua pele branca12 12 Os lutadores brancos tornaram-se mais valorizados economicamente conforme se foram tornando mais escassos, especialmente nas divisões de pesos mais pesados para as quais as remunerações são mais altas. : "Eu mesmo, se eu estou me cuidando, não deixo ninguém se aproveitar de mim [com firmeza]: não deixo". Essa mesma determinação é repetida por Roderick, um peso-leve negro que já havia sentido o "gosto do sucesso" quando seu empresário o mandou para as academias de Las Vegas para treinar com boxeadores de elite: "Para mim, eu concordo plenamente [que os empresários exploram as pessoas]. (Mesmo assim você resolveu entrar no jogo?) É, mas é o único jeito; eu posso lutar, sabe: a diferença é essa, eu posso lutar. Eu posso me agüentar sozinho. (Você não acha que alguém vai te usar?) Só se eu deixar, se eu ficar atento, ficar esperto, eu não vou me dar mal". Um companheiro de academia concorda: "O negócio é o seguinte: eu sei que não vai acontecer isso, saca, porque eu sou uma pessoa que se eu vir que está acontecendo isso, eu vou mandar você se foder". Por sua vez, Martin, o peso-cruzador negro que admite ser "carne" pronta para ser vendida, evoca a proteção especial do céu: "Eu tenho o Salvador que olha por mim então eu não me preocupo ¾ eu sei que as pessoas tentam me usar mas o bom Deus não há de deixar isso acontecer comigo".

Em última instância, a responsabilidade pela exploração é jogada totalmente nas costas do boxeador, que é convidado a assumir a paternidade de seu eventual fracasso no campo pugilístico juntamente com a de suas realizações. Se ele quiser se vangloriar dos seus atos de sucesso pugilístico, deve estar pronto para assumir também a agonia do fracasso profissional, da degradação econômica e da destruição corporal, como afirma um jovem peso-médio negro que luta boxe de dia e trabalha como segurança à noite:

"Eu acho que isso é verdade [que os empresários exploram as minorias pobres], alguns deles, sabe, não são todos, só alguns. Quer dizer, só vão poder te usar enquanto você deixar. Uma pessoa só pode te sugar enquanto você deixar. Se você sente que tem alguém te usando, acho que você deve parar e ir falar com ele prá entender o que está acontecendo: você tem o direito, né? Você tem que ter controle do seu contrato. Nunca deixar o empresário ter controle sobre você [falando rapidamente] porque você que é o lutador, cara, é você que está arriscando a vida, não ele."

No fim das contas, o boxe não passa de um "negócio capitalista" como qualquer outro e os empresários, como quaisquer bons empresários, estão só fazendo o seu trabalho quando ganham dinheiro a partir da labuta e do suor dos outros. Um policial porto-riquenho que concorreu duas vezes ao título estadual dos pesos-leves costura o tema da inevitabilidade da exploração com o da responsabilidade do lutador como operador independente:

"É, acho que é bem isso, eu sinto a mesma coisa, sabe, é o trabalho deles, é assim que eles ganham a vida, tá me entendendo? A gente não pode culpar eles, porque eles também têm que ganhar a vida, mas por outro lado a gente pode culpar eles também, porque estão destruindo alguém, estão acabando com algum garoto que podia ter um potencial muito bom. Só porque esse garoto não tem dinheiro por trás dele, ele vai ser usado como isca, e isso não está certo, tá me entendendo? Mas se o garoto for esperto, ele não vai entrar nessa, eu sei que comigo isso não vai acontecer, tá me entendendo, porque eu não sou otário".

Por fim, no caso daqueles que, tendo se dedicado durante anos a trabalhos corporais intensivos dentro dessa economia específica, não possuem outras qualificações nem alternativas a curto prazo para gerar a renda necessária para cobrir suas despesas básicas ¾ a não ser o não menos perigoso comércio de mercadorias "quentes" e narcóticos ¾ resta a crua carência econômica. Essa é a situação de um peso-pesado afro-americano que foi empregado repetidas vezes por seu treinador como "oponente" em shows televisionados, sem que tivesse virtualmente nenhuma chance de vencer, e que prontamente admite estar sendo usado por empresários em busca de seus próprios fins. Saber que os empresários são exploradores não o leva a parar de lutar: "Sim. (Por que?) Porque eu gosto. (Você não acha que talvez você possa estar sendo usado?) Não. Um pouco, até certo ponto, sim. (E você não se preocupa com isso?) Me preocupo sim, mas eu tenho que ganhar a vida, tenho que continuar"13 13 A respeito das motivações de "vagabundos" (" bums") e "latas de tomate" (" tomato cans") para continuar lutando, apesar da ausência de perspectiva de vitória e apesar da completa falta de habilidade, ver Wacquant (1998a:12-13). .

Em seu conjunto, as crenças dóxicas inscritas profundamente nas disposições corporais do lutador, a crença na naturalidade da exploração, na "capacidade de ação" do empresariamento do corpo e na possibilidade de casos individuais excepcionais, ajudam a produzir um equívoco coletivo de reconhecimento***** **** No original, collective misrecognition (N. do T.). que leva os boxeadores a se tornarem cúmplices de sua própria comercialização e a consentirem praticamente com a sua "degradação a uma mercadoria, e uma mercadoria bem miserável" (Marx 1964:120). Quanto à incomum intensidade da exploração nessa economia, é uma função direta da distância social e etnorracial entre o explorador e o explorado bem como da enorme disparidade entre os volumes e tipos de capital que possuem: de um lado, lutadores que normalmente quase nada têm além de seus organismos treinados e a coragem moral necessária para valorizá-los em um ofício duro e arriscado; do outro, empresários que virtualmente monopolizam as competências e bens necessários para levar adiante o negócio. A ausência quase total de regulação por agências burocráticas do Estado, por sua vez, é expressão do status marginal e maculado desse ofício no universo dos esportes profissionais e do entretenimento popular, bem como a classe correspondentemente baixa de seus praticantes e consumidores, como observa agudamente meu colega de academia Smithie:

"Veja bem, é uma profissão que se você tivesse gente com estudo, tivesse diplomatas, se tivesse gente de certa cultura, né, que entrasse no jogo e virasse lutador, então eles iriam pedir isso [mais regulação]. Mas veja o tipo de gente que você encontra nesse jogo, está de acordo com o tipo de relação e o tipo de negócios que você encontra, né? Então uma coisa reflete sobre a outra".

Recebido em 13 de maio de 2000

Tradução: John Comerford

Loïc Wacquant é pesquisador do Centre de Sociologie Européenne do Collège de France e professor de sociologia e pesquisador do Earl Warren Legal Institute, University of California-Berkeley. É autor de Les Prisons de la Misèr, de Punir os Pobres: O Novo Governo da Miséria nos Estados Unidos e, com Pierre Bourdieu, de An Invitation to Reflexive Sociology.

Notas

Resumo

Este artigo se baseia em trabalho de campo em uma academia de boxe localizada no gueto negro de Chicago. Busca explicar como os lutadores profissionais percebem e expressam o fato de serem mercadorias vivas, e como se reconciliam praticamente com uma impiedosa exploração, de maneira a conseguir manter um senso de integridade pessoal e de finalidade moral. A experiência que o boxeador tem da exploração do seu corpo é expressa através de três idiomas aparentados, o da prostituição, o da escravidão e o da criação animal. Esses três tropos enunciam a comercialização imoral de corpos. Mas essa consciência é neutralizada pela crença na normalidade da exploração, na "capacidade de ação" do empresariamento dos corpos e na possibilidade de casos individuais excepcionais. Essa crença, inscrita nas disposições corporais do lutador, ajuda a produzir o equívoco coletivo de reconhecimento através do qual os boxeadores se tornam cúmplices de sua própria comercialização.

Abstract

This article draws on ethnographic fieldwork carried out in a boxing gym located in Chicago's black ghetto. It aims at explaining how prizefighters perceive and express the fact of being live commodities, and how they manage to reconcile themselves to ruthless exploitation in ways that enable them to maintain a sense of personal integrity and moral purpose. The boxer's experience of bodily exploitation is expressed in three related idioms, those of prostitution, slavery, and animal husbandry. All three tropes simultaneously enounce the immoral marketing of bodies. But this is neutralized by the belief in the normalcy of exploitation, in the "agency" of corporeal entrepreneurship, and in the possibility of individual exceptionalism. This belief, inscribed in the bodily dispositions of the fighter, helps to produce the collective misrecognition whereby boxers collude in their own commercialization.

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  • **
    No original,
    "dupes (or dopes)" em referência, segundo o autor, à noção de
    "cultural dopes", de Harold Garfinkel (N. do T.).
  • ***
    No original,
    prime ribs (cuja tradução mais literal seria rosbife),
    pork chops e
    scrapple (este último é uma espécie de bolo de carne prensada feito com carne de segunda e fubá) (N. do T.).
  • ****

    No original,
    agency entre aspas (N. do T.).
  • ****

    No original,
    collective misrecognition (N. do T.).
  • *
    Este texto se baseia em uma discussão realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, no dia 3 de maio de 2000, e faz uso, em parte, de um
    paper mais longo com o título "The Passion of the Pugilist: Desire and Domination in the Making of Prizefighters" ("A Paixão do Pugilista: Desejo e Dominação na Construção dos Boxeadores Profissionais"), apresentado como
    Morrison Library Inaugural Lecture, na Universidade da Califórnia, Berkeley, no dia 25 de abril de 1995. Este trabalho se beneficiou dos comentários e questões dos participantes do seminário sobre Cultura Popular no Museu Nacional, bem como do agudo olhar editorial de Megan L. Comfort.
  • 1
    Durante o trabalho de campo, realizado entre 1988 e 1991, aprendi a lutar boxe (bem o suficiente para ser admitido no Chicago Golden Gloves e para boxear regularmente com profissionais), freqüentei torneios amadores e profissionais em vários locais do Meio-Oeste americano e em Atlantic City, observei e relacionei-me com treinadores e empresários em seu ambiente natural, e acompanhei os meus amigos da academia em seu cotidiano. Neste artigo, lanço mão das 2.200 páginas de meu diário de campo, de minhas notas de campo, das histórias de vida de meus companheiros do Stoneland Boys Club (nome fictício) e de entrevistas em profundidade com todos os cinqüenta boxeadores profissionais ativos no estado americano de Illinois no verão de 1991.
  • 2
    Ver Wacquant (1998a) para uma análise detalhada da estrutura e do funcionamento da economia do pugilismo como sistema de troca e de conversão mútua entre capital corporal e capital econômico possibilitada por um equívoco coletivo de reconhecimento [
    collective misrecognition].
  • 3
    "Eu sou uma puta que vende o sangue em vez da bunda. Mas isso faz parte do esporte. Eu nunca ganhei muito dinheiro com a minha beleza, mas sempre aparece alguém disposto a me pagar para levar porrada. E eu agüento muita porrada, cara. É um dom da natureza. Esse granito dos meus ombros pode agüentar muita pancada. Eles não me pagam para ser inteligente" (Randal "Tex" Cobb, um peso-pesado branco, que trabalha como mecânico, citado por Hauser 1986:106). Do outro lado da fronteira de gênero, talvez a melhor analogia para os boxeadores sejam as mulheres que fazem
    performances de pornografia comercial (Stoller e Levine 1993 e Wacquant 1997), ainda que essa atividade seja moralmente reprovada até mesmo no meio bastante próximo das atrizes pornôs, enquanto lutar boxe é uma atividade bastante valorizada nas regiões mais baixas do espaço social, de onde vêm os boxeadores.
  • 4
    No jargão do boxe americano, "oponente" [
    opponent] é um lutador habilidoso, porém limitado (ou que já está "descendo a ladeira"), que se dispõe a lutar apenas por dinheiro contra lutadores claramente superiores. Normalmente, ele é trazido por um empresário para se confrontar (o jargão diz: "para servir de comida para") com algum boxeador em ascensão, com o objetivo de melhorar o currículo e promover a carreira deste. Shapiro (1988) retrata com sensibilidade esses "oponentes".
  • 5
    Essas organizações, muitas vezes chamadas com desprezo por pessoas ligadas ao boxe como os "bandidos do alfabeto" [
    alphabet bandits], são agências autonomeadas que trabalham mancomunadas com empresários para publicar os
    rankings e coletar enormes "taxas de autorização" em troca de incluir no campeonato lutas que são vendidas às redes de televisão. As três maiores são a World Boxing Association (criada em 1962), "uma pequena irmandade de latino-americanos" que "não passa de uma piada corrupta"; o World Boxing Council (1963), que trabalha como "feudo pessoal" de José Suleiman, um libanês educado nos Estados Unidos e empresário industrial no México, que trabalha em conjunto com a empresa Don King Productions (Hauser 1986:95, 98); e a International Boxing Federation (1983), que recentemente foi colocada sob intervenção da Justiça depois que seus principais dirigentes foram acusados por promotores federais de praticar diversos atos de corrupção (inclusive a venda secreta de suas classificações para alguns empresários). Mais recentemente, essas organizações têm enfrentado a competição de uma gama de pequenas "federações mundiais" autoproclamadas, tais como a IBC, a WBO, a IBO etc.
  • 6
    A ética profissional do "sacrifício" e o regime de treinamento dos lutadores profissionais são descritos em detalhes em "Pugs at Work" (Wacquant 1995) e em "Os Três Corpos do Lutador Profissional" (Wacquant 1998b).
  • 7
    Como observa Orlando Patterson (1982:388), a imagem dos ossos sendo bicados e descarnados também é um tema freqüente na linguagem dos escravos do mundo inteiro: "Você me comeu quando eu era carne, agora você deve descarnar meus ossos". O sentimento de estar sendo "comido vivo" também é uma forma de consciência comum entre trabalhadores manuais que vivem em condições de superexploração em circunstâncias fisicamente degradantes. Exemplos famosos são os casos dos mineiros de estanho das terras altas da Bolívia descritos por June Nash (1979) e os trabalhadores das usinas de açúcar no Brasil analisados no clássico estudo de José Sérgio Leite Lopes,
    O Vapor do Diabo (1978)
    . A figura vampiresca do sugamento de sangue aparece na vívida descrição dos trabalhadores imigrantes argelinos na França por Abdelmalek Sayad (1999).
  • 8
    Tomo emprestada essa caracterização da "prática da integridade" elaborada por T. Dunbar Moodie e Vivienne Ndatsche (1994:2) para o caso dos trabalhadores africanos negros migrantes que labutam nas minas de ouro na África do Sul.
  • 9
    Essa aceitação dóxica da exploração como uma constante da vida é levada ao extremo por um peso-leve desempregado vindo de um subúrbio negro e pobre de Chicago, que vê na atual desigualdade, com um fervor quase religioso, um inequívoco sinal do sucesso futuro: "Claro, porque
    eu vou ganhar meu dinheiro, sabe, quando for minha vez de ganhar dinheiro eu vou ganhar.
    Tudo que vem muito fácil não vale a pena, então eu sei que tenho que lutar, tenho que
    lutar-lutar-lutar, tenho que ir em frente sem nada, mas eu
    escolhi essa vida e
    sei que vai ser
    duro".
  • 10
    Ao final dessa entrevista, feita em um restaurante perto da academia em uma noite de verão, esse boxeador-malandro se ofereceu para me levar até o local onde ele promovia jogos de azar, e mais tarde tentou insistentemente me vender várias mercadorias roubadas, inclusive um revólver usado (por 150 dólares) e uma submetralhadora nova (por 300 dólares).
  • 11
    As (auto)biografias dos campeões, de Papa Jack Johnson e Jack Dempsey até Joe Louis, Muhammad Ali e Oscar de La Hoya, são repetições quase idênticas desse tema da singularidade super-humana e do sucesso individual diante de dificuldades formidáveis. Nessas histórias de vida empacotadas, os boxeadores aparecem em sua essência como os Horatio Algers do corpo masculino [Horatio Alger, nascido em 1834 e falecido em 1899, autor americano de estórias infantis em que os heróis levavam vidas exemplares, lutavam contra a pobreza e a adversidade e acabavam ganhando riquezas e honrarias].
  • 12
    Os lutadores brancos tornaram-se mais valorizados economicamente conforme se foram tornando mais escassos, especialmente nas divisões de pesos mais pesados para as quais as remunerações são mais altas.
  • 13
    A respeito das motivações de "vagabundos" ("
    bums") e "latas de tomate" ("
    tomato cans") para continuar lutando, apesar da ausência de perspectiva de vitória e apesar da completa falta de habilidade, ver Wacquant (1998a:12-13).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2000
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