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Vicios públicos, virtudes privadas: la corrupción en México

RESENHAS

LOMNITZ, Claudio (org.). 2000. Vicios Públicos, Virtudes Privadas: La Corrupción en México. México: CIESAS/ Miguel Angel Porrua. 294 pp.

Marcos Otavio Bezerra

Professor, Departamento de Sociologia da UFF

Ao assumir a presidência do México, Vicente Fox estabeleceu como uma das principais prioridades de sua administração o combate à corrupção. Sua disposição para enfrentar a questão e a necessidade, ao mesmo tempo, de oferecer uma resposta às expectativas da população quanto às freqüentes denúncias de irregularidades na administração pública conduziram o presidente a anunciar no primeiro dia de seu governo a implementação de um programa anticorrupção. Estudos internacionais preocupados em quantificar o valor dos recursos públicos desviados para a corrupção no México estimam que este corresponda a aproximadamente 15% do total dos impostos (federais, estaduais e municipais) recolhidos anualmente. Trata-se de algo acima de US$ 30 bilhões que deixam de retornar para a população sob a forma de investimentos e programas públicos. O livro organizado por Claudio Lomnitz, do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Chicago, constitui, por um lado, uma importante contribuição para o entendimento das razões pelas quais o combate à corrupção é apresentado como uma das principais políticas públicas no México e, por outro, oferece um conjunto de estudos úteis para integrar uma análise comparativa do fenômeno.

Vicios Públicos, Virtudes Privadas: La Corrupción en México originou-se do simpósio "Corrupção e Sociedade no México", realizado em fins de 1995 na Universidade de Chicago. Além do prefácio e da introdução, que pode ser lida como um programa de pesquisa onde são apresentadas hipóteses e questões que articulam os textos, ambos elaborados pelo organizador, compõem o livro doze artigos produzidos por historiadores, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos. Os textos são dispostos em três partes: "Corrupção no Antigo Regime. Do Mundo Colonial à (Des)Ordem Republicana", "Corrupção e Formação de Classes Sociais no Século XX" e "Corrupção, Ritual Político e Sacralização do Estado". A cada uma das partes corresponde respectivamente uma questão a que os trabalhos propõem oferecer uma contribuição mais direta: a transformação histórica dos discursos da corrupção e sua vinculação com mudanças políticas, econômicas e culturais; o lugar da corrupção administrativa e política no processo de formação das classes sociais; a associação entre corrupção e representação política. Pensado a partir de sua variação de sentido e diversidade de formas de manifestação, o fenômeno da corrupção é tomado, o que me parece uma perspectiva frutífera, como um ponto de vista particular para a construção de reflexões sobre as sociedades nacionais e, especialmente, não obstante a categoria corrupção lhe anteceder, os princípios de ação e as relações estabelecidas em torno dos Estados nacionais.

Um dos maiores obstáculos para a elaboração de análises consistentes sobre as condutas concebidas como corruptas são as dificuldades encontradas pelos pesquisadores para reunir material empírico sobre a questão. Como se sabe, as práticas corruptas e corruptoras distinguem-se, particularmente, por sua invisibilidade social, até o momento em que aparecem sob a forma de denúncias públicas. Essa dificuldade é contornada pelos autores através da utilização de materiais diversos e da mobilização de estratégias de análise criativas sobre o fenômeno. Assim, a corrupção é construída como objeto a partir, por exemplo, de processos inquisitoriais e jurídicos do período colonial, de cartas de religiosos e funcionários da administração colonial, de denúncias de imprensa, de observação direta, entrevistas, estudos de caso, do exame de trajetórias políticas e empresariais e rituais políticos.

O exame desse material é efetuado de modo que aquilo que se tem por corrupção em cada momento e situação é inscrito no universo de representações e práticas sociais rotineiras. Essa preocupação pauta a maioria dos artigos, e a apreensão do fenômeno da corrupção a partir dessa perspectiva constitui o ponto forte da coletânea. Assim, podemos acompanhar nos artigos como a corrupção se conecta com diferentes dimensões e atividades da sociedade mexicana. Para não ir além de alguns exemplos pode-se remeter ao modo como ela se associa à moral religiosa, às ações jurídicas, ao crescimento e expansão de atividades financeiras (como bancos) e empresariais, ao sistema e ações políticos e às atividades lúdicas (como as festas locais). Em todos esses casos, a corrupção não é descrita como algo que está à margem das atividades ou instituições; ao contrário, o que é ressaltado é o modo como estas e as práticas corruptas se fomentam mutuamente. A imagem que surge das descrições é a da existência de um conjunto de redes pessoais (constituídas por relações fundadas em múltiplos interesses) que vinculam órgãos e programas públicos a diferentes setores e grupos sociais. A estes últimos, essas ligações proporcionam, entre outros aspectos, a não aplicação ou aplicação em condições favoráveis dos regulamentos estatais e a utilização e apropriação privada de recursos públicos (simbólicos e materiais). Assim, o que se designa como corrupção surge claramente como uma relação social cuja interpretação se assenta em elementos históricos e culturais.

Se o estilo analítico garante uma certa unidade aos textos, os tópicos e argumentos apresentados apontam para uma ampla variação. S. Alberro ("Control de la Iglesia y Transgresiones Eclesiásticas durante el Periodo Colonial") contribui para a discussão sobre a dimensão histórica da noção de corrupção ao estudar processos de transgressões de caráter civil e religioso cometidas por ministros e auxiliares da Igreja nos séculos XVII e XVIII. L. Arnold ("Sociedad Corporativa, Corrupción Corporativa: La Resistencia a la Subordinación y al Abuso de Poder") examina a utilização do "recurso de fuerza", um dispositivo jurídico, como meio de proteção a abusos de poder no período colonial. E. Semo ("De la Colonia a la Independencia: La Línea Imaginaria entre lo Público y lo Privado") discute como a cobrança e comercialização de um imposto público ("diezmo") por parte do Estado, Igreja e oligarquias locais abre múltiplas possibilidades de fraude e corrupção. F. Katz ("La Corrupción y la Revolución Mexicana"), a partir do estudo das várias fases da Revolução Mexicana, examina a questão da percepção da corrupção e sugere que o grau em que os líderes cumpriam suas promessas e o seu enriquecimento pessoal eram elementos importantes no julgamento de suas condutas feito pelos revolucionários e a sociedade. G. de la Peña ("Corrupción e Informalidad") examina, no contexto urbano contemporâneo de Guadalajara, as ações de quatro tipos de atores econômicos em situações de informalidade e suas conexões com agentes governamentais e políticos que, em troca do afrouxamento na aplicação das normas oficiais, lhes asseguram ganhos pecuniários. D. Nugent ("La Corrupción a Bajo Nivel: Las Zanjas y la Sucesión de um Puesto Político") analisa a ascensão e queda de um político municipal preso às engrenagens do partido governante e visto pela população como envolvido em irregularidades na elaboração de obras públicas. L. A. Ramírez ("Corrupción, Empresariado y Desarrollo Regional en México. El Caso Yucateco") argumenta que a corrupção não só faz parte da cultura empresarial mexicana, mas é algo inerente ao processo de acumulação de capital, e tem conseqüências negativas para a estrutura econômica regional e o crescimento econômico. L. Astorga ("Traficantes de Drogas, Políticos y Policías en el Siglo XX Mexicano") examina as mudanças nas relações mantidas ao longo do século XX entre traficantes e agentes oficiais e conclui que o tráfico se desenvolve de modo articulado aos canais políticos e administrativos do Estado. F. V. Ugalde ("La Corrupción y las Transformaciones de la Burguesía en México, 1940-1994") sugere que a corrupção, além de ser um elemento constitutivo do sistema político mexicano cujas características são definidas pelo presidencialismo, é também uma fonte de recursos para a burguesia nacional. S. D. Morris ("¿'La Política Acostumbrada' o 'Política Insólita'? El Problema de la Corrupción en el México Contemporáneo") se propõe a discutir os fundamentos da continuidade da corrupção no México e as possíveis mudanças em seus padrões em decorrência do impacto de mudanças sociais e políticas mais amplas. C. Lomnitz ("Ritual, Rumor y Corrupción en la Conformación de los 'Sentimientos de la Nación'") centra-se na discussão da constituição de esferas públicas, no papel dos rituais na formação de comunidades políticas e na articulação desses espaços através de rituais políticos cuja realização supõe formas de corrupção. Finalmente, F. Escalante ("Piedra de Escándalo. Apuntes sobre el Significado Político de la Corrupción") sugere que as denúncias de corrupção surgem para preencher um vazio ideológico, decorrente da inexistência de grandes temas ou esperanças para os políticos, isto é, para dar um novo sentido moral à política.

Se a análise da corrupção a partir de sua inscrição nas representações e práticas cotidianas das entidades e instituições públicas e privadas é responsável pelas contribuições mais significativas dos textos, essa maior atenção conferida aos fenômenos aos quais a corrupção está relacionada acaba, por sua vez, sendo também responsável pelos limites de alguns artigos. O que me parece ocorrer é uma espécie de desequilíbrio da análise em favor dos fenômenos tidos como necessários ao entendimento da corrupção - como a utilização do "recurso de fuerza", o exame da Revolução Mexicana ou a construção de espaços públicos e rituais -, fazendo com que esta última seja incluída na discussão de forma secundária. Sente-se falta nesses casos de uma articulação mais sistemática entre os aspectos examinados ao longo dos textos e o fenômeno da corrupção.

No México, como no Brasil, à centralidade do fenômeno da corrupção na sociedade e nos discursos públicos não corresponde um interesse dos cientistas sociais pelo tema. As razões que fundam essa espécie de silêncio - que começa a ser rompido em função sobretudo de preocupações e questões condicionadas pelos interesses de agências e entidades internacionais (ONU, Banco Mundial e G-7) - ainda estão por ser explicadas e não se resumem, certamente, ao problema de acesso ao material empírico. Nesse contexto, os artigos reunidos no livro consistem em uma louvável contribuição para a introdução de um ponto de vista mais distanciado e analítico em um universo de debates em que predominam os discursos jornalísticos e as tomadas de posições políticas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
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