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Povos indígenas no Brasil, 1996-2000

RESENHAS

RICARDO, Carlos Alberto (ed.). 2000. Povos Indígenas no Brasil, 1996-2000. São Paulo: Instituto Socioambiental. 832 pp. (mapas, ilustrações, gráficos, tabelas).

Francisco Silva Noelli

Professor, Universidade Estadual de Maringá

A publicação dessa obra de consulta obrigatória consolida e coroa o esforço de várias pessoas devotadas à autodeterminação dos 350 (ou 500) mil "indígenas" no Brasil, dando continuidade à publicação dos balanços/relatórios Povos Indígenas no Brasil 1987-1990 e Povos Indígenas no Brasil 1991-1995. Trata-se de um sólido guia que traça o perfil mais atual e completo das múltiplas facetas do cotidiano vivido dentro e fora das Terras Indígenas (TIs), fruto da permanente atualização do banco de dados do Instituto Socioambiental (ISA) com as mais diversas informações da sua área de atuação.

O livro, cuja edição é a mais bela dentre todas as edições de Povos Indígenas no Brasil, está ricamente recheado com informações de primeira linha, iniciando com doze narrativas indígenas sobre a origem do mundo, a chegada dos brancos e o descobrimento do Brasil, uma delas registrada no Maranhão do início do século XVII. É composto de 81 artigos assinados, inéditos em sua maioria, escritos por acadêmicos, indígenas, indigenistas, jornalistas e políticos. Reproduz uma larga série de 1.713 matérias/notícias anteriormente publicadas, completas ou resumidas, extraídas de periódicos e jornais, sintetizando os principais eventos que em todo o Brasil envolveram índios e não-índios. Estão incluídos quadros com documentos avulsos, leis e projetos de lei que retratam a situação jurídica e as demandas pró e contra a autodeterminação dos diversos povos. Os seus 27 mapas foram preparados a partir de imagens de satélite, propiciando ao leitor meios muito precisos para identificar locais e temas diversos, desde a posição geográfica das TIs até aspectos mais específicos como áreas de desmatamento e a identificação de jazidas para mineração. Há muitas tabelas, com destaque para a "lista dos povos indígenas no Brasil contemporâneo", que apresenta dados sobre o nome de cada povo, outros nomes ou grafias, família/língua, UF (Brasil), países vizinhos, censo/estimativa populacional, ano da informação. São importantes as tabelas que revelam detalhes regionais sobre as populações, a situação jurídica das suas terras e várias outras observações úteis para a compreensão de aspectos locais. Foram incluídas 270 fotografias, diversos grafismos, algumas charges que embelezam a obra e ampliam sua capacidade documental e narrativa.

Apresenta entrevista com o ex-presidente da Funai, Carlos Marés, e comentários sobre a legislação atual, sobre os projetos de lei em tramitação no Congresso e sobre aqueles em processo de elaboração. Foram realizadas análises sóbrias, informativas, a respeito do confronto de interesses em relação às riquezas das TIs e ao conhecimento biológico tradicional, camuflados no bojo de complexos aparatos legais que foram gerados visando a exploração de minerais, de biotecnologia, de madeiras e das drogas vegetais.

Há a divulgação dos resultados da primeira pesquisa nacional de opinião ISA/IBOPE, em que 2 mil entrevistados manifestaram suas opiniões a respeito dos povos indígenas. A análise das respostas revelou que os brasileiros urbanos ou que vivem longe das áreas indígenas possuem opiniões favoráveis a essas populações, com margens acima de 70%. Também revelou o interesse positivo pelo futuro dos povos indígenas, especialmente pela preservação dos seus territórios e manutenção das suas culturas.

Os 81 artigos destacam os principais temas em pauta ao longo dos cinco anos abrangidos pela obra, tanto os assuntos mais antigos e recorrentes, como o das demarcações, quanto as questões mais recentes, a exemplo do direito autoral, do direito de imagem, do direito de usufruto e o reconhecimento do papel das comunidades indígenas na preservação da biodiversidade. Além desses, merecem destaque os artigos que abordam os avanços da educação indígena, a exploração e as pretensões para exploração do subsolo das TIs, a questão das missões religiosas, o desenvolvimento sustentável na Amazônia, as manobras políticas contra a autodeterminação, a consolidação das associações indígenas e o estado em que se encontram os projetos governamentais de desenvolvimento regional. Também são enfocados temas como a questão da saúde e das doenças, o avanço do conhecimento das línguas e o problema da sobreposição de TIs com os diversos tipos de áreas de preservação ambiental. Destaque para o aperfeiçoamento dos censos e dos estudos demográficos, que revelam crescimento populacional, em que pesem as condições precárias em que vivem muitas populações, as altas taxas de mortalidade infantil de alguns povos e o grave problema das epidemias, com ênfase em um surto de catapora que ocorreu recentemente, matando 3% dos Araweté.

As informações específicas sobre os povos indígenas vêm distribuídas conforme uma divisão geográfica preestabelecida: 1) nordeste amazônico; 2) Roraima lavrado/Roraima mata; 3) Amapá/norte do Pará; 4) Solimões; 5) Javari; 6) Juruá/Jutaí/Purus; 7) Tapajós/Madeira; 8) sudeste do Pará; 9) Nordeste; 10) Acre; 11) Rondônia; 12) oeste do Mato Grosso; 13) Parque Indígena do Xingu; 14) Goiás/Tocantins/Maranhão; 15) leste do Mato Grosso; 16) Leste; 17) Mato Grosso do Sul; 18) Sul. Para todas as regiões foram incluídas notícias sobre as TIs e alguns artigos que sintetizam as diversas questões e eventos que ocorreram nos últimos anos e um resumo dos processos históricos mais significativos que desembocam em acontecimentos que agora recebem grande destaque.

O principal mérito do livro é a transparência do firme posicionamento político que sustenta a trama dos seus artigos e dados diversos, agindo francamente pelo estabelecimento da autodeterminação dos povos indígenas, baseados nos melhores valores éticos e científicos. Essa atuação não decorre apenas do cotidiano do grupo do ISA e dos seus colaboradores, mas do constante exercício de aprendizagem em termos políticos, científicos, jurídicos e humanitários. A construção contínua do banco de dados e a ampliação constante do campo de atuação do ISA, cabalmente manifestadas nos três densos volumes dos Povos Indígenas no Brasil, são reveladoras do alto nível profissional, da mobilidade operacional ímpar em termos de instituições brasileiras e da capacidade de compor alianças produtivas em torno da causa indígena, diante de lutas muito duras. Enfim, é um livro que resulta da soma de boas qualidades humanas e profissionais, tornando-se o painel mais completo sobre a situação indígena no Brasil do fim do século XX.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
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