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A Metodologia de Max Weber: unificação das Ciências Culturais e Sociais

RESENHAS

Rafael Faraco Benthien

Mestrando em História Social - FFLCH/USP

RINGER, Fritz. 2004. A Metodologia de Max Weber. A Unificação das Ciências Culturais e Sociais. São Paulo: Edusp. 186pp. (Tradução de Gilson Cardoso de Souza)

O historiador Fritz Ringer ganhou notoriedade em 1968, quando publicou O Declínio dos Mandarins Alemães (Edusp, 2000) — um livro sobre a constituição da elite acadêmica alemã, de fins do século XIX até a ascensão do nazismo —, e firmou sua reputação como historiador social da ciência com uma série de estudos comparativos acerca dos modernos sistemas educacionais na Alemanha, França e Inglaterra. Recusando, desde o princípio, a tendência laudatória vigente nas análises do campo intelectual, Ringer procurou enfatizar aí os constrangimentos impostos aos diferentes atores, bem como suas reações a eles. Em alguns casos, abordou essa questão por intermédio das respostas burocráticas dadas pelas instituições de ensino, tais como as estratégias para assegurar o sucesso acadêmico de um grupo, ou barrar o de outro. Em outros, explorou as lógicas de um debate intelectual específico. De qualquer forma, suas reflexões estiveram invariavelmente empenhadas em desvelar o quanto há de conflitos sociais nos produtos intelectuais.

A Metodologia de Max Weber, livro originalmente publicado em 1997, traz algo desta trajetória, mas também vai além. Logo na "Introdução", Ringer apresenta a dupla ambição de sua empresa. Por um lado, na trilha aberta por Pierre Bourdieu, interessa ao autor situar Weber no campo intelectual alemão do início do século XX, atentando, assim, para a solução muito particular dada por este sociólogo às demandas de então. Por outro lado, e aí está a contribuição mais ousada do livro, preocupa-se em fazer da recuperação dessa originalidade um pretexto para repensar as metodologias hoje em voga nas ciências sociais e culturais. Weber aparece, então, como uma possibilidade bem-sucedida de união entre duas tendências analíticas geralmente tidas por incompatíveis: a interpretativista e a explicativa.

A primeira parte desta tarefa é realizada nos dois capítulos iniciais. Para tanto, em "Aspectos do Campo Intelectual de Weber", o autor apresenta as grandes tendências intelectuais ali vigentes na virada do século XIX. Uma delas, dominante no período, seria a tradição histórica alemã. Representada aqui por Ranke e Droysen, tal tendência defendia os princípios da empatia e da individualidade. Tratava-se, em linhas gerais, de uma visão interpretati-vista, concebida por oposição às tentativas de isolar causas e efeitos na história humana (as quais desconsiderariam aspectos irracionais da história, tais como o livre-arbítrio). Ao lado desta, associado aos efeitos da democratização da universidade e da industrialização alemã na década de 1880, surge, ainda, o fantasma de uma outra tendência, o positivismo. Ringer, mesmo admitindo a dificuldade em isolar grupos assim confessos, sugere o tímido desenvolvimento de perspectivas pouco ortodoxas. No livro, Wundt e Lamprecht aparecem como seus expoentes. Ambos teriam considerado a psicologia como a base das ciências sociais e, por conseguinte, derivado da psique humana as leis (causas e efeitos) do desenvolvimento histórico. Por fim, em meio a este ambiente dividido, o autor isola ainda um terceiro grupo: uma minoria criativa comprometida com a tradição interpretativista alemã (Dilthey, Simmel e Windelband), a qual também se prestava ao diálogo com as (e à refutação sistemática das) teorias explicativas.

Interessa a Ringer marcar como Weber não assumiu a defesa (passiva ou ativa) da perspectiva interpretativista dominante, e tampouco abraçou o positivismo. Mapear tal processo de diferenciação é a proposta do segundo capítulo, "A Adaptação de Rickert por Weber". Aqui, um discípulo de Windelband, Rickert, é quem fornece o parâmetro de comparação. Ringer procura mostrar como Weber o seguiu em alguns pontos: 1) repelindo a divisão das disciplinas científicas segundo seus objetos; e 2) elegendo como ponto de partida de suas ponderações o fato de a realidade ser um desdobramento extensiva e intensivamente infinito de objetos e acontecimentos. No entanto, o sociólogo não admitiu a divisão proposta por Rickert entre "ciências da lei" e "ciências da realidade", na qual a primeira se ocuparia de leis gerais, ao passo que a segunda, de uma individualidade característica. Tal dicotomia era para ele artificial, pois não levava em consideração: a) uma descrição coerente das relações causais singulares; b) a importância da interpretação de ações e crenças; c) os tipos ideais, com os quais as relações causais singulares teriam sua singularidade atestada e compreendida diante de padrões mais abstratos; e d) a necessidade da neutralidade axiológica do investigador, uma espécie de controle metodológico que "operava reconciliando a subjetividade na delimitação dos problemas de pesquisa com a objetividade dos resultados obtidos" (:59). Por fim, para não depender de um único interlocutor em sua argumentação, Ringer apresenta um apanhado das críticas de Weber a outros contemporâneos seus.

A particularidade desta solução e sua importância para o campo atual de debates são os temas do restante do livro. No capítulo seguinte, "A Análise Casual Singular", aponta-se para a superação em Weber da dicotomia particular/geral, por meio da investigação de probabilidades objetivas. Dialogando com o estatístico Johannes von Kries, ele comparou diferentes eventos, isolando conjuntos de condições iniciais e circunscrevendo as causas de eventuais alterações no curso dos mesmos. Ainda que isto não esgote toda a cadeia de relações causais em que os eventos estão imersos, permite, por raciocínios contrafactuais, separar as causas acidentais das adequadas para explicar as mudanças. Há ainda, ao final do capítulo, um balanço de como filósofos e cientistas sociais (Carl Hempel, Peter Winch, Alasdair MacIntyre, entre outros) vêm explorando esta mesma questão, relativa à análise causal singular desde a segunda metade do século XX, atentando para a semelhança entre tais conclusões e as de Weber.

O quarto capítulo, "Interpretação e Explicação", insiste no nexo necessário entre a explicação de ações e a compreensão interpretativa de suas causas. Para Weber, a progressão de uma ação em curso só é inteligível em termos motivacionais, nos objetivos (conscientes ou não) dos agentes. Para atingi-los, no entanto, o cientista precisa interpretar a racionalidade ali presente. Em termos metodológicos, Ringer enumera as seguintes decorrências: 1) o investigador deve iniciar seu trabalho imputando uma racionalidade a priori às ações estudadas, supondo assim que elas operam dentro de um código por ele conhecido; para então 2) precisar o ponto preciso em que a ação se desvia daquilo que o investigador entende como racional. Eis aí um princípio reflexivo, de controle da subjetividade, cuja forma mais elaborada na sociologia weberiana é o "tipo ideal". Trata-se, segundo Ringer, de um constructo puro de relações objetivamente prováveis e causalmente adequadas, à luz do conhecimento nomológico do investigador. Útil como artifício cognitivo, tal conceito permite um contraponto ideal às interconexões de fenômenos culturais concretos. Desta forma, o procedimento metodológico weberiano une, na fatura final da investigação, a interpretação e a explicação de causas relativas a uma situação particular.

Em "Objetividade e Neutralidade Axiológica", o próximo capítulo, Ringer sublinha como, para Weber, o olhar dire-cionado ao passado está inevitavelmente comprometido com os valores culturais do presente, o que se faz sentir tanto na escolha dos objetos de análise, como nas hipóteses iniciais. A objetividade, nos quadros da sociologia weberiana, implica a recusa da pura e simples validação destes pré-conceitos. No decorrer da pesquisa, os juízos do investigador têm necessariamente de ceder à interpretação das evidências empíricas, as quais, certamente, foram confeccionadas a partir de racionalidades outras. Ao fim do processo, há um ganho passível de ser traduzido como expansão dos horizontes intelectuais do investigador. Ringer frisa ainda como Weber, na condição de professor, incentivava os alunos a não comprometerem suas análises em decorrência de engajamentos políticos. Nenhum assunto pode, sob este ponto de vista, ser dado por encerrado, sendo a tarefa da ciência patrocinar o debate contínuo e garantir sua liber-dade. Mais uma vez, retomando os mesmos autores citados ao fim do terceiro capítulo, Ringer enfatiza a importância estratégica dessas questões, em suas formulações mais recentes.

No sexto e último capítulo, "Da Teoria à Prática", o autor se propõe a fazer um apanhado de tudo o que foi visto, ao analisar as relações entre a metodologia de Weber e sua prática científica. São aqui abordados escritos econômicos, relativos ao funcionamento e desenvolvimento do capitalismo — e, como conseqüência disso, o ponto culminante da discussão torna-se a retomada dos procedimentos metodológicos utilizados em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Ao fim deste capítulo, porém, Ringer tece uma autocrítica. Ele reconhece a insuficiência de sua abordagem no tocante ao problema colocado, qual seja: restringir a análise da proposta metodológica weberiana ao estudo de sua prática científica. Isto significa, pois, não dar atenção à importância do engajamento político do sociólogo, fundamental para compreender seu comprometimento intelectual.

Ainda que o livro tenha uma falta como esta — reconhecida, aliás, pelo autor —, há aqui uma contribuição importante sendo posta ao alcance do grande público brasileiro. Levando-se em consideração as mais recentes recuperações de questões e autores clássicos no campo intelectual, Ringer se destaca por sua lucidez. Estudo de competência histórica inquestionável, não se almeja com ele transformar Weber em um paradigma ou fonte de dogmas indispensáveis para o devir das ciências humanas. Antes, porém, busca-se aqui "alar-gar os nossos horizontes intelectuais" com a solução particular de um sociólogo alemão face aos inquietantes (e ainda atuais) problemas da ciência.

Por fim, é importante mencionar ao leitor que um trabalho mais recente de Ringer se propõe a preencher as lacunas aqui assinaladas. Irmão siamês do livro ora resenhado, trata-se do ainda não traduzido Max Weber. An intellectual biography. (The University of Chicago Press, 2004).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 2005
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