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The sense of dissonance: accounts of worth in economic life

RESENHAS

Gustavo Onto

Pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia, NuCEC/PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

STARK, David. 2009. The sense of dissonance: accounts of worth in economic life. Princeton: Princeton University Press. 264 pp.

Campo de alguns dos mais interessantes trabalhos nas ciências sociais contemporâneas, a socioantropologia da economia tem sido influenciada pelas mais diversas correntes da teoria social. Os science studies, a sociologia da crítica francesa, a sociologia da cultura, a sociologia organizacional e a análise de redes sociais são apenas algumas dessas correntes ou abordagens que tornam os estudos sociais da economia tão controversos e prolíficos. Entretanto, essa multiplicidade de perspectivas, ou dissonâncias, como coloca o sociólogo David Stark, levou à criação de programas de pesquisas que pouco se relacionam, que acabam por prejudicar o desenvolvimento do campo como um todo. O novo livro do mencionado professor da Universidade de Colúmbia procura criar esse diálogo, especialmente entre as vertentes francesas e norte-americanas. Seu trabalho, que reúne pesquisas ilustrativas de parte de seu histórico acadêmico, pretende mostrar como na vida econômica e, mais especificamente, na vida organizacional, situações em que se disputam aquilo que deve ser levado em conta (what counts), aquilo que possui valor (what's valuable) e aquilo que deve ser valorado (what's worthy) são elementares na construção do econômico.

Nesse particular, ensina Stark que o pacto formulado por Talcott Parsons, em que economistas estudariam "o valor" e sociólogos e antropólogos estudariam "os valores" em que o econômico está inserido, estaria efetivamente rompido. Criar-se-ia, portanto, uma sociology of worth, a qual substituiria uma sociologia econômica que se preocupa exclusivamente com a inserção da economia na sociedade e deixa aos economistas a tarefa de explicar o propriamente econômico. Para desenvolver tal programa, Stark se utiliza da sociologia da crítica de Luc Boltanski e Laurent Thévenot, bem como da teoria de atores-rede de Bruno Latour e Michel Callon. Stark afirma que à preocupação dos estudos sociais da economia com as instituições deve ser acrescido um estudo minucioso das "situações indeterminadas", caracterizadas como ambíguas, confusas, obscuras ou de disputa. Ao observar o modo como atores justificam suas ações e chegam a um acordo em situações de disputa, põem-se em evidência as diferentes "ordens de grandeza" ou princípios de avaliação (ou valoração) que eles utilizam para sustentar críticas ou defender causas. Stark procura, por meio de suas etnografias, evidenciar tais princípios a que se referem os trabalhadores e os funcionários de uma organização quando enfrentam situações de "dissonância".

A primeira etnografia apresentada, conduzida numa fábrica de ferramentas na Hungria socialista, demonstra dois distintos princípios de avaliação utilizados pelos funcionários ao se encontrarem em situação ímpar. Quando o Estado, proprietário da fábrica Minotaur, passa a permitir o uso dos equipamentos fora do horário de trabalho, os trabalhadores começam a se esforçar para produzir e vender ferramentas no mercado, em busca de um maior rendimento pessoal. São identificados dois princípios de justificação: um capitalista (a busca pelo lucro), e um socialista (a produção para o bem comum), que operam na mesma organização, porém em turnos diferentes. Embora fascinante por si só, este caso não torna evidente a principal preocupação do autor: o que ocorre quando existe desacordo, ou dissonância, sobre a ordem ou o princípio de avaliação/valoração a ser adotado? Os trabalhadores húngaros não parecem passar por esses momentos críticos; o turno de trabalho muda em conjunto com o princípio avaliativo.

Na sociologia da capacidade crítica de Boltanski e Thévenot, o problema central é a coordenação da ação social por meio de princípios de avaliação compartilhados. Os argumentos devem ser justificados tendo como referência um princípio, deixando claro o que as pessoas possuem em comum e, no ambiente organizacional, reduzindo a incerteza quanto à ação futura. Em contraste, Stark conclui que a dissonância de princípios avaliativos pode abrir oportunidades de ação, facilitando o trabalho de cognição reflexiva, necessário no ambiente organizacional em rápida transformação do século XXI, caracterizado por crescentes fluxos de informação e por novas tecnologias. A dissonância sobre o que é valioso e o que deve ser levado em conta aumenta as chances de inovação, instigando situações de incerteza e reflexão. Deve-se ressaltar também que, para o autor, uma determinada "ordem de grandeza", ou princípio avaliativo, ao ser compartilhada, não é capaz de eliminar "a possibilidade de incerteza sobre qual ordem ou convenção está operante numa dada situação" (:23).

A segunda etnografia, ao investigar uma empresa de criação de websites, ilustra ainda melhor essas situações de dissonância. A criação do produto final, i.e., o site, envolve profissionais de diversas áreas com os mais diversos princípios de avaliação sobre o que constitui um "bom site", ou sobre qual o melhor critério para avaliar a sua performance. Por exemplo, os programadores acreditam que um bom site deve ser lógico, eficiente e veloz, e utilizam ferramentas e instrumentos para medir essas características e avaliar sua performance. Os designers, por sua vez, creem que um bom site deve ser estimulante e criativo. A capacidade do site de atrair clientes e mais visitantes deve ser a melhor prova do seu valor. Stark conclui que a capacidade de inovação de uma organização deste tipo se dá por meio de conflitantes perspectivas de valor. É na troca de informações, na conversa e nas reuniões de trabalho entre grupos de áreas profissionais distintas que surgem novas oportunidades de reconhecimento de inovações.

O trabalho, portanto, acaba respondendo às preocupações normativas colocadas em evidência pela sociologia organizacional. O que torna uma empresa inovadora? Quais os critérios que garantem a sobrevivência de uma companhia? O que caracteriza o empreendedorismo? Stark entende que distintos princípios de avaliação organizacional, critérios heterogêneos de performance e disputas entre princípios ou modos de valoração devem ser enxergados como um recurso, e não como um passivo organizacional. Desacordos e fricções, ou dissonâncias, geram incerteza. E é esta incerteza que o empreendedorismo – como função da forma organizacional e não como propriedade da personalidade individual – explora. A habilidade (organizacional) de manter múltiplos princípios de avaliação em jogo e de se beneficiar desta fricção produtiva é o que constitui o empreendedorismo, elemento fundamental da inovação organizacional.

Vê-se, assim, que o empreendedorismo cria ativos a partir da ambiguidade. Esta ideia une o pensamento do economista Frank Knight, para quem empreendedorismo é a exploração da incerteza, com o de Joseph Schumpeter, para quem o empreendedorismo caracteriza-se pelo processo de recombinação e destruição. Assim sendo, o empreendedorismo não é uma atividade criadora de estabilidade (como argumenta o sociólogo Neil Fligstein), mas sim uma atividade disruptiva que previne a continuação de um processo baseado em sucessos passados. A inovação organizacional, desse modo, é uma recombinação de recursos e princípios, não uma substituição destes. Em termos de análise de redes sociais, o empreendedor também difere do broker, pois está inserido em múltiplas situações e trabalha na recombinação de ativos, em vez de ter simplesmente um acesso à informação. Esta característica leva a outro conceito formulado por David Stark, a noção de "heterarquia". Heterarquias são formas organizacionais com "inteligência distribuída" em que unidades são lateralmente relacionadas a diversos princípios de avaliação. Essa estrutura organizacional é caracterizada por uma multiplicidade de redes intercruzadas e por um não ordenamento hierárquico dos princípios avaliativos concorrentes. Diversas ordens de valoração estão presentes e a organização desta diversidade torna-se um importante recurso a ser explorado.

A terceira e última etnografia expõe o funcionamento de uma organização heterárquica. Stark investiga o trabalho de arbitragem financeira feito por traders em um banco de investimentos em busca de "valor", ou lucros. Este trabalho envolve uma "arte de associação", que corresponde ao processo de reconhecer novas oportunidades de investimentos, desconhecidas previamente, por meio de qualidades abstratas de securitizações e derivativos. Contudo, em arbitragem existem diversos meios de "criação de valor", de construir equivalências e de captar a "direção do mercado", que dependem de princípios de avaliação/valoração e de instrumentos, tais como programas de computador, telefones e da internet. Esse processo caracteriza-se por um cálculo, no qual se levam em consideração diferentes informações. Assim, para a realização de uma nova associação bem-sucedida, que produz uma oportunidade não antecipada, devem ser compartilhadas informações entre os profissionais das distintas mesas de operações dentro da organização (traders estatísticos, traders de fusões e aquisições etc.). Mostra-se, desse modo, que as práticas de criação de novas associações são moldadas por redes socioespaciais, envolvendo características como a localização das mesas de operações, a composição espacial da sala e o posicionamento dos traders, e por redes sociotécnicas específicas, envolvendo distintos princípios de avaliação, instrumentos, técnicas e materialidades diversas. A interação, intencionalmente organizada, entre diferentes profissionais com seus diferentes princípios de avaliação e instrumentos técnicos tangíveis ou não se constitui no processo de cálculo ou de "produção do valor", principal produto dessa organização e que equivale à produção de um conhecimento exclusivo da organização.

Este último caso representa, de certa forma, o tipo-ideal de organização heterárquica a que Stark se refere. Um modelo no qual a produção de associações inovadoras é promovida pelas próprias características espaciais e organizacionais, que possibilitam uma maior reflexão cognitiva. Em geral, pode-se dizer que suas etnografias pretendem realçar três pontos principais: (i) a vida econômica está imersa em um ambiente com distintas ordens de valoração; (ii) diferentes ordens de valoração contribuem para a incerteza/reflexão e para o empreendedorismo; (iii) ecologias cognitivas com estas características (heterárquicas) facilitam o processo de inovação. Resta observar se esses argumentos serão capazes de se sobressaírem em relação aos já bem estabilizados argumentos dos autores neoinstitucionalistas na sociologia econômica e organizacional. Em todo caso, sendo os estudos sociais da economia um campo extremamente plural em abordagens teóricas, David Stark mostra, também em relação ao domínio das teorias, que a dissonância pode resultar em interessantes inovações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
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