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Epistemologias ecológicas: delimitando um conceito

Resumos

Este artigo delimita o conceito de epistemologias ecológicas, entendido como uma postura compreensiva que se pauta pelo reconhecimento da alteridade e da agência dos processos naturais, dos objetos e dos materiais. Autores contemporâneos de diferentes trajetórias disciplinares têm empreendido reflexões nesta direção e sugerem a emergência de um novo realismo ou ainda de um novo materialismo. É neste movimento que buscamos situar o conceito de epistemologias ecológicas. O adjetivo ecológico nos parece plausível na medida em que ele remete ao reposicionamento do humano numa rede de relações simétricas e reciprocamente determinadas. Neste sentido, as epistemologias ecológicas dão voz ao mundo, considerando a autonomia das coisas e da natureza em sua relação com o humano, sem recair nos determinismos culturalistas ou biológicos. Este artigo contextualiza as interfaces dos novos materialismos, que emergem na antropologia, na filosofia e nos estudos da ciência, com o campo ambiental. Este nos parece um caminho oportuno para compreender nosso lugar no mundo e o lugar do mundo em nós desde uma perspectiva ecológica, no sentido de uma ecologia do pensamento, da ação e do conhecimento.

Epistemologias ecológicas; Novos materialismos; Antropologia ecológica; Estudos da ciência


This article delimits the concept of ecological epistemologies, which is taken to be a comprehensive posture based on the recognition of the alterity and agency of natural processes, objects and materials. Contemporary authors from different academic trajectories have carried out reflections in this vein and they suggest the emergence of a new realism or a new materialism. It is within this movement that we seek to situate the concept of ecological epistemologies. The adjective 'ecological' seems plausible, insofar as it repositions the human in a network of symmetrical, and reciprocally determined, relations. In this way, the ecological epistemologies give voice to the world, considering the autonomy of things and of nature in their relations with humans, without thereby falling into the traps of cultural or biological determinisms. This article contextualizes the interface of the new materialisms and the environmental field, as this emerges from anthropology, philosophy, and science studies. This seems to us to be a fruitful avenue for understanding our place in the world and the world's place in us from an ecological perspective, in the sense of an ecology of though, action and knowledge.

Ecological epistemologies; New materialisms; Ecological anthropology; Science studies


ARTIGOS

Epistemologias ecológicas: delimitando um conceito

Carlos Alberto SteilI; Isabel Cristina de Moura CarvalhoII

ICarlos Alberto Steil é professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS. E-mail: <steil.carlosalberto@gmail.com>

IIIsabel Cristina de Moura Carvalho é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-RS. E-mail: <isabel.carvalho@pucrs.br>

RESUMO

Este artigo delimita o conceito de epistemologias ecológicas, entendido como uma postura compreensiva que se pauta pelo reconhecimento da alteridade e da agência dos processos naturais, dos objetos e dos materiais. Autores contemporâneos de diferentes trajetórias disciplinares têm empreendido reflexões nesta direção e sugerem a emergência de um novo realismo ou ainda de um novo materialismo. É neste movimento que buscamos situar o conceito de epistemologias ecológicas. O adjetivo ecológico nos parece plausível na medida em que ele remete ao reposicionamento do humano numa rede de relações simétricas e reciprocamente determinadas. Neste sentido, as epistemologias ecológicas dão voz ao mundo, considerando a autonomia das coisas e da natureza em sua relação com o humano, sem recair nos determinismos culturalistas ou biológicos. Este artigo contextualiza as interfaces dos novos materialismos, que emergem na antropologia, na filosofia e nos estudos da ciência, com o campo ambiental. Este nos parece um caminho oportuno para compreender nosso lugar no mundo e o lugar do mundo em nós desde uma perspectiva ecológica, no sentido de uma ecologia do pensamento, da ação e do conhecimento.

Palavras-chave: Epistemologias ecológicas, Novos materialismos, Antropologia ecológica, Estudos da ciência.

ABSTRACT

This article delimits the concept of ecological epistemologies, which is taken to be a comprehensive posture based on the recognition of the alterity and agency of natural processes, objects and materials. Contemporary authors from different academic trajectories have carried out reflections in this vein and they suggest the emergence of a new realism or a new materialism. It is within this movement that we seek to situate the concept of ecological epistemologies. The adjective 'ecological' seems plausible, insofar as it repositions the human in a network of symmetrical, and reciprocally determined, relations. In this way, the ecological epistemologies give voice to the world, considering the autonomy of things and of nature in their relations with humans, without thereby falling into the traps of cultural or biological determinisms. This article contextualizes the interface of the new materialisms and the environmental field, as this emerges from anthropology, philosophy, and science studies. This seems to us to be a fruitful avenue for understanding our place in the world and the world's place in us from an ecological perspective, in the sense of an ecology of though, action and knowledge.

Key words: Ecological epistemologies, New materialisms, Ecological anthropology, Science studies.

Há mais de uma década temos nos dedicado a compreender a questão ambiental, a partir das ciências humanas, como fenômeno que tem produzido pactos sociais e disposições subjetivas singulares em nossa sociedade. Sujeito Ecológico é o conceito que temos utilizado, desde o início dos anos 2000, para identificar um conjunto amplo de disposições ecologicamente orientadas. Este conceito define um lugar de constituição subjetiva e objetiva de crenças, valores e comportamentos. Diz respeito a um campo social delimitado pela preocupação ambiental. Ao ser reconhecido como uma arena socialmente legítima, adquire a potência capaz de instituir processos de identificação, crenças e valores éticos, estéticos e morais e instaura um horizonte imaginativo.

A imaginação ecológica atravessa a vida social como uma potência criativa, redefinindo a paisagem que habitamos e as nossas relações com os outros organismos e objetos que formam o mesmo mundo no qual existimos. Ao mesmo tempo, transforma práticas ambientais cotidianas de preservação do ambiente, aprendidas às vezes recentemente, em predisposições e atitudes que se impõem aos indivíduos e aos grupos sociais como um habitus. Este horizonte imaginativo não se esgota, no entanto, na criação e na reprodução constante de modos de ser e viver, mas também incide sobre as formas pelas quais pensamos e conhecemos o mundo. Nosso modo de habitar o planeta não está separado do nosso modo de conhecê-lo. Esta indissociabilidade destes dois modos torna plausível fazer uma releitura de um conjunto de autores contemporâneos sob a chave compreensiva do que estamos denominando de epistemologias ecológicas. Nosso argumento é que este horizonte ecológico imaginativo vem corroborando deslocamentos epistemológicos no pensamento ocidental, contribuindo para o questionamento de delimitações que se estabeleceram como trincheiras intransponíveis no campo científico, como as que separaram a experiência humana do mundo, o mundo em sua existência objetiva e o conhecimento do mundo.

Epistemologias ecológicas: para além das representações

O termo epistemologias ecológicas tal como o propomos delimita uma região do debate teórico-filosófico contemporâneo que compreende autores de diversas origens disciplinares e diferentes opções teóricas, cujo ponto em comum é o esforço para a superação de dualidades modernas, tais como natureza e cultura, sujeito e sociedade, corpo e mente, artifício e natureza, sujeito e objeto.1 1 Entre os autores aqui referidos, destacamos Haraway e o conceito de coprodução entre humanos e não humanos (2003); Latour e o conceito de rede sociotécnica na conexão humanos e não humanos na produção científica (2004); Stengers e o conceito de ecologia da prática científica (2002); Leff e o conceito de racionalidade ambiental (2006); Gibson e o conceito de affordance (1979). Estas referências têm sido fundamentais para nós na elaboração do conceito de epistemologias ecológicas. Nesse esforço para desconstruir as dualidades, estes autores propõem pistas conceituais que nos permitem enfatizar as simetrias nas relações entre humanos e não humanos no ambiente. Desta forma, o conceito epistemologias ecológicas é necessariamente plural, na medida em que não pretende designar uma unidade teórica, mas uma área de convergência de novos horizontes de compreensão, diferentes daqueles que sustentam as dualidades mencionadas e a externalidade de um sujeito cognoscente humano fora do mundo, da natureza e independente de seus objetos de conhecimento.

As epistemologias ecológicas contrapõem-se à perspectiva representacional. Partem de uma premissa compartilhada de que os significados, os conceitos e as abstrações que resultam do processo do conhecimento não constituem um mundo à parte em relação à matéria e às coisas. Conhecer é fundamentalmente uma habilidade que adquirimos na relação com outros organismos e seres que habitam o mesmo mundo, e não uma prerrogativa humana que se processaria no espaço restrito da mente como uma operação racional. Torna-se, assim, impossível dissociar a mente do corpo, a cultura da natureza, o conhecimento da experiência. Para conhecer, a partir da perspectiva ecológica, é necessário estar imerso na matéria e no mundo através do engajamento contínuo no ambiente.

Contra o aprisionamento do conhecimento na mente humana, as epistemologias ecológicas reivindicam a materialidade e a autonomia do mundo, bem como repensam o estatuto da realidade. Foi a afirmação desta postura realista que levou Bruno Latour a responder, com certo humor, à pergunta que lhe foi dirigida num colóquio, no Rio de Janeiro, sobre o estatuto da realidade. Sua resposta está registrada como título de um dos capítulos do livro A esperança de Pandora (2001): "Você acredita na realidade?". Em suma, para Latour, a realidade não está em questão: ela existe! Assim, a realidade é tomada como existência material do mundo, para além das formas de apreensão humana. Ela é a nossa condição de existir, pensar, criar e viver. Seu espanto reside na desmaterialização operada por uma razão semiótica que passou a considerar como objeto das ciências humanas apenas o significado, como se ele pudesse pairar sobre o real, como um mundo à parte habitado apenas pelos humanos.

As epistemologias ecológicas no horizonte dos novos materialismos

Ao buscarmos um horizonte filosófico no qual situar as epistemologias ecológicas, encontramos nos novos materialismos um campo de convergências que nos permite estabelecer uma série de aproximações entre os postulados e os conceitos que vêm sendo formulados por esta tendência no pensamento contemporâneo e as perspectivas sobre os modos de conhecimento que estamos chamando de epistemologias ecológicas. Uma primeira aproximação está no esforço de ambos para incluir no plano da produção do conhecimento as bases materiais da vida que, em grande medida, foram desconsideradas pelo idealismo construtivista. Na contramão das divisões entre matéria e pensamento e entre corpo e razão, que se estabeleceram como princípios fundantes da ciência moderna hegemônica, os novos materialistas chamam a atenção para a matéria e o corpo como operadores do conhecimento. Sua crítica, por sua vez, vai no sentido de uma reformulação do materialismo histórico, destacando pontos cegos que, ainda que presentes nas análises, deixaram de ser considerados por conta do caráter da imaterialidade que o pensamento assumiu no contexto moderno ocidental. Neste sentido, vale a pena citar as considerações propostas no blog de um grupo de jovens filósofos com quem temos mantido um diálogo para estabelecer pontes entre estes dois campos de debates: os novos materialismos e as epistemologias ecológicas.

O programa radical do "construtivismo social" jamais deixou de se deparar com um "resto" que trazia novamente à baila noções como objetividade, corpo e matéria. Existe, em particular, uma tendência crescente para buscar realizar o projeto imanentista da modernidade através de um repensar do materialismo — no qual, justamente, o problema do que vem a contar como "matéria" é o que se torna objeto do esforço filosófico (site Materialismos 2012).

Uma segunda aproximação, ainda no diálogo com os novos materialistas, está referida à simetria entre as coisas e o pensamento, os seres humanos e os não humanos, os processos históricos e os naturais. Neste ponto de inflexão, vamos encontrar a confluência de pensadores como Manuel De Landa, artista visual e filósofo mexicano, que há quatro décadas trabalha nos Estados Unidos, e o antropólogo Arturo Escobar, colombiano, que lecionou por longos anos na Colômbia e também nos Estados Unidos. Ambos enfatizam a simetria como a dimensão central das relações entre os humanos e as coisas, por meio dos conceitos de ontologia simétrica (De Landa 2003) e de alternativa simétrica (Escobar 2007). Assim, ao formularmos a noção de epistemologias ecológicas como um campo de debates, buscamos incorporar estes conceitos filosóficos e antropológicos como uma contribuição importante para fundamentar o reposicionamento existencial e epistemológico do humano em face dos demais organismos que habitam o mundo partilhando um ambiente comum.

A reivindicação de uma ontologia simétrica, formulada no âmbito do novo materialismo, vem exigindo um trabalho intenso de superação tanto do construtivismo filosófico, que toma o conhecimento como uma construção mental que tem seu modo próprio de funcionamento, independente de sua base material, quanto do idealismo, para o qual o conhecimento é tomado como uma representação do real, que se processa por meio da operação lógica de abstração e distanciamento do seu objeto empírico. Em sentido contrário a estas formas dominantes de compreender o processo cognitivo, a ontologia simétrica propõe um movimento em direção às coisas, ao real, ao corpo, aos organismos.2 2 Esta virada ontológica tem produzido uma filosofia centrada nos objetos – também chamada de ontologia objetual ou objeto-orientada (Morelle 2012). Nos estudos sociais da ciência, a teoria do ator-rede de Latour também poderia ser referida como de orientação semelhante. Ao fazer este movimento, instaura-se a suspeita sobre a legitimidade de reduzir o processo cognitivo apenas aos seres humanos. Assumir a perspectiva da ontologia simétrica exige, como afirma De Landa, considerar como constitutivas do real as diferentes temporalidades das coisas, assim como a multiplicidade de materiais e elementos que, embora fundamental para a sua existência, escapa ao olhar do observador.

A questão é saber se é legítimo ter uma "ontologia antropocêntrica", isto é, traçar a linha entre o real e o não real, baseados no que nós, humanos, podemos observar diretamente. O que torna a nossa escala de observação, no espaço ou no tempo, tão privilegiada? Por que devemos acreditar no rio Mississipi [...], mas não em oxigênio ou dióxido de carbono [...]? Por que devemos estudar as coisas em "tempo real" (isto é, em nossa escala temporal) em vez de em períodos mais longos para capturar o efeito de "longa duração"? (De Landa 2003:8, tradução nossa).3 3 No original: "The real question is whether it is legitimate to have an 'anthropocentric ontology', that is, to draw the line between the real and the non-real by what we humans can directly observe. What makes our scale of observation, in space or time, so privileged? Why should we believe in the Mississippi river (as Andrew Pickering does) but not in oxygen or carbon (as he does not)? Why should we study things in 'real time' (that is, at our temporal scale) instead of at longer periods (to capture the effect of 'long durations')?" (De Landa 2003).

A ontologia simétrica opõe-se, assim, a uma ontologia antropocêntrica e propõe um outro passo em direção à superação do etnocentrismo. Não se trata aqui de apenas reconhecer a diversidade cultural e levar em conta o ponto de vista do "outro" humano, mas de considerar o ponto de vista das coisas e dos organismos não humanos que habitam o mundo. O que está em questão é a linha de separação entre natureza e cultura que demarcaria duas ontologias opostas e intransponíveis. Ao desfazer esta linha, os novos materialistas reconhecem que os não humanos também estão abertos ao mundo e, por isso, são capazes de penetrar os mundos dos outros seres. Negam, portanto, a diferenciação estabelecida por Heidegger de que "a pedra é sem mundo, o animal é pobre em mundo e o ser humano é formulador de mundos" (1995:263), para afirmar que a pedra possui um mundo.

E se a pedra possui um mundo, torna-se legítimo colocar-se "desde o ponto de vista da pedra". Ou, ainda, perguntar-se qual o lugar que nós humanos ocupamos no mundo dos demais seres e organismos não humanos que compartilham o mesmo ambiente.

As epistemologias ecológicas no horizonte antropológico

A proposta de uma ontologia simétrica repercute no campo antropológico como um fundamento para uma crítica radical ao multiculturalismo. Se as coisas e os organismos não humanos "possuem mundos" e criam um campo de ação com outros seres na sua vizinhança, torna-se imprescindível alargar o horizonte relativista de modo a incluir o ponto de vista dos não humanos. Ou seja, a partir desta perspectiva, o relativismo se estende para além das culturas, de forma a incluir, como sujeitos do conhecimento, aqueles que o dualismo ontológico natureza e cultura objetivou, negando-lhes qualquer agência no campo epistemológico. Como propõe Viveiros de Castro, a esta epistemologia objetivista, que predomina na modernidade ocidental, deveríamos contrapor o pensamento xamânico ameríndio como outro modo de conhecer.4 4 Esta inversão dos polos natureza e cultura, que se realiza no xamanismo ameríndio, torna-se mais compreensível, segundo Viveiros de Castro, se transpusermos o conceito ocidental moderno de cultura para o naturalismo indígena. Afirma o autor: "A tradução da 'cultura' para o mundo das subjetividades extra-humanas tem como corolário a redefinição de vários eventos ou objetos 'naturais' como sendo índices a partir dos quais a agência social pode ser abduzida" (Viveiros de Castro 2002:361). No jogo epistemológico ocidental, conhecer define-se fundamentalmente como um processo de objetivação em que o sujeito se constitui ou reconhece a si mesmo nos objetos que produz. A esta forma de conhecimento, Viveiros de Castro contrapõe o xamanismo ameríndio, para o qual "conhecer é personificar, tomar o ponto de vista daquilo que deve ser conhecido — daquilo, ou antes, daquele — pois o conhecimento xamânico visa a um "algo" que é um "alguém", um Outro sujeito ou agente" (Viveiros de Castro 2002:358). Assim, se na epistemologia moderna o Outro toma a forma de objeto, no xamanismo o Outro toma a forma de pessoa.

As epistemologias ecológicas encontram no xamanismo ameríndio um ponto de convergência que relativiza os procedimentos e os protocolos das ciências modernas, naturalizados como prerrogativas exclusivas dos humanos e universalizados para todas as culturas.5 5 A região do debate teórico-filosófico, à qual nos referimos, com o conceito de epistemologias ecológicas também tem recebido importantes contribuições a partir dos estudos sociais da ciência (Jasanoff 2004; Law & Mol 2002), das pesquisas dedicadas às relações entre humanos e não humanos (Sá 2013; Segata 2012), e das etnografias sobre arte e estética (Van Velthen 2003; Lagrou 2007). Ao mesmo tempo, ambos apontam para um ideal epistemológico que, longe de reduzir o ambiente à condição reificada de objeto, sem vida ou intencionalidade, vai em direção contrária: a da sua subjetivação. Esta crítica ao distanciamento epistemológico com que opera a ciência moderna aparecerá de uma forma ainda mais radical em Tim Ingold, que propõe um novo paradigma que retira o pesquisador da sua posição de observador externo de um mundo de objetos fixos e o situa na convergência de linhas e fluxos de materiais que o atravessam e o constituem como uma unidade generativa que chamamos mundo ou ambiente.

Nesta perspectiva, a participação deixa de ser o oposto da observação e torna-se a condição para o conhecimento, assim como a luz é a condição para ver e o tato é para sentir na pele (Ingold 2011:129). O mundo que nos é dado observar é um mundo em movimento. O observador não olha a partir de um corpo que se situa como uma totalidade independente dos fluxos de luz, sons e texturas do ambiente, mas, ao contrário, ele é atravessado por estes fluxos, que lhe dão a possibilidade de compreender o mundo.

Como se pode observar pela definição acima proposta, trata-se de explorar outro nível da "invenção ecológica" (Carvalho 2002). Se antes o foco recaiu sobre o sujeito ecológico, agora nos chama a atenção também a constituição de um topos epistemológico, isto é, um lugar de produção de modos de conhecer que, partindo da crítica contemporânea à pretensão de universalidade da ciência normal, tem buscado ativamente novos caminhos para o conhecimento válido, num horizonte de racionalidades plurais. Esta direção de estudos aparece num conjunto de teorizações diferentes nos diversos autores que citamos. No entanto, convergem para a busca de modos ecológicos de compreender as relações com o mundo.

Por que epistemologias no plural e por que ecológicas?

Em primeiro lugar, cabe justificar o plural. Epistemologias no plural porque partimos da premissa de que é possível imaginar campos de saberes e modos de conhecer que comportam alguma heterogeneidade de formulações, de caminhos teóricos e de comunidades de interlocução. Esta heterogeneidade, por sua vez, desfaz a ideia de que existiria uma escola de pensamento, detentora de um corpus de verdades, no interior de uma área específica do conhecimento ou mesmo de um campo interdisciplinar. Desfaz, também, a visão de que haveria uma metodologia única, partilhada por esses autores, que definiria um modus operandi comum nos processos pelos quais podemos ter acesso à realidade. Por fim, ainda que alguns desses autores mantenham um diálogo entre si, como é o caso de Latour, Stengers e Haraway,6 6 Em 2006, por exemplo, reuniram-se Donna Haraway e Isabelle Stengers no painel que se chamou "Whitehead's Account of the Sixth Day", no centro de humanidades da Universidade de Stanford. A retomada de Whitehead, feita por Stengers em "L'effect Whitehead"(1994) e posteriormente em "Penser avec Whitehead" (Stengers 2002) deslancha a crítica sobre a tradição humanista da ciência. Numa perspectiva que Stengers chama de "ecologia da prática", a consciência da comunicação não verbal nas relações com não humanos deveria ser levada em conta na ciência e na tecnologia. Latour, por sua vez, participa deste debate ao escrever o artigo "What is Given in Experience? A Review of Isabelle Stengers", e também o ensaio "Penser avec Whitehead: Une libre et sauvage création de concepts" (Latour 2002). O diálogo entre Stengers, Haraway e Latour publiciza-se na página de Latour, na qual se pode ver a colaboração deste grupo de autores em redes e projetos comuns. em seu conjunto, eles não constituem uma comunidade científica na qual se possa identificar um intercâmbio constante de ideias sobre as contribuições que cada um oferece para a formação deste campo epistemológico. Ou seja, com exceção do grupo acima citado, os demais autores pertencem a comunidades específicas de conhecimento, sem necessariamente se caracterizarem como um movimento ou grupo teórico intencionalmente articulado.

Assim, poderíamos afirmar que, no pensamento destes autores, o esforço de identificar um ponto de convergência é um projeto que tem origem muito mais na nossa iniciativa de juntar, como num quebra-cabeças, as peças que se encaixam para a composição deste todo que estamos denominando de epistemologias ecológicas do que uma proposta intencional que parta deles. Portanto, quando nos referimos à expressão epistemologias ecológicas estamos reunindo teorias e reflexões epistêmicas que não se deixam reduzir ou unificar em um movimento coletivo deliberadamente organizado, mas apresentam certa convergência, na medida em que assumem referências ecológicas na estruturação de seus modos de conhecer.

Então, passemos à segunda parte de nossa pergunta: por que ecológicas? Como sabemos, a crítica ao paradigma científico que se funda na externalidade do pesquisador em relação ao objeto investigado não é uma prerrogativa ou exclusividade do pensamento ecológico. Este, por sua vez, soma-se à crítica de outras áreas da vida social que tem chamado a atenção para os limites dos procedimentos positivistas das ciências na validação do conhecimento e na produção da verdade. Assim, conhecimentos adquiridos por meio da experiência e do engajamento do sujeito no mundo, que até pouco tempo atrás eram classificados como magia ou intuição subjetiva, vêm sendo incorporados em muitas áreas das ciências como outras formas legítimas de apreensão da realidade. Por outro lado, multiplicam-se na sociedade as instâncias de certificação da verdade fora do campo científico, questionando assim o monopólio que este campo adquiriu nos últimos séculos no Ocidente.

A disseminação crescente de uma ética ecológica, que cria o campo de direitos ambientais7 7 Para aprofundar esta questão, remetemos o leitor ao texto de Steil e Toniol (2013). e forma as consciências dos sujeitos contemporâneos, tem se tornado um recurso importante para diversas áreas sociais que se contrapõem a uma visão científica positivista que pretende excluir da cena epistemológica saberes, crenças, tecnologias e rituais que são vividos como formas de imersão na natureza e de transcendência em relação àquilo que pode ser constatado pela objetividade do método científico.8 8 O debate sobre o diálogo entre saberes científicos e não científicos e as críticas ao monopólio da verdade na compreensão da realidade surgem, portanto, dentro e fora do campo científico. Dentro do campo científico podemos citar, como exemplos desta crítica, a fenomenologia (Merleau-Ponty 1968, 1971), a hermenêutica moderna (Gadamer 2012), os estudos foucaultianos, a renúncia científica da psicanálise, os estudos feministas nas ciências sociais, o paradigma ecológico na antropologia (Tim Ingold 2000, 2010, 2011). Já numa região de fronteira entre o campo científico e político, convém lembrar o movimento Nova Aliança (Stengers 2002), que evoca saberes que foram alijados do regime de verdade da ciência.

Ainda que o ataque às bases epistêmicas da ciência normal cartesiana não seja exclusividade do campo ambiental, sustentamos a tese de que aparecem nesses movimentos certos pressupostos sintonizados com uma sensibilidade ecológica — ou ainda, como diria Enrique Leff, com uma racionalidade ambiental (Leff 2006). Estes pressupostos poderiam ser sintetizados em pelo menos duas vertentes de compreensão epistemológica da crise ambiental. São elas: 1. A associação entre as bases epistemológicas que fundamentam a ciência moderna e a produção da crise ambiental; 2. A afirmação da simetria ontológica e o reconhecimento da agência, da realidade e da materialidade do mundo independente da ação ou das representações humanas. Passemos então a comentar, embora não exaustivamente, estes dois pressupostos.

As bases epistemológicas da ciência moderna e a crise ambiental: críticas à grande divisão

A separação entre natureza e cultura como pertencentes a reinos ontológicos antagônicos marca o que Philippe Descola chamou de "a grande divisão". O "edifício dualista", visto por Descola (2005) como a grande obra do pensamento moderno, estaria em desmoronamento. Este edifício epistêmico que habitamos por mais de três séculos como a nossa casa estaria, portanto, sendo abalado em seu fundamento, na medida em que a separação ontológica e estrutural entre natureza e cultura tende a perder seu valor heurístico e sua força explicativa do nosso lugar e destino no planeta. Desta forma, trata-se de uma crise epistemológica e também dos estertores de uma cosmologia que já não encontra bases seguras de sustentação na separação fundante entre natureza e cultura. Descola evoca explicitamente a crise ambiental como prenúncio do fim desta cosmologia:

O sinal mais manifesto (da mudança de cosmologia) e o que mais mobiliza a atenção de governantes e cidadãos é obviamente a crescente preocupação em torno dos efeitos da ação humana sobre o meio ambiente. Além do mais, a eleição mesma do termo meio ambiente em lugar de natureza já indica um deslizamento de perspectiva; em seu sentido mais corrente, a natureza era antropocêntrica de um modo quase clandestino na medida em que recobria por definição um domínio ontológico definido pela ausência de humanidade — sem acaso nem artifício — enquanto o antropocentrismo do meio ambiente está claramente enunciado: é o mundo sublunar de Aristóteles, na medida em que está habitado pelo Homem (Descola 2005:97, tradução nossa).

Esta divisão ontológica isolou o ser humano do ambiente, fazendo-nos crer que habitávamos a cultura como um domínio independente e oposto à natureza. A crise ambiental acelerou a percepção sobre a força da ideologia científica, que operou durante todos esses anos como uma cosmologia na conformação de nossas consciências e na organização política das instituições que deram configuração à sociedade moderna. Ao mesmo tempo, nos damos conta de que nunca estivemos separados do ambiente nem somos detentores de um destino diferente daquele que possuem os demais organismos e objetos que habitam o planeta. O trabalho ideológico na produção de fetiches, situados acima da ordem da natureza, parece perder sua eficácia, deixando aparecerem as ligações que jamais deixaram de existir entre humanos e não humanos. Assim, os mesmos organismos que se apresentavam como puros, revelam-se a nós hoje como híbridos. Foi este contexto de produção do conhecimento que levou Bruno Latour a apresentar a problemática da crise da ciência desde seus expurgos, afirmando, com razão, que nunca fomos modernos (Latour 1994).

A inclusão do termo ecologia nos campos da antropologia e da psicologia já aparece no pensamento de Gregory Bateson, nas décadas de 1960 e 1970. Ao propor este termo, especialmente por meio do conceito de ecologial mind (Bateson 2000), Bateson quis chamar a atenção para as continuidades que existem não somente entre natureza e cultura, mas também entre mente e ambiente. Sua proposta representa uma ruptura com as correntes do behaviorismo, do funcionalismo e do culturalismo que detinham a hegemonia no pensamento da época na Inglaterra e nos Estados Unidos. Sua crítica aponta para os limites do método científico partilhado por estas correntes de pensamento, que haviam estabelecido, como critério indispensável para a validação do conhecimento, a externalidade do observador em relação ao objeto pesquisado e da mente em relação ao ambiente. O atributo ecológico, indicado por Bateson, retira a mente da sua prisão craniana, onde ela operaria como um sistema fechado em si mesmo, e a lança no ambiente, lugar efetivo do conhecimento. A mente deixa de ser compreendida como uma máquina produtora de representações e se torna fundamentalmente uma mediação relacional com o mundo. Esta continuidade entre Bateson e o pensamento ecológico foi destacada por Otávio Velho na citação que segue, retirada de um texto em que ele relaciona este autor com Tim Ingold.

A ecologia — e com ela o holismo — é na verdade uma referência-chave desde Bateson. Faz parte da discussão de outra polaridade, entre sujeito e objeto. Com a ajuda da vertente fenomenológica de Merleau-Ponty (e das noções de ser e habitar o mundo), a ecologia de fato parece propícia para um deslocamento do sujeito cartesiano e, com ele, da série de oposições que inclui aquela entre natureza e cultura. Ingold chega a falar em um novo "paradigma ecológico" (Velho 2001:135).

Guardadas as devidas diferenças, poderíamos identificar, como o faz Velho em relação a Bateson e Ingold, alguns pontos de convergência e continuidades entre os autores até aqui referidos que nos permitem situá-los no campo heterogêneo das epistemologias ecológicas. Neste sentido, podemos dizer que eles coincidem na crítica ao objetivismo e à externalidade do pesquisador em relação ao que ele observa no processo de investigação. Em contrapartida, eles propõem um outro caminho para a ciência, que deverá ser trilhado pela inserção do pesquisador no ambiente, vivido como a morada do pensamento. Ou seja, não se trata de adotar epistemologias isentas das múltiplas contaminações da vida, nem metodologias de pesquisa que garantam o nosso distanciamento em relação ao corpo atravessado por emoções e desejos ou ao mundo da natureza que nos envolve e constitui, contrapondo-se, desta maneira, ao lugar da ciência como único porta-voz de um sujeito da Razão, desencarnado e fora do mundo. Esta busca epistemológica sugere, na esteira da contestação da divisão natureza e cultura, o questionamento de outras dualidades derivadas da mesma distribuição epistêmica, como sujeito e objeto, mente e corpo, indivíduo e sociedade, interioridade e exterioridade. Voltaremos ao tema da gênese desta fronteira epistêmica, sua duração e efeitos na mentalidade contemporânea mais adiante neste texto.

Enfim, para estes autores, a ciência não é mais referendada como o único reduto da verdade, mas surge como um regime de produção social entre outros. Ela perde, assim, seu fórum privilegiado e inquestionável que a posicionava acima das particularidades e das culturas como a única instância autorizada a falar, desde um não lugar, em nome da razão universal. Ao descer de seu pedestal sagrado, a ciência torna-se "humana" e ecológica, passando a habitar o mundo impermanente e instável das coisas. Vê-se, desde então, constrangida a dividir com outros regimes de produção da verdade a sua tarefa e a sua missão de validar o conhecimento. E, ao abrir sua Caixa de Pandora, ela não só permitiu que outros modos de conhecimento pudessem reivindicar a legitimidade de suas narrativas e de seus discursos sobre a realidade, como também ela mesma tornou-se permeável às heterodoxias dos saberes que emergiram da sociedade nas últimas décadas juntamente com o movimento ecológico. Estas heterodoxias advêm tanto das profundezas do próprio Ocidente, que recalcou outras formas de conhecimento por meio do trabalho incessante de construção do edifício da ciência como morada exclusiva do pensamento, quanto de um Oriente mítico, imaginado como o espelho do Ocidente, que tem se apresentado como resposta ao cansaço da razão e à desilusão diante das promessas nunca cumpridas de uma modernidade que jamais se realiza na sua completude. Esta incerteza, produzida por uma ciência que se revela hoje como um deus exmachina, foi o que permitiu que outros modos de conhecer e agir sobre o mundo fossem exilados do território da verdade, como a arte, a religião, os saberes populares.

A afirmação da simetria ontológica e o reconhecimento da agência, da realidade e da materialidade do mundo

A postura epistemológica que estamos delimitando como o solo comum das epistemologias ecológicas leva a outros reposicionamentos. Destacaremos aqui os reposicionamentos nos campos da ontologia e da cosmologia. Em termos ontológicos, podemos constatar que, na medida em que a emergência desses modos alternativos de conhecer se disseminam nas diversas esferas da vida como epistemologias locais (Samain 2001) socialmente certificadas, muda a nossa experiência do mundo que habitamos e o nosso olhar sobre a natureza do que se dá a conhecer. Ao mesmo tempo, o reconhecimento dessas epistemologias acaba por situar-nos num universo que se apresenta diverso daquele estabelecido pela hegemonia da narrativa científica. Talvez pudéssemos, alternativamente, imaginar que habitamos universos concomitantes. Mas preferimos insistir na singularidade de um único universo, dinâmico e em constante mudança, que será experimentado e apreendido de formas múltiplas pelos organismos e seres que o habitam enquanto são habitados por ele.

É esta condição, que nos localiza no universo, dentro de um vasto campo de possibilidades de classificação em relação aos demais organismos, objetos e seres, que nos permite falar de cosmologias modernas, como um desdobramento das epistemologias científicas para o campo social e político. Ou seja, estamos apontando para a função ideológica e cultural que o pensamento científico tem exercido na sociedade ocidental nos últimos quatro séculos. Neste sentido, a crítica que fazemos aqui se dirige à perspectiva ideológica, e muitas vezes caricata, da ciência, e não ao campo científico enquanto conjunto de procedimentos metodológicos e teóricos de produção de conhecimento e tecnologia.

Ao reconhecer que a ciência é produtora de cosmologias, estamos, em alguma medida, situando-a no campo da imaginação, ao lado de outros regimes de produção de sistemas de organização e classificação de todos aqueles que habitam o cosmos. Desde esta perspectiva, poderíamos situar a ciência ao lado da cultura enquanto uma invenção que temos utilizado para falar sobre o outro e compreendê-lo dentro de nossa própria chave de leitura (Wagner 2010:38-39).9 9 Como afirma Roy Wagner, "um antropólogo denomina a situação que ele está estudando como 'cultura' antes de mais nada para poder compreendê-la em termos familiares, para saber como lidar com sua experiência e controlá-la. [...]. Ele inventa 'uma cultura' para as pessoas, e elas inventam 'a cultura' para ele (2010:29). Assim, ao aplicarmos este conceito inventado por nós, "civilizados", para nos diferenciarmos do nosso "outro" — classificado como bárbaro ou "não civilizado" — à nossa própria ciência, acabamos por admitir que, como eles, também produzimos cosmologias. Ainda que diversas delas tenham sido produzidas pelo totemismo dos aborígenes australianos ou o animismo dos povos ameríndios, a cosmologia racionalista dos modernos aparece, sob o prisma da relativização da ciência, como simétrica e complementar a outras formas de conhecimento presentes no universo. Num passo mais radical, como aquele que é proposto por Tim Ingold, por exemplo, essas formas de conhecimento não são uma prerrogativa dos humanos, mas se estendem a todos os organismos e materiais que fluem em interação e atravessamentos contínuos que criam e mantêm a vida no universo.

A percepção e a ação, desde esta perspectiva, são compreendidas como comuns a todos os organismos. Assim, devemos concluir que outras fontes de sentidos, para além ou aquém da cultura, são possíveis.10 10 Como escrevemos noutro texto, "a cosmologia de Ingold nos revela o mundo como linhas que se entretecem no horizonte de uma atmosfera ( weather-world) que encompassa a esfera terrestre e o firmamento. Seu interesse é compreender a experiência comum a todos os seres vivos de serem transpassados por materiais que os constituem como organismos que, por sua vez, não se fecham em invólucros corporais ou identidades específicas. Para Ingold, a experiência da vida não é vivida no interior de um corpo que se relaciona com outros corpos como um objeto entre outros, mas se dá no fluxo dos materiais (luz, som, vento, líquidos, texturas etc.) que os atravessam, diluindo os limites de seus corpos, de suas mentes e de suas superfícies" (Steil & Carvalho 2012:31). Ou seja, não se trata de apropriar-se do ambiente pela mediação da cultura, incorporando-o na nossa teia de significados humanos, mas de reconhecer a singularidade das perspectivas dos diversos organismos no seu habitar o mundo. Numa crítica à fenomenologia de Heidegger, que estabelece uma diferença ontológica entre os não humanos e os humanos, Ingold vai postular uma simetria absoluta. Neste sentido, ele procura desconstruir a premissa de que os não humanos habitariam mundos fechados, enquanto os humanos estariam abertos ao mundo e, por isso, capazes de compreender os mundos dos outros seres. Contra esta visão, Ingold retorna a Merleau-Ponty e à metáfora da relação do pintor com o mundo. Para o filósofo francês, esta relação é de um "contínuo nascimento", em que a experiência que o pintor estabelece com as coisas e com o mundo que ele habita o constituem como pintor na medida em que elas são retratadas na sua tela (Merleau-Ponty 1968).

A assunção de que existe uma simetria no conhecimento, que transcende o humano ou a cultura, leva Ingold a afirmar que, quando estamos falando de conhecimento, estamos, na verdade, falando de um processo criativo de incorporação de habilidades que partilhamos com outros organismos e seres que habitam o mesmo mundo que nós.11 11 Convém lembrar aqui, como já comentamos em outro texto, o debate de Ingold com o biólogo, especialista em formigas, Hutchins. À pergunta se haveria algo de especificamente humano que nos distinguiria dos outros seres, a resposta de Ingold é: não (Steil & Carvalho 2012:44). Assim, se a posição de Hutchins é a de que as habilidades das formigas para encontrar alimentos são constituídas em coevolução com um processo histórico e cultural, a de Ingold é a de que as habilidades culturais dos seres humanos são constituídas em coevolução com os processos naturais (Ingold 2010:14). O foco posto por Ingold na ação, deslocando a atenção do sujeito ou do conteúdo do conhecimento, é o que o permite defender sua posição a favor de uma epistemologia ecológica que transcende as premissas estabelecidas pela grande divisão entre natureza e cultura. Esta divisão, como mostra Ingold em sua crítica à semiótica, nos levou a imaginar um mundo da cultura como um espaço autônomo que se constituiria como um não lugar, à parte e em oposição à natureza. A radicalidade desta posição estaria, por sua vez, produzindo uma nova revolução copernicana no pensamento em direção a uma virada ontológica.12 12 Sobre esta questão destacamos o interessante debate sobre a virada ontológica na filosofia promovido em 2012 pelo Programa de Filosofia da PUCRS, disponível em http://materialismos.wordpress.com/2012/10/03/a-virada-ontologica-na-filosofia-contemporanea-programacao-completa/.

Esta simetria no processo de conhecimento, que consideramos como uma referência fundante para as epistemologias ecológicas, no entanto, não postula necessariamente a igualdade entre todos os seres que habitam o universo. Ou seja, o fato de que estamos todos — humanos e não humanos — submetidos a um mesmo processo criativo de interações contínuas, que nos permite a aquisição e a incorporação de habilidades, não elimina a diferenciação. Ao contrário, diferenciamo-nos como organismos por meio da diversidade das combinações possíveis dos fluxos de materiais que nos atravessam e das linhas e dos traços que são impressos no ambiente como guias para nossas trajetórias de vida. As epistemologias ecológicas propõem, assim, um modo de operar em termos do conhecimento que, longe de nos distanciar do ambiente, por um processo de objetivação do real, nos conduz a um engajamento e a uma imersão no mundo imediato e material da experiência. Conhecer torna-se, assim, não apenas um esforço para imaginar o mundo da forma como ele é imaginado por outras culturas, mas para abrir-se à possibilidade de estender a experiência para a diversidade da imaginação de outras espécies e elementos que partilham conosco a aventura da vida e do existir no universo.

Este posicionamento conduz ao corolário de que atributos culturais e direitos políticos, que anteriormente foram imaginados como prerrogativas exclusivamente humanas, são estendidos para organismos, seres e paisagens ambientais. Alarga-se, assim, o campo da ética, que passa a incluir, nos seus ordenamentos político e jurídico, a diversidade de indivíduos ou sujeitos não humanos que, há três ou quatro décadas atrás, estavam relegados à natureza como exemplares dos reinos animal, vegetal ou mineral. Desta maneira, o argumento que defendemos aqui é que a plausibilidade das epistemologias ecológicas está ancorada em um conjunto de práticas sociais que vêm redefinindo o lugar dos não humanos no cotidiano da vida social. Um dos bons exemplos para se observar este deslocamento é o novo estatuto dos animais domésticos na configuração das famílias. A família contemporânea, ao incorporar os animais domésticos, está deixando de ser uma instituição exclusiva da espécie humana, incluindo entre seus membros os pets, e passando, desta forma, a se definir como família interespécie (Faraco & Seminotti 2010).

No âmbito das políticas públicas, os direitos dos animais têm levado à criação de leis, estruturas e órgãos de Estado, como os códigos de defesa dos animais, os ministérios de meio ambiente e as secretarias de bem-estar animal. No reino vegetal, ao lado das políticas jurídicas de defesa das florestas nativas, as árvores emergem como sujeitos de direitos, sob a designação de indivíduos arbóreos, com os quais negociamos a expansão e a remodelação urbanas. Do mesmo modo, os animais selvagens contam, no cenário político atual, com porta-vozes e movimentos sociais que lutam por sua preservação e os representam nos fóruns políticos nacionais e internacionais, assumindo, assim, a mesma condição de quase humanidade dos animais domésticos. Estas situações, apenas para citar alguns poucos exemplos, são boas tanto para se observar a diluição das fronteiras ontológicas entre natureza e cultura, animalidade e humanidade, direitos humanos e ambientais, quanto para perceber seu movimento em direção às rupturas epistemológicas que vimos indicando ao longo deste texto.

Considerações finais

O que nos permite postular o deslocamento da epistemologia e da ontologia clássicas, que se pretenderam universais, em direção a epistemologias locais, entre as quais propomos as epistemologias ecológicas, é principalmente a mudança no estatuto dos sujeitos de conhecimento, agora não exclusivamente humanos. Esta inflexão que se alarga para incluir os não humanos acaba incidindo sobre a base de sustentação do conhecimento moderno e os postulados fundantes da ciência. Assim, se Gadamer (2012) reivindicou, como condição para um diálogo autêntico, o reconhecimento da "dignidade das coisas", as epistemologias ecológicas reivindicarão a "atividade (agency) das coisas".

A questão da outridade da natureza ganha uma qualidade no paradigma das epistemologias ecológicas que não é a da diferença que situa o outro num mundo fechado. O ponto de partida para o conhecimento não é mais o distanciamento e os dispositivos da evitação, mas, ao contrário, o engajamento do sujeito no mundo e no coração da matéria por meio da participação e do compartilhamento de uma experiência comum que atravessa os seres e as coisas que habitam a mesma atmosfera. O que muda fundamentalmente, para dizer em termos psicanalíticos, é a natureza do laço narcísico. Os sujeitos humanos passam a identificar-se com todos os seres portadores de vida, para além de uma comunidade específica de humanos com direitos específicos.

Assim, a ideia de um paradigma ecológico no plano do pensamento parece buscar novos caminhos para o impasse da relação natureza e cultura, que vem sendo formulado no horizonte das ciências modernas na perspectiva dualista do biocentrismo ou antropocentrismo. Ou seja, quer se expresse em termos políticos, quer em termos ambientais, a questão da simetria aparece como central na produção do conhecimento, não mais "sobre", mas "com" o outro. A partir deste olhar, poderíamos dizer que as epistemologias ecológicas opõem-se tanto à ideia de uma diluição da cultura na natureza quanto de uma assimilação da natureza pela cultura. Trata-se, enfim, de uma fusão de histórias — da história humana e natural — que faz de todos nós, humanos e não humanos, convivas e "cocidadãos" de um mesmo mundo global e híbrido.

Considerando que a tensão natureza e cultura é fundadora da epistemologia moderna, o caminho que percorremos tentou mapear alguns marcadores de um esforço não reducionista de operar dentro desta tensão, reordenando as dualidades, sem recair nos determinismos, sejam eles culturalistas ou biológicos. Ao situarem-se de um ou de outro lado, os saberes contemporâneos, sob o argumento da especialização, criaram um abismo no diálogo entre as ciências da natureza e as humanidades, o que tem culminado em posições reducionistas e defensivas, que irão eleger ora o arbitrário da cultura, ora a ordem da necessidade biológica como matriz explicativa das determinações do real.

Permanece, contudo, o ponto dos diferentes modos de lidar com a questão do outro, seja para colapsá-lo ou para reconfigurá-lo. Este não é um problema trivial e, mesmo que concordemos que Jamais fomos modernos (Latour 1994), segue sendo uma questão epistemológica em aberto que atravessa o pensamento moderno como uma tensão permanente. No sentido lacaniano, esta tensão desenha o que poderia ser a fita de Moebius das epistemologias ecológicas, em que o debate percorre ora a frente, ora o verso desta fita, passando ora pela fusão, ora pela alteridade, produzindo em cada uma dessas dobras realidades sociais, subjetivas, éticas, estéticas e políticas da existência.

Notas

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Recebido em 20 de junho de 2013

Aprovado em 13 de março de 2014

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  • 1
    Entre os autores aqui referidos, destacamos Haraway e o conceito de
    coprodução entre humanos e não humanos (2003); Latour e o conceito de
    rede sociotécnica na conexão humanos e não humanos na produção científica (2004); Stengers e o conceito de
    ecologia da prática científica (2002); Leff e o conceito de
    racionalidade ambiental (2006); Gibson e o conceito de
    affordance (1979). Estas referências têm sido fundamentais para nós na elaboração do conceito de
    epistemologias ecológicas.
  • 2
    Esta virada ontológica tem produzido uma filosofia centrada nos objetos – também chamada de ontologia objetual ou objeto-orientada (Morelle 2012). Nos estudos sociais da ciência, a teoria do ator-rede de Latour também poderia ser referida como de orientação semelhante.
  • 3
    No original: "The real question is whether it is legitimate to have an 'anthropocentric ontology', that is, to draw the line between the real and the non-real by what we humans can directly observe. What makes our scale of observation, in space or time, so privileged? Why should we believe in the Mississippi river (as Andrew Pickering does) but not in oxygen or carbon (as he does not)? Why should we study things in 'real time' (that is, at our temporal scale) instead of at longer periods (to capture the effect of 'long durations')?" (De Landa 2003).
  • 4
    Esta inversão dos polos natureza e cultura, que se realiza no xamanismo ameríndio, torna-se mais compreensível, segundo Viveiros de Castro, se transpusermos o conceito ocidental moderno de cultura para o naturalismo indígena. Afirma o autor: "A tradução da 'cultura' para o mundo das subjetividades extra-humanas tem como corolário a redefinição de vários eventos ou objetos 'naturais' como sendo índices a partir dos quais a agência social pode ser abduzida" (Viveiros de Castro 2002:361).
  • 5
    A região do debate teórico-filosófico, à qual nos referimos, com o conceito de
    epistemologias ecológicas também tem recebido importantes contribuições a partir dos estudos sociais da ciência (Jasanoff 2004; Law & Mol 2002), das pesquisas dedicadas às relações entre humanos e não humanos (Sá 2013; Segata 2012), e das etnografias sobre arte e estética (Van Velthen 2003; Lagrou 2007).
  • 6
    Em 2006, por exemplo, reuniram-se Donna Haraway e Isabelle Stengers no painel que se chamou "Whitehead's Account of the Sixth Day", no centro de humanidades da Universidade de Stanford. A retomada de Whitehead, feita por Stengers em "L'effect Whitehead"(1994) e posteriormente em "Penser avec Whitehead" (Stengers 2002) deslancha a crítica sobre a tradição humanista da ciência. Numa perspectiva que Stengers chama de "ecologia da prática", a consciência da comunicação não verbal nas relações com não humanos deveria ser levada em conta na ciência e na tecnologia. Latour, por sua vez, participa deste debate ao escrever o artigo "What is Given in Experience? A Review of Isabelle Stengers", e também o ensaio "Penser avec Whitehead: Une libre et sauvage création de concepts" (Latour 2002). O diálogo entre Stengers, Haraway e Latour publiciza-se na página de Latour, na qual se pode ver a colaboração deste grupo de autores em redes e projetos comuns.
  • 7
    Para aprofundar esta questão, remetemos o leitor ao texto de Steil e Toniol (2013).
  • 8
    O debate sobre o diálogo entre saberes científicos e não científicos e as críticas ao monopólio da verdade na compreensão da realidade surgem, portanto, dentro e fora do campo científico. Dentro do campo científico podemos citar, como exemplos desta crítica, a fenomenologia (Merleau-Ponty 1968, 1971), a hermenêutica moderna (Gadamer 2012), os estudos foucaultianos, a renúncia científica da psicanálise, os estudos feministas nas ciências sociais, o paradigma ecológico na antropologia (Tim Ingold 2000, 2010, 2011). Já numa região de fronteira entre o campo científico e político, convém lembrar o movimento Nova Aliança (Stengers 2002), que evoca saberes que foram alijados do regime de verdade da ciência.
  • 9
    Como afirma Roy Wagner, "um antropólogo denomina a situação que ele está estudando como 'cultura' antes de mais nada para poder
    compreendê-la em termos familiares, para saber como lidar com sua experiência e controlá-la. [...]. Ele inventa 'uma cultura' para as pessoas, e
    elas inventam 'a cultura' para ele (2010:29).
  • 10
    Como escrevemos noutro texto, "a cosmologia de Ingold nos revela o mundo como linhas que se entretecem no horizonte de uma atmosfera (
    weather-world) que encompassa a esfera terrestre e o firmamento. Seu interesse é compreender a experiência comum a todos os seres vivos de serem transpassados por materiais que os constituem como organismos que, por sua vez, não se fecham em invólucros corporais ou identidades específicas. Para Ingold, a experiência da vida não é vivida no interior de um corpo que se relaciona com outros corpos como um objeto entre outros, mas se dá no fluxo dos materiais (luz, som, vento, líquidos, texturas etc.) que os atravessam, diluindo os limites de seus corpos, de suas mentes e de suas superfícies" (Steil & Carvalho 2012:31).
  • 11
    Convém lembrar aqui, como já comentamos em outro texto, o debate de Ingold com o biólogo, especialista em formigas, Hutchins. À pergunta se haveria algo de especificamente humano que nos distinguiria dos outros seres, a resposta de Ingold é: não (Steil & Carvalho 2012:44). Assim, se a posição de Hutchins é a de que as habilidades das formigas para encontrar alimentos são constituídas em coevolução com um processo histórico e cultural, a de Ingold é a de que as habilidades culturais dos seres humanos são constituídas em coevolução com os processos naturais (Ingold 2010:14).
  • 12
    Sobre esta questão destacamos o interessante debate sobre a virada ontológica na filosofia promovido em 2012 pelo Programa de Filosofia da PUCRS, disponível em
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Recebido
      20 Jun 2013
    • Aceito
      13 Mar 2014
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