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Caminos hacia la educación superior: los programas Pathways de la Fundación Ford para pueblos indígenas en México, Perú, Brasil y Chile

RESENHAS

LIMA, Antonio Carlos de Souza & PALADINO, Mariana. 2012. Caminos hacia la educación superior. Los programas Pathways de la Fundación Ford para pueblos indígenas en México, Perú, Brasil y Chile. Rio de Janeiro: Editora E-papers. 260 pp.

Kelly Russo

FEBF/UERJ

A última década foi bastante significativa quando o tema é o acesso de indígenas às universidades brasileiras. Em 2004 eram cerca de 1.800 estudantes, em 2013 esse número girou ao redor de 8.000 universitários indígenas. Um crescimento bastante expressivo no acesso de estudantes de diferentes etnias a cursos de graduação e de pós-graduação de variadas universidades do país. Outros países da região, como México, Peru e Chile vivem momento semelhante. Mas essa ampliação não nega os grandes desafios que ainda precisam ser superados para que exista, de fato, uma maior igualdade de oportunidades educacionais para essas populações. É o que demonstram os dados e as reflexões presentes no livro Caminos hacia La educación superior: los programas Pathways de La Fundacion Ford para pueblos indígenas em Mexico, Perú, Brasil y Chile, organizado por Antonio Carlos de Souza Lima e Mariana Paladino.

O acesso à educação superior tem sido uma das bandeiras de luta prioritária dos povos indígenas de diferentes países da América Latina. As políticas de universalização do ensino fundamental adotadas pelos governos da região têm contribuído para essa demanda, como também ações de fomento protagonizadas pela cooperação internacional, como o Programa Pathways to Higher Educacion Initiative (PHEI), da Fundação Ford, que teve como meta a promoção da inclusão de estudantes indígenas na educação superior. O livro em questão reúne textos produzidos entre 2008 e 2011 pelos responsáveis pela implementação desse programa em México, Chile, Peru e Brasil, além de incluir uma espécie de "bônus" ao apresentar dados da Argentina, que não fez parte do PHEI, possibilitando um contraponto interessante para ampliarmos o entendimento sobre conquistas e (imensos) desafios que a universalização desse acesso ainda enfrenta na América Latina.

Ao priorizar a fala dos coordenadores dos programas universitários (são eles que descrevem e analisam as experiências vivenciadas em suas realidades), o livro possibilita ver com maior nitidez as contradições que as próprias instituições de ensino superior enfrentam ao tentarem se adequar às demandas originadas pelas políticas de ação afirmativa e pelos programas interculturais (com toda a indefinição que ambos os termos possam ter). A coletânea mostra algumas das especificidades dos contextos universitários desses países, como também oferece elementos sobre as díspares relações existentes entre povos indígenas e sociedades nacionais, principalmente quando consideramos não só o acesso, mas também a permanência e o êxito desses estudantes no Ensino Superior. Os textos tornam evidente que a dificuldade existente na trajetória de jovens indígenas nas universidades está diretamente relacionada à profunda desigualdade na distribuição de oportunidades sociais, econômicas e educacionais destinadas às populações indígenas, presente em todos os países da região.

São muitas as barreiras socioculturais e linguísticas que esses jovens estudantes precisam enfrentar mesmo quando, constitucionalmente, os Estados nacionais se assumem como multiculturais e plurilíngues (dentre os países representados nesta coletânea, apenas o Chile não modificou sua Constituição para que exista o reconhecimento de direitos diferenciados para povos indígenas), mas na prática possuem sistemas educativos inspirados e organizados a partir de modelos monoculturais e eurocêntricos. Aliás, sistemas tidos como espaços históricos de violência, discriminação e controle, impondo padrões normativos uniformes que procuraram sempre ocultar, marginalizar e discriminar em lugar de entender e reconhecer a diversidade inerente às populações atendidas por ele. As escolas e as universidades, em particular, vivem hoje os conflitos de um sistema que precisa enfrentar as demandas dos estudantes e dos professores indígenas cada vez mais organizados e mobilizados ao afirmarem o direito à diferença e à defesa da diversidade como potencialidade: maior amplitude de campos de conhecimento, de interação, de modelos de desenvolvimento e de possibilidades educacionais.

No México, primeiro país a receber apoio do programa, 16 instituições de Ensino Superior fizeram parte do PHEI. Duas delas estão representadas no livro: Universidad Pedagógica Nacional (UPN) e Universidad de Quintana Roo. No Peru, o programa foi aplicado em duas universidades: Universidad Nacional de San Antonio Agad del Cusco (UNSAAC) e Universidad Nacional de San Cristobal de Huamanca (UNSCH). No Chile, também foram apenas duas universidades que receberam esse suporte, a Universidad de La Frontera e a Universidad de Tarapacá. Apesar das diferenças populacionais, históricas e contextuais, é possível encontrar traços comuns tanto nas conquistas quanto nos desafios para o maior acesso de populações indígenas ao Ensino Superior, principalmente quanto à visibilidade do tema, à maturidade do debate sobre formas de acesso e também de permanência e êxito desses estudantes durante sua vida universitária. Como contraponto, a Argentina, que não fazia parte do programa de apoio da Ford, vivencia uma situação de maior precariedade no que diz respeito ao acesso, revelada também na falta de informação sobre o tema e na escassez de iniciativas governamentais.

No Brasil, o programa teve características um pouco mais específicas: priorizou o desenvolvimento de um conjunto de ações destinadas a promover a intervenção e o compromisso do governo brasileiro com a questão, apoiando o surgimento de projetos-piloto de ações afirmativas voltadas para as populações indígenas no nível superior de ensino, mas não se destinou apenas ao cenário interno das universidades. O projeto, sob a direção do Laboratório de Pesquisas sobre Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced – Museu Nacional/UFRJ), teve como foco principal o desenvolvimento de políticas públicas, a tentativa de institucionalizar essas experiências-piloto para se discutirem políticas neste setor. Vale destacar ainda que o apoio do Programa Pathways por aqui era inicialmente destinado a estudantes negros. Ao incluir estudantes indígenas, precisou ser repensado para dar conta das especificidades existentes no perfil desses alunos.

Como pensar no ingresso de estudantes indígenas nas universidades brasileiras sem antes discutir as formas desse acesso, considerando não apenas o interesse individual, mas a demanda coletiva de povos etnicamente diferenciados e suas necessidades e estratégias? Também é fundamental que as estruturas universitárias possam se adequar aos estudantes que vivem em comunidades distantes e de difícil acesso (o que significa que haja recursos maiores para a sua permanência e maior flexibilidade em prazos e cronogramas curriculares) e que, muitas vezes, são monolíngues em língua nativa. Sem falar na necessidade de se pensarem os currículos universitários desses cursos: a legitimidade de conhecimentos tradicionais e a inclusão de temas que geralmente são descartados do currículo acadêmico, mais voltado para as demandas e os anseios de populações urbanas habitantes dos grandes centros.

Estas questões, presentes no caso brasileiro, mas também pertinentes aos demais contextos, colocam em xeque a forma como as políticas públicas de cunho afirmativo têm sido desenvolvidas: não é possível tratar como um bloco homogêneo populações tão diferentes, como negros, deficientes físicos, indígenas e outros grupos, no intuito de democratizar as universidades. Critérios específicos precisam ser implantados para que povos etnicamente diferenciados sejam efetivamente beneficiados por essas políticas. Se as políticas universais não forem capazes de promover a justiça social, considerando as desigualdades e as diferenças existentes nessas sociedades, políticas de ação afirmativa tampouco o farão, se não forem pensadas a partir de uma matriz que contemple a diversidade.

As experiências relatadas no livro mostram que, embora sejam muitos os desafios, também foram importantes os avanços desenvolvidos por esses programas em suas universidades: ao colocarem esse tema na pauta educativa; ao difundirem a melhoria do desempenho acadêmico dos estudantes indígenas, o que se reflete principalmente em suas notas e na diminuição da evasão; ao demonstrarem o aumento na participação desses estudantes na vida universitária e no reconhecimento de sua existência por parte do corpo docente e dos colegas não indígenas; e ao apontarem caminhos que sugerem uma maior equidade do acesso ao Ensino Superior de populações indígenas na América Latina. As análises dos coordenadores que mostram as dificuldades mas também os êxitos em cada realidade específica, oferecem importantes subsídios para a redefinição das políticas educativas na região.

Cada vez é mais difícil invisibilizar a legítima demanda das populações indígenas que veem no acesso ao Ensino Superior uma estratégia importante na busca de novos recursos e meios para a melhoria da qualidade de vida de suas populações. Mas cabe aqui lembrar que os sucessos conquistados por esses programas só terão sentido e significado no longo prazo se essas experiências forem institucionalizadas, com recursos previstos dentro do orçamento de cada instituição e com a definição das políticas educativas de cada país, assegurando, assim, sua sustentabilidade e a independência dos recursos financeiros da cooperação internacional. E é aí que, ao final da leitura, sentimos um certo mal-estar por ver que ficaram em aberto algumas questões fundamentais: quanto foi possível avançar, a partir dessas experiências, na discussão das políticas públicas em cada um desses países? Sem o apoio do Programa Pathways será possível pensar em continuidades e avanços? Podemos esperar que em um breve futuro os recursos provenientes da cooperação internacional venham a complementar, em lugar de pautar, promover e manter (de forma quase exclusiva!), as poucas experiências bem-sucedidas nessa direção?

O livro não tem a pretensão de responder a tais perguntas, mas só o fato de suscitá-las já é outro de seus méritos. Temos um longo caminho pela frente e os movimentos indígenas sabem que toda e qualquer conquista alcançada é fruto de intensa mobilização. Sendo assim, vamos a ela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2014
  • Data do Fascículo
    Abr 2014
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