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PUTNAM, Lara. 2013. Radical Moves: Caribbean Migrants and the Politics of Race in the Jazz Age. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press. 322pp.

"A mudança mundial estava a caminho e pessoas como você estavam fazendo ela acontecer" (:123). Através de frases deste tipo e de envolventes exercícios imaginativos, a historiadora Lara Putnam proporciona aos leitores a experiência de se colocarem na pele dos protagonistas de seu mais recente livro, cujo título pode ser traduzido como "Movimentos Radicais: Migrantes Caribenhos e Políticas de Raça na Era do Jazz". Esses protagonistas são homens e mulheres negros, da classe trabalhadora, que saíram de suas diferentes ilhas natais do Caribe Inglês durante as quatro primeiras décadas do século XX. Ao buscarem oportunidades laborais nos vários portos ao seu redor, eles influenciaram três enormes transformações mundiais: a criação de um novo coletivo autoconsciente e militante, vinculado aos internacionalismos negros; a redefinição da relação entre governo, população e estrangeiros, a partir dos ideais de nativismo, nacionalismo, populismo, xenofobia e racismo eugênico; a crise do Império Colonial Britânico, o processo de descolonização e a formação de nações pós-independentes.

O livro está dividido em seis capítulos, além de uma introdução e uma breve conclusão, nas quais a autora sintetiza seus principais argumentos. O primeiro capítulo descreve como, desde o final do século XIX, a mobilidade de trabalhadores caribenhos foi encorajada como uma fonte de mão de obra para a expansão econômica e o desenvolvimento nacional. Oportunidades de trabalho abundavam nas minas de ouro da Venezuela e na construção do Canal do Panamá, assim como nas plantações de cana em Cuba e na República Dominicana, nas plantações de banana na costa atlântica da América Central e, de modo geral, nas ruas de Nova York e de outras cidades dos Estados Unidos. Nesse capítulo a autora mostra como, durante décadas, milhares de trabalhadores circularam entre esses locais, refazendo a geografia ao criarem uma esfera migratória circum-caribenha, um espaço relacional supranacional formado pela rede de conexões entre os locais por onde esses trabalhadores passaram, aos quais eles chegaram porque pessoas conhecidas já haviam estado ali.

Já no segundo capítulo, Putnam traz para primeiro plano sua ênfase na cultura popular, examinando as práticas de socorro e de proteção espiritual contra a bruxaria. Tais práticas conectavam os protagonistas da obra às populações de língua inglesa, espanhola e francesa, com as quais eles interagiam no sistema circum-caribenho. Mais que isso, essas práticas revelavam que todos os trabalhadores (locais e migrantes, negros e brancos) eram parte de um único mundo atlântico moderno, um espaço culturalmente contíguo caracterizado pela vulnerabilidade perante a bruxaria, a exploração laboral e a falta de direitos civis.

O terceiro capítulo estabelece um contraponto para os fenômenos narrados até então, evidenciando como a situação inicial dos trabalhadores caribenhos se modificou radicalmente nos anos 1920 e 1930. Nesse período, a combinação entre contração econômica e populismo xenofóbico acarretou a imposição de legislações (sem precedentes, mas não muito diferentes das atuais) de controle de mobilidade internacional nas Américas e na Europa. Conforme a historiadora argumenta neste e no sexto capítulo, tais legislações tiveram como consequência intencional a proibição da entrada e a deportação de negros estrangeiros, categoria na qual eram englobados inclusive os imigrantes residentes e seus filhos nascidos na migração. Estes, em particular, sofreram os extremos da violência vinculada a tais legislações, uma vez que, também na ilha de origem de seus pais no Caribe, eles eram privados de cidadania e proibidos de entrar, sendo relegados à situação de apátridas. Diante de tamanha privação de seus direitos civis (os quais não eram protegidos nem pelo Império Britânico ao qual pertenciam, nem pelos Estados-nação onde nasceram ou por onde passavam), os trabalhadores migrantes caribenhos repensaram suas vinculações de raça, classe, religião, império e nação.

No quarto e no quinto capítulos, Lara Putnam se volta novamente para a cultura popular e aborda, respectivamente, a imprensa e a música autoidentificadas como negras. Ambas são analisadas enquanto elementos centrais para que as pessoas vítimas do racismo e do populismo xenofóbico do início do século XX passassem a se perceber não como alvos individuais, mas sim como um coletivo cujas demandas tinham o direito de ser ouvidas. Atentando para o circuito do jazz e dos jornais - que vinculava artistas, produtores e público, de um lado, e jornalistas, editores e leitores, de outro - a autora demonstra como os protagonistas da obra passaram a fazer parte de um espaço culturalmente contíguo circum-caribenho. Nesse espaço (que incluía os EUA e inúmeros países do Caribe, da América Latina e da Europa), as concepções e as práticas sobre política e identidade não formavam um todo unitário e internamente homogêneo, tampouco estavam dissociadas de ideias sobre vida associativa, espiritualidade e dança. Diferentemente, elas interagiam umas com as outras, divergindo e convergindo entre si, à medida que atravessavam fronteiras nacionais, imperiais, raciais, de classe e de gênero.

Por fim, no sexto capítulo, Putnam explora as implicações da deportação e do retorno dos trabalhadores caribenhos migrantes às suas ilhas de origem (ou aquelas de seus pais), onde eles se tornaram protagonistas de revoluções culturais e sociais. Embora o movimento físico tenha sido interrompido, continuaram em andamento as mudanças decorrentes da longa história de contato, violência, aprendizado e troca entre os trabalhadores caribenhos migrantes e as populações norte-americana e latino-americana. Efetivamente, essa história inspirou rebeliões laborais e radicalismos religiosos (como o Rastafarianismo), culminando no processo de descolonização.

Embora estudos sobre diáspora africana, internacionalismos negros, jazz e descolonização sejam abundantes na história, na antropologia e em outras áreas, a abordagem de Lara Putnam é inovadora por duas razões relacionadas: ela mantém o foco nas conexões e adota uma perspectiva "bottom-up" (analisando os fenômenos de baixo para cima). O interessante é que, exatamente por focar nas conexões, a historiadora analisa os fenômenos de baixo para cima e, exatamente por analisar os fenômenos dessa maneira, ela faz de sua obra um estudo essencialmente sobre conexões.

Lara Putnam é professora adjunta da Universidade de Pittsburgh, doutora em História pela Universidade de Michigan e bacharel em História e Literatura pela Universidade de Harvard. Há mais de dez anos ela se dedica ao estudo da complexa relação entre raça, gênero e migração no Caribe, a partir de uma perspectiva micro-histórica, tendo publicado dois livros sobre esta temática. Tal como outros autores que lançam mão da perspectiva micro-histórica para abordar a história atlântica, Putnam foca em vidas individuais. Entretanto, à diferença desses analistas, a historiadora não se atém apenas às vantagens descritivas deste tipo de abordagem. Através de seu foco nas conexões, ela transforma essas vantagens descritivas em vantagens explicativas, usando histórias extraordinárias de pessoas comuns para responder a perguntas macro-históricas e macrossociológicas.

À medida que Lara Putnam descreve os movimentos radicais (físicos e ideológicos) dos trabalhados negros caribenhos entre 1900 e 1940, ela realiza uma síntese entre um foco nas conexões e uma abordagem "bottom-up" (micro-histórica). Esta síntese é estabelecida através de um diálogo crítico com estudos sobre a diáspora africana, os quais tendem a se concentrar em um local e a pensar a circulação de pessoas, práticas e ideias de maneira unidirecional. De fato, tais circulações são geralmente abordadas ou como deslocamentos de pessoas que partem de polos emissores e chegam a polos receptores, ou como tradições culturais herdadas e enraizadas em um passado original, ou ainda como práticas ideológicas que respondem a desafios sociopolíticos postos por sistemas repressivos. Diferentemente, ao fazer uma síntese entre um foco nas conexões e uma abordagem "bottom-up", Lara Putnam lança mão de um enquadramento analítico supranacional que não se atém a um local ou a circulações unidirecionais, mas sim ao espaço circum-caribenho: tal espaço é culturalmente contíguo, mas territorialmente descontínuo, construído pelas relações mantidas, criadas e transformadas por inúmeros trabalhadores migrantes afro-caribenhos de ambos os sexos.

A abordagem supranacional adotada por Putnam não é tão inovadora no que tange especificamente aos estudos sobre o processo de formação de nacionalismos e internacionalismos negros. De fato, eles também tendem a lançar mão de uma perspectiva supranacional (transnacional). Contudo, a maioria deles gira em torno de pessoas poderosas e conhecidas (como Marcus Garvey ou Malcom X) e de centros cosmopolitas (entre os quais Nova York ou Paris). Sem ignorar tais localidades, tampouco esses líderes famosos, Lara Putnam mostra como localidades periféricas e indivíduos comuns foram igualmente essenciais para a história dos internacionalismos negros, das políticas racistas antimigração e da descolonização. Além disso, a abordagem da autora concilia e relativiza a importância da ancestralidade comum, da criatividade cultural e da experiência compartilhada de deslocamentos e opressão racista (enfatizadas nos estudos sobre os internacionalismos negros e sobre diáspora africana). Ao proceder dessa maneira, Putnam vai além do debate político sobre os internacionalismos negros, do debate sociológico sobre migração e do debate antropológico sobre criolização, fornecendo uma visão sintética acerca das semelhanças e das diferenças entre a cultura afrodiaspórica, a cultura africana e a cultura europeia.

Certamente, a vasta gama de assuntos abordados e a diversidade de fontes primárias e secundárias consultadas fazem de Radical Moves uma obra de extrema importância. Entretanto, algumas questões poderiam ter sido trabalhadas em maior detalhe, especificamente no que tange à contextualização dos diferentes territórios, internacionalismos negros e radicalismos religiosos descritos. Para suprir essas lacunas, poderia ter sido incorporada, por exemplo, a ampla literatura antropológica que analisa a relação entre radicalismo religioso e internacionalismo negro na Jamaica e em outros contextos etnográficos citados por Putnam. Apesar dessas limitações, o livro aporta contribuições inovadoras e relevantes não apenas para historiadores, mas também para antropólogos, cientistas políticos e etnomusicólogos, assim como para estudiosos de qualquer disciplina que estejam interessados em questões relacionadas à raça, à migração, à música e à espiritualidade no Caribe e nas Américas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2016
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