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Mulé’ tem que ficar esperta: turismo, encontros passionais e gestão feminina da intimidade no nordeste do brasil

Woman have to stay smart: tourism, encounters of passion and female intimacy management in Northeast Brazil

Mujé’ tiene que estar lista: turismo, encuentros pasionales y gestión femenina de la intimidad en el nordeste de Brasil

Resumo

Baseado num trabalho de campo etnográfico, o texto considera as configurações passionais adultas resultantes do encontro de turistas europeus e mulheres brasileiras no bairro balnear de Ponta Negra (Natal-RN, nordeste brasileiro). A análise centra-se nas expectativas, estratégias e práticas femininas presentes nessas relações transatlânticas, assumindo-se a impossibilidade de estabelecer uma demarcação rígida entre dinheiro e amor, entre programas e outras formas de convivência íntima. A generalidade das mulheres gere os seus relacionamentos a partir de um conjunto semelhante de propósitos, embora ponderados de modo variável. Os interesses materiais tendem a assumir grande relevância e transversalidade. Todavia, entrecruzam-se com um leque de muitos outros desejos e projectos significativos no âmbito do género, da conjugalidade, da família e das migrações. Na prossecução destes desígnios, as mulheres evidenciam engenhosos procedimentos micropolíticos de intimidade, tentando compensar a posição social adversa ante os turistas europeus, estruturalmente favorecidos pelas intersecções de nacionalidade, classe, “raça” e género.

Palavras-chave:
Turismo; Intimidade transatlântica; Expectativas femininas; Agência; Nordeste brasileiro

Abstract

Based on an ethnographic fieldwork, the text considers the passionate adult settings resulting from the encounter of European tourists and Brazilian women in the seaside neighbourhood of Ponta Negra (Natal-RN, north-eastern Brazil). The analysis focuses on the female expectations, strategies and practices present in these transatlantic relations, assuming the impossibility of establishing a rigid demarcation between money and love, between programas and other forms of intimacy. Most women manage their relationships through a similar set of purposes, although considered and weighted variably. Material interests tend to assume great importance and transversality. However, they are interwoven with many other significant desires and projects in the domains of gender, conjugality, family and migrations. In pursuing these purposes, women demonstrate ingenious micropolitical procedures of intimacy, trying to compensate the adverse social position vis-à-vis the European tourists, structurally privileged by the intersections of nationality, class, “race” and gender.

Keywords:
Tourism; Transatlantic intimacy; Female expectations; Agency; Northeast Brazil

Resumen

Basado en un trabajo de campo etnográfico, el texto considera las configuraciones pasionales adultas resultantes del encuentro de turistas europeos y mujeres brasileñas en el barrio playero de Ponta Negra (Natal-RN, nordeste de Brasil). El análisis se centra en las expectativas, estrategias y prácticas femeninas presentes en estas relaciones transatlánticas, asumiéndose la imposibilidad de establecer una rígida demarcación entre dinero y amor, entre los programas y otras formas de convivencia íntima. La mayoría de las mujeres maneja sus relaciones desde un conjunto similar de propósitos, aunque ponderados de modo variable. Los intereses materiales tienden a asumir gran relevancia y transversalidad. Sin embargo, se entrelazan con una gama de muchos otros deseos y proyectos significativos en el ámbito del género, de la conyugalidad, de la familia y de las migraciones. Con el intento de alcanzar estos propósitos, las mujeres muestran ingeniosos procedimientos micropolíticos de intimidad, buscando compensar la posición social adversa frente a los turistas europeos, estructuralmente favorecidos por las intersecciones de nacionalidad, clase, “raza” y género.

Palabras clave:
Turismo; Intimidad transatlántica; Expectativas femeninas; Agencia; Nordeste brasileño

Introdução

Os últimos anos do século XX ficaram marcados por uma forte expansão do turismo em muitos contextos do nordeste do Brasil, como foi o caso da cidade de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte (RN) (Fonseca & Lima 2012FONSECA, Maria, & LIMA, Renata. 2012. “Globalização, turismo e lazer na região metropolitana de Natal/RN”. Revista Turismo, Visão e Ação, 14(3):322-336. ; Furtado 2008FURTADO, Edna. 2008. A onda do turismo na cidade do sol: reconfiguração urbana de Natal. Natal: EDUFRN. ). Dentre os inúmeros destinos de sol e praia natalenses, Ponta Negra surge, actualmente, como um dos bairros balneares mais proeminentes e cosmopolitas, exemplificando de forma expressiva as dinâmicas de turistificação dos lugares (Carrigan 2011CARRIGAN, Anthony. 2011. Postcolonial tourism: literature, culture, and environment. Nova York: Routledge.). Aqui, a afluência turística internacional é fortemente masculinizada, destacando-se os fluxos provenientes da Europa Mediterrânea, sobretudo da Itália. Como as razões de âmbito afectivo-sexual são bastante relevantes nessas mobilidades de homens europeus (Sacramento 2015a____. 2015a. “From Europe with passion: frameworks of the touristic male desire of Ponta Negra, in the North-East of Brazil”. Current Issues in Tourism, DOI: 10.1080/13683500.2015.1056517.
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) - à semelhança do que acontece, desde logo, noutros destinos da América Latina (Blanchette & Silva 2010____. & SILVA, Ana Paula. 2010. “‘A mistura clássica’: miscigenação e o apelo do Rio de Janeiro como destino para o turismo sexual”. Bagoas, 4(5):221-244.; Brennan 2004____. 2004. What’s love got to do with it? Transnational desires and sex tourism in the Dominican Republic. Durham e Londres: Duke University Press.; Kempadoo 1999KEMPADOO, Kamala (org.). 1999. Sun, sex, and gold: tourism and sex work in the Caribbean. Lanham, MD: Rowman & Littlefield. ; Piscitelli 2007a____. 2007a. “Shifting boundaries: sex and money in the North-East of Brazil”. Sexualities, 10(4):489-500.; Simoni 2014SIMONI, Valerio. 2014. “Coping with ambiguous relationships: sex, tourism, and transformation in Cuba”. Journal of Tourism and Cultural Change , 12(2):166-183. ) - a sua presença em Ponta Negra tem grandes repercussões no mercado local de paixões e relacionamentos.

Considerando esta situação, o presente texto versa sobre a convivência passional heterossexual adulta entre mulheres brasileiras e turistas europeus, centrando-se, prioritariamente, no modo como as primeiras gerem a intimidade e as suas expectativas biográficas no âmbito dos muitos encontros transnacionais que o turismo proporciona. A análise é guiada por três grandes objectivos: mapear a diversidade e as dinâmicas das relações íntimas transatlânticas em Ponta Negra; compreender os desejos e os interesses das mulheres locais que mais impulsionam essas relações; ponderar capacidades, habilidades e estratégias femininas para gerir a intimidade com os turistas em função de determinados projectos de vida e num quadro estrutural de assimetrias e constrangimentos.

A discussão aqui travada aprofunda algumas reflexões já sinalizadas em textos anteriores (Sacramento 2015b____. 2016b. “Localizações e itinerâncias: crónica de um trabalho de campo transatlântico”. In: H. Martins & P. Mendes (orgs.), Trabalho de campo: envolvimento e experiências em antropologia. Lisboa: ICS. pp. 179-199., 2016a____. 2016a. “Conjugalidades distendidas: trânsitos, projetos e casais transatlânticos”. DADOS - Revista de Ciências Sociais, 59(4):1207-1240.) e baseia-se no trabalho de campo para doutoramento que realizei em 2009/2010 sobre configurações de intimidade euro-brasileiras que têm início durante as estadias turísticas de europeus em Ponta Negra, principalmente na esfera do sexo transacional - programas (Sacramento 2014SACRAMENTO, Octávio. 2014. Atlântico passional: mobilidades e configurações transnacionais de intimidade euro-brasileiras. Tese de Doutoramento em Antropologia, ISCTE, Lisboa. ).1 1 Nesta pesquisa usufruí da bolsa de doutoramento SFRH/BD/60862/2009, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal). Igualmente importante foi e continua a ser o apoio do centro em que desenvolvo trabalho de investigação – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (Cetrad-Utad) – instituição financiada por Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente Feder, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (Compete 2020) [Projeto nº 006971 (UID/SOC/04011); Referência do Financiamento: POCI-01-0145-Feder-006971]; e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2013. Além de Ponta Negra, o sítio etnográfico de partida e de referência, a investigação no terreno contemplou outros contextos, na Europa e no espaço digital (Sacramento 2016b), envolvidos na rede de fluxos associada aos vínculos iniciados nos trópicos e, parte deles, mantidos a distância segundo formatos que, por vezes, culminam em laços de conjugalidade. Atendendo a que estava a trabalhar sobre manifestações sociais vinculadas a múltiplos sítios, recorri a uma “etnografia multissituada” (Marcus 1995MARCUS, George. 1995. “Ethnography in/of the world system: the emergence of multi-sited ethnography”. Annual Revue of Anthropology, 24(1):95-117.). Desta forma foi possível acompanhar alguns dos principais informantes nos seus trânsitos entre ambas as margens atlânticas e captar com maior espessura empírica a dimensão transnacional dos respectivos relacionamentos de intimidade.

No âmbito da etnografia, enquanto conjunto de princípios e procedimentos estruturantes da pesquisa, o processo de recolha de informação baseou-se principalmente na observação participante e em meia centena de entrevistas semidirigidas. Ao suscitar a aproximação aos quotidianos daqueles que personificam o objeto de estudo e um olhar a partir de dentro dos respectivos contextos sociais (Magnani 2002MAGNANI, José. 2002. “De perto e de dentro: nota para uma etnografia urbana”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(49):11-29.), a abordagem etnográfica proporcionou uma compreensão densa das disposições subjectivas, das condições sociais e das coordenadas culturais em que se inscrevem os processos e as práticas constitutivas das configurações transnacionais de intimidade.

Turismo e configurações transatlânticas de intimidade em Ponta Negra

O Estado brasileiro, através de políticas específicas, teve um papel muito activo na expansão do turismo no nordeste brasileiro, acreditando que esta seria a solução mágica para o desenvolvimento da região (Duda & Araujo 2014DUDA, João & ARAUJO, Lindemberg. 2014. “Polos de turismo no nordeste do Brasil: crescimento, desenvolvimento e escassez de conhecimento”. Caderno Virtual de turismo, 14(3):204-218.; Thevenin 2011THEVENIN, Julien. 2011. “O turismo e suas políticas públicas sob a lógica do capital”. Caderno Virtual de turismo [on-line], 11 (1):122-133. Disponível em: <Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115418480008&idp=1&cid=2800686 >. Acesso em: 22/06/2016.
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). No caso de Natal, mais concretamente de Ponta Negra, os órgãos de poder públicos estabeleceram as directrizes do ordenamento espacial e do modelo de urbanização e turistificação do bairro, criaram condições para atrair grandes investimentos europeus e definiram a Europa como a geografia privilegiada da sua internacionalização (Sacramento 2017____. 2017. “The production of tourism in Ponta Negra, Northeast Brazil: policies, representations and logics of desire”. Journal of Tourism and Cultural Change (no prelo). ). Por outro lado, em linha com o que vinha acontecendo em nível nacional, os discursos de promoção turística reproduziram representações coloniais e pós-coloniais sobre género, “raça”, sexualidade e nacionalidade, congregando-as na ideia da brasilidade como exotismo e sensualidade (Alfonso 2006ALFONSO, Louise. 2006. Embratur: formadora de imagens da nação brasileira. Dissertação de Mestrado em Antropologia, Unicamp.; Bignami 2002BIGNAMI, Rosana. 2002. A imagem do Brasil no turismo. São Paulo: Aleph.; Ribeiro & Sacramento 2009____. 2009. “Imagens, erotismo e culturas on the road: perspectivas sobre o Brasil como destino turístico”. Configurações, 5-6:241-255.; Sacramento & Ribeiro 2013____. & RIBEIRO, Fernando B. 2013. “Trópicos sensuais: a construção do Brasil como geografia desejada”. Bagoas, 10:215-232.). Ainda que não deliberadamente, a alteridade erotizada - sempre muito associada ao feminino, à figura da mulata (Gomes 2010GOMES, Mariana. 2010. “A (des)(re)construção do Brasil como um paraíso de mulatas”. Revista Eletrônica de Turismo Cultural [on-line], 4(2):48-70. Disponível em: <Disponível em: http://www.eca.usp.br/turismocultural/8.03_Mariana_Selister.pdf >. Acesso em: 26/04/2016.
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; Piscitelli 2004a____. 2004a. “El tráfico del deseo: interseccionalidades no marco do turismo sexual no Nordeste do Brasil”. Quaderns-e [on-line], 4:1-15. Disponível em: <http://www.antropologia.cat//antiga/quaderns-e/04/04_03.htm#4>. Acesso em: 14/12/2011.
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) - foi apresentada como componente intrínseca da oferta de lazer, o que viria a proporcionar a inclusão do destino em circuitos generificados e sexualizados de turismo.

Fundado em antigas imagens, (cor)relações geopolíticas e “lógicas do desejo” (Constable 2003CONSTABLE, Nicole. 2003. Pen pals, virtual ethnography, and ‘mail order’ marriages: romance on a global stage. Berkeley: University of California Press.; Sacramento 2017____. 2017. “The production of tourism in Ponta Negra, Northeast Brazil: policies, representations and logics of desire”. Journal of Tourism and Cultural Change (no prelo). ), o processo de construção e difusão da identidade turística de Ponta Negra fomentou o “male gaze” (Pritchard & Morgan 2000PRITCHARD, Annette & MORGAN, Nigel. 2000. “Privileging the male gaze: gendered tourism landscape”. Annals of Tourism Research , 27(4):884-905. ) e direccionou-se, prioritariamente, para países da Europa. Deste modo, contribuiu para a presença maioritária de homens europeus no contingente de visitantes internacionais que afluem ao bairro, também conhecidos como gringos.2 2 O termo gringo é usado um pouco por toda a América Latina sobretudo para denominar os estrangeiros, em particular os ocidentais (Blanchette 2001; Craft 2008; Hayes 2015). Remete predominantemente para a nacionalidade e não tanto para o fenótipo. No caso do Brasil, como destaca Blanchette (2012), tende a referenciar alguém que “não é nosso”, mas está entre nós, sendo usado pelos nacionais e forasteiros nas suas interacções de forma “natural” – geralmente não insultuosa – como marcador identitário das diferenças em face do que se considera ser brasileiro. De entre os principais traços que socialmente qualificam alguém como gringo, destacam-se os factos de não ter nascido no Brasil e de não ter família brasileira, ser falante de uma língua estrangeira, revelar manifestas dificuldades na aprendizagem do português e ser cidadão de um país bem cotado na geopolítica global (Blanchette 2012). No contexto específico de Ponta Negra, a categoria é usada com um conteúdo identitário semelhante. As mulheres que protagonizam a construção de relações de intimidade transatlânticas usam a designação gringo principalmente para os turistas europeus, associando a categoria a alguém que é de fora, fala uma língua enrolada e é cidadão de um continente imaginado como uma geografia conceituada, próspera e da vida boa. Por sua vez, estes mesmo fluxos turísticos massificados têm estimulado a afluência feminina, quer pelos muitos postos de trabalho que geram, quer, acima de tudo, pelo facto de proporcionarem condições atractivas ao exercício do sexo mercantil e a outros arranjos passionais. A chegada de turistas internacionais é um foco permanente de interesse e conversas entre mulheres que já se encontram em Ponta Negra, bem como entre estas e outras em demais contextos. Em presença ou a distância, através do telemóvel e/ou da internet, rapidamente circulam boatos, palpites e informações, em especial aquela que maior frenesim suscita: Chegou avião da Europa!. A rede de amigas e conhecidas funciona, aliás, como a principal estrutura de socialização para a entrada nas rotinas de intimidade com os turistas e, no caso daquelas que não são natalenses, também como importante suporte da sua deslocação e instalação.

Ainda jovens, com idades situadas predominantemente no escalão dos 20 aos 30 anos,3 3 Em geral estas mulheres são mais jovens que os parceiros europeus (Sacramento 2015a), um contraste bastante comum noutros contextos tropicais rotulados como destinos do chamado turismo sexual (Kempadoo 1999; Piscitelli 2004b, 2007; Rivers-Moore 2011). as mulheres que participam na “transnacionalização da intimidade” (King 2002KING, Russell. 2002. “Towards a new map of European migration”. International Journal of Population Geography, 8(2):89-106.) em Ponta Negra são provenientes de diversos pontos. Além das autóctones, descendentes das populações nativas da antiga vila de pescadores do bairro, muitas se deslocam diariamente de diferentes zonas de Natal e da sua área metropolitana, e outras, sazonalmente, de várias localidades do estado do RN e de estados vizinhos da região Nordeste (v.g. Paraíba, Pernambuco, Maranhão). A maioria dessas mulheres encontra-se fora do mercado de trabalho formal ou em situações de grande precariedade, com salários baixos e sem perspectivas de estabilidade profissional. Nestas circunstâncias, tendem a encarar o envolvimento passional com os turistas e a consequente ajuda do europeu como estratégia plausível para superar a extensa vulnerabilidade socioeconómica em que se encontram e de que dificilmente sairão, como elas próprias reconhecem (Sacramento 2015b____. 2015b. “Vida boa e história de amor: desígnios femininos ante turistas europeus no Nordeste brasileiro”. In: Ó. Fernández (org.), Mujeres en riesgo de exclusión social: una perspectiva transnacional. Madrid: McGraw-Hill. pp. 123-135.).

As relações de intimidade euro-brasileiras em Ponta Negra revelam configurações diversas e ambivalentes, sendo perspectivadas de modo diferenciado pelos seus intervenientes e, por vezes, alvo de expectativas bastante divergentes. A maioria dessas relações implica, sobretudo ao início, uma contratualização comercial, tácita ou explícita. As demais relações, com uma expressão todavia considerável, constituem-se fora do âmbito estrito da mercantilização da sexualidade e evidenciam formas (v.g. namoro, amizade colorida, ficar) que, de um modo geral, correspondem a modelos socioafectivos relativamente comuns nos dois lados do Atlântico. A procura activa de turistas europeus por parte de mulheres que assumem os programas como principal actividade de subsistência e de outras jovens (atraídas pela suposta prosperidade económica do estrangeiro) ajuda, desde logo, a explicar o predomínio de vínculos que, mais directamente, se inscrevem em quadros e dinâmicas mercantis. A proximidade e a disponibilidade relacional dessas mulheres contrastam com uma certa distância e resistência daquelas que manifestam receio de se relacionar com gringos e de ver a identidade de boas moças deteriorada, sujeita a rótulos estigmatizantes, como garota de programa ou piriguete.4 4 A expressão garota de programa terá surgido no Brasil para fazer referência a trabalhadoras sexuais e, de um modo geral, a mulheres tidas como sexualmente promíscuas (Gaspar 1985). Mais recentemente, tende a ser usada com um sentido mais específico, sendo o programa associado a “[...] acertos explícitos de intercâmbios de serviços sexuais por dinheiro, envolvendo práticas e períodos de tempo delimitados, que podem ter diferentes valores, dependendo da modalidade e do estilo da prostituição e do local no qual os encontros têm lugar” (Piscitelli 2011:547). Também com uma forte conotação sexual – embora não remetendo necessariamente para o exercício da prostituição – o rótulo piriguete é destinado à (de)marcação simbólica de mulheres cujos comportamentos contrariam os valores de género dominantes: frequentam os espaços da balada (v.g. bares e discotecas), envolvem-se em relacionamentos mais ou menos episódicos, sobretudo com homens solventes, e as formas como se vestem e agem são consideradas demasiado provocantes (Cerqueira, Corrêa & Rosa 2012). O acesso dos turistas à sua intimidade tende, por isso, a ser mais moroso, negociado e passível de insucesso. Compreende-se, assim, a menor frequência das relações (aparentemente) isentas de expectativas materiais imediatas e, ao mesmo tempo, a sua especial valorização nos discursos masculinos.

Importa, contudo, ter em conta que do sexo comercial à paixão romântica a distância é curta e dúbia, revelando-se muito difícil, à semelhança do que sucede noutros contextos, discernir emoção e negócio, quem é ou não é garota de programa e o que se considera ser prostituição (Cabezas 2004CABEZAS, Amalia. 2004. “Between love and money: sex tourism and citizenship in Cuba and the Dominican Republic”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, 29(4):987-1015.; Hoefinger 2013HOEFINGER, Heidi. 2013. Sex, love and money in Cambodia: professional girlfriends and transactional relationships. Abingdon eNova York: Routledge .; Kummels 2005KUMMELS, Ingrid. 2005. “Love in the time of diaspora. Global markets and local meanings in prostitution, marriage and womanhood in Cuba”. Iberoamericana, 5(20):7-26.; Piscitelli, Assis & Olivar 2011PISCITELLI, Adriana; ASSIS, Gláucia & OLIVAR, José (orgs.). 2011. Gênero, sexo, amor e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil . Campinas: Unicamp/ Pagu.). Os próprios programas evidenciam frequentemente constituições contingenciais e flutuantes, congregando (ou oscilando entre) elementos económicos e afectivos,5 5 Embora com menor expressão, a convivência entre o material e o sentimental está presente mesmo naqueles contextos em que a prostituição está organizada como mera actividade comercial (Ribeiro et al. 2007). quase sempre percebidos como opostos e incompatíveis numa sociedade que tem caminhado no sentido da hipervalorização do amor incondicionado (Priore 2005PRIORE, Mary del. 2005. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto.). Apesar de tudo, esses mesmos programas não deixam de assumir, pelo menos na sua génese, a forma de contratualizações pautadas por pretensões monetárias declaradas da parte feminina.

Muitas das mulheres que frequentam assiduamente determinados segmentos da praia ou outros pontos do bairro procuram, acima de tudo, encontrar gringos dispostos a gratificar a sua companhia. Sempre que tomam a iniciativa do contacto inicial, a abordagem é mediada por pessoas das suas respectivas redes sociais (v.g. outras mulheres, taxistas, trabalhadores da praia) ou é feita directamente pelas próprias. Neste último caso, recorrem a insinuações de sedução (v.g. olhar, sorriso, postura corporal) e a pretextos (v.g. perguntar as horas, pedir um cigarro), aparentemente ocasionais, de forma a proporcionar uma primeira aproximação e a avaliar a disponibilidade dos potenciais parceiros.6 6 A interacção é facilitada pelo facto de a maioria delas conseguir comunicar razoavelmente bem nas línguas italiana e espanhola, além do conhecimento de palavras básicas em outros idiomas. Trata-se de uma interacção idêntica a uma paquera (galanteio, flirt), como a Alessandra (42 anos, ex-corretora de empréstimos, dois filhos) a define:

A primeira vez que eu fiz um programa foi... eu tava no tal shopping (Praia Shopping, em Ponta Negra( e eu já morava sozinha aqui em Natal. Aí um estrangeiro começou a paquerar comigo e eu a paquerar com ele e tal... e ele me convidou para sair e eu aceitei. Quando eu voltei para o shopping - que ele veio me deixar no shopping - ele me deu R$ 150. ((( Ele disse: “Isso é para você comprar um presente para você!”. Aí, tudo bem!

Em caso de receptividade da parte masculina, o mais comum é iniciar-se entre as partes um subtil processo de negociação da relação através do qual vão sendo esboçados - com maior precisão nalguns casos que noutros - os termos do programa, sobretudo o preço, o tempo e, eventualmente, as práticas de convivência íntima. Os arranjos são pouco padronizados e bastante voláteis quando comparados com o que sucede em meios de prostituição mais estritamente mercantilizados (Hart 1998HART, Angie. 1998. Buying and selling power: anthropological reflections on prostitution in Spain. Oxford: Westview Press.; Oliveira 2011OLIVEIRA, Alexandra. 2011. Andar na vida: prostituição de rua e reacção social. Coimbra: Almedina.; Ribeiro et al. 2007RIBEIRO, Manuela et al. 2007. Vidas na raia: prostituição feminina em regiões de fronteira. Porto: Afrontamento.). A sua variabilidade é considerável: (i) quando implicam um pagamento imediato, os valores envolvidos tendem a situar-se entre os R$ 50/R$ 100 e os R$ 200/R$ 250, embora o mais comum seja uma quantia próxima dos R$ 150; (ii) a respectiva duração vai do tempo dispendido para a intimidade sexual a algumas horas - que incluem, porventura, passeio turístico e jantar - ou até dias. Neste último caso, o pagamento é estabelecido tendo em conta o número de dias que ambas as partes vão permanecer juntas. Nas épocas de maior afluência de turistas (dezembro-fevereiro e julho-setembro) são praticados valores na ordem dos R$ 150 diários para um acompanhamento exclusivo, durante uma semana, por exemplo. Tacitamente, o gringo fica ainda com a responsabilidade de custear as despesas mais correntes da parceira, a que se juntam, nalguns casos, encargos com outros consumos da própria e/ou da respectiva família.

Por vezes, e sobretudo por estratégia das próprias mulheres, a negociação da intimidade inicia-se num ambiente de tal modo informal e em tudo semelhante a outras circunstâncias de sedução que os turistas, em particular aqueles menos familiarizados com o contexto, não identificam a situação como sexo comercial.7 7 Neste simulacro de romance, ou performatividade amorosa (Brennan 2007), há uma certa instrumentalização feminina das práticas de sedução, sendo orientadas por (alguns) interesses distintos daqueles que, em exclusivo, aparentam. Daqui resultam ilusões masculinas de “normalidade” (Piscitelli 2004a) e de “conquista” (Ribeiro & Sacramento 2006) que alimentam em muitos turistas a crença de que as companheiras locais estão com eles não tanto pela sua suposta afluência financeira, mas pelo charme e capacidade de sedução (Kummels 2005; O’Connell-Davidson 1996). Além do mais, as parceiras nem sempre lhes pedem retribuição no imediato como meio de pagamento da relação, o que reforça a ideia de uma intimidade não prostitucional que eles tanto valorizam e demandam. Fazem-no a posteriori, com alguma subtileza, sob a forma de insinuações ou de pedidos de ajuda, que podem se prolongar para lá do período em comum em Ponta Negra, como é demonstrado no relato seguinte:

Em conversa informal no calçadão da praia, a Rossana (24 anos, natural do estado de Mato Grosso do Sul) disse-me que não gosta de aparecer por aqui, para não ficar muito marcada. Até há uma semana, esteve quase um mês com um turista irlandês de 50 anos. Conheceu-o na rua do Salsa e fez-lhe crer que não era garota de programa. Para tal teve o cuidado de não requerer qualquer pagamento quando se conheceram. Ele não lhe dava dinheiro directamente para pagar a sua companhia, mas sim para comprar bens que ela ia solicitando: “Eu dizia para ele que precisava dinheiro para roupa, para electrodomésticos e ele ajudava eu. Quando foi embora, ainda me deu R$ 800. Já há uma semana que não falo com ele, mas quero telefonar-lhe para que mande mais algum dinheiro” (notas de campo, Ponta Negra, 18/12/2009).

As solicitações aos parceiros europeus são, amiúde, acompanhadas por discursos em que invocam como principais argumentos as dificuldades económicas em que se encontram e o facto de terem filhos e outros familiares a seu cargo. Através daquilo que apresentam como simples ajuda constroem uma camuflagem estratégica que lhes permite obter proventos tão ou mais significativos que aqueles que obteriam num regime de transacção comercial declarada. Ao mesmo tempo, como nota Cabezas (2004CABEZAS, Amalia. 2004. “Between love and money: sex tourism and citizenship in Cuba and the Dominican Republic”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, 29(4):987-1015.) para o Caribe, mantêm em aberto possibilidades de matrimónio e emigração que seriam menores num formato de prostituição explícita e, por outro lado, resguardam um pouco mais a sua identidade dos estigmas da prostituição.

Os programas não representam expressões de intimidade monolíticas e estáticas (Piscitelli, Assis & Olivar 2011PISCITELLI, Adriana; ASSIS, Gláucia & OLIVAR, José (orgs.). 2011. Gênero, sexo, amor e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil . Campinas: Unicamp/ Pagu.), nem tampouco representam, unicamente, transacções mercantis. São muitas as relações que, embora se iniciem como programas e envolvam pagamento, evoluem no sentido de modelos de convivência amorosa, como o ficar, o convencional namoro e, não raro, a aliança conjugal, tal como é destacado por Cohen (2003____. 2003. “Transnational marriage in Thailand: the dynamics of extreme heterogamy”. In: T. Bauer & B. McKercher (orgs.), Sex and tourism: journeys of romance, love and lust. Nova York: Haworth Press. pp. 57-81.) para contextos turísticos tailandeses. A transição de configurações de intimidade de cariz comercial para arranjos de pendor mais normativo decorre com relativa celeridade. Uma semana de convivência regular ou um par de programas é por vezes suficiente. No limite, basta um programa, como aconteceu com Bernard (turista francês, 39 anos, desempregado), que conheceu a sua companheira numa das primeiras noites após a chegada e somente pagou a primeira saída. A partir daí e até ao fim da estadia em Ponta Negra continuaram a relacionar-se durante mais duas semanas, num registo a fazer lembrar os “namoros de Verão” de que nos fala Piscitelli (2001PISCITELLI, Adriana. 2001. Entre a prostituição e os namoros de Verão: género e sexualidade no contexto do turismo internacional. Rio de Janeiro: Fapesp. ).

Esta metamorfose e a constituição de laços menos efémeros implicam mudanças nas práticas de gestão da intimidade: (i) a fidelidade ganha relevância enquanto preceito regulador do compromisso entre as partes, embora se situe, por vezes, somente no plano dos discursos de intenções ou de promessas estratégicas; (ii) o controlo do(a) parceiro(a) torna-se uma prática habitual; (iii) comportamentos como andar de mãos dadas, formas de tratamento e outras expressões afectivas no espaço público tornam-se bastante comuns; (iv) os horizontes da sexualidade ganham amplitude, passando a contemplar práticas até então pouco usuais por serem consideradas demasiado íntimas (v.g. sexo anal e oral, não utilização do preservativo) e, por isso, reservadas para situações de maior cumplicidade afectiva.

Simultaneamente, a transacção monetária inicial, explícita e imediata, atenua-se e pode mesmo deixar de operar como contrapartida manifesta do acesso à intimidade feminina. Todavia, esta desmonetarização não significa que as mulheres em causa abandonem por completo os seus interesses económicos e passem a orientar-se apenas em função de expectativas passionais. À semelhança daqueles casos em que o pagamento imediato nem mesmo ao início está presente na relação, elas abdicam de remuneração, mas não deixam, sub-repticiamente, de assegurar ajudas financeiras pontuais e outras formas de compensação material, tais como móveis ou electrodomésticos, vestuário, bens alimentares, material escolar para os filhos, telemóvel e renda de casa. Mesmo depois de regressarem à Europa, alguns namorados deixam que elas permaneçam nos apartamentos de que são proprietários (ou arrendatários) em Ponta Negra e outros enviam-lhes periodicamente quantias que, grosso modo, podem ascender a mais de um salário mínimo brasileiro. Estas ajudas durante e após a estadia no Brasil são asseguradas não só por indivíduos abastados, como também por outros com rendimentos médio-baixos para o cenário europeu, como é o caso do Giacomo (italiano, 58 anos, reformado dos correios; primeiro turista, agora residente temporário):

Da primeira vez fiquei um mês com a Marinalva (início de 2004(. Só paguei na primeira noite que fui com ela, R$ 50. Depois, mais tarde, comprei-lhe dois shorts (R$ 10 cada) e dois biquínis (R$ 15 cada). No total foi cerca de R$ 100... Também a levava a comer à pizaria ou a outro restaurante, e pagava eu. Também cozinhava para ela no apartamento onde eu estava. Ela só lavava a loiça. No final do mês de janeiro, ela disse-me que fazia anos e eu ofereci-lhe um perfume de R$ 40, que depois a amiga roubou para comprar crack. Depois vim a saber que não era a Marinalva que fazia anos, mas sim a sua filha. Dessa vez, antes de ir embora, perguntei-lhe se queria mais alguma coisa e ela disse: “Me compra um celular usado, se você quiser”. E eu comprei. ((( De março a julho de 2004 enviei quatro vezes dinheiro para ela - €50 de cada vez - através da Western Union. Telefonava-lhe todas as semanas e ela, às vezes, ia dizendo que precisava de dinheiro.

Em jeito de contrapartida, os companheiros exigem-lhes que deixem de sair com outros homens, geralmente na expectativa do reencontro num futuro próximo, na Europa ou no Brasil, e da possível continuidade/evolução do relacionamento. Porém, são muitas aquelas que continuam a fazer programas ou a manter vários namoros. Por razões económicas, mas também pela flexibilidade com que operacionalizam a noção de fidelidade, e que se compreende se tivermos em consideração que, historicamente, a vida sexual na generalidade das ex-colónias latino-americanas não está tão confinada à monogamia e às ideologias da exclusividade romântica como no Ocidente (Kempadoo 1999KEMPADOO, Kamala (org.). 1999. Sun, sex, and gold: tourism and sex work in the Caribbean. Lanham, MD: Rowman & Littlefield. , 2004). Do ponto de vista financeiro, configurações de intimidade multirrelacionais poderão permitir-lhes receber várias remessas transnacionais em simultâneo. Isto só é possível enquanto os parceiros, sempre que regressem a Ponta Negra, aí permaneçam por períodos não coincidentes e desde que sejam assegurados silêncios, garantidas cumplicidades locais e adoptadas narrativas convincentes de preservação da fachada da fidelidade.

Congregando múltiplas expectativas

A dimensão económica dos relacionamentos transnacionais, tal como é sugerido por Kummels (2005KUMMELS, Ingrid. 2005. “Love in the time of diaspora. Global markets and local meanings in prostitution, marriage and womanhood in Cuba”. Iberoamericana, 5(20):7-26.) para o contexto cubano, é assumida pelas próprias mulheres de forma relativamente descomplexada. Na perspectiva delas, é natural que assim seja, pois ajudar é uma obrigação masculina. Aquele que não ajuda é alvo de depreciação, sendo considerado rude, machista, insensível (cafuçu). A noção do homem como responsável pela assumpção de custos e encargos materiais recolhe uma expressiva adesão social. A proprietária de um pequeno restaurante popular de Ponta Negra (brasileira, 55 anos) dizia-me, plena de convicção: “Se eu estivesse com um homem que recusasse pagar a despesa da mesa, eu dava logo com os pés nele! Faz sentido a mulher ter de pagar? Nem rachar!”. Nesta orientação expressam-se valores de género hegemónicos de teor patriarcal que configuram um padrão de homem-provedor cuja expressão no Brasil é ainda bastante significativa, em especial entre as classes populares (Victoria & Knauth 2004VICTORIA, Ceres & KNAUTH, Daniela. 2004. “Corpo, género e saúde: a contribuição da antropologia”. In: M. Strey & S. Cabeda (orgs.), Corpos e subjectividades em exercício interdisciplinar. Porto Alegre: EDIFUCRS. pp. 81-91.).

A obrigação de bancar a companheira torna-se ainda mais vincada quando estão em causa indivíduos europeus, imaginados como financeiramente afluentes.8 8 A nacionalidade funciona aqui como categoria de reforço das atribuições de género. Subjacente a esta obrigação está, em certa medida, a representação da mulher como valor ao qual nem todos têm capacidade de aceder, bem patente, aliás, num aforismo tantas vezes repetido pelas minhas informantes: “Mulé’ não tem quem quer; mulé’ só tem quem pode!”. Nesta expressão popular fica ainda evidente que a intimidade também é um espaço de interesses materiais e poder, articulando amor e economia (Adelman 2011ADELMAN, Miriam. 2011. “Por amor ou por dinheiro? Emoções, discursos, mercados”. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, 1(2):117-138.; Cabezas 2004CABEZAS, Amalia. 2004. “Between love and money: sex tourism and citizenship in Cuba and the Dominican Republic”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, 29(4):987-1015.; Júnior 2005JÚNIOR, Edmilson L. 2005. “Amor, sexo e dinheiro: uma interpretação sociológica do mercado de serviços sexuais”. Política & Sociedade, 4(6):165-193.; Rebhun 2007REBHUN, Linda-Anne. 2007. “The strange marriage of love and interest: economic change and emotional intimacy in Northeast Brazil”. In: M. Padilla et al. (orgs.), Love and globalization: transformations of intimacy in the contemporary world . Nashville: Vanderbilt University Press . pp. 106-120.; Zelizer 2005ZELIZER, Viviana. 2005. The purchase of intimacy. Princeton: Princeton University Press.) segundo diversas configurações de “economia política do amor” (Padilla et al. 2007PADILLA, Mark et al 2007. “Introduction: cross-cultural reflections on an intimate intersection”. In: ___.(orgs.), Love and globalization: transformations of intimacy in the contemporary world. Nashville: Vanderbilt University Press. pp. ix-xxxi.; Sahlins 1990SAHLINS, Marshall. 1990. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Zahar .).

Ainda que as ambições materiais de vida boa assumam grande importância na generalidade dos relacionamentos transnacionais de intimidade - inclusive em muitos daqueles que seriam apenas por amor, à semelhança do que é dito por Brennan (2004____. 2004. What’s love got to do with it? Transnational desires and sex tourism in the Dominican Republic. Durham e Londres: Duke University Press.) para a República Dominicana - é necessário ter em conta que os interesses das mulheres locais pelos gringos vão além do económico, congregando também expectativas em torno de características etno-sexuais, fenotípicas, de género e romantismo que alegam não vislumbrar nos homens brasileiros (Sacramento 2015b____. 2015b. “Vida boa e história de amor: desígnios femininos ante turistas europeus no Nordeste brasileiro”. In: Ó. Fernández (org.), Mujeres en riesgo de exclusión social: una perspectiva transnacional. Madrid: McGraw-Hill. pp. 123-135.). Faço minhas as palavras do Giacomo: “Estas mulheres (referia-se sobretudo a garotas de programa( podem amar um homem como qualquer mulher europeia. É isto que muitas pessoas não conseguem ver e pensam que com elas só há interesses de dinheiro”. Com efeito, importa considerar que, a par do dinheiro, há outras dimensões de atracção. De um modo geral, são dimensões enraizadas na sedução da alteridade (Kohn 1998KOHN, Tâmara. 1998. “The seduction of the exotic: notes on mixed marriage in east Nepal”. In: R. Breger & R. Hill (orgs.), Cross cultural marriage: identity and choice. Oxford: Berg. pp. 67-82.), ou seja, em diferenças culturais (e diferenças físicas culturalmente informadas) geradoras de fronteiras identitárias que encerram em si próprias um potencial de transgressão e atraem mais do que apartam.

A Rossana, uma jovem de 24 anos que habitualmente fazia programas em Ponta Negra, começou por justificar a sua preferência por estrangeiros em detrimento de brasileiros invocando diferenças de “cultura sexual” (Parker 1991PARKER, Richard. 1991. Bodies, pleasures and passions: sexual culture in contemporary Brazil. Boston: Beacon Press.), que se materializam em “fronteiras etno-sexuais” (Nagel 2003NAGEL, Joane. 2003. Race, ethnicity, and sexuality: intimate intersections, forbidden frontiers. Oxford: Oxford University Press.) de que resultam valorações assimétricas: “Os brasileiros são egoístas no sexo. Vêem a mulher como objecto de sua satisfação. Atingem o orgasmo e não querem nem saber se a mulher está satisfeita ou não. Os europeus prestam mais atenção na mulher”. A par destas razões de ordem mais estritamente sexual, recorre ainda a critérios de exotismo físico-cromático na tentativa de justificar a sua maior atracção por gringos europeus e de conferir lógica e legitimidade às preferências que regulam a sua partilha da intimidade: “Eu gosto de homens altos, claros, de nariz fino e olhos azuis... olhos claros! Esse homem aí é diferente de mim, ele me complementa. Um brasileiro é igual a mim, tem a minha cor (ela é mestiça(”. A predilecção por parceiros brancos pode ser encarada como desejo pessoal de brancura (Fanon 1989FANON, Frantz. 1989 [1952]. Pele negra, máscaras brancas. Lisboa: Edições 70. [1952]), historicamente uma característica associada aos privilegiados e alvo de forte valorização social, como se pode constatar em Ponta Negra.9 9 Segundo Giacomo, a sua companheira, a Marinalva, quando era pequena, como era muito escura e, por isso, alvo de troça, lavava-se com lixívia para embrancar, como ela própria dizia. Não embrancou com a lixívia, mas tem continuado a tentar, simbólica e projectivamente, através dos relacionamentos com homens europeus e dos vários filhos daí resultantes. Em alternativa, pode também ser entendida como uma procura de afirmação da própria identidade, pois a sedução do branco enfatiza o poder erótico da “sensualidade negra” (Goldstein 2003GOLDSTEIN, Donna. 2003. Laughter out of place: race, class, violence, and sexuality in a Rio shantytown. Berkeley: University of California Press .:123).

À semelhança de Rossana, a generalidade das mulheres locais identifica aspectos de ordem etno-sexual e fenotípica como justificações extramateriais para a sua participação em espaços transnacionais de intimidade. Estes aspectos são quase sempre articulados com quadros de género e romantismo, nos quais se contrastam, enfaticamente, as masculinidades das duas margens atlânticas. Ao contrário do homem brasileiro, tendencialmente considerado como machista e pouco orientado para a família, o homem europeu é associado a um imaginário que remete à paridade de género, à preocupação com os filhos, ao cavalheirismo, ao romantismo e à modernidade relacional.10 10 Imaginários de género-nacionalidade análogos são constatados noutros contextos brasileiros (Piscitelli 2004a, 2007b; Rosa 2000a, 2000b), entre imigrantes sul-americanas, asiáticas e africanas na Suíça (Riaño & Baghdadi 2007), entre imigrantes brasileiras em Portugal (Lima & Togni 2012), na imaginação de homens alemães por parte de trabalhadoras sexuais dominicanas (Brennan 2001, 2004a), nos discursos de cubanas e brasileiras a justificar a preferência por companheiros espanhóis (Roca et al. 2008) e nas fantasias que mulheres de países do Sudeste asiático produzem sobre os ocidentais (Constable 2005). O dinheiro não é o único interesse dessas mulheres. As palavras da Alessandra que se seguem demonstram-no de uma forma expressiva, deixando claro que a sua preferência por europeus encontra-se vinculada a idealizações de masculinidade e de convivência íntima, e não está unicamente relacionada com a situação familiar (separação, encargos com os filhos) e com os sérios problemas financeiros que tem enfrentado:

Eu não sei que cultura miserável foi essa que trouxe esse homem grosso para cá [nordeste brasileiro]. Que cultura que criou esse monstro, eu não sei! [risos] É um homem que não sabe elogiar, que não sabe dividir, extremamente egoísta. Esse tipo de homem, eu não consigo mais conviver. Depois que eu vi que existia um outro tipo de homem e que eu era capaz de conquistar, ou seduzir ou me envolver com um homem desse modelo, eu não consigo mais... [...] O meu marido não me ajudava a cuidar dos filhos, e eu precisava estudar! Eu queria estudar e ele não queria que eu fizesse o curso. Ele dizia assim: “Eu vim para cá para eu estudar, para eu me formar não foi para você( Você tem que cuidar dos filhos”. Coisas assim. ((( Ele não suportava que eu pudesse crescer também. Por isso é que eu achava que ele fazia essa pressão para eu não estudar, para eu não crescer; para eu não crescer como mulher. Então, eu ficava achando que aquele homem não servia para mim, e foi aí que nosso casamento foi começando a não dar, porque eu comecei a crescer, comecei a ter autoestima. ((( Na época em que eu trabalhava na creperia foi quando eu conheci o alemão que te falei, que eu me apaixonei pelo alemão. Mas nada de programa. Era amor, paixão, não sei o quê… Muito encantamento! Eu fiquei louca por ele, mas ele foi embora. Disse que me amava, que me adorava e que não sei o quê e que “daqui a dois meses eu volto”... e nada! De 2008 até hoje. Ele era muito diferente do homem nordestino. Muito diferente, muito diferente! Muito carinhoso, muito inteligente, muito educado, muito fino, muito agradável, eu não sei explicar( Ele é a encarnação, a materialização de tudo o que eu sonhei num homem! Esse homem, para mim, é a materialização de tudo o que eu sonhei! (brasileira, 42 anos, ex-corretora de empréstimos, dois filhos).

Os elogios das nacionalidades europeias na apreciação da identidade de género masculina tendem, por vezes, a assumir-se como contingenciais e flexíveis (Blanchette 2011____. 2011. “‘Fariseus’ e ‘gringos bons’: masculinidade e turismo sexual em Copacabana”. In: A. Piscitelli, G. Assis & J. Olivar (orgs.), Gênero, sexo, afetos e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil. Campinas: Unicamp/Pagu. pp. 57-102.), constituindo uma estratégia feminina para assegurar determinadas vantagens e ganhos junto aos gringos. No entanto, genericamente, a forma como o homem europeu é representado e a sua valorização no feminino não deixam de exprimir subjectividades indiciadoras dos modelos de masculinidade, aliança e família mais desejados. A relação com o europeu configura a possibilidade de concretizar aspirações de intimidade, realizar um “ideal de amor” (Lima & Togni 2012LIMA, Antónia & TOGNI, Paula. 2012. “Migrando por um ideal de amor: família conjugal, reprodução, trabalho e gênero”. Ipotesi: Revista de Estudos Literários, 16(1):135-144.) e viver o tão desejado “conto de fadas” (Rosa 2000b____. 2000b. “Vivendo um conto de fadas: o imaginário de gênero entre cariocas e estrangeiros”. In. M. Goldenberg (org.), Os novos desejos: das academias de musculação às agências de encontros. Rio de Janeiro: Record. pp. 147-183.). Lembro-me, aliás, de algumas mulheres identificarem o filme Pretty Woman como a história de amor que gostariam de viver e, em concreto, o personagem masculino principal, interpretado por Richard Gere, como o homem perfeito: romântico, educado, bonito e rico.

A quimera romântica de encontrar o gringo certo e viver feliz para sempre tende a estar, em muitos casos, articulada com expectativas de ir para o continente europeu, genericamente imaginado como a geografia da vida boa, onde se afigura possível melhorar a condição socioeconómica, aceder a bens e a símbolos valorizados, ter uma boa qualidade de vida e perseguir os “sonhos da modernidade” (Mapril 2008aMAPRIL, José. 2008a. A “modernidade” do sacrifício: qurban, lugares e circuitos transnacionais entre bangladeshis em Lisboa. Tese de Doutoramento em Antropologia, ICS. , 2008b____. 2008b. “Os sonhos da ‘modernidade’: migrações globais e consumos entre Lisboa e Dhaka”. In: R. Carmo; D. Melo & R. Blanes (orgs.), A globalização no divã. Lisboa: Tinta-da-China. pp. 65-88.).11 11 Depois de chegarem à Europa e de experiências de convivência mais prolongadas com homens europeus, muitas mulheres são confrontadas com situações quotidianas e facetas dos seus companheiros que colocam em causa a aura romântica das expectativas iniciais. Nestes casos, o resultado é uma desilusão entre o que se espera e imagina, ainda nos trópicos, e o que se encontra à chegada, já no Velho Continente. Dissonâncias e desilusões semelhantes são constatadas nos trabalhos de Brennan (2004), Piscitelli (2007b) e Riaño e Baghdadi (2007) sobre mulheres da América do Sul emigradas na Alemanha, Itália e Suíça, respectivamente. Manifestamente insatisfeitas, algumas abandonam os seus companheiros de formas que fazem lembrar as runaway stories de filipinas casadas com japoneses na região rural de Nagano de que nos fala Faier (2008). Para quem não dispõe de capital e de outros recursos, a intimidade com o gringo, principalmente quando culmina em matrimónio, representa uma das formas mais viáveis de entrar na “fortaleza-Europa” (Carr 2012CARR, Matthew. 2012. Fortress Europe: dispatches from a gated continent. Nova York: The New Press.), concretizar um projecto migratório sustentado e aceder a uma cidadania percepcionada como privilegiada desde logo pelo capital simbólico, estatuto e maior facilidade de movimentação internacional. Importa, todavia, ter em consideração que a maioria das mulheres em Ponta Negra não instrumentaliza estritamente a intimidade com os europeus com vista à migração e à obtenção da cidadania europeia. Ainda que estas sejam, de facto, expectativas muito significativas, elas inscrevem-se no leque mais vasto de outros desígnios - já apresentados - que dão forma à “poética e política do amor” (Adelman 2011ADELMAN, Miriam. 2011. “Por amor ou por dinheiro? Emoções, discursos, mercados”. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, 1(2):117-138.) das paixões transatlânticas.

Recursos e subterfúgios

O aglomerado de interesses femininos associado à transnacionalização da intimidade mostra-nos que “women’s decisions in today’s global economy depend not only on economic survival but also middle class dreams of love, marriage, and a better life in contrast to what is available at home” (Schaeffer-Grabiel 2005:106SCHAEFFER-GRABIEL, Felicity. 2005. “Book reviews”. Women’s Studies International Forum, 28:105-107.). Na tomada de decisões, a generalidade das mulheres em Ponta Negra possui considerável capacidade de autodeterminação e agência. À partida, poder-se-ia supor que esta capacidade no sentido da concretização de determinadas expectativas e projectos de vida seria amplamente obliterada pela situação social adversa em relação aos gringos, favorecidos pela posição de classe, pelo género e, em certa medida, pelo capital simbólico decorrente do prestígio geopolítico dos respectivos países. No entanto, a correlação de forças não é assim tão linear.

A vulnerabilidade, sobretudo material, destas mulheres não se traduz numa total ausência de recursos de poder, mesmo quando os seus relacionamentos se processam num registo comercial mais explícito, em que a afluência monetária dos companheiros estrangeiros parece reduzir-lhes a possibilidade de manifestação de vontades e iniciativas. As relações com os europeus permitem-lhes, geralmente, uma considerável margem de agência.12 12 Esta perspectiva está bastante próxima do que é defendido por vários autores que têm analisado como as trabalhadoras sexuais gerem a sua actividade, designadamente as relações com os clientes (Handman & Mossuz-Lavau 2005; Hart 1998; Kempadoo 1999, 2005; O’Connell-Davidson 1998; Oliveira 2011; Ribeiro et al. 2007). A transacção mercantil da intimidade feminina, seja nas esferas da sexualidade, do matrimónio ou do trabalho reprodutivo, não tem de pressupor um trespasse de poder e de capacidade de agência (Campbell 2007; Constable 2003, 2009). A desfavorável localização social (Mahler & Pessar 2001MAHLER, Sarah & PESSAR, Patricia. 2001. “Gendered geographies of power: analyzing gender across transnational spaces”. Identities, 7(4):441-459.) - posição em “hierarquias de poder” assentes em factores de estratificação social como a classe, a “raça”, a etnicidade, a nacionalidade e o género - e a vincada subalternidade estrutural em que se encontram não implicam, necessariamente, privação de meios de exercício de poder e de capacidades para a acção estratégica (Veissière 2011VEISSIÈRE, Samuel. 2011. Ghosts of empire: sex, mobility, and violence in the transatlantic cultural economy of desire. Berlim: LIT Verlag.). Aliás, convém não esquecer que a estrutura não tem uma primazia determinística sobre a acção, nem tampouco uma e outra se relacionam em situação de exterioridade e antinomia (Giddens 1979GIDDENS, Anthony. 1979. Central problems in social theory: action, structure and contradiction in social analysis. Berkeley e Los Angeles: University of California Press.).

As mulheres também têm os seus recursos e subterfúgios negociais para exercer uma influência significativa no espaço das interacções íntimas. A sua própria corporeidade racializada e sexualizada13 13 Amplamente valorizada nas representações transculturais da brasilidade e que tem na mulata o seu grande paradigma. Aliás, as próprias mulheres têm consciência desta valorização e da importância que os seus atributos/recursos corporais poderão assumir nas suas estratégias de ascensão social, como destaca Goldstein (2003:123) para a generalidade das mulheres da favela do Rio de Janeiro onde realizou a sua etnografia. e as competências sentimentais de sedução e paixão configuram meios que lhes permitem, sobretudo num “nível micropessoal” (Cohen 1986____. 1986. “Lovelorn farangs: the correspondence between foreign men and Thai girls”. Anthropological Quarterly, 59(3):115-127.), gerir assimetrias em face dos parceiros estrangeiros e atenuar, ou mesmo subverter, posições relativas de poder e assegurar a concretização de determinados interesses e expectativas (Sacramento 2016a____. 2016a. “Conjugalidades distendidas: trânsitos, projetos e casais transatlânticos”. DADOS - Revista de Ciências Sociais, 59(4):1207-1240., 2015b). Quer isto dizer que os espaços transnacionais de intimidade em que participam, embora pautados por múltiplas e inquestionáveis desigualdades, não constituem obrigatoriamente um paradigma da “dominação masculina” (Bourdieu 1999BOURDIEU, Pierre. 1999. A dominação masculina. Oeiras: Celta Editora.). Esses espaços podem configurar, como argumenta Kempadoo (2004____. 2004. Sexing the Caribbean: gender, race and sexual labor. Nova York: Routledge.), contextos de resistência, agência e autodeterminação feminina. Neles, as posições de quem explora quem e quem se beneficia são potencialmente mutáveis e contingenciais (Brennan 2004____. 2004. What’s love got to do with it? Transnational desires and sex tourism in the Dominican Republic. Durham e Londres: Duke University Press.; Oppermann 1998OPPERMANN, Martin. 1998. “Who exploits whom and who benefits?”. In: M. Oppermann (org.), Sex, tourism and prostitution: aspects of leisure, recreation, and work. Nova York: Cognizant Communication Corporation. pp. 153-160.).

Sustentada nos recursos exóticos e eróticos, intrínsecos à condição de mulheres (e) brasileiras, a agência feminina é, em larga medida, construída através da transmissão entre pares de saberes práticos e da partilha de experiências de intimidade transnacionais. As mais jovens vão aprendendo com as mais velhas modelos e expedientes de convivência com os europeus que visam assegurar-lhes suficiente ascendência sobre estes últimos para concretizar determinadas aspirações pessoais. Esse processo de reprodução de orientações é especialmente notório no âmbito dos programas, bem como noutros cenários de prostituição (Ribeiro et al. 2007RIBEIRO, Manuela et al. 2007. Vidas na raia: prostituição feminina em regiões de fronteira. Porto: Afrontamento.), onde as principiantes são socializadas pelas mais experientes para as competências técnicas, os “segredos” e os conteúdos identitários essenciais à “carreira” (Becker 1966BECKER, Howard. 1966. Outsiders: studies in the sociology of deviance. Toronto: Free Press.).

Embora com um saber-fazer passional menos engenhoso que o das garotas de programa, tal como estas, a maioria das mulheres adopta o imperativo da astúcia como condição para garantir ascendência estratégica sobre os homens em geral e os gringos em particular, pois, além de homens, são turistas e estrangeiros.14 14 Noutras geografias turísticas massificadas, a astúcia configura igualmente um recurso relacional que os locais utilizam para lidar com os visitantes, integrando estratégias de resistência identitária ou, em sentido contrário, formas de exploração económica da cultura (Boissevain 1996; MacCannell 1973). Nas conversas que mantêm entre si, este imperativo é verbalizado de forma reiterada como se de um slogan de género se tratasse: Mulé’ tem que ficar esperta! Representa, assim, uma norma estruturante dos seus discursos de afirmação da identidade feminina. Na prática, tentam, dentro do possível, seguir a norma, aproveitando as relações transnacionais para fazerem valer as suas aspirações. São abundantes os elementos etnográficos que comprovam a agência engenhosa dessas mulheres no acesso aos companheiros europeus e na gestão da intimidade que com eles constroem. Vejamos alguns dos mais expressivos.

Desde logo, o papel proactivo que assumem na constituição dos vínculos íntimos: fazem uma escolha deliberada de estrangeiros em detrimento de concidadãos e revelam espírito de iniciativa para estabelecer ou proporcionar os primeiros contactos, como já vimos. Em segundo lugar, a performance da autenticidade, turistificada e hiper-realista (Abbink 2004ABBINK, Jon. 2004. “Tourism and its discontents: Suri-tourist encounters in Ethiopia”. In: S. Gmelch (org.), Tourists and tourism: a reader. Long Grove: Waveland Press. pp. 267-287.; Bruner & Kirshenblatt-Gimblett 1994BRUNER, Edward & KIRSHENBLATT-GIMBLETT, Barbara. 1994. “Maasai on the lawn: tourist realism in East Africa”. Cultural Anthropology, 9(4):435-470.; MacCannell 1973MACCANNELL, Dean. 1973. “Staged authenticity: arrangements of social space in tourist settings”. American Journal of Sociology, 73(3):589-603.), que produzem em sintonia com as representações globais da mulher brasileira (alegre, afectuosa, apaixonada, quente, boa de cama), tendo em vista corresponder às expectativas dos turistas e, desse modo, assegurar condições propícias à concretização de certas pretensões. Em terceiro lugar, a capacidade de negociação dos termos dos relacionamentos em função dos próprios interesses, recorrendo à sedução, ao elogio, à promessa e ao simulacro de paixão. Por último, o aproveitamento das inúmeras oportunidades facultadas pelas tecnologias da globalização, sobretudo a internet, para ampliar as possibilidades de relacionamentos com homens de países afluentes, atenuar os efeitos da distância, dar continuidade a esses mesmos vínculos e potenciar os ganhos de capital social e económico que eles possam proporcionar.15 15 O conjunto de recursos digitais que utilizam é amplo e diversificado: redes sociais, sistemas de conversação com webcams, fóruns onde são postados anúncios de procura de companheiro(a), salas de bate-papo temáticas (encontros, namoro, sexo) em que é identificada a nacionalidade dos intervenientes e, cada vez mais, sítios específicos de relacionamentos onde estão inscritas pessoas de quase todo o mundo.

Para ilustrar a forma expedita como usam estes meios de interacção global no quadro dos seus projectos transnacionais de intimidade, reproduzo aqui os anúncios publicados no site do OLX (secção mulher procura homem de Natal, Fortaleza e Salvador, setembro de 2008) por uma das minhas informantes, a Rossana (24 anos), nos quais (re)compõe alguns aspectos da sua identidade:

latina woman - Natal

sou uma mulher linda de 22 anos estou a procura de um cavalheiro homem serio. um europeu educado, boa aparência e inteligente morador ou nâo de natal, posso viajar e conhecelo pessoalmente trabalho no banco, sou charmosa, bonita e alegre. meu email (xxxxxx( beijos.

bella garota - Fortaleza

sou uma garota bella seria, trabalho em banco e gostaria de me relacionar com um homem interessante europeu. sou bela, simpatica carinhosa linda, beautifull woman. gostaria de me corresponder com homens europeus residentes ou nâo residentes da cidade de natal e fortaleza. tenho lindas fotos de mim morena linda rosto angelical 22 aninhos e cheia de amor pra dar. (sem putarias) quero cavalheiros que queiram de verdade se relacionar. beijos.

sweet woman - Salvador

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A incursão no espaço digital permite a muitas mulheres construir uma considerável rede de potenciais parceiros da outra margem atlântica, também eles activamente à procura de companhias amorosas no “supermercado” global da intimidade que a internet vem tornando possível (Roca 2011ROCA, Jordi. 2011. “Amores glocales, noviazgos transnacionales. La búsqueda virtual de pareja mixta por parte de hombres españoles”. Revista de Antropología Social, 20:263-292.). Com alguma frequência, esses contactos “virtuais” evoluem de tal modo que os intervenientes acabam por se encontrar ao vivo, o que, por norma, acontece mediante a deslocação do estrangeiro a Natal. Além de proporcionarem o contexto e a oportunidade para uma primeira abordagem, a internet e as telecomunicações em geral constituem, ainda, dispositivos fundamentais na manutenção (e na manipulação sentimental) das relações até ao próximo reencontro e, amiúde, na observância da obrigação masculina de bancar a companheira. Cumprem um papel semelhante ao das cartas entre mulheres tailandesas e turistas estrangeiros de que nos fala Cohen (1985COHEN, Erik. 1985. “Tourism as play”. Religion, 15:291-304.), e que possibilitavam às primeiras assumir uma posição dominante nos relacionamentos a distância.

Em Ponta Negra, como são poucas as mulheres que têm computador pessoal, a maioria recorre aos pequenos pontos comerciais de acesso à internet (lan houses) existentes na orla da praia e um pouco por todo o bairro. Dada a exiguidade e a escassa privacidade existente nesses espaços, as observações que aí efectuei permitiram-me constatar a agilidade das presentes na apropriação das novas possibilidades tecnológicas para se comunicarem com os namorados europeus. Ao mesmo tempo, proporcionaram-me elementos para compor uma noção aproximada dos conteúdos dos seus diálogos, que organizo sinteticamente em quatro grandes grupos temáticos: manifestações sentimentais recíprocas; solicitações de ajuda monetária e acerto dos respectivos procedimentos de tramitação; narrativas de quotidianos; e organização do reencontro no Brasil ou na Europa.

O campo de manifestações de agência que acabei de mapear integra, amiúde, procedimentos ardilosos. A título de exemplo, eis alguns dos estratagemas mais utilizados pelas mulheres para garantir certas vantagens, sobretudo materiais, junto de alguns dos homens europeus com quem se relacionam: (i) inflação do número de pessoas do agregado doméstico, ficção de laços de parentesco16 16 Durante a estadia turística do namorado espanhol, uma mulher da vila de Ponta Negra apresentava um dos sobrinhos como filho para poder se beneficiar de maior ajuda do gringo não só durante o tempo em que estavam juntos, como também ao longo do ano. e invenção de situações dramáticas (v.g. casos de doença de familiares) como formas de justificação de solicitações de ajuda financeira; (ii) instrumentalização de juras de amor, de promessas de fidelidade e, no caso das garotas de programa, do compromisso de abandono da actividade com o objectivo de assegurar que o gringo continue a bancar depois de regressar ao seu país; (iii) gestão indevida de verbas enviadas pelos companheiros destinadas à realização de investimentos, como aconteceu com um italiano cuja namorada se apropriou da maioria do capital que lhe mandou para iniciar as obras de instalação de um restaurante em Ponta Negra, enquanto ele, na Itália, tratava da mudança definitiva para o Brasil; (iv) execução engenhosa de furtos de dinheiro e bens, recorrendo a estratégias, umas mais dissimuladas que outras, de que o golpe boa noite Cinderela é um dos exemplos mais conhecidos.17 17 O alvo do furto é previamente deixado inconsciente mediante a utilização de sedativos misturados na bebida. Trata-se de um estratagema bastante usado no Brasil. Em Ponta Negra tem acompanhado a expansão do turismo de massas e está particularmente associado ao contexto dos programas. Algumas dessas mulheres que ludibriam os companheiros estrangeiros parecem manifestar um certo sentimento de poder e orgulho das suas façanhas. Não revelam, por isso, qualquer tipo de inibição em assumir os seus objectivos e procedimentos: “Dos gringos só quero a grana! Tenho noivo italiano há dois anos e há dois anos que enrolo ele! Ele quer casar, mas eu não” (24 anos, faz programas).

Considerando as capacidades femininas de autodeterminação e de concretização de actos de poder, evidenciadas pelos elementos etnográficos que foram apresentados, o que dizer da perspectiva que concebe a transnacionalização da intimidade em contextos semelhantes a Ponta Negra apenas e só como um processo neocolonial e patriarcal de exploração de mulheres, despojadas de recursos significativos para impor as suas vontades e lutar pelos seus interesses (Bem 2005BEM, Arim S. 2005. A dialética do turismo sexual. Campinas: Papirus.; Enloe 2000ENLOE, Cynthia. 2000. Bananas, beaches and bases: making feminist sense of the international politics. Berkeley: University of California Press .; Graburn 1983GRABURN, Nelson. 1983. “Tourism and prostitution”. Annals of Tourism Research, 10:437-442.; Jeffreys 2008JEFFREYS, Sheila. 2008. The industrial vagina: the political economy of the global sex trade. Nova York: Routledge .; Leal & Leal 2003LEAL, Maria L. & LEAL, Maria F. (orgs.). 2003. Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial. Brasília: Cecria.; Leite 2003LEITE, Jaqueline. 2003. “A exploração das mulheres na dinâmica do turismo sexual”. In: S. Camurça (org.), Dimensões da desigualdade no desenvolvimento do turismo no nordeste. Recife: SOS CORPO - Gênero e Cidadania Edições. pp. 64-69.; Ouriques 2005OURIQUES, Helton. 2005. A produção do turismo: fetichismo e dependência. Campinas: Alínea.; Rao 1999RAO, Nina. 1999. “Sex tourism in south Asia”. International Journal of Hospitality Management, 11(2):86-99.)? Que se trata de uma visão monolítica apoiada numa rígida bipolarização entre exploradores e exploradas (Campbell 2007CAMPBELL, Howard. 2007. “Cultural seduction: American men, Mexican women, cross-border attraction”. Critique of Anthropology, 27(3):261-283.; Rivers-Moore 2011RIVERS-MOORE, Megan. 2011. “Imagining others: sex, race, and power in transnational sex tourism”, ACME: An International E-Journal for Critical Geographies [on-line], 10 (3):392-411. Disponível em: <Disponível em: http://www.acme-journal.org/vol10/Rivers-Moore2011.pdf >. Acesso em: 11/09/2012.
http://www.acme-journal.org/vol10/Rivers...
), sem a flexibilidade suficiente para traduzir de forma densa processos e práticas que escapam à tirania conceptual do seu esquema de análise. Ou seja, uma visão redutora que apresenta as mulheres em causa somente enquanto vítimas, como se as suas identidades e circunstâncias se resumissem, exclusiva ou principalmente, a essa alegada condição de vulnerabilidade e inoperância social. Em alternativa à ideia de culpabilização de uma parte e de vitimização da outra é necessário convocar, como propõem Constable (2003CONSTABLE, Nicole. 2003. Pen pals, virtual ethnography, and ‘mail order’ marriages: romance on a global stage. Berkeley: University of California Press., 2006____. 2006. “Brides, maids, and prostitutes: reflections on the study of ‘trafficked’ women”. PORTAL - Journal of Multidisciplinary International Studies, 3(2):1-25., 2009____. 2009. “The commodification of intimacy: marriage, sex, and reproductive labor”. Annual Review of Anthropology, 38:49-64.) e Rivers-Moore (2011), exercícios analíticos que ultrapassem a rígida dicotomia vítima-agente e nos permitam ver para lá das concepções baseadas nas desigualdades estruturais mais imediatas que enquadram a interacção dos sujeitos.

Considerações finais

O turismo de massas produz uma significativa variedade de encontros e interacções entre forasteiros e locais. Aqui se incluem as relações íntimas como as que ocorrem em Ponta Negra entre turistas europeus e mulheres brasileiras. Assumindo configurações heterogéneas, ambíguas e voláteis, essas relações são permeadas por múltiplos anseios, desejos, interesses e projectos. Os programas representam a sua ecologia social mais imediata e expressiva. Mas não é a única. Nem todas as mulheres que se relacionam com os gringos o fazem no âmbito do exercício estrito do sexo transacional. Aliás, algumas fazem questão de negar categoricamente a realização de programas, vincar a sua identidade de moças de família e reproduzir as narrativas românticas do amor desinteressado e incondicional. Apesar destes discursos e de determinadas especificidades na gestão da vida íntima, torna-se muito difícil definir uma delimitação conceptual inequívoca entre relacionamentos comerciais e não comerciais (entre dinheiro e amor) não só pelas complexidades e ambiguidades presentes nestas e em demais configurações de intimidade (Adelman 2011ADELMAN, Miriam. 2011. “Por amor ou por dinheiro? Emoções, discursos, mercados”. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, 1(2):117-138.; Zelizer 2005ZELIZER, Viviana. 2005. The purchase of intimacy. Princeton: Princeton University Press.), como também pelo dinamismo e pelas extensas transmutações que os formatos relacionais em causa tendem a evidenciar.

O próprio antagonismo identitário entre as personagens-tipo garota de programa e moça de família situa-se sobretudo no campo da ideologia de género, pois os seus trajectos biográficos, expectativas e, inclusive, algumas estratégias e práticas de intimidade não são assim tão divergentes como se pressupõe nos rótulos de categorização social. Mesmo na esfera mais específica de mercantilização da sexualidade, as garotas não se cingem em exclusivo a interesses materiais e/ou a ambições de mobilidade transatlântica, assim como as ditas moças de família não são movidas, sempre e exclusivamente, por desígnios românticos, conjugais e familiares. Situadas em distintos quadrantes morais e por vezes socioeconómicos, umas e outras tendem a perspectivar e gerir as relações com os europeus a partir de um conjunto relativamente convergente de propósitos, ainda que estes possam ser hierarquizados, valorados, articulados e perseguidos de distintas formas (Sacramento 2015b____. 2015b. “Vida boa e história de amor: desígnios femininos ante turistas europeus no Nordeste brasileiro”. In: Ó. Fernández (org.), Mujeres en riesgo de exclusión social: una perspectiva transnacional. Madrid: McGraw-Hill. pp. 123-135.).

De um modo geral, os motivos económicos assumem uma relevância inquestionável. Todavia, não esgotam o quadro de razões subjacente à constituição de interacções e vínculos transnacionais, seja para programa, seja para namoro ou matrimónio. Há também aspectos de género, intimidade, conjugalidade e família que assumem particular importância no envolvimento com o estrangeiro, pelo que a maioria das mulheres, além de solução para os seus crónicos problemas económicos e da eventual oportunidade migratória para a Europa, espera encontrar junto do europeu a disponibilidade para o compromisso e a partilha, a equidade de género e a modernidade relacional fundamentais à concretização da desejada narrativa romântica. Embora com disposições e proeminências variáveis, os anseios de ordem material e sentimental estão profundamente interligados, coexistindo dinamicamente na generalidade desses relacionamentos.

Com base numa perspectiva mais estrutural, poder-se-á supor que a prossecução das ambições e agendas femininas é, intensa e decisivamente, constrangida pela posição social adversa em face dos homens europeus, em situação mais privilegiada, tendo em conta as intersecções de classe, nacionalidade, género e “raça”. Porém, importa destacar que as mulheres aqui em causa também possuem os seus recursos, em especial na esfera passional, manifestando uma engenhosa capacidade de agência nos processos e nas práticas micropolíticas da intimidade. Assim, ainda que sujeitas a incontestáveis vulnerabilidades e subalternidades estruturais, conseguem alguma ascendência contingencial para concretizar determinadas expectativas e projectos. A intimidade com o estrangeiro não tem de ser forçosamente um espaço de exploração neocolonial e de género, podendo representar um encontro propiciador de cosmopolitismo (Djurdjevic & Roca 2016DJURDJEVIC, Marija & ROCA, Jordi. 2016. “Mixed couples and critical cosmopolitanism: experiences of cross-border love”. Journal of Intercultural Studies, 37(4):390-405.) e de empoderamento feminino, impulsionado por diferentes possibilidades de “agência transnacional” (Mahler & Pessar 2001MAHLER, Sarah & PESSAR, Patricia. 2001. “Gendered geographies of power: analyzing gender across transnational spaces”. Identities, 7(4):441-459.). Os contactos dessas mulheres com os gringos, designadamente quando se traduzem em vínculos conjugais, proporcionam-lhes novas escalas geográficas e sociais e, como tal, condições para delinear opções estratégicas, aceder a proveitos materiais e simbólicos, pôr em causa regimes locais de dominação e tentar concretizar algumas aspirações de vida (Cohen 1986____. 1986. “Lovelorn farangs: the correspondence between foreign men and Thai girls”. Anthropological Quarterly, 59(3):115-127.; Constable 2005____. 2005. “Introduction: cross-border marriages, gendered mobility, and global hypergamy”. In: N. Constable (org.), Cross-border marriages: gender and mobility in transnational Asia. Filadélfia: University of Pennsylvania Press. pp. 1-16.; Kempadoo 2004____. 2004. Sexing the Caribbean: gender, race and sexual labor. Nova York: Routledge.; Júnior 2005JÚNIOR, Edmilson L. 2005. “Amor, sexo e dinheiro: uma interpretação sociológica do mercado de serviços sexuais”. Política & Sociedade, 4(6):165-193.). A sua existência e identidade não se resumem a uma condição invariável de seres passivos e explorados, como é argumentado nos discursos em que tendem a ser percebidas apenas como vítimas.

Estes discursos, aliás, não são inocentes, nem defendem as supostas vítimas (Kempadoo 2005____. 2005. “Mudando o debate sobre o tráfico de mulheres”. Cadernos Pagu, 25:55-78.). Estão, em muitos casos, inquinados por ideologias e interesses de terceiros. São informados pelos valores da dominação masculina, reforçam o controlo social sobre a intimidade feminina, são maniqueístas e ajudam a legitimar e a sustentar uma vasta fileira de organizações da “indústria da salvação” (Agustín 2007AGUSTÍN, Laura. 2007. Sex at the margins: migration, labour markets ant the rescue industry. Londres e Nova York: Zed Books.). Ao mesmo tempo, proporcionam álibis aos países ricos para políticas migratórias mais repressivas (Constable 2006____. 2006. “Brides, maids, and prostitutes: reflections on the study of ‘trafficked’ women”. PORTAL - Journal of Multidisciplinary International Studies, 3(2):1-25.) e intensificam estigmas sobre as mulheres-vítimas, quer pela ideia de uma sexualidade transgressora que lhes associam, quer pela negação das suas capacidades de volição, escolha e agência (Júnior 2005JÚNIOR, Edmilson L. 2005. “Amor, sexo e dinheiro: uma interpretação sociológica do mercado de serviços sexuais”. Política & Sociedade, 4(6):165-193.). Mesmo que sob a capa de uma argumentação crítica e humanista bem-intencionada, é amiúde veiculada uma moral de inspiração judaico-cristã de sacralização da vagina (Bourdieu 1999BOURDIEU, Pierre. 1999. A dominação masculina. Oeiras: Celta Editora.) e são reproduzidos padrões normativos de sexualidade de que emanam manifestações de violência simbólica recaindo, justamente, sobre a generalidade das mulheres que se visa defender.

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  • ZELIZER, Viviana. 2005. The purchase of intimacy Princeton: Princeton University Press.
  • 18
    N.E.: Foi mantida a diferença na grafia do português de Portugal em relação ao português do Brasil permitida pelo acordo firmado visando à Nova Ortografia. Exs.: projectos; género; maioritária; frenesim; subtil; registo; controlo.
  • 1
    Nesta pesquisa usufruí da bolsa de doutoramento SFRH/BD/60862/2009, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal). Igualmente importante foi e continua a ser o apoio do centro em que desenvolvo trabalho de investigação – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (Cetrad-Utad) – instituição financiada por Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente Feder, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (Compete 2020) [Projeto nº 006971 (UID/SOC/04011); Referência do Financiamento: POCI-01-0145-Feder-006971]; e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2013.
  • 2
    O termo gringo é usado um pouco por toda a América Latina sobretudo para denominar os estrangeiros, em particular os ocidentais (Blanchette 2001BLANCHETTE, Thaddeus. 2001. Gringos. Dissertação de Mestrado, PPGAS-Museu Nacional, UFRJ. ; Craft 2008CRAFT, Renée. 2008. “‘¡Los gringos vienen!’ (the gringos are coming!): female respectability and the politics of Congo tourist presentations in Portobelo, Panama”. Transforming Anthropology, 16(1):20-31.; Hayes 2015HAYES, Matthew. 2015. “‘It is hard being the different one all the time’: gringos and racialized identity in lifestyle migration to Ecuador”. Ethnic and Racial Studies, 38(6):943-958.). Remete predominantemente para a nacionalidade e não tanto para o fenótipo. No caso do Brasil, como destaca Blanchette (2012____. 2012. “Foreigner-Gringo-Brazilian: proximity and distance between Brazilians and non-Brazilians”. In: S. Simai & D. Hook (orgs.), Brazilian subjectivity today: migration, identity and xenophobia. Villa María: Eduvim. pp. 37-52.), tende a referenciar alguém que “não é nosso”, mas está entre nós, sendo usado pelos nacionais e forasteiros nas suas interacções de forma “natural” – geralmente não insultuosa – como marcador identitário das diferenças em face do que se considera ser brasileiro. De entre os principais traços que socialmente qualificam alguém como gringo, destacam-se os factos de não ter nascido no Brasil e de não ter família brasileira, ser falante de uma língua estrangeira, revelar manifestas dificuldades na aprendizagem do português e ser cidadão de um país bem cotado na geopolítica global (Blanchette 2012). No contexto específico de Ponta Negra, a categoria é usada com um conteúdo identitário semelhante. As mulheres que protagonizam a construção de relações de intimidade transatlânticas usam a designação gringo principalmente para os turistas europeus, associando a categoria a alguém que é de fora, fala uma língua enrolada e é cidadão de um continente imaginado como uma geografia conceituada, próspera e da vida boa.
  • 3
    Em geral estas mulheres são mais jovens que os parceiros europeus (Sacramento 2015a), um contraste bastante comum noutros contextos tropicais rotulados como destinos do chamado turismo sexual (Kempadoo 1999; Piscitelli 2004b____. 2004b. “On ‘gringos’ and ‘natives’: gender and sexuality in the context of international sex tourism”. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology [on-line], 1 (1-2):87-114. Disponível em: <http://www.vibrant.org.br/issues/v1n1/adriana-piscitelli-on-gringos-and-natives/>. Acesso em: 21/01/2011.
    http://www.vibrant.org.br/issues/v1n1/ad...
    , 2007; Rivers-Moore 2011____. 2011. “Amor, apego e interesse: trocas sexuais, econômicas e afetivas em cenários transnacionais”. In: A. Piscitelli; G. Assis & J. Olivar (orgs.), Gênero, sexo, amor e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil. Campinas: Unicamp/Pagu. pp. 537-582.).
  • 4
    A expressão garota de programa terá surgido no Brasil para fazer referência a trabalhadoras sexuais e, de um modo geral, a mulheres tidas como sexualmente promíscuas (Gaspar 1985GASPAR, Maria. 1985. Garotas de programa: prostituição em Copacabana e identidade social. Rio de Janeiro: Zahar.). Mais recentemente, tende a ser usada com um sentido mais específico, sendo o programa associado a “[...] acertos explícitos de intercâmbios de serviços sexuais por dinheiro, envolvendo práticas e períodos de tempo delimitados, que podem ter diferentes valores, dependendo da modalidade e do estilo da prostituição e do local no qual os encontros têm lugar” (Piscitelli 2011:547). Também com uma forte conotação sexual – embora não remetendo necessariamente para o exercício da prostituição – o rótulo piriguete é destinado à (de)marcação simbólica de mulheres cujos comportamentos contrariam os valores de género dominantes: frequentam os espaços da balada (v.g. bares e discotecas), envolvem-se em relacionamentos mais ou menos episódicos, sobretudo com homens solventes, e as formas como se vestem e agem são consideradas demasiado provocantes (Cerqueira, Corrêa & Rosa 2012CERQUEIRA, Lígia; CORRÊA, Laura & ROSA, Maitê. 2012. “A cartilha da mulher adequada: ser piriguete e ser feminina no Esquadrão da Moda”. Revista Contracampo [on-line], 24(1):120-139. Disponível em: <Disponível em: http://www.uff.br/contracampo/index.php/revista/article/view/176/106 >. Acesso em: 12/09/2012.
    http://www.uff.br/contracampo/index.php/...
    ).
  • 5
    Embora com menor expressão, a convivência entre o material e o sentimental está presente mesmo naqueles contextos em que a prostituição está organizada como mera actividade comercial (Ribeiro et al. 2007).
  • 6
    A interacção é facilitada pelo facto de a maioria delas conseguir comunicar razoavelmente bem nas línguas italiana e espanhola, além do conhecimento de palavras básicas em outros idiomas.
  • 7
    Neste simulacro de romance, ou performatividade amorosa (Brennan 2007____. 2007. “Love work in a tourist town: Dominican sex workers and resort workers perform at love”. In: M. Padilla et al.(orgs.), Love and globalization: transformations of intimacy in the contemporary world. Nashville: Vanderbilt University Press. pp. 203-225.), há uma certa instrumentalização feminina das práticas de sedução, sendo orientadas por (alguns) interesses distintos daqueles que, em exclusivo, aparentam. Daqui resultam ilusões masculinas de “normalidade” (Piscitelli 2004a) e de “conquista” (Ribeiro & Sacramento 2006RIBEIRO, Fernando B. & SACRAMENTO, Octávio. 2006. “Sexo, amor e interesse entre gringos e garotas em Natal”. Cronos - Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, 7(1):161-172.) que alimentam em muitos turistas a crença de que as companheiras locais estão com eles não tanto pela sua suposta afluência financeira, mas pelo charme e capacidade de sedução (Kummels 2005; O’Connell-Davidson 1996O’CONNELL-DAVIDSON, Julia. 1996. “Sex tourism in Cuba”. Race and Class, 1:39-48.).
  • 8
    A nacionalidade funciona aqui como categoria de reforço das atribuições de género.
  • 9
    Segundo Giacomo, a sua companheira, a Marinalva, quando era pequena, como era muito escura e, por isso, alvo de troça, lavava-se com lixívia para embrancar, como ela própria dizia. Não embrancou com a lixívia, mas tem continuado a tentar, simbólica e projectivamente, através dos relacionamentos com homens europeus e dos vários filhos daí resultantes.
  • 10
    Imaginários de género-nacionalidade análogos são constatados noutros contextos brasileiros (Piscitelli 2004a, 2007b; Rosa 2000aROSA, Renata. 2000a. “Cariocas e estrangeiros: gênero e identidade nacional no processo identitário”. Mneme - Revista de Humanidades, 1(2):30-45., 2000b____. 2000b. “Vivendo um conto de fadas: o imaginário de gênero entre cariocas e estrangeiros”. In. M. Goldenberg (org.), Os novos desejos: das academias de musculação às agências de encontros. Rio de Janeiro: Record. pp. 147-183.), entre imigrantes sul-americanas, asiáticas e africanas na Suíça (Riaño & Baghdadi 2007), entre imigrantes brasileiras em Portugal (Lima & Togni 2012), na imaginação de homens alemães por parte de trabalhadoras sexuais dominicanas (Brennan 2001BRENNAN, Denise. 2001. “Tourism in transnational places: Dominican sex workers and German sex tourists imagine one another”. Identities: Global Studies in Culture and Power, 7(4):621-623., 2004a), nos discursos de cubanas e brasileiras a justificar a preferência por companheiros espanhóis (Roca et al. 2008ROCA, Jordi et al. 2008. Amor importado, migrantes por amor: la constitución de parejas entre españoles y mujeres de América Latina y de Europa del Este en el marco de la transformación actual del sistema de género en España [on-line]. Madrid, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales - Instituto de la Mujer. Disponível em:<Disponível em:http://www.migualdad.es/mujer/mujeres/estud_inves/766.pdf >. Acesso em: 19/04/2016.
    http://www.migualdad.es/mujer/mujeres/es...
    ) e nas fantasias que mulheres de países do Sudeste asiático produzem sobre os ocidentais (Constable 2005).
  • 11
    Depois de chegarem à Europa e de experiências de convivência mais prolongadas com homens europeus, muitas mulheres são confrontadas com situações quotidianas e facetas dos seus companheiros que colocam em causa a aura romântica das expectativas iniciais. Nestes casos, o resultado é uma desilusão entre o que se espera e imagina, ainda nos trópicos, e o que se encontra à chegada, já no Velho Continente. Dissonâncias e desilusões semelhantes são constatadas nos trabalhos de Brennan (2004), Piscitelli (2007b____. 2007b. “Sexo tropical em um país europeu: migração de brasileiras para a Itália no marco do ‘turismo sexual’ internacional”. Estudos Feministas, 15(3):717-744.) e Riaño e Baghdadi (2007RIAÑO, Yvonne & BAGHDADI, Nadia. 2007. “‘Je pensais que je pourrais avoir une relation plus égalitaire avec un Européen’. Le rôle du genre et de l’imaginaire géographique dans la migration des femmes”. Nouvelles Questions Féministes, 26(1):38-53.) sobre mulheres da América do Sul emigradas na Alemanha, Itália e Suíça, respectivamente. Manifestamente insatisfeitas, algumas abandonam os seus companheiros de formas que fazem lembrar as runaway stories de filipinas casadas com japoneses na região rural de Nagano de que nos fala Faier (2008FAIER, Lieba. 2008. “Runaway stories: the underground micromovements of Filipina oyomesan in rural Japan”. Cultural Anthropology , 23(4):630-659.).
  • 12
    Esta perspectiva está bastante próxima do que é defendido por vários autores que têm analisado como as trabalhadoras sexuais gerem a sua actividade, designadamente as relações com os clientes (Handman & Mossuz-Lavau 2005HANDMAN, Marie-Élisabeth & MOSSUZ-LAVAU, Janine (orgs.). 2005. La prostitution à Paris. Paris: Éditions de la Martinière.; Hart 1998; Kempadoo 1999, 2005; O’Connell-Davidson 1998____. 1998. Prostitution, power and freedom. Michigan: University of Michigan Press.; Oliveira 2011; Ribeiro et al. 2007). A transacção mercantil da intimidade feminina, seja nas esferas da sexualidade, do matrimónio ou do trabalho reprodutivo, não tem de pressupor um trespasse de poder e de capacidade de agência (Campbell 2007; Constable 2003, 2009).
  • 13
    Amplamente valorizada nas representações transculturais da brasilidade e que tem na mulata o seu grande paradigma. Aliás, as próprias mulheres têm consciência desta valorização e da importância que os seus atributos/recursos corporais poderão assumir nas suas estratégias de ascensão social, como destaca Goldstein (2003:123) para a generalidade das mulheres da favela do Rio de Janeiro onde realizou a sua etnografia.
  • 14
    Noutras geografias turísticas massificadas, a astúcia configura igualmente um recurso relacional que os locais utilizam para lidar com os visitantes, integrando estratégias de resistência identitária ou, em sentido contrário, formas de exploração económica da cultura (Boissevain 1996BOISSEVAIN, Jeremy (org.). 1996. Coping with tourists: European reactions to mass tourism. Oxford: Berghahn Books.; MacCannell 1973).
  • 15
    O conjunto de recursos digitais que utilizam é amplo e diversificado: redes sociais, sistemas de conversação com webcams, fóruns onde são postados anúncios de procura de companheiro(a), salas de bate-papo temáticas (encontros, namoro, sexo) em que é identificada a nacionalidade dos intervenientes e, cada vez mais, sítios específicos de relacionamentos onde estão inscritas pessoas de quase todo o mundo.
  • 16
    Durante a estadia turística do namorado espanhol, uma mulher da vila de Ponta Negra apresentava um dos sobrinhos como filho para poder se beneficiar de maior ajuda do gringo não só durante o tempo em que estavam juntos, como também ao longo do ano.
  • 17
    O alvo do furto é previamente deixado inconsciente mediante a utilização de sedativos misturados na bebida. Trata-se de um estratagema bastante usado no Brasil. Em Ponta Negra tem acompanhado a expansão do turismo de massas e está particularmente associado ao contexto dos programas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2016
  • Aceito
    05 Maio 2017
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