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“PEQUENO MANUAL PARA SE CASAR E NÃO MORRER”: O PARENTESCO DJEOROMITXI

"LITTLE HANDBOOK FOR GETTING MARRIED AND NOT DYING": NOTES ON SUBSTANCE IN DJEOROMITXI KINSHIP

"PEQUEÑO MANUAL PARA CASARSE Y NO MORIR": NOTAS SOBRE LA SUSTANCIA EN EL PARENTESCO DJEOROMITXI

Resumo

O objetivo deste artigo é proporcionar um entendimento da participação das substâncias no processo de parentesco experimentado pelos Djeoromitxi (povo caçador, pescador e produtor de bebida fermentada, habitantes do sudoeste amazônico). A investigação focaliza os efeitos de substâncias na constituição de pessoas e sua conexão com o modelo de aliança de casamento, com o pertencimento grupal e, inversamente, com as elaborações sobre o incesto, metaforizado nos efeitos indesejados dessas substâncias. A contribuição que busco trazer é o modo como fabricação de pessoas e metamorfose se encontram no registro do parentesco; proponho que esse encontro é lido de maneira privilegiada por meio de relações de sexo oposto, em especial da conjugalidade.

Palavras-chave:
Substância; Parentesco; Djeoromitxi; Amazônia

Abstract

This article provides an understanding of the role of substances in the processes of kinship as experienced by the Djeoromitxi (a hunting, fishing and fermented drink-consuming people from southwest Amazonia). It focuses on the effects of substances on the constitution of persons and their connection to the model of marriage alliance, group membership and, conversely, to elaborations of incest as metaphorized in the unwanted effects of such substances. I elucidate how the fabrication of people and metamorphosis inscribe themselves in the realm of kinship and propose that this encounter should be read by way of opposite-sex relations, especially in conjugality.

Key words:
Substance; Kinship; Djeoromitxi; Amazon

Resumen

El objetivo de este artículo es comprender la participación de sustancias en el proceso de parentesco experimentado por los Djeoromitxi (pueblo cazador, pescador y productor de bebida fermentada, habitantes del suroeste amazónico). La investigación se concentra en los efectos de las sustancias en la constitución de personas y su conexión con el modelo de alianza por matrimonio, con la pertenencia grupal e, inversamente, con las elaboraciones sobre el incesto, metaforizado en los efectos indeseados de dichas substancias. Busco contribuir con una reflexión sobre el modo como la fabricación de personas y las metamorfosis se encuentran en el registro del parentesco. Propongo que ese encuentro aparece privilegiadamente por medio de las relaciones de sexo opuesto, especialmente las conyugales.

Palabras clave:
Sustancia; Parentesco; Djeoromitxi; Amazonía

There is nothing self-evident about body substance . (Strathern 2001____. 2001. “Same-sex and cross-sex relations: some internal comparisons”. In: Thomas Gregor (org.), Gender in Amazonia and Melanesia: an exploration of the comparative method. CaliforniaUniversity of California Press. pp. 221-244.:234).

Em 2008, um interlocutor me disse ter ficado velho e preguiçoso rapidamente, antes do que normalmente se espera para os homens ali. O acontecimento era consequência de uma atitude um tanto desatenta ou teimosa de sua parte, em que pesassem os conselhos de sua mãe: ele havia tomado da primeira cerveja de macaxeira produzida por sua esposa depois do parto de um de seus filhos. Nesse contexto, a chicha está marcada invisivelmente pela presença do sangue perinatal. Estes efeitos contrastam sobremaneira com aqueles que são atribuídos à bebida em ocasiões ordinárias: a capacidade de produzir parentes belos, saudáveis e dispostos ao trabalho.1 1 Agradeço a Marcela Coelho de Souza, Eduardo Viveiros de Castro, Ana Afonso y Ramo, João Vianna, Ellen Araújo e aos pareceristas anônimos da Mana pelos comentários críticos que foram de suma importância. Os argumentos aqui apresentados também se beneficiaram dos comentários que tiveram lugar em diversas comunicações. Agradeço os comentários que surgiram na Mesa Redonda “Gênero na Cosmopolítica”, Anpocs, em outubro de 2016; no Núcleo de Antropologia Simétrica (Museu Nacional/UFRJ), em novembro de 2016; e no seminário “Alternativas etnográficas à mestiçagem”, UFSC, em dezembro de 2016. Agradeço a Ana Ramo pelo resumo em espanhol. Todas as imprecisões são de minha inteira responsabilidade.

Minha intenção aqui é investigar o que um povo caçador, pescador e produtor de bebida fermentada habitante do sudoeste amazônico, os Djeoromitxi, tem a dizer sobre substâncias corporais.2 2 Os Djeoromitxi eram antigamente conhecidos como Jabuti. Sua língua foi inicialmente classificada por Aryon Rodrigues (1986) como “isolada”. Estudos linguísticos mais recentes apontam o pertencimento da língua djeoromitxi ao tronco Macro-Jê (Ribeiro & Van Der Voort 2010). Minha interlocução para o mestrado concentrou-se num povo vizinho e afim, os Wajuru, de língua tupi-tupari, residentes na aldeia Ricardo Franco e, para o doutorado, nos Djeoromitxi, residentes na aldeia Baía das Onças, ambas na T.I. Rio Guaporé (Rondônia), onde se concentram diversos povos indígenas: os Djeoromitxi, Arikapu, Tupari, Makurap, Wajuru, Aruá, Massacá, Kijubim, Kanoê, e alguns indivíduos wari’. Desde 2008, passei cerca de 14 meses em campo. A situação linguística desses povos é relativamente complexa para que eu possa descrevê-la com clareza e competência. Antigamente, o makurap era a língua franca entre os diversos povos indígenas que convivem desde tempos imemoriais nos afluentes do médio rio Guaporé (mais adiante). Meus principais interlocutores djeoromitxi são perfeitamente bilíngues (falam o djeoromitxi e o português), quando não falam igualmente outra língua indígena. Contudo, o mais comum é que os cônjuges falem entre si em português, e com seus filhos idem, mas não exclusivamente. Neste sentido, mesmo que atualmente esteja em curso um processo de substituição do makurap pelo português como língua franca entre os povos, pode-se notar que as diferentes línguas mantêm alguma vitalidade no interior de conjuntos virilocais. Por mais que eu possa dizer que conduzi a pesquisa sobretudo em língua portuguesa, isto não daria conta da questão, haja vista a complexidade linguística da região e as constantes discussões de traduções em língua djeoromitxi que levei a cabo com meus interlocutores. Ao apresentar o modo como as pessoas são constituídas entre os Djeoromitxi via linguagem das substâncias, será importante a participação dessa linguagem na imagem modelar que meus interlocutores fazem da aliança e do pertencimento grupal e, inversamente, em elaborações sobre o incesto. Na investigação do processo de constituição da pessoa, o perigo de transformação indesejada é igualmente registrado. A contribuição que busco apresentar é o modo como fabricação de pessoas e metamorfose se encontram no registro do parentesco; proponho que esse encontro é lido de maneira privilegiada por meio de relações de sexo oposto, em especial da conjugalidade.

Mistura e mudança

Aconteceu em uma noite quando um amigo djeoromitxi desfiava uma série de atributos um tanto “venenosos/predatórios” que seriam característicos dos Makurap, subgrupo Cobra, em especial de seu cunhado, morador de uma aldeia vizinha. Logo depois, ele tomou um largo gole da bebida fermentada produzida por sua esposa e soltou, em português e em alto e bom som no terreiro de sua casa bastante afastada do restante da comunidade: “Eu sou Outro!”. Dito isto, calou-se durante longos minutos. Minha atenção se voltará inicialmente a investigar o que subjaz a essa afirmação, que traz em seu bojo o fato de povos indígenas historicamente articulados por uma série sucessiva de casamentos e por intensa convivência ainda assim se afirmarem como diferentes. Minha rota de investigação nesta primeira parte é calcada no modo como as mulheres transformam substâncias que são vistas como masculinas (e que codificam a patrifiliação).

Antes, porém, é preciso afirmar que as substâncias das quais as pessoas com as quais convivi no meu trabalho de campo se servem para construir o corpo de outras são muitas. E essa utilização é sempre ativada quando se trata de diferenciar-se dos brancos das cidades ou de outras populações indígenas não propriamente aparentadas, que eles encontram nas cidades mais próximas. Para os Djeoromitxi, destacam-se nesta diferenciação os cuidados que cultivam com parentes e que estão baseados em conhecimentos e procedimentos muito refinados de inúmeras ervas do mato, talos, folhas, raízes, resinas, fumaças e suas propriedades, e a utilização de palmeiras e de suas larvas. Além disso, observam-se severas restrições alimentares para pais e mães no pós-parto, para crianças pequenas e para meninas na menarca, cujo descumprimento tem como consequência o adoecimento ou a morte de parentes, isto é, o “roubo de alma”.

Esses conhecimentos visam desde estabelecer corpos de bons caçadores e boas trabalhadoras na roça e na produção de cerveja até a cura de doenças trazidas por espíritos malfazejos. Além disso, é preciso mencionar a utilização de rapés alucinógenos por especialistas xamânicos, restrições sexuais e alimentares na constituição de seus corpos de pajé, e seu trabalho na busca das almas dos adoentados que procuram a sua ajuda (Soares-Pinto 2014). Mas não serão estes os procedimentos aqui enfocados, embora com sua menção já seja possível afirmar a centralidade do corpo nas ações voltadas para a constituição de parentes (Seeger et al. 1979SEEGER, Anthony, DAMATTA, Roberto & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. "A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras". Boletim Museu Nacional, 32:2-19.).

No que tange à etnografia aqui apresentada, o processo de constituição da pessoa será investigado por meio de substâncias específicas; o sangue/sêmen paterno, introduzido repetidas vezes no útero feminino durante a gestação, e a bebida fermentada produzida pelas mulheres, com a qual se estabelece uma “identidade de substância” entre mãe e filhos no pós-nascimento. Descreverei o modo como essas substâncias podem tornar as pessoas suficientemente semelhantes para serem parentes, e suficientemente diferentes para serem casáveis. Temos então uma relação entre sangue/sêmen masculino e bebida fermentada feminina que guiará nosso entendimento, pois suponho que esta seja uma relação paradigmática entre os Djeoromitxi e os povos vizinhos.

O que me interessa aqui é iluminar a lógica de inscrição do parentesco “na ordem do feito, e não do fato (natural)” (Coelho de Souza 2004:27), em vista dos efeitos dessas substâncias nos corpos de parentes, partindo do pressuposto de que, no mundo ameríndio, a humanidade, tanto como o parentesco, “é objeto de um processo de fabricação que incide sobre o corpo” (:27). Paralelamente, trarei uma reflexão sobre os dois modelos de leitura que se revelaram articulados na análise. O modelo analógico (Wagner 1977____. 1977. “Analogic kinship: a Dabiri example”. American Ethnologist, 4(4):623-642.) para a fabricação de parentes: na etnografia aqui apresentada o fluxo de substância toma a forma de um fluxo de analogias; e a dupla torção, ou dupla transformação, característica da Fórmula Canônica do Mito3 3 Doravante referida como FCM. (Lévi-Strauss 2003 [1955]), para a metamorfose, quando se observa que os corpos foram afetados abusivamente por substâncias indesejadas.

Para nos situarmos em relação ao campo de parentesco djeoromitxi, é preciso saber que sempre conviveram em contiguidade espacial diversos povos indígenas. São povos que compõem o que ficou conhecido como “o complexo do marico”4 4 Maricos, dü em djeoromitxi, são cestas/bolsas de fibras de tucum, de vários tamanhos. Sua confecção é exclusivamente feminina, apesar de serem utilizados por homens e mulheres no transporte de produtos da roça e frutos coletados na floresta. Segundo Maldi (1991:211), este artefato seria não só característico, como também exclusivo dos grupos dos afluentes da margem direita do médio rio Guaporé, que hoje habitam a T.I. Guaporé e a T.I. Rio Branco, ambas situadas no estado de Rondônia. (Maldi 1991MALDI, Denise. 1991. “O complexo cultural do marico: sociedades indígenas do rio Branco, Colorado e Mequens, afluentes do médio Guaporé”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi (Antropologia), 7(2):209-269.); dentre eles estão os Tupari, Wajuru e Makurap, de língua tupi-tupari, os Djeoromitixi e Arikapo, de língua macro-jê, e os Aruá, de língua tupi-mondé. Esses povos, encontrados/invadidos por exploradores de seringa em meados da década de 1920, nas paragens do médio rio Guaporé e seus afluentes, viram suas malocas, antigo modo de habitação, dizimadas pelo sarampo, e os grupos familiares restantes distribuídos e escravizados em uma série de barracões e colocações de seringa. As aldeias de outrora são descritas como compostas por uma só maloca ou por várias. Assim, o espaço aldeão de antigamente é caracterizado como um espaço endogâmico e sua/s maloca/s congregava/m unidades segmentares de mesmo povo ou língua, sendo composta/s de várias famílias extensas.

Depois da invasão não indígena, a maloca se dissolveu e, a partir daí, notaram-se diversos percursos marcados por uma estratégia de resistência indígena que consistiu na dispersão de famílias extensas como meio de deslocamento para uma vida fora da maloca, “no meio dos brancos”. Com esta expressão, meus interlocutores indicam o movimento de retração demográfica e social, cuja manifestação é o deslocamento forçado de um grupo de parentes (incluindo alguns afins) em territórios não indígenas: barracões, colocações de seringa, colônias de trabalho, povoados ribeirinhos. Esse grupo de parentes, sob os cuidados de chefes indígenas preeminentes e suas respectivas esposas, conforma sucessivamente locais aptos para a convivência. Locais estes que hoje são as aldeias constituídas na T.I. Rio Guaporé e na T.I. Rio Branco, demarcadas tendo como referência os PI’s de mesmo nome que recebiam os “fiapos restantes” desses povos.

Atualmente, tais povos mantêm um padrão de exogamia de grupo patrifiliativo, perfazendo um nexo endogâmico entre 10 povos indígenas, se considerarmos as alianças matrimoniais realizadas no interior da Terra Indígena Rio Guaporé (no baixo curso deste rio). Aos povos já conhecidos, como se diz, no “tempo da maloca”, se somaram, nesse nexo endogâmico, aqueles que encontraram no tempo pós-maloca, quais sejam, os Kujubim, os Kanoê, os Massacá e os Uru Dao (subgrupo Wari’). Embora digam que estão num tempo “no meio dos brancos”, os casamentos com não indígenas são muito desvalorizados e efetivamente pouco praticados.5 5 Contudo, de três anos para cá, eu registrei um aumento significativo de casamentos com não indígenas e algumas mudanças de famílias para as cidades mais próximas. Ambos os movimentos ancorados, suspeito, no aumento do fluxo de dinheiro advindo de benefícios sociais. Ainda assim, estes fatos são ainda muito incipientes e em número muito reduzido para que eu possa apresentar qualquer reflexão.

As alianças entre cônjuges de povos indígenas distintos, maioria absoluta de casamentos, fazem circular as pessoas de maneira predominantemente virilocal por entre as suas quatro principais aldeias e sítios afastados. Assim, os cônjuges raramente são do mesmo povo, ou da mesma seção patrifiliativa, e convivem na esfera doméstica - num conjunto de casas construídas no modelo regional - pessoas desses vários grupos linguísticos que citei acima. Por isso, me dizem estarem hoje “todos misturados”, em contraposição ao ideal de endogamia linguística de maloca que vigorava antigamente, processo que mostra semelhanças, mas também diferenças, em relação ao caso piro etnografado por Gow (1991GOW, Peter. 1991. Of mixed blood: kinship and history in Peruvian Amazônia. Oxford: University of Oxford Press.).6 6 Para uma análise da “mistura” como descrição do campo social atual, ver Soares-Pinto (2012, 2014). A etnografia de Gow (1991) é inspiradora no que se refere também à troca conjugal de caça por cerveja. Todas essas mudanças, a mistura indígena pós-maloca, incluindo o fato de terem adquirido muitos hábitos e utensílios dos não indígenas, fazem com que a aldeia seja constituída (mais ou menos diametralmente) por casais de velhos que encarnam o “passado na maloca” e jovens que encarnam o tempo “no meio dos brancos”.

As festas de chicha desempenham papel central na socialidade entre tais povos. A bebida é produzida majoritariamente de macaxeira (mandioca mansa), mas em algumas casas se produz chicha de milho. Em relação a esta última, dizem que era a bebida mais consumida nos afluentes do médio rio Guaporé, onde estavam localizadas suas antigas malocas antes de serem invadidas por exploradores de seringa na primeira metade do século passado. Por vezes, a chicha de milho é misturada ao amendoim. Estas duas matérias-primas alcançam níveis alcoólicos maiores que a mandioca, segundo os indígenas. A chicha de cará roxo é também muito apreciada. Nessas festas de chicha, um grupo anfitrião (uma unidade conjugal ou uma família extensa) oferece a bebida em troca do trabalho - na roça, na limpeza dos caminhos, na colocação de telhados - de seus corresidentes ou parentes espacialmente distantes (de outras aldeias). Assim, a chicha conecta diferentes conjuntos virilocais. Consumida no terreiro da casa que a oferece aos visitantes, ela caracteriza a integração da aldeia: ao ir atrás da chicha, como se diz, as pessoas podem circular por muitas casas num mesmo dia, bem como encontrar parentes que residem em locais distantes.

A produção da chicha é trabalho feminino: com a avó/mãe/sogra coordenando a atividade realizada pelas netas/filhas não casadas/noras. Por meio dos conselhos e do acompanhamento durante o trabalho, são as parentas ascendentes que “ensinam” suas parentas descendentes a produzirem uma boa chicha, quer dizer, uma chicha embriagante. Com este fim, é importante que as primeiras forneçam sua própria saliva para a produção de chicha das segundas, ajudando na fermentação da bebida. Idealmente toda a produção deve se tornar embriagante. Uma chicha que não azeda é um índice de que espíritos malignos estão rondando as casas. Por sua vez, um alimento que estraga ou azeda rapidamente indica que aquele a quem seu cozimento foi destinado já está comendo com os espíritos, e sua morte, assim, está próxima.

É a chicha brava ou azeda que se espera: e ela tem o poder de alimentar crianças que por acaso não contem com um pai ou mãe para tal. Assim se diz dos muitos órfãos das epidemias de sarampo, que foram criados “no poder da chicha” de suas parentas. Desta forma, a relação diferencial entre alimento e veneno, muitas vezes observada em outras cosmologias (em especial nos estudos tupi, cf. o caium araweté, caracterizado por Viveiros de Castro [1986:346] como um antialimento) como interna à própria fermentação da bebida (mingau doce como alimento e bebida como veneno), aqui parece ter outro rendimento. É o azedamento da bebida e o azedamento do alimento que guardam essa relação diferencial: a chicha que azeda rapidamente indica o fortalecimento dos vivos em face dos mortos; o alimento que azeda, o contrário.

A capacidade de azedamento da cerveja está localizada, para esses povos, na mastigação da macaxeira por sua produtora. Uma importante senhora arikapô recebeu mel que um pajé trouxe de suas visitas ao Céu e que foi introduzido invisivelmente em sua garganta. A chicha desta senhora é sempre referida como uma chicha forte, embriagante, pois sua saliva é marcada pelo mel que possui em sua garganta, e assim será também a sua chicha. Desta maneira, produzir uma chicha embriagante depende das capacidades pessoais (“encorporadas") de cada mulher, de sua história de relações. E é por isso que se pode falar da bebida como uma “substância corporal”.

Por meio da chicha de cada mulher, as festas que ocorrem em torno dela, muitas vezes na semana, são sempre referidas como um atrator de socialidade indígena, em oposição à socialidade dos brancos. “Índio bebe chicha, branco bebe cachaça”, é o que sempre se pode ouvir.7 7 Para maiores detalhes sobre a produção e o consumo da bebida fermentada, a sociabilidade e os afetos envolvidos, consultar Soares-Pinto (2009, 2010). Enquanto a troca de trabalho por cerveja opera essa sociabilidade entre grupos locais, uma outra troca, numa menor escala, a possibilita: as mulheres do grupo doméstico oferecem a bebida fermentada e os homens oferecem caça. É, então, essa troca conjugal de cerveja por caça que permite a troca de cerveja embriagante por trabalho entre diferentes conjuntos virilocais. Quero chamar primeiramente a atenção para o fato de que, à troca de caça por bebida fermentada, no registro conjugal, subjaz também a produção de coletividades, quando a bebida é oferecida não mais em troca de caça, mas de trabalho.8 8 Considero a troca conjugal entre os Djeoromtixi como do tipo “não mediada”, no sentido fornecido por Strathern (1988). Na troca mediada, pessoas e coisas são transferidas como se estivessem no lugar de partes de pessoas: os objetos podem circular entre as pessoas e mediar suas relações. Eles não estão no lugar das pessoas, mas como parte de seu próprio trabalho. São concebidos como extraídos de uma pessoa e absorvidos pela outra: mulheres são extraídas de seu grupo masculino e absorvidas por outro grupo masculino, por exemplo. Doadores e receptores são consequentemente entendidos como diferentes, pois é a própria troca de itens fluindo entre pessoas que cria a diferença entre os parceiros. Na troca não mediada, pessoas não destacam partes de si mesmas, mas são construídas como possuidoras de uma influência direta na mente ou nos corpos umas das outras: o trabalho de um tem efeito direto no outro. Em que pese a falta de objetos mediadores, essas interações têm a forma de uma “troca” na medida em que cada parte é afetada pela outra. Strathern dá dois exemplos deste tipo de troca não mediada: o trabalho que cônjuges realizam um para o outro e a capacidade das mães em fazerem crescer o corpo de seus filhos, na medida em que eles também a fazem crescer enquanto “mães” (:178-9). A troca não mediada, de sentido conjugal ou parental, desestabiliza a diferença, mais classicamente considerada, entre troca e partilha. Agora, falaremos dessa “troca de três” (caça/bebida/trabalho) na gestação e no pós-parto.

Analogia ou “o sangue do homem é forte”

Em termos substantivos, pode-se dizer que mães não são propriamente encontradas na teoria da gestação dos povos com os quais convivi. Contou-me uma interlocutora wajuru algo similar ao que dizem também os Djeoromitxi:

A mulher só recebe e gera o sangue do homem. Na verdade, o filho já vem do homem, o filho é do homem. Minha avó e meu avô já diziam a palavra: “quem tem filho é o homem”. Quando nasce mulher já falam que ela vai aumentar os parentes dos outros. Quando está o pai junto com a mãe ele vai ajudando a formar, durante a relação sexual. Vai se movimentando e se formando. Quando é mãe solteira é perigoso para a criança até nascer doente.

Esta teoria da concepção/gestação era sempre ativada quando eu visava investigar o que subjazia à patrifiliação como modo de pertencimento grupal, que caracteriza sociologicamente os povos com os quais convivi, em função do modo que se diz que fulano ou sicrana é wajuru, ou djeoromtixi, ou makurap etc. Nessas conversas, a noção de uma substância “sangue paterno” era tomada como capaz de produzir o corpo de seus filhos (bebês) antes do nascimento. O sangue do homem, txiü käi, que é glosado muitas vezes, em relação ao pertencimento grupal, como hikäi, “nosso sangue”, pode ser referido à hini, isto é, “nossa carne”.

Devo primeiro esclarecer que essa noção de “sangue paterno/sangue do homem” é remetida com alguma ambiguidade ao “sêmen masculino” (tärüi). O sangue paterno pode ser tomado como a substância icônica de uma relação entre homens e mulheres, e que só aparece como figura neste sentido, ainda que seja, de todo modo, invisível. A ação paterna necessita, contudo, de um continente feminino para se realizar. O substantivo djeoromitxi para útero, djiri tekä, pode ser traduzido como “a caixa do bebê”: djiri, substantivo que designa os bebês até mais ou menos seis meses de idade, sem distinção por sexo, e tekä (“caixa”), designativo de todo tipo de recipiente: cestos para o armazenamento de alimentos, cochos e potes para o armazenamento da bebida fermentada feita de mandioca, garrafas etc. Por sua vez, kä, em sua forma nominal, designa a casca das árvores e dos frutos, qualquer tipo de pele e, ainda, a roupa dos Brancos. Creio que sua tradução mais aproximada para o português seria “invólucro”.

O útero feminino, a caixa do bebê, torna-se recipiente para a substância masculina: a mulher recebe o sangue/sêmen do homem, nela inserido por meio da atividade sexual repetida. Se essa relação conteúdo/continente não for exercida pelo pai e pela mãe da criança, respectivamente, entram em cena sérios riscos à saúde e ao acabamento (completude) do corpo do bebê, que só poderão ser observados no momento de seu nascimento - tema, aliás, bastante recorrente nas etnografias amazônicas.9 9 Ver, por exemplo, a etnografia de Peter Gow (1991) sobre os Piro da Amazônia peruana, e de Vilaça (2002) sobre os Wari’. O ato feminino de conter e transformar a substância masculina descreve uma ação tão significativa (mas não necessariamente substantiva) quanto exercer a função conteúdo, reservada aos homens durante a gestação. Aliás, durante a gestação, a mãe precisa observar certos resguardos: não se assustar, não comer alguns alimentos etc.

Tudo isso pode influenciar na formação da futura aparência do bebê, mas é o inverso do que é concebido como desejável. Uma mulher que se assusta com um barulho no mato e olha rapidamente será posteriormente responsabilizada pelos problemas de visão que seu filho virá a ter. Dos exemplos que obtive do produto visível posterior à ação feminina durante a gestação, objetificado na aparência dos filhos, todos eles referiam-se a “resultados” indesejados, calcados em eventos específicos. Ao contrário, em tom de satisfação, sempre ouvi dizer, de homens e mulheres, que as crianças se parecem com o pai, porque o “sangue do homem é forte”. A tradução indica a questão: o substantivo para “sangue” (käi) pode ser traduzido, justamente, como “pele líquida”, pois é formada por , “pele, invólucro” (supra cit.) adicionada a -i, um classificador nominal para líquido (Castro 2012CASTRO, Thiago. 2012. Djeoromitxí: Notes on Phonology and Simple Noun Phrase Structure. Master of Arts. The University of Texas at Austin.:61).10 10 Minha leitura do valor operativo do sangue na constituição da pessoa djeoromitxi se beneficiou sobremaneira da pesquisa de Luisa Elvira Belaunde (2006) sobre a hematologia amazônica, em que a autora conclui que o sangue é sobretudo uma relação, relação esta que tanto une quanto divide os seres humanos em homens e mulheres (:210), salientando o valor do sangramento na troca de pele/corpo, de modo que o sangue apareça como um “operador de perspectivas”. De maneira semelhante, o estudo de Ellen Araújo (2016) sobre o tabaco entre povos ameríndios é um exemplo feliz sobre como o enfoque nas substâncias pode fornecer uma rota de investigação para a conexão entre fabricação e metamorfose corporais.

O que é ressaltado durante a gravidez é o trabalho de construção/constituição dos filhos, objetificado no sangue/esperma que aparece como o correlato da potência cinegética do marido/pai. É porque ele alimenta a mãe da criança durante a gestação com carne de caça/peixe, e a insemina em relações sexuais repetidas, que a criança poderá nascer saudável. Durante a gestação, a carne de caça fornecida para a esposa/mãe é a forma visível da produção invisível do corpo do bebê, trabalho masculino. À questão “Por que o filho é do pai?”, poderá não raro se escutar “Porque é ele quem trabalha, desde a gestação, para formar o corpo da criança”.

Isto não quer dizer, entretanto, que após o nascimento e durante a vida dos filhos os homens não devam observar certos resguardos. A objeção principal é em relação ao abate de animais predadores, principalmente as cobras, as onças e os gaviões, quando no período gestacional ou pós-natal, pois disso pode decorrer a doença, ou o “roubo de alma” da criança. Noto ainda que os resguardos alimentares que os pais devem observar são bem menos marcados que aqueles pertinentes às ações maternas. O que aparece se refere muito mais às inúmeras restrições alimentares que as mães devem fazer em vista da saúde de seus bebês, até depois que estes já estejam andando e falando, e o fato de os pais não poderem matar alguns animais e manter relações sexuais com outras mulheres que não a mãe de sua criança. Neste último caso, um besouro vermelho se instala no peito da criança e ela morre, caso não seja auxiliada por um poderoso pajé.

A carne de caça que o homem oferece à sua esposa na gestação é a forma visível do sêmen, na mesma medida em que a pele do bebê, no pós-parto, é a forma visível do sangue masculino. Dito isso, é possível pensar que, para a formação de um corpo apropriado durante a gestação, está em jogo uma conexão figura-fundo (Wagner 1981WAGNER, Roy. 1981 [1975]. The invention of culture. Chicago: University of Chicago Press. [1975]) em que é a substância masculina que se faz figura de uma relação homem-mulher (täro, “esposo”; tädi, “esposa”), para a qual a ação feminina permanece como fundo. Essa formulação é baseada em duas observações: a primeira, como vimos, refere-se à função conteúdo masculina durante a gestação; a segunda é realizada no pós-nascimento, quando se observa que as crianças têm a aparência física semelhante aos seus genitores masculinos.

Quanto à função feminina no pós-parto, muitas vezes escutei dos homens que eles mesmos tinham sangue (do grupo agnático) de suas mães: “eu sou um pouquinho makurap”, me disse certa vez um amigo observando que as pessoas do patrigrupo de sua mãe, que era o mesmo de sua esposa, o “respeitavam” como parente. Ele se referia principalmente à ajuda em trabalhos coletivos, à partilha de alimentos e à evitação de uma atitude hostil/guerreira em festas regadas a bebida fermentada. Tudo isso caracteriza, aos olhos de meus interlocutores, os parentes verdadeiros, “os parentes próprios”, “aqueles que se respeitam”.

Da caça que recebem de seus maridos, as mulheres produzem leite (nõwii, literalmente “líquido do seio”) para seus bebês, e por isso levam para pajés rezarem as barrigas de bebês em fase de amamentação, caso desconfiem do potencial predatório dos espíritos Donos das carnes de caça (Ibzia) que ingeriram. O fornecimento de leite materno é paulatinamente substituído pela cerveja fermentada (hibzi, literalmente “nossa água”). Aliás, uma das cenas mais recorrentes são mães dando de mamar aos seus bebês com uma cuia de chicha nas mãos. Estas duas substâncias (leite e chicha) introduzem uma continuidade entre mães e filhos, objetificada no discurso masculino como sangue do pai da mãe, tal como o sêmen introduz uma continuidade de sangue entre pais e filhos. Sendo a chicha uma espécie de gozo feminino, qualquer um que a derramar em si mesmo, sempre por acidente, será alvo de deboches demasiadamente ofensivos por estar “gozado”.11 11 Para um caso de semelhança entre sêmen e bebida fermentada, ver a etnografia de Carid Naveira (1999) sobre a chicha yawanawa.

Em relação ao processo de constituição da pessoa djeoromitxi que aqui descrevo, e observando a suplementação da constituição da pessoa a partir do sangue provindo de seu avô materno, é preciso então distinguir as “inversões” relativas às substâncias aqui abordadas. Na formação de uma nova pessoa, temos: a) uma função masculina de conteúdo invisível na gestação, que se torna aparência externa e visível no pós-parto; b) uma função continente feminina visível na gestação que se converte em conteúdo invisível no pós-parto, por meio da amamentação e do oferecimento de bebida fermentada, quando então uma continuidade aparece entre Ego (f/m) e seus parentes maternos (o patrigrupo/subgrupo de sua mãe). Assim, para a patrifiliação dos casos atuais de “mistura”, de mães e pais de povos diferentes, a transformação proporcionada pela linguagem das substâncias e envolvida na fabricação da pessoa é analógica: [Função cdo (homem) : Função cte (mulher) : : Função cdo (mulher) : Função cte (homem)].

Figura 1:
Transformação analógica da pessoa

Nenhuma torção para este caso, mas um quiasma. O diagrama visa ilustrar o fato de que, por meio das ações (trabalho) de mães e pais, a consubstancialidade masculina que era figura na gestação, mas invisível, transforma-se na visibilidade da pele da criança, contra uma figura de continuidade feminina, que era fundo visível (barriga), mas agora “substancializada” no discurso, e invisível.

Antes de prosseguirmos, é preciso esclarecer que a sugestão de um modelo analógico para o parentesco provém do estudo entre os Daribi realizado por Wagner (1977____. 1977. “Analogic kinship: a Dabiri example”. American Ethnologist, 4(4):623-642.). Resumindo seu argumento, podemos dizer que ali o autor visa substituir um modelo de homologias (semelhanças metafóricas) ou classificações “culturalmente especificadas entre regras sociológicas e um conjunto dado de parentes genealogicamente relacionados” (:625, minha tradução), pela suposição de que a diferenciação dos parentes é algo que requer a ação humana, não sendo essa diferenciação dada de antemão. Deste modo, uma relação de parentesco pode ser tida como “uma diferenciação ativa de categorias relacionais com vistas a produzir um fluxo de ‘relacionalidade’ analógica entre elas” (:623, minha tradução), já que se trata de diferenciar uma relacionalidade generalizada dada de antemão. Em consequência, “o aspecto relacional do parentesco é sempre entendido como um tipo de fluxo analógico” (:624, minha tradução). A diferenciação de um universo de parentes em unidades analógicas é realizada por meio da contiguidade ou da incorporação metonímica.

Uma abordagem analógica, como defende o autor, “não incorpora a distinção entre fatos físicos e simbolizações mentais, [...] suas construções são simultaneamente conceituais e fenomênicas” (:626, minha tradução). Inspirada em sua descrição sobre o modo como o interdito em relação à mãe da esposa produz um fluxo analógico entre pessoas e grupos, o que eu descrevi até aqui para o caso em tela é a forma como esse fluxo de analogias (ou de contiguidades) é constituído pela ação de troca entre os cônjuges (e certos constrangimentos na ação de ambos) na produção de unidades analogicamente relacionadas, via linguagem das substâncias. É desta maneira que aparecem as pessoas e os patrigrupos que compõem o universo social em questão.

Essa analogia entre pessoas e grupos, no nosso caso, esconde duas pequenas complicações. A primeira é a seguinte: o que é saliente na teoria da concepção é o papel masculino, enquanto o papel feminino (continente) é passado para o fundo; essa assimetria, que expressaria a relação [homem+mulher] na gestação, é objetificada pelo esperma e pelo trabalho do pai implicados na formação do feto. Este conteúdo, que na gestação é esperma (cujo signo visível é o oferecimento de caça), se transforma em sangue paterno, quando se passa da teoria da concepção para o discurso sobre a consanguinidade. Nesse discurso, a consubstancialidade é manifestada na semelhança entre os filhos e os pais no pós-parto. Portanto, somente quando a mulher deixa de “conter” (esconder) a substância é que a continuidade F -> Ch12 12 Para os kintypes, utilizo a marcação inglesa: F para father (pai), M para mother (mãe), Z para sister (irmã), B para brother (irmão), D para daugther (filha), S para son (filho) e Ch para children (filhos/as). se dá a ver (na aparência das crianças, meninos e meninas). Neste momento pós-parto, nas trocas de carne por cerveja, a transformação analógica para a substância masculina é realizada em termos da semelhança, enquanto a ação feminina passa a ser feita como “substância” - se por isso entendermos uma conexão invisível - no interior dos corpos de seus filhos.

E aqui vem a segunda complicação referente à substância feminina no interior dos corpos de seus filhos, que só se transforma em “sangue” para o caso dos filhos homens. Nada me autoriza a afirmar uma continuidade de substância entre mães e filhas. Pelo contrário. Das mulheres com as quais conversei, não ouvi nada a respeito de uma suposta continuidade de “sangue” em relação às suas parentas ascendentes. Imagino que isto se remeta ao fato de que, no contexto matrimonial, as mulheres permanecerão identificadas substancialmente com seus pais, para que assim possam (pareçam) ser desposáveis, visto que os grupos uterinos de ambos os cônjuges têm a possibilidade de serem os mesmos, mas os sangues (meio pelo qual se expressa a continuidade de um patrigrupo) têm de ser diferentes.13 13 Mas isso não indica que a mudança de sexo entre consanguíneos da geração de Ego e a geração imediatamente descendente não seja significativa. Homens e mulheres se referirão aos seus filhos com termos distintos: as mulheres contam com somente um termo tanto para se referirem ao seu filho como à sua filha: Tä (Ch; ZCh; HBCh; MZDCh; FBDCh). Os termos para Ego masculino variam de acordo com o sexo de Alter: Itxi (D; BD; MBD, FBSD; MZSD), “filha”, e Ukü (S; BS; MBS; FBSS; MZSS), “filho”. Vamos ao casamento.

Como se casar

Moero Djeoromitxi me disse o seguinte sobre a categoria de parentesco wirá, que codifica os cônjuges preferenciais:

Do wirá que não faz muita parte do parente… de parente já de sangue, por causa disso, porque o pai das crianças já não pertence muito àquela família, como é que se diz? A família de que realmente descende. Não tem mais família sanguínea mesmo, que tem diferença já no sangue. Esse daí que pode ser wirá da gente. Não pode ser da descendência daquela pessoa, não. A tia às vezes casa com uma pessoa diferente, que não seja da família sanguínea que fala, esse pode ser wirá, e daí pode casar, senão não pode casar.

Os homens djeoromitxi casam-se com mulheres cujas mães têm relações traçáveis com eles a partir de suas próprias mães. Um detalhe importante é que os casamentos não se dão entre os primos cruzados (de primeira geração). A categoria wirá recobre os cônjuges preferenciais, sendo eles filhos de primos cruzados (FZChCh; MBChCh) e, reciprocamente, primos cruzados dos pais (FMBCh; FFZCh; MFZCh; MMBCh). Tendo por base o fato de que a categoria wirá codifica os cônjuges preferenciais, pode-se dizer que esta categoria “afiniza” retrospectivamente as posições consanguíneas na geração de Ego e nas superiores: os primos cruzados ou os avós “tornam-se” sogros/as.14 14 Embora se apresentem termos de afinidade separados da grade terminológica para consanguíneos. Em relação à terminologia de parentesco djeoromitxi, com feições crow, e seu sistema de aliança, que apresenta um cálculo de cruzamento ngawbe, não redutível a dois entes trocadores, consultar Soares-Pinto (2016).

Entre pessoas de sexo oposto, a relação wirá é marcada por uma espécie de “vergonha” dos possíveis cônjuges ainda crianças. Contudo, entre pessoas de mesmo sexo, mas principalmente entre homens, as relações wirá se manifestam como uma “amizade informal” - através da ajuda mútua e da extrema pilhéria - desde a infância até a velhice. Sugeri em outra ocasião (Soares-Pinto 2014) que esse tipo de vínculo entre pessoas de mesmo sexo pode recair na categorização dos “terceiros incluídos”, figuras da afinidade potencial (Viveiros de Castro 2002a, mais adiante), pois escapariam à dualidade consanguinidade/afinidade. Em primeiro lugar porque as atitudes entre homens assim ligados seriam uma hipérbole da ajuda e do respeito que marcam os consanguíneos. Hipérbole, no entanto, que é apresentada por meio de piadas que revelam e encenam a animosidade que marca a relação entre afins. Assim, se diz dos wirá que “parecem que não são parentes”. Em segundo lugar, porque os wirá de mesmo sexo desempenham em várias ocasiões as atividades de ajuda mútua típicas entre cônjuges, indo juntos à roça do outro, um membro do par exercendo as funções femininas quando a esposa do outro está ausente (carregando macaxeira, descascando e colocando para cozinhar, por exemplo). Nessas ocasiões, a relação (wirá) de mesmo sexo aparece como um limite inferior daquela (wirá) de sexo oposto.

Quanto ao casamento, o que se dá entre primos de primeira geração, dizem-me, produz filhos monstruosos: corpos meio humanos, meio animais. Tudo leva a crer que é preciso uma complementação feminina de no mínimo uma geração para que a distância (a diferença) necessária possa se instaurar na produção de parentes ou humanos.

Figura 2:
Casamento Wirá15 15 Os símbolos obedecem à convenção antropológica: triângulo para homens, círculo para mulheres.

O gradiente de distância, conforme Viveiros de Castro (1996b, 2002a) determinou como necessário para a leitura do dravidianato amazônico, aqui tem um sabor temporal iniludível.16 16 Para uma aproximação do material djeoromitxi nos termos do que Viveiros de Castro (2002a) determinou como o “dravidianato amazônico”, isto é, diversas transformações operadas sobre o paradigma dravidiano de base, ver Soares-Pinto (2016). No caso dos casamentos djeoromitxi e povos vizinhos, em sua maioria intergeracionais, entre filhos de primos e primos de pais, é bastante comum que a mãe ou os avós maternos da esposa sejam do mesmo povo que a mãe ou os avós maternos do marido, ou que a sogra atual seja também avó de Ego, repetindo casamentos de duas gerações ou mais de ascendência - por isso se diz que “o parentesco pode começar a voltar, novamente, para não ir longe demais”. Assim, é preciso destacar que, em que pese a imagem modelar do pertencimento grupal referente à patrifiliação, a conexão com o passado é feita por meio da afinidade, esse idioma canônico da diferença na Amazônia. Mas como isso é realizado?

Há um certo obscurecimento seletivo das relações uterinas que ligam os cônjuges entre si; a substância uterina permanece como fundo para o caso dos homens, mas é eclipsada no caso das mulheres, ao menos do ponto de vista de seus afins efetivos masculinos. O fato de os sangues que constituem ambos os cônjuges aparecerem como necessariamente diferentes leva às seguintes conclusões: no contexto matrimonial, existe uma oposição diametral interna aos corpos masculinos, eles sendo constituídos pelas substâncias de seu grupo agnático e de seu grupo uterino, ao passo que, no caso dos corpos femininos, a oposição é projetada externamente, pois elas são inteiramente constituídas pelo sangue masculino de seu pai. Este é, parece-me, o modo djeoromitxi de transformar cognatos em afins (transformação pertinente ao dravidianato amazônico, segundo Viveiros de Castro 1996b). Assim, é imprescindível lermos a mistura de que falam ser frutos nos termos do operador “e”, que Kelly (2016____. 2016. Sobre a antimestiçagem. Florianópolis: Cultura e Barbárie.) diz caracterizar a antimestiçagem, de modo que as diferenças não se diluem, mas permanecem “ao lado”.17 17 No estudo de Kelly sobre formas indígenas e não indígenas de mistura e mudança histórica, o operador lógico “e” é uma teoria etnográfica indígena e se contrapõe ao operador lógico “nem isto nem aquilo”, modelo de autodescrição da elite latino-americana, em especial a venezuelana. O operador lógico “nem isto nem aquilo” é articulado à mestiçagem em termos de uma fusão consumptiva de diferentes identidades para a “produção de um novo tipo de pessoa, povo, classe ou nação com qualidades físicas, sociais, morais ou espirituais distintas, a depender da ênfase” (:25). Os mestiços, assim, não seriam nem índios nem europeus. A mestiçagem é coincidente com o ponto de vista do Estado (é uma teoria para o Estado) e da formação de uma nova nação a partir da colonização e das guerras independentistas que se seguiram. A seu passo, na análise de casos etnográficos sobre a mistura tal como concebida por povos indígenas, o autor chega à conclusão de que estes não partilham da teoria da fusão consumptiva que a mestiçagem implica. O operador “e”, característico das misturas indígenas, seria, nesses termos, uma antimestiçagem na medida em que as diferenças não se diluem, mas permanecem “ao lado”. O autor refere-se à adição de um conjunto de convenções do Outro que não é diluído no Eu, mas permanece Outro enquanto tal. A antimestiçagem, nos termos deste autor, é uma teoria contra o Estado. Para lermos a mistura djeoromitxi, é imprescindível que ao operador “e” adicionemos o atributo “relação de sexo oposto”, pois são as mulheres que transformam os fluxos de substâncias masculinas, permitindo que nas gerações posteriores pessoas cognatas se transformem em afins.

***

Retomemos alguns pontos alinhavados até aqui. Na relação de conjugalidade na fabricação de pessoas, é preciso destacar o seguinte: o modo como sêmen e trabalho masculinos ancoram uma noção patrifiliativa, substanciada em termos de sangue agnático e atestada na semelhança visível entre pais e suas crianças; a transformação da carne de caça em leite materno e da cerveja fermentada que, analogamente ao sêmen masculino, introduz uma identidade de substância entre os filhos homens e o grupo agnático de sua mãe; os casamentos entre seções patrifiliativas, isto é, entre sangues diferentes, são ancorados em relações uterinas estabelecidas por casamentos anteriores. Para isso ser possível, as mulheres devem como que esquecer suas conexões uterinas: capacidade possível tanto pela virilocalidade quanto codificada pela amnésia genealógica ali presente.

O parentesco djeoromitxi pode assim ser entendido como uma máquina de reescrita constante das mudanças/relações que se sucedem no tempo, que não dilui as diferenças, mas as produz continuamente. A reescrita djeoromitxi teria como elemento fundamental a relação de conjugalidade, pois esta articula a diferença entre grupos (sangues masculinos) para produzir pessoas (peles) semelhantes, bem como se serve da semelhança de fundo entre tais grupos (a conexão feminina) para produzir diferença entre pessoas (mulheres e homens). O ponto, como argumenta Strathern (2001____. 2001. “Same-sex and cross-sex relations: some internal comparisons”. In: Thomas Gregor (org.), Gender in Amazonia and Melanesia: an exploration of the comparative method. CaliforniaUniversity of California Press. pp. 221-244.), é central para a maneira com que as gerações sucedem umas às outras: “mantém ou determina as preocupações das pessoas (diríamos assim) em certos momentos temporais num ciclo de antecipações: a revisitação/recuperação e a transformação (“perda”) de posições passadas com vistas ao futuro” (:225, minha tradução).18 18 Como observei em outra ocasião (Soares-Pinto 2016:148), é por este motivo que evito uma leitura da filiação djeoromitxi em termos de “filiação complementar”, tal como definida por Fortes (1970), em que M e F transmitem ambos o “estatuto”, a filiação ao seu próprio patrigrupo a ambos os filhos. Seria preciso ter cautela para não lermos o material djeoromitxi a partir de uma simples complementação da filiação sobre a descendência. O problema é que no ambiente djeromitxi a relação com “ancestrais” tem algum rendimento somente até a geração dos avós, o que me leva a crer que o esquecimento de relações guarda uma potência produtiva. A transformação que os Djeoromitxi operariam sobre o conceito de “filiação complementar” é marcada pela internalização de uma figura de alteridade (Taylor 2001) realizada ao longo das gerações e que transformaria esses grupos (“de descendência”, se quisermos) desde o seu interior por meio da filiação uterina e da intensa exogamia de patrigrupo ali observada. Aqui, esse ciclo de antecipações deve ser lido em termos de um conceito particular de substância. A substância de que se serve o parentesco djeoromitxi é a expressão ou a objetificação19 19 No sentido precisado por Strathern (1988): “Por objetificação eu entendo o modo como pessoas e coisas são construidas como possuindo valor, isto é, são objeto da atenção subjetiva das pessoas ou de sua criação” (:176; minha tradução). Segundo a autora, reificação e personificação são duas formas de objetificação caso estejam referidas à economia da mercadoria (“commodity econonomy”), ou à economia do dom (“gift economy”), respectivamente. Na primeira, coisas e pessoas tomam a forma de coisas; na segunda, concomitantemente, objetos agem como pessoas em relação uns aos outros (Strathern 1988). de procedimentos de humanização: “a noção de que a identidade de substância é uma função das relações e não o contrário” (Coelho de Souza 2004:44). Procedimentos que, no caso em tela, têm como elemento inescapável a dimensão da troca conjugal.20 20 Para Wagner (2010 [1974]), a troca de riquezas entre os Daribi é um modo de criatividade que deriva de um “uso do contraste e da distinção para eliciar relações sociais – nesse caso, a distinção e o contraste mais básicos: entre homens e mulheres” (:247). Os homens oferecem produtos masculinos em troca de mulheres e de seus produtos, referindo-se a “pagamentos de pessoas” que circulam entre grupos de parentes. Assim, o campo social é dividido entre aqueles que trocam e aqueles que compartilham. Embora contextualizando o material djeoromitxi na chave da troca “como um uso de contraste para eliciar relações sociais”, evito uma leitura em termos de “troca de riquezas”, pois teria dificuldades em projetar meu material como uma troca de pessoas por coisas e vice-versa. Evidentemente essa discussão remete ao contraste entre bride-wealthy & bride-service societies (Collier & Rosaldo 1981). Sabe-se que por meio dele a Amazônia apareceu muito mais aderente ao complexo xamânico da relação humanos/não humanos, e menos à dualidade de gênero, imprimindo-se com isso um valor menor à analogia entre (partes de) pessoas e riquezas nas Terras Baixas da América do Sul. Para Descola (2001), um dos defensores desse contraste, a distinção Melanésia/Amazônia é aquela entre a possibilidade e a impossibilidade de substituir pessoas por objetos, respectivamente. A seu passo, Hugh-Jones (2013) indicou a positividade do simbolismo político e ideológico das trocas de riquezas no noroeste Amazônico e no Xingu. A questão, intuo, não reside exatamente em decidir por uma posição ou outra, mas talvez enxergar a relação xamânica que os objetos do parentesco podem apresentar, e vice-versa. Para uma reabilitação da noção de troca na etnologia indígena, e a proposição de “perspectiva da dádiva” para a noção de humanidade guarani, ver o trabalho de Ramo y Affonso (2014).

Em continuidade com o estudo de Coelho de Souza (2004) sobre o lugar e a potência das substâncias no pensamento timbira, a partir do qual a autora afirma que o verdadeiro humano é, pois, um parente, constituído por meio de “esforço deliberado de assemelhamento corporal” (:26), o que pretendo destacar é uma espécie de indiscernibilidade analítica entre os objetos aqui enfocados - caça, sêmen, leite, cerveja - e o próprio processo de parentesco do qual a “substância” é a objetificação. Isto porque tais substâncias são os meios pelos quais se expressa a convergência de afecções ou a similaridade de corpos que é atestada ou verificada não na presença da substância qua substância, mas no comportamento (nas ações) de ou entre parentes. O parentesco não aparece, assim, como uma ordem de classificação e replicação de um mundo natural, negociando um universo ordenado através da fabricação de uma ordem heurística (Wagner 1978____. 1978. Lethal speech: Daribi myth as symbolic obviation. Symbol, Myth and Ritual Series. Ithaca: Cornell University Press.:23). Ao contrário. O que parece poder ser destilado desse processo é o caráter relacional desses objetos ou desse universo. Trata-se menos da ideia de que a identidade, a transmissão ou a partilha de substância implique ou explique a existência de corpos iguais ou semelhantes (o principal atrator do parentesco euro-americano e da sua forma de mestiçagem como “fusão consumitiva”, cf. Kelly 2016____. 2016. Sobre a antimestiçagem. Florianópolis: Cultura e Barbárie.), e mais da noção de que corpos iguais ou semelhantes expressem essa convergência por meio de formas objetificadas como “substância”.

É por este motivo que as substâncias indígenas aparecem sempre de maneira fugidia, pois têm elas mesmas um caráter transfigurativo, de tal modo que é possível notar que essas substâncias se transformam umas nas outras na produção de pessoas. Essas transformações, entendo, são o modo pelo qual os Djeoromitxi visam produzir incessantemente diferença num mundo onde o que é perigoso é, justamente, a autorreferência como mote de continuidade. Retomando a menção de meu amigo “Eu sou Outro”, pode-se afirmar a linguagem da mistura como antimestiçagem (Kelly 2016____. 2016. Sobre a antimestiçagem. Florianópolis: Cultura e Barbárie.), dispositivo que permite “a manutenção da distinção Eu/Outro, em qualquer escala, [como] uma questão de autonomia política” (Kelly 2016:80). Algo como a causa e a consequência da persistência das identidades makurap, djeoromitxi, wajuru e assim por diante, mas sempre, note-se, no plural, e pelas quais se pode sustentar a posse de uma posição humana neste campo social.

Dupla torção ou “o sangue da mulher é perigoso”

Chegamos ao ponto da metamorfose ou transformação descontrolada no registro do parentesco, na medida em que substâncias femininas podem abrir o campo relacional para as posições caça/caçador. A primeira cerveja produzida depois do parto por uma mulher é chamada “chicha lava-mãos”, porque limpa o corpo dos bebês do sangue perinatal: derramada sobre meninos, torna-os bons caçadores, sobre meninas, trabalhadoras na roça e produtoras de cerveja. Só mulheres e crianças podem beber dessa chicha. Jovens ou homens se tornariam panema (küritõ) caso ingerissem a chicha lava-mãos. Sob tais circunstâncias, a descrição se concentrará de agora em diante em momentos nos quais o que importa aos Djeoromitxi é sublinhar o caráter de transformação indesejada das substâncias a elas associadas.

O panema também se instalaria se os homens entrassem em contato com o sangue perinatal - se realizassem o parto de suas esposas ou lavassem os lençóis do parto - e menstrual, ou se tomassem alguma chicha que fosse produzida durante a menstruação feminina. Essas advertências sobre tal “envelhecimento” precoce são a forma fraca de um outro acontecimento: aquele que joga a cerveja ao chão, em gesto de desprezo, está “marcando” ou antecipando o dia de sua própria morte. Assim, nenhum homem que se aproxime de um cocho de chicha deve aparentar um tom de desprezo. Está “dado” para minhas interlocutoras e meus interlocutores que nenhuma mulher indígena faria isso, pois é esta a própria definição de mulher: produtora de bebida fermentada.

Durante suas regras, mulheres devem manter severas restrições: não andar no mato sozinhas, sob pena de serem capturadas pelos espíritos donos de grandes árvores ou de caça para serem suas noras; não cuidar de sua roça ou arrancar frutos das árvores de seus terreiros; tampouco podem cozinhar para seus maridos ou cachorros: suas ações fariam com que esses seres caíssem num estado panema, improdutivo: a roça secaria, as árvores não dariam mais frutos.

As relações de troca entre homens e mulheres que produzem pessoas saudáveis parecem ter o efeito contrário se houver interferência da menstruação ou se forem objetificadas por uma chicha “manchada” por sangue perinatal ou menstrual: a cerveja cessa de apresentar uma função de “cozido” (de consanguinização ou fabricação dos parentes) e assume uma função “veneno” (de metamorfose, afinização ou diferença), relações diferenciais que são vertidas pela bebida fermentada. Note-se o que diz Sztutman: “O cauim integra um conjunto de substâncias - dentre elas, o célebre par mel e tabaco (Lévi-Strauss 1966) - que se situam numa posição ambígua entre o alimento supremo (porque não teve de ser cozinhado, já está dado) e o veneno extremo, entre o estimulante e o entorpecente” (2007:61). No caso djeoromitxi, em relação de substituição com o sêmen (supra), a chicha vitaliza; em conjunção com o sangue, ela produz o efeito contrário.

Notamos, assim, seguida ao quiasma que apresentamos anteriormente, uma dupla torção:

Figura 3:
O parentesco sob a Fórmula Canônica do Mito21 21 Respectivamente: Fx (a): Fy (b) : : Fx (b) : F a-1 (y). Como se sabe, a dupla torção característica da Fórmula Canônica do Mito (Lévi-Strauss 2003 [1955]) “faz passar de uma relação metafórica a uma metonímica, e vice-versa” (Viveiros de Castro 2008:112) ou, por outra via, se vale da oposição entre termo e função como uma maneira de frasear que os termos da fórmula são eles mesmos relações entre termos. Para uma leitura aprofundada sobre a FCM, ver Almeida (2009).

No quarto termo da fórmula, a função homem invertido me parece ser o estado panema, o envelhecimento precoce e a cegueira ativados pela cerveja invisivelmente manchada pelo sangue menstrual ou perinatal. Essa “dupla torção” parece-me evidenciar o processo de parentesco, pois torna aparentes as diferenciações necessárias à fabricação de pessoas: nos moldes do que diz Kelly (2011KELLY, José Antônio. 2011. “Perspectivismo multinatural como transformação estrutural”. Ilha: Revista de Antropologia, 12(1):135-160.:152) sobre a Fórmula Canônica do Mito, a segunda parte da fórmula “obvia” (no idioma de Wagner) a primeira parte, pois explica o que foi ignorado e o que foi ressaltado na relação (analogia) anteriormente evocada para tal.

Agora, a função conteúdo da mulher implica não mais uma função continente masculina visível (pele) e uma função conteúdo feminina invisível (sangue de seu grupo agnático). Na presença da função homem invertido, quarto termo da fórmula, a função conteúdo da mulher e continente do homem não podem mais objetificarem-se nos sangues agnáticos de ambos, pois têm de ter outro suporte. Esse suporte é a chicha quando produzida em condições não cotidianas, marcada invisivelmente pelo sangue menstrual ou perinatal. Enquanto análoga ao esperma/sangue masculino, visível nos corpos dos filhos, a chicha/esperma feminina mantém seu poder de construção de corpos apropriados. Quando o sangue feminino passa a ser a dimensão invisível da chicha é que as relações se invertem e a função homem-1 vem à tona. Ao que tudo indica, a sequência masculina não pode lidar com a reversão pertinente ao corpo feminino na analogia anterior sem ser afetada abusivamente. O sangue (menstrual e perinatal) feminino não é visível na chicha, mas é ele que afigura um abuso: é essa reversão que aproxima os homens da morte.

Se o poder do sangue masculino é atestado no pós-parto pela aparência dos seus filhos, os quais se pareceriam com seus ascendentes masculinos, a produção feminina de chicha tem o poder de fazer com que os homens mudem metaforicamente de aparência, sem poderem, assim, se envolver com a dualidade caça/caçador. Não posso afirmar se o sangue perinatal é inequivocamente masculino ou feminino. Mas tampouco posso dizer que esta questão não seja importante. Antes, o que posso afirmar é uma espécie de transconectividade entre diversos sangues (perinatal, menstrual) e a bebida fermentada, amarrada essa relação pelo efeito que produzem nos corpos masculinos.

Suponho que seja necessário manter diferenciadas as substâncias, não deixando com que o sangue da gestação, referenciado como masculino no discurso sobre a consanguinidade, intervenha na formação pós-parto da criança enquanto “sangue”, mas sim enquanto “pele”. É a chicha lava-mãos que opera essa transformação. Limpando sua pele, esse momento apresenta um menino ou uma menina para a aldeia; antes disso, a criança é somente referenciada como djiri, bebê. Depois disso, será chamada de “homenzinho” ou “mulherzinha”, ou pelo nome próprio. A chicha lava-mãos, note-se, exclui aqueles que podem formar o corpo de uma criança durante a gestação. Esta exclusão parece exprimir uma orientação contra a fusão de substâncias, chicha e sangue, para que as diferenças entre elas se mantenham “ao lado”. Os homens não podem consumir ou internalizar o correlato de seu trabalho, o sangue perinatal, sem que com isso sejam vitimados pelo panema, o que nos conduz ao problema da autorrelação. Minha questão aqui é a seguinte: se a primeira parte da fórmula indica as relações apropriadas para o estabelecimento da afinidade, é possível que aquilo que chamamos de incesto (uma não relação, segundo Taylor [2001TAYLOR, Anne-Cristine. 2001. “Wives, pets and affines: marriage among the Jivaro”. In: L. Rival & N. Whitehead (orgs.), Beyond the visible and the material: the ameriandinization of society in the work of Peter Rivière. Oxford: Oxford University Press. pp. 45- 56.]) esteja metaforizado no estado panema/velhice/cegueira?

Em Mimica (1991MIMICA, Jadran. 1991. "The incest passions: an outline of the logic of Iqwaye social organization (part 1)". Oceania, 62(1):34-58.), o incesto é destituído de qualquer base genealógica, legal ou costumeira; sua reelaboração do conceito define-o como uma “autorrelação”, figura necessária para a constituição e constante reprodução cosmológica da sociedade Iqwaye: o incesto adquire uma face positiva, funcionando como uma imagem para a autorreprodução social. Neste sentido, quando ele aborda a outra face, o incesto tomado do ponto de vista de sua interdição, ele é algo como uma “afirmação por um desvio” ou “substituição da coisa real por seu equivalente mais próximo” (Mimica 1991:52, minha tradução).

No caso djeoromitxi, as causas do estado panema não dizem respeito somente ao consumo de uma chicha marcada invisivelmente por sangue. Um menino ficará panema caso ele mesmo consuma o primeiro produto de sua caçada. O primeiro macaco abatido, assim como a primeira paca, ou o primeiro porquinho-do-mato, ou o primeiro matrinchã, ou o primeiro surubim etc. não será cozido ou assado por sua mãe para o consumo da família conjugal. O jovem caçador entregará seu produto à sua avó, geralmente paterna, e será ela quem se deliciará com o repasto. Talvez aqui esteja a pedra de toque que sobrepuja a métrica da troca matrimonial e a submeta à dualidade caça/caçador: ao consumo adiado de mulheres, codificado pela relação de afinidade wirá, os Djeoromitxi acrescentam o consumo adiado da caça de meninos púberes. É como se os homens não pudessem consumir aquilo que eles mesmos produziram e devessem fazê-lo circular: comer a primeira a caça é algo equivalente a comer a si mesmo (autorrelação, na linguagem de Mimica [1991MIMICA, Jadran. 1991. "The incest passions: an outline of the logic of Iqwaye social organization (part 1)". Oceania, 62(1):34-58.]), como trocar irmãs na primeira geração depois do casamento dos pais: lembremos que a posição wirá envolve filhos de primos e primos de pais.22 22 Evoco o que Lima (2011) adverte sobre a etnografia de Clastres entre os Guayaki. Ela afirma que o autor, por meio de “uma análise troquista das relações econômico-sexuais”, acabou por “desarm[ar] o principal conceito de poder desses caçadores, o pane, a potência que impõe azar na caça”. Os homens não podem comer da sua própria caça sob o risco de tornarem-se panemas, como também devem partilhar as suas mulheres (a solução poliândrica da sociedade guayaki). Segundo Lima (2011) em sua leitura do panema guayaki, “Clastres dissolveu-o em um tabu do incesto metafórico” (:625).

Essa ressonância entre consumo adiado de mulheres e consumo adiado de caça é uma intuição que julgo poder nos ajudar. O consumo imediato da chicha de uma mulher que acabou de parir tornará um menino inapto à produção de carne de caça, isto é, às relações de conjugalidade que se espera que ele mantenha no futuro. E este menino também não consumirá o produto de sua primeira caçada: dará para sua avó, justamente aquela que proporcionou o amadurecimento do corpo de suas parentas como potenciais esposas para outros homens. Principalmente no rito da menarca, cuja descrição não há aqui espaço suficiente para desenvolver, basta dizer que o corpo da menina é remodelado por suas parentas ascendentes, seu rosto é limpo com algodão para evitar manchas e ela tem de mascar uma espécie de tubérculo para ficar com os dentes fortes. Ela produzirá chicha para oferecer aos corresidentes.

Uma menina também não poderá consumir a primeira chicha moída num pilão que acabou de ser produzido. Esse consumo imediato tem o mesmo efeito caso o rito de menarca não seja realizado: seu rosto ficará cheio de manchas e ela envelhecerá rapidamente, perdendo força; um garoto também não tomará dessa primeira chicha produzida em um novo pilão, pois ele cairá em estado panema. Este ressecamento das funções produtivas para ambos sugere existir uma relação antagônica entre consumo imediato e diferido. É preciso evitar o primeiro, até que sejam capazes de conduzir o segundo, isto é, produzir para o consumo de outros que, por isso, tornam-se aparentados. O processo adequado de produção de pessoas está sujeito à duração. Caso contrário, seus termos estão sujeitos à reversão da relação caça/caçador.

No caso da chicha lava-mãos, os homens adultos devem se abster do consumo para se manterem como caçadores; no caso da primeira caça abatida por um menino, para prevalecer como caçador, ele deve motivar sua avó (que pelo cálculo wirá pode ser também uma “sogra”) como consumidora, não podendo ele ocupar ambas as posições simultaneamente (de produtor e consumidor). Um jovem menino entregará o produto de suas caçadas posteriores para a irmã solteira cozinhar, até que os dois se tornem pessoas casadas e tenham destinos residenciais diferentes. Essa relação de troca entre irmãos,23 23 A terminologia de parentesco parece indicar o problema: os termos para germanos são os mais diferenciados na grade terminológica, para os quais importam tanto a senioridade quanto o sexo, de Ego e de Alter, perfazendo um total de oito termos para consanguíneos de mesma geração: Neé: (m)eB; (m)FBeS; (m)MZeS Psiré: (m)yB; (m)FByS; (m)MZyS; Veé: (m)eZ; (m)FBeD; (m)MZeD; Nií: (f)yB; (f)FByS; (f)MZyS; Hain: (f)eB; (f)FBeS; (f)MZeS; Pako: (m)yZ; (m)FByD; (m)MZyD; Hohé: (f)eZ; (f)FBeD; (f)MZeD; Taä: (f)yZ; (f)FByD; (f)MZyD; mediada pela caça, está como que transfigurada nos termos da primeira caçada, dado que seu produto parece então apresentar uma “função irmã” (Taylor 2001TAYLOR, Anne-Cristine. 2001. “Wives, pets and affines: marriage among the Jivaro”. In: L. Rival & N. Whitehead (orgs.), Beyond the visible and the material: the ameriandinization of society in the work of Peter Rivière. Oxford: Oxford University Press. pp. 45- 56.), pois é por meio da circulação de caça (e não de seu consumo imediato) que um menino pode se exibir posteriormente como caçador, isto é, marido/ genro.

Conclusão: descrevendo transformações

A primeira e a segunda partes deste artigo foram dedicadas ao modelo analógico, a partir do qual descrevi algumas elaborações indígenas sobre a filiação, a definição grupal e sua conexão com a interdição de casamento com os primos cruzados. Depois, elaborei o momento em que fabricação e metamorfose se encontram. Daí sugeri que o tabu do incesto pode estar metaforizado no estado panema e que o modelo de uma dupla torção seria particularmente apropriado para sua revelação.

No parentesco djeoromitxi, a fabricação de pessoas via transfigurações de objetos, por um lado, e a transfiguração de pessoas via fabricação de objetos, por outro - as operações de aparentamento e metamorfose, respectivamente - não são movimentos simplesmente opostos, mas fornecem a potencialidade ou o contexto um para o outro. Esse caráter transfigurativo pertinente aos dois contextos, e que alcancei por via de uma leitura de posições num campo sociológico, é elaborado no discurso indígena e objetificado seja num substrato (pele/transformação do sangue do pai), seja num estado (panema/conjunção com sangue feminino ou perinatal). É pela troca e pela transformação das substâncias entre o par conjugal (e sua variação no par irmã/irmão) que as distintas relações de que participam os “termos” indígenas se tornam perceptíveis.

Strathern (2014____. 2014. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Cosac & Naify.:391) adverte que “uma escrita incapaz de exemplificar o fenômeno pode, ainda assim, indicá-lo”. Embora minha interpretação etnográfica das práticas djeoromitxi no processo de constituição de parentes possa aparecer ou ser indicada como uma entre muitas (infinitas) possíveis, eu estou certa de que o parentesco djeromitxi admite soluções finitas e em número reduzido, tal como o sistema yudjá que, segundo Lima, “faz de homens e mulheres yudjá e do cauim produzido por mulheres yudjá termos invariantes de todas as perspectivas” (2011:639, nota 20).

Parece-me então que essas são ao mesmo tempo as exigências e os efeitos da substância indígena: implicar as perspectivas. E por “substância indígena” estou querendo indicar sua forma visível e não visível: isto porque o parentesco djeoromitxi resolve ou apresenta seus efeitos ora como “sangue” (invisível), ora como “pele” (visível). Como as pessoas são, deste modo, corporificadas, isto é, tornadas parentes, o potencial de metamorfose está como que embutido no próprio procedimento de humanização. Se a distinção entre visibilidade e invisibilidade controla ou baliza a construção dos corpos, como pretendi demonstrar aqui, o conhecimento indígena se encontra deliberadamente inscrito no problema da perspectiva (Lima 1996LIMA, T.S. 1996. “O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia tupi”. Mana. Estudos de Antropologia Social , 2(2):21-47. ; Viveiros de Castro 1996a;). Creio que este seja um dispositivo por meio do qual as pessoas evitam a autoidentificação, manipulando a continuidade de um grupo de parentes na clave da diferenciação: identidades sempre constrangidas pela imanência do Outro.

Na produção de pessoas djeoromitxi, a imanência do Outro é expressa de maneira significativa por relações de sexo oposto. Em meu material etnográfico, surpreendi-me com o modo pelo qual os sujeitos incidem uns sobre os outros por meio de substâncias que são vistas ou como femininas ou como masculinas. Neste sentido, indico a possibilidade de que seja justamente essa relação de sexo oposto que expresse a abertura do campo do parentesco para o axioma canibal. Qual não foi a minha surpresa quando uma jovem mãe me contou que na gravidez de um dos seus filhos ela tinha vontade de comer gente?!

Recorro, assim, à abertura canibal necessária, conforme afirma Viveiros de Castro (2002a), em vista da natureza englobada ou incluída do domínio do parentesco ameríndio dentro de campos socais mais vastos (2002a). Segundo este autor, o processo de parentesco teria como condição um fundo infinito de socialidade virtual, a que o autor denominou “afinidade potencial”, a “diferença universalmente dada” que deve ser atualizada, isto é, diferenciada intencionalmente (2002b:418). Isto se daria no ritual, momento no qual a consanguinidade deve ser absorvida de modo a remetê-la às suas condições exteriores de possibilidade. Por sua vez, na sociabilidade cotidiana, o que ocorre é o movimento de extração e exclusão da afinidade, para que se possa gerar “uma interioridade consanguínea”. Sendo então o ritual o contexto por excelência da invenção deliberada do dado, ou o momento de coletivização do inato, no idioma de Roy Wagner (1975), este momento passa a ser lido, por Viveiros de Castro, como o momento de “invenção da natureza”.

Se na Amazônia a simbólica canibal é o elemento em que se travam as relações políticas (Viveiros de Castro 2002a:165, nota 36), a partir do material djeoromitxi entendo que a heterogeneidade humano/não humano pode ser expressa por uma relação de sexo oposto, mas não se pode determinar de antemão a orientação dessa analogia, isto porque a dupla torção é sempre uma surpresa: indicaria um funcionamento não hierárquico dos complexos mecanismos sociais ameríndios. Para avançarmos no entendimento dessa complexidade, minha aposta é que teríamos que insistir na investigação da afinidade, ou melhor dizendo, nos momentos de “invenção deliberada do dado” (Viveiros de Castro 2002b), como marcados por uma relação de sexo oposto, antes que de mesmo sexo.

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  • 1
    Agradeço a Marcela Coelho de Souza, Eduardo Viveiros de Castro, Ana Afonso y Ramo, João Vianna, Ellen Araújo e aos pareceristas anônimos da Mana pelos comentários críticos que foram de suma importância. Os argumentos aqui apresentados também se beneficiaram dos comentários que tiveram lugar em diversas comunicações. Agradeço os comentários que surgiram na Mesa Redonda “Gênero na Cosmopolítica”, Anpocs, em outubro de 2016; no Núcleo de Antropologia Simétrica (Museu Nacional/UFRJ), em novembro de 2016; e no seminário “Alternativas etnográficas à mestiçagem”, UFSC, em dezembro de 2016. Agradeço a Ana Ramo pelo resumo em espanhol. Todas as imprecisões são de minha inteira responsabilidade.
  • 2
    Os Djeoromitxi eram antigamente conhecidos como Jabuti. Sua língua foi inicialmente classificada por Aryon Rodrigues (1986) como “isolada”. Estudos linguísticos mais recentes apontam o pertencimento da língua djeoromitxi ao tronco Macro-Jê (Ribeiro & Van Der Voort 2010). Minha interlocução para o mestrado concentrou-se num povo vizinho e afim, os Wajuru, de língua tupi-tupari, residentes na aldeia Ricardo Franco e, para o doutorado, nos Djeoromitxi, residentes na aldeia Baía das Onças, ambas na T.I. Rio Guaporé (Rondônia), onde se concentram diversos povos indígenas: os Djeoromitxi, Arikapu, Tupari, Makurap, Wajuru, Aruá, Massacá, Kijubim, Kanoê, e alguns indivíduos wari’. Desde 2008, passei cerca de 14 meses em campo. A situação linguística desses povos é relativamente complexa para que eu possa descrevê-la com clareza e competência. Antigamente, o makurap era a língua franca entre os diversos povos indígenas que convivem desde tempos imemoriais nos afluentes do médio rio Guaporé (mais adiante). Meus principais interlocutores djeoromitxi são perfeitamente bilíngues (falam o djeoromitxi e o português), quando não falam igualmente outra língua indígena. Contudo, o mais comum é que os cônjuges falem entre si em português, e com seus filhos idem, mas não exclusivamente. Neste sentido, mesmo que atualmente esteja em curso um processo de substituição do makurap pelo português como língua franca entre os povos, pode-se notar que as diferentes línguas mantêm alguma vitalidade no interior de conjuntos virilocais. Por mais que eu possa dizer que conduzi a pesquisa sobretudo em língua portuguesa, isto não daria conta da questão, haja vista a complexidade linguística da região e as constantes discussões de traduções em língua djeoromitxi que levei a cabo com meus interlocutores.
  • 3
    Doravante referida como FCM.
  • 4
    Maricos, em djeoromitxi, são cestas/bolsas de fibras de tucum, de vários tamanhos. Sua confecção é exclusivamente feminina, apesar de serem utilizados por homens e mulheres no transporte de produtos da roça e frutos coletados na floresta. Segundo Maldi (1991:211), este artefato seria não só característico, como também exclusivo dos grupos dos afluentes da margem direita do médio rio Guaporé, que hoje habitam a T.I. Guaporé e a T.I. Rio Branco, ambas situadas no estado de Rondônia.
  • 5
    Contudo, de três anos para cá, eu registrei um aumento significativo de casamentos com não indígenas e algumas mudanças de famílias para as cidades mais próximas. Ambos os movimentos ancorados, suspeito, no aumento do fluxo de dinheiro advindo de benefícios sociais. Ainda assim, estes fatos são ainda muito incipientes e em número muito reduzido para que eu possa apresentar qualquer reflexão.
  • 6
    Para uma análise da “mistura” como descrição do campo social atual, ver Soares-Pinto (2012, 2014). A etnografia de Gow (1991) é inspiradora no que se refere também à troca conjugal de caça por cerveja.
  • 7
    Para maiores detalhes sobre a produção e o consumo da bebida fermentada, a sociabilidade e os afetos envolvidos, consultar Soares-Pinto (2009, 2010).
  • 8
    Considero a troca conjugal entre os Djeoromtixi como do tipo “não mediada”, no sentido fornecido por Strathern (1988). Na troca mediada, pessoas e coisas são transferidas como se estivessem no lugar de partes de pessoas: os objetos podem circular entre as pessoas e mediar suas relações. Eles não estão no lugar das pessoas, mas como parte de seu próprio trabalho. São concebidos como extraídos de uma pessoa e absorvidos pela outra: mulheres são extraídas de seu grupo masculino e absorvidas por outro grupo masculino, por exemplo. Doadores e receptores são consequentemente entendidos como diferentes, pois é a própria troca de itens fluindo entre pessoas que cria a diferença entre os parceiros. Na troca não mediada, pessoas não destacam partes de si mesmas, mas são construídas como possuidoras de uma influência direta na mente ou nos corpos umas das outras: o trabalho de um tem efeito direto no outro. Em que pese a falta de objetos mediadores, essas interações têm a forma de uma “troca” na medida em que cada parte é afetada pela outra. Strathern dá dois exemplos deste tipo de troca não mediada: o trabalho que cônjuges realizam um para o outro e a capacidade das mães em fazerem crescer o corpo de seus filhos, na medida em que eles também a fazem crescer enquanto “mães” (:178-9). A troca não mediada, de sentido conjugal ou parental, desestabiliza a diferença, mais classicamente considerada, entre troca e partilha.
  • 9
    Ver, por exemplo, a etnografia de Peter Gow (1991) sobre os Piro da Amazônia peruana, e de Vilaça (2002) sobre os Wari’.
  • 10
    Minha leitura do valor operativo do sangue na constituição da pessoa djeoromitxi se beneficiou sobremaneira da pesquisa de Luisa Elvira Belaunde (2006) sobre a hematologia amazônica, em que a autora conclui que o sangue é sobretudo uma relação, relação esta que tanto une quanto divide os seres humanos em homens e mulheres (:210), salientando o valor do sangramento na troca de pele/corpo, de modo que o sangue apareça como um “operador de perspectivas”. De maneira semelhante, o estudo de Ellen Araújo (2016) sobre o tabaco entre povos ameríndios é um exemplo feliz sobre como o enfoque nas substâncias pode fornecer uma rota de investigação para a conexão entre fabricação e metamorfose corporais.
  • 11
    Para um caso de semelhança entre sêmen e bebida fermentada, ver a etnografia de Carid Naveira (1999) sobre a chicha yawanawa.
  • 12
    Para os kintypes, utilizo a marcação inglesa: F para father (pai), M para mother (mãe), Z para sister (irmã), B para brother (irmão), D para daugther (filha), S para son (filho) e Ch para children (filhos/as).
  • 13
    Mas isso não indica que a mudança de sexo entre consanguíneos da geração de Ego e a geração imediatamente descendente não seja significativa. Homens e mulheres se referirão aos seus filhos com termos distintos: as mulheres contam com somente um termo tanto para se referirem ao seu filho como à sua filha: (Ch; ZCh; HBCh; MZDCh; FBDCh). Os termos para Ego masculino variam de acordo com o sexo de Alter: Itxi (D; BD; MBD, FBSD; MZSD), “filha”, e Ukü (S; BS; MBS; FBSS; MZSS), “filho”.
  • 14
    Embora se apresentem termos de afinidade separados da grade terminológica para consanguíneos. Em relação à terminologia de parentesco djeoromitxi, com feições crow, e seu sistema de aliança, que apresenta um cálculo de cruzamento ngawbe, não redutível a dois entes trocadores, consultar Soares-Pinto (2016).
  • 15
    Os símbolos obedecem à convenção antropológica: triângulo para homens, círculo para mulheres.
  • 16
    Para uma aproximação do material djeoromitxi nos termos do que Viveiros de Castro (2002a) determinou como o “dravidianato amazônico”, isto é, diversas transformações operadas sobre o paradigma dravidiano de base, ver Soares-Pinto (2016).
  • 17
    No estudo de Kelly sobre formas indígenas e não indígenas de mistura e mudança histórica, o operador lógico “e” é uma teoria etnográfica indígena e se contrapõe ao operador lógico “nem isto nem aquilo”, modelo de autodescrição da elite latino-americana, em especial a venezuelana. O operador lógico “nem isto nem aquilo” é articulado à mestiçagem em termos de uma fusão consumptiva de diferentes identidades para a “produção de um novo tipo de pessoa, povo, classe ou nação com qualidades físicas, sociais, morais ou espirituais distintas, a depender da ênfase” (:25). Os mestiços, assim, não seriam nem índios nem europeus. A mestiçagem é coincidente com o ponto de vista do Estado (é uma teoria para o Estado) e da formação de uma nova nação a partir da colonização e das guerras independentistas que se seguiram. A seu passo, na análise de casos etnográficos sobre a mistura tal como concebida por povos indígenas, o autor chega à conclusão de que estes não partilham da teoria da fusão consumptiva que a mestiçagem implica. O operador “e”, característico das misturas indígenas, seria, nesses termos, uma antimestiçagem na medida em que as diferenças não se diluem, mas permanecem “ao lado”. O autor refere-se à adição de um conjunto de convenções do Outro que não é diluído no Eu, mas permanece Outro enquanto tal. A antimestiçagem, nos termos deste autor, é uma teoria contra o Estado.
  • 18
    Como observei em outra ocasião (Soares-Pinto 2016:148), é por este motivo que evito uma leitura da filiação djeoromitxi em termos de “filiação complementar”, tal como definida por Fortes (1970), em que M e F transmitem ambos o “estatuto”, a filiação ao seu próprio patrigrupo a ambos os filhos. Seria preciso ter cautela para não lermos o material djeoromitxi a partir de uma simples complementação da filiação sobre a descendência. O problema é que no ambiente djeromitxi a relação com “ancestrais” tem algum rendimento somente até a geração dos avós, o que me leva a crer que o esquecimento de relações guarda uma potência produtiva. A transformação que os Djeoromitxi operariam sobre o conceito de “filiação complementar” é marcada pela internalização de uma figura de alteridade (Taylor 2001) realizada ao longo das gerações e que transformaria esses grupos (“de descendência”, se quisermos) desde o seu interior por meio da filiação uterina e da intensa exogamia de patrigrupo ali observada.
  • 19
    No sentido precisado por Strathern (1988): “Por objetificação eu entendo o modo como pessoas e coisas são construidas como possuindo valor, isto é, são objeto da atenção subjetiva das pessoas ou de sua criação” (:176; minha tradução). Segundo a autora, reificação e personificação são duas formas de objetificação caso estejam referidas à economia da mercadoria (“commodity econonomy”), ou à economia do dom (“gift economy”), respectivamente. Na primeira, coisas e pessoas tomam a forma de coisas; na segunda, concomitantemente, objetos agem como pessoas em relação uns aos outros (Strathern 1988).
  • 20
    Para Wagner (2010 [1974]), a troca de riquezas entre os Daribi é um modo de criatividade que deriva de um “uso do contraste e da distinção para eliciar relações sociais – nesse caso, a distinção e o contraste mais básicos: entre homens e mulheres” (:247). Os homens oferecem produtos masculinos em troca de mulheres e de seus produtos, referindo-se a “pagamentos de pessoas” que circulam entre grupos de parentes. Assim, o campo social é dividido entre aqueles que trocam e aqueles que compartilham. Embora contextualizando o material djeoromitxi na chave da troca “como um uso de contraste para eliciar relações sociais”, evito uma leitura em termos de “troca de riquezas”, pois teria dificuldades em projetar meu material como uma troca de pessoas por coisas e vice-versa. Evidentemente essa discussão remete ao contraste entre bride-wealthy & bride-service societies (Collier & Rosaldo 1981). Sabe-se que por meio dele a Amazônia apareceu muito mais aderente ao complexo xamânico da relação humanos/não humanos, e menos à dualidade de gênero, imprimindo-se com isso um valor menor à analogia entre (partes de) pessoas e riquezas nas Terras Baixas da América do Sul. Para Descola (2001), um dos defensores desse contraste, a distinção Melanésia/Amazônia é aquela entre a possibilidade e a impossibilidade de substituir pessoas por objetos, respectivamente. A seu passo, Hugh-Jones (2013) indicou a positividade do simbolismo político e ideológico das trocas de riquezas no noroeste Amazônico e no Xingu. A questão, intuo, não reside exatamente em decidir por uma posição ou outra, mas talvez enxergar a relação xamânica que os objetos do parentesco podem apresentar, e vice-versa. Para uma reabilitação da noção de troca na etnologia indígena, e a proposição de “perspectiva da dádiva” para a noção de humanidade guarani, ver o trabalho de Ramo y Affonso (2014).
  • 21
    Respectivamente: Fx (a): Fy (b) : : Fx (b) : F a-1 (y). Como se sabe, a dupla torção característica da Fórmula Canônica do Mito (Lévi-Strauss 2003 [1955]) “faz passar de uma relação metafórica a uma metonímica, e vice-versa” (Viveiros de Castro 2008:112) ou, por outra via, se vale da oposição entre termo e função como uma maneira de frasear que os termos da fórmula são eles mesmos relações entre termos. Para uma leitura aprofundada sobre a FCM, ver Almeida (2009).
  • 22
    Evoco o que Lima (2011) adverte sobre a etnografia de Clastres entre os Guayaki. Ela afirma que o autor, por meio de “uma análise troquista das relações econômico-sexuais”, acabou por “desarm[ar] o principal conceito de poder desses caçadores, o pane, a potência que impõe azar na caça”. Os homens não podem comer da sua própria caça sob o risco de tornarem-se panemas, como também devem partilhar as suas mulheres (a solução poliândrica da sociedade guayaki). Segundo Lima (2011) em sua leitura do panema guayaki, “Clastres dissolveu-o em um tabu do incesto metafórico” (:625).
  • 23
    A terminologia de parentesco parece indicar o problema: os termos para germanos são os mais diferenciados na grade terminológica, para os quais importam tanto a senioridade quanto o sexo, de Ego e de Alter, perfazendo um total de oito termos para consanguíneos de mesma geração: Neé: (m)eB; (m)FBeS; (m)MZeS Psiré: (m)yB; (m)FByS; (m)MZyS; Veé: (m)eZ; (m)FBeD; (m)MZeD; Nií: (f)yB; (f)FByS; (f)MZyS; Hain: (f)eB; (f)FBeS; (f)MZeS; Pako: (m)yZ; (m)FByD; (m)MZyD; Hohé: (f)eZ; (f)FBeD; (f)MZeD; Taä: (f)yZ; (f)FByD; (f)MZyD;

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2017
  • Aceito
    26 Jun 2017
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