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A vida compartilhada: parto, doença e morte na internet

A shared life: childbirth, illness and death on the internet

Vida compartida: parto, enfermedad y muerte en internet

Resumo

Neste artigo, analisamos como modos de expor vivências corporais apresentadas em sites da internet se articulam à formação de subjetividades contemporâneas. Especificamente, discutimos o que significa a divulgação ampla e pública de experiências corporais particulares em termos de configuração subjetiva. Desenvolvemos este tema a partir de três contextos de manejo dos cuidados corporais - no parto, no adoecimento e tratamento para câncer de mama, e no processo do morrer por meio de suicídio assistido, em sites, grupos de Facebook e vídeos do Youtube. Destacamos em nossa análise a importância dada à escolha, à legitimidade da experiência, na qual o sofrimento físico torna-se elemento de autotransformação e valorização da vida.

Palavras-chave:
corpo; subjetividade; vida; internet

Abstract

In this article, we analyse how ways of exposing bodily experiences on internet sites articulate with contemporary subjectivity formations. More specifically, we discuss what it means to share particular bodily events widely and publicly in terms of subjective configurations. We develop this theme through the examination of websites, Facebook groups and YouTube videos regarding three specific contexts of bodily management: at childbirth, in breast cancer treatment, and in the process of dying through assisted suicide. Our analysis emphasizes the significance afforded to choice and the legitimacy of experience, by means of which physical suffering becomes an element of self-transformation and of life enhancement.

Key words:
body; subjectivity; life; internet

Resumen

En este artículo analizamos cómo las formas de exponer las experiencias corporales presentadas en los sitios de Internet se vinculan estrechamente con la formación de subjetividades contemporáneas. Específicamente, discutimos lo que significa difundir públicamente experiencias corporales particulares en términos de configuración subjetiva. Desarrollamos este tema a partir de tres contextos de gestión del cuidado corporal: en el parto, la enfermedad y el tratamiento del cáncer de mama, y en el proceso de morir por suicidio asistido, en sitios web, grupos de Facebook y videos de Youtube. Destacamos en nuestro análisis la importancia que se da a la elección, a la legitimidad de la experiencia en la que el sufrimiento físico se convierte en un elemento de autotransformación y valoración de la vida.

Palabras clave:
cuerpo; subjetividad; vida; internet

Em seu livro, Leonor Arfuch (2010ARFUCH, Leonor. 2010. O Espaço Biográfico: Dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ.) mapeia a “obsessão” por registrar impressões através de biografias, confissões, memórias, diários, que tem se desenvolvido nos dois últimos séculos das sociedades ocidentais. A partir de uma diversidade de gêneros literários e formas midiáticas, a vida e a singularidade tornaram-se focos de tematização do espaço biográfico. Nessa dinâmica, argumenta a autora, o biográfico se constitui às vezes como ponto de mediação entre o público e o privado e, em outras, como instância indeterminável. Implica assim uma reconfiguração da subjetividade, na qual o eu é ora alvo de exaltação narcisista, ora do olhar voyeurístico. Cumpre ressaltar que, no espaço biográfico, é o ato de narração que “impõe sua forma (e seu sentido) à vida mesma” (2010:33).

Neste artigo analisamos como modos de expor vivências corporais apresentadas em sites da internet se articulam à formação de subjetividades contemporâneas. De modo específico, discutimos o que significa a divulgação ampla e pública de experiências corporais particulares, em termos de configuração subjetiva. Desenvolvemos este tema a partir de três contextos de manejo dos cuidados corporais - no parto, no adoecimento e tratamento para câncer de mama, e no processo do morrer por meio de suicídios assistidos. Partimos da perspectiva de que estes modos de gestão do corpo são constituídos por intermédio de discursos presentes em instituições e campos de saber, acionados tanto por profissionais quanto por quem vivencia as situações apontadas.

Entendemos a noção de subjetividade a partir da proposta de Sherry Ortner, que considera os “modos de percepção, afeto, pensamento, desejo, medo e assim por diante, que animam os sujeitos atuantes”, bem como as “formações culturais e sociais que modelam, organizam e provocam aqueles modos de afeto, pensamento etc.” (2007:376ORTNER, Sherry. 2007. “Subjetividade e crítica cultural”. Horizontes Antropológicos, 13 (28):375-405. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832007000200015. Acesso em 27/08/2021.
https://doi.org/10.1590/S0104-7183200700...
). É importante ressaltar que a subjetividade consiste na base da agência dos sujeitos, como “parte necessária do entendimento de como as pessoas (tentam) agir no mundo mesmo se agem sobre elas” (Ortner 2007:380ORTNER, Sherry. 2007. “Subjetividade e crítica cultural”. Horizontes Antropológicos, 13 (28):375-405. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832007000200015. Acesso em 27/08/2021.
https://doi.org/10.1590/S0104-7183200700...
). A preocupação em articular os estados internos dos sujeitos às formações culturais permite, segundo esta autora, analisá-las criticamente, questionando relações de poder desiguais e possibilitando perceber a complexidade das subjetividades pessoais que vivem e agem nelas.

Este artigo se baseia em três conjuntos de dados.1 1 Este artigo resulta do projeto “Gestão do corpo e subjetividades contemporâneas”, com apoio do CNPq através do edital MCTI 01/2016 Universal. De forma específica, os dados sobre parto resultam do projeto “Histórias do parto: pessoa e parentesco”, coordenado por Claudia Barcellos Rezende e financiado pelo Programa ProCiência da UERJ e por Bolsa de Produtividade do CNPq. Os dados sobre morte e eutanásia foram produzidos no projeto “Gestão contemporânea dos limites da vida”, desenvolvido por Rachel Aisengart Menezes. O material sobre câncer foi reunido no projeto “Da palavra indizível ao corpo revelado: narrativas contemporâneas sobre o câncer de mama”, coordenado por Waleska de Araújo Aureliano e financiado por Bolsa de Produtividade do CNPq. O primeiro examina relatos de parto no site Parto do Princípio, criado por uma rede de mulheres ativistas em prol da humanização do parto. O site apresenta artigos com informações sobre preparação para o parto, o evento em si, o pós-parto, os direitos da puérpera, bem como uma seção com relatos de mulheres sobre suas experiências de parto vaginal e cesárea. Analisamos todas as dezenove narrativas da seção “parto normal” postadas em 2015, ainda que tenham ocorrido em anos anteriores.

A seguir examinamos dois sites independentes, criados por mulheres que tiveram câncer de mama, Quimioterapia & Beleza (Q&B)2 2 https://quimioterapiaebeleza.com.br e Mulheres de Peito e Cor (MPC).3 3 https://mulheresdepeitoecor.com.br Ambos tiveram origem a partir de desdobramentos de páginas de Facebook de suas idealizadoras, que tinham o mesmo nome. Acompanhamos o QB desde 2015, ano em que sua fundadora transformou o projeto do site em razão da concepção do Instituto Quimioterapia e Beleza. A produção do QB é extensa. Apresentamos aqui um recorte com dados coletados em 2016, que serviram de base para uma análise preliminar sobre imagem e câncer de mama (Lerner & Aureliano 2019 LERNER, Katia & AURELIANO, Waleska de Araújo. 2019. "Corpos em evidência: sofrimento, superação e autoestima em narrativas sobre o câncer de mama". In: I. Sacramento & J. C. Sanches (orgs.), Dispositivos de Subjetivação: saúde, cultura e mídia. Rio de Janeiro: Multifoco. pp. 360-396.), com atualizações recentes. Os materiais coletados incluíram postagens em vídeo presentes no site e textos de sua autora. O MPC conta com uma trajetória mais recente; o site foi desenvolvido em 2019 a partir da criação de uma ONG com o mesmo nome. Seu conteúdo é mais modesto que o do QB, com poucos vídeos e postagens que, em sua quase totalidade, se referem ao trabalho desenvolvido pela ONG junto a mulheres negras e periféricas, segundo sua criadora. Embora com formatos distintos e uma discrepância no volume de conteúdo presente em cada site, a ideia de empreender uma análise comparativa entre eles é justificada pelo modo como suas autoras articulam elementos similares, com formas distintas, para abordar o enfrentamento do câncer de mama e percepções sobre o corpo feminino.

Por fim, o tema da exposição da morte ou, em outros termos, da interrupção voluntária da vida, é abordado a partir de dois casos emblemáticos de suicídios assistidos ocorridos na Suíça. Uma característica é comum aos casos: nenhuma das pessoas sofria de enfermidade degenerativa e não estava em fase terminal da doença. Ambos foram pioneiros no tipo de demanda e optaram por ampla publicização de suas escolhas de término de suas vidas. O primeiro é o vídeo, com duração de cinco minutos, da morte por suicídio assistido da intelectual e militante feminista francesa Michelle Causse (1936), em 29 de julho de 2010. O procedimento e o falecimento ocorreram na Organização Não Governamental suíça Dignitas, em prol do direito à morte assistida, em Zurich. O vídeo, com acesso aberto na plataforma Youtube até a redação deste artigo em 2020, foi transmitido pela cadeia de televisão oficial suíça, especialmente nos anos 2011 e 2012. O segundo caso apresentado é do botânico e ecologista australiano David Goodall (1914), que também optou pelo suicídio assistido em 2018, aos 104 anos. Como o cientista não tinha condições de arcar com as despesas para a viagem à Suíça, foi organizada uma campanha com liderança de Philip Nietschke, médico australiano fundador do braço internacional da ONG Exit, localizada em Basel, na Suíça. Sem qualquer enfermidade degenerativa ou dolorosa, em estado de plena lucidez e com suas capacidades mentais preservadas, David Goodall optou pela morte por considerar insuportável viver sem um exercício pleno de autonomia com o que avaliou consistir em perda de qualidade de vida, em decorrência do avanço da idade. Decidiu morrer na ONG da qual era membro há cerca de vinte anos. Diferentemente de Michelle Causse, o cientista não quis que as imagens de sua morte fossem divulgadas. Notícias publicadas na mídia (sites, noticiários de televisão, entrevistas) sobre o caso são apresentadas e analisadas, evidenciando a emergência de novas subjetividades e sensibilidades em torno das possibilidades de fruição do viver e de um exercício de livre arbítrio em torno da própria morte.

Nossa pesquisa insere-se no debate atual no âmbito da antropologia sobre a etnografia em espaços virtuais (Kozinetz 2010KOZINETZ, Robert. 2010. Netnography: doing ethnographic research online. Londres: Sage Publications .; Rifiotis et al. 2010RIFIOTIS, Theophilos et al. (orgs). 2010. Antropologia do ciberespaço. Florianópolis: Editora UFSC.; Hine, 2000HINE, Christine. 2000. Virtual ethnography. Londres: Sage Publications.; Miller & Horst 2012MILLER, Daniel & HORST, Heather. 2012. “The digital and the human. A prospectus for digital anthropology”. In: MILLER, Daniel & HORST, Heather (orgs.), Digital Anthropology. Oxford: Berg. pp. 3-36.; Escobar, 1994ESCOBAR, Arturo. 1994. “Welcome to Cyberia: notes on the Anthropology of Cyberculture”. Current Anthropology, 35 (3):211-231.). Entende-se que a internet e as redes sociais virtuais expressam elementos ligados a valores e visões de mundo que são os mesmos compartilhados no mundo dito “real", ou que com ele compartilha vários elementos. Assim, a rede mundial de computadores seria um campo de investigação tão legítimo como outro qualquer, pois é produzido e consumido por atores sociais, sendo estruturado a partir de experiências humanas e, ao mesmo tempo, estruturando-as.

Para além do uso de qualquer neologismo envolvendo a pesquisa na internet (netnografia, etnografia virtual, etnografia digital, webnografia, entre outros), concordamos com Miller e Horst quando afirmam que “[...] uma das maiores contribuições do recente campo da Antropologia Digital seria o grau com que ela finalmente explode as ilusões de um mundo pré-digital não mediado e não cultural” (2012:97). Tendo em vista que ocorrem interações sociais diversas na internet, que são culturalmente situadas, os exemplos analisados neste artigo revelam transformações importantes ocorridas nos modos de gestão das subjetividades e dos corpos na contemporaneidade, envolvendo tecnologias e visibilidades diversas. Se, por um lado, utilizam as tecnologias da informação para exposição e exibição do corpo e de seus usos, por outro, evocam uma recusa ou constante negociação com as biotecnologias, seja na busca por formas mais “naturais" para o nascer e morrer, ou para a reconstrução de um corpo feminino que ora afirma, ora nega os modelos de feminilidade para ele estabelecidos socialmente.

Corpo e subjetividade na internet

No exame das formações subjetivas contemporâneas, o corpo é um componente central. O ensaio clássico de Mauss (1974MAUSS, Marcel. 1974 [1950]. Sociologia e Antropologia II. São Paulo: E.P.U. pp. 37-184.) já apontava para uma dimensão fundamental do corpo: sua localização na interseção entre os planos biológico, psicológico e sociológico. Dela decorriam algumas consequências, como o papel central da transmissão das técnicas corporais via educação, e a expressiva variabilidade cultural destas, distintas também de acordo com idade, gênero e classe social. A partir desta dimensão mais básica, o corpo seria o elemento articulador das relações, tanto entre indivíduo e sociedade quanto entre natureza e cultura, articulação que na modernidade ocidental ganha matizes muito particulares.

Foucault (1977FOUCAULT, Michel. 1977 [1095]. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes., 1997) chama a atenção para a posição de destaque do corpo em diversos processos sociais na sociedade ocidental moderna, tornando-se alvo de novas formas de poder que o disciplinam sob todos os aspectos. Pensando o poder não apenas como controle e repressão, mas também como produtor de práticas e interesses, Foucault discute como são desenvolvidos saberes em torno do corpo - médicos, psicológicos, jurídicos, demográficos - que atravessam vários campos de poder. Se, de um lado, temos processos macrossociais afetando o corpo, por outra perspectiva é construída uma conexão estreita entre corpo e subjetividade. Em seus estudos sobre a história da sexualidade, Foucault (1977) argumenta como a verdade do ser passa a se localizar no sexo, de diversas formas - nos pensamentos, desejos, intenções, que devem ser continuamente objeto de “confissões”. Assim, uma dimensão central da subjetividade situa-se no corpo e também estabelece com ele uma relação de autoescrutínio, de contínua inquisição e revelação.

De maneira distinta, mas também considerando a conjunção de mudanças macro e microssociais, a obra clássica de Elias (1990ELIAS, Norbert. 1990 [1939]. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar .) aborda o desenvolvimento do autocontrole emotivo e corporal como elemento significativo do “processo civilizador”. Este é resultado de uma crescente especialização funcional, que aumenta a interdependência de pessoas, a centralização e o monopólio do uso da força pelo Estado, transformações que se consolidaram principalmente no século XIX. Para o indivíduo, ambas exigem um controle cada vez mais amplo de suas emoções e de seu corpo - todos os afetos devem ser moderados, em todos os momentos.

Os temas do controle exercido sobre o corpo de dentro e de fora, bem como sua estreita relação com a subjetividade, ideias centrais para Foucault e Elias, estão presentes em análises mais recentes. Giddens (1991GIDDENS, Anthony. 1991. Modernity and self-identity. Oxford: Polity Press.), por exemplo, enfatiza a importância do corpo no projeto reflexivo de construção das identidades e do eu. No imaginário ocidental moderno analisado por ele, o corpo deve refletir e ajustar-se ao self, buscando um equilíbrio entre escolhas e riscos, sendo monitorado continuamente. O projeto reflexivo do eu presume uma narrativa explícita, passível de ser publicizada nas diversas redes sociais.

Nikolas Rose (1998ROSE, Nikolas. 1998. “Governando a alma: a formação do eu privado”. In: T.T. Silva (org.), Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes . pp. 30-45.:31) argumenta que a administração do eu contemporâneo é diferente daquela de períodos anteriores, ao menos em três aspectos. O primeiro concerne à incorporação das capacidades pessoais e subjetivas dos cidadãos, aos objetivos e às aspirações dos poderes públicos - o que configura um nexo no nível de estratégias sociais e políticas, e de instituições. Nesta direção, o autor considera que a subjetividade integra os cálculos das forças políticas no que tange ao estado da nação, às possibilidades e aos dilemas do país, às prioridades e políticas. O segundo aspecto refere-se ao modo como a administração da subjetividade tem se tornado tarefa central da organização moderna. As organizações passaram a preencher o espaço entre as vidas privadas dos cidadãos e as preocupações dos governantes. Escritórios, fábricas, escolas, faculdades, hospitais, prisões - entre outras instituições - envolvem uma administração das potencialidades humanas. Assim, a vida organizacional atingiu um matiz psicológico. Por fim, a terceira característica consiste no nascimento de uma nova forma de expertise dirigida à subjetividade. Surgem novos grupos profissionais, cada um afirmando suas habilidades em classificar, mensurar, diagnosticar e intervir em variadas dimensões psíquicas. Técnicas inovadoras propiciam poderes multiplicadores de “engenheiros da alma”, que estimulam a produção de novas sensibilidades e formas de gestão da vida - da pessoa, das emoções e da subjetividade.

Para Rose (1998ROSE, Nikolas. 1998. “Governando a alma: a formação do eu privado”. In: T.T. Silva (org.), Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes . pp. 30-45.:34), sistemas de verdade são estabelecidos com consequências jurídicas e legais que incidem sobre a gestão da vida individual nas interações com o outro e com a coletividade. O corpo e os modos de cuidado se modificam com o advento e a criação de novas possibilidades - como reprodução assistida, doação e transplante de órgãos, manutenção de vida por meios artificiais, uso de células-tronco, escolha pelo aborto, suicídio assistido ou eutanásia, entre outras - propiciando novas formulações em torno de esperança, dos sentidos de vida e da noção de pessoa.

Em outra obra, Rose (2013ROSE, Nikolas. 2013. A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus.) chama a atenção para o modo como as biotecnologias têm reforçado, nas sociedades liberais avançadas, percepções de saúde centradas na ideia do risco e do aprimoramento do corpo. Doentes ou não, os cidadãos do século XXI seriam cada vez mais instados a assumir responsabilidade por sua saúde. Assim, grupos de pacientes têm se apropriado de códigos médicos para pressionar Estado, cientistas e indústria em prol do incremento de tecnologias médicas que atendam a projetos de cidadania centrados na ideia de dano ou risco biológico. A visibilidade das condições somáticas se torna crucial para legitimar tais demandas. Para tanto, a internet desponta como meio pelo qual as mobilizações locais podem acarretar efeitos globais, no que Rose denomina “biocidadania digital” (Rose 2013:193).

Nesse contexto, os relatos pessoais adquirem um papel significativo. A tônica do “testemunho”, que contém uma “verdade sobre o sujeito” (Foucault 1997FOUCAULT, Michel. 1997 [1988]. A História da sexualidade 1. Rio de Janeiro: Graal.), é acionada para legitimar atuações no campo político, seja por práticas de parto e formas de morrer tidas como menos medicalizadas, ou por mais investimentos na busca da cura do câncer. Além do relato pessoal, o uso recorrente de fotografias também é elemento comum nesses cenários virtuais, apresentando uma profusão de imagens de parto, das cicatrizes e das próteses das mulheres mastectomizadas4 4 São inúmeros os ensaios fotográficos realizados por e com mulheres que tiveram câncer de mama, tanto nacionais como em outros países. Para exemplos de ensaios fotográficos envolvendo mulheres com câncer de mama no Brasil, ver documento do Instituto Nacional do Câncer publicado em https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//rrc-38-social-um-clique-de-autoestima.pdf (acesso em junho de 2020). Para uma análise sobre imagem, fotografia e câncer de mama, ver Aureliano (2015) e Lerner e Aureliano (2019). e até dos momentos finais da vida em ensaios fotográficos com pacientes terminais.5 5 Para alguns exemplos de projetos fotográficos sobre o fim da vida, ver, entre outros, http://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2013/07/norte-americana-faz-serie-fotografica-com-pacientes-terminais-em-momentos-felizes.html e http://noticias.r7.com/saude/fotos/fotos-comoventes-pacientes-com-doencas-terminais-posam-ao-lado-da-familia-antes-de-morrer-22052013#!/foto/1

Por outro lado, a exposição de imagens e narrativas pessoais na internet põe em questão uma subjetividade até então entendida como dividida, com regiões mais íntimas protegidas do olhar externo. Os websites e blogs indicam alterações dos limites entre o público e o privado, argumenta Fernanda Bruno (2005BRUNO, Fernanda. 2005. “Quem está olhando? Variações do público e do privado em weblogs, fotologs e reality shows”. Contemporânea, 3 (2):53-70.). A subjetividade contemporânea da internet, por sua vez, se constitui “no ato mesmo de se projetar e se fazer visível a outrem (Bruno 2005:64). Participa-se de um mundo em que “tudo é possível”, no qual nem o eu nem o corpo são considerados como herdados ou determinados. A performance guia a produção do eu na internet, enfatiza Paula Sibilia (2015aSIBILIA, Paula. 2015a. “Autenticidade e performance: a construção de si como personagem visível”. Revista Fronteiras - Estudos Midiáticos, 17 (3):353-364.). Portanto, é preciso, a todo tempo, “mostrar-se fazendo o que for e sendo alguém. E é claro, também é necessário ser visto nesta exibição” (2015a:358). Neste sentido, é o olhar do outro que valida a performance e incita o eu a estar à altura de seu ideal.

Sibilia destaca (2015bSIBILIA, Paula. 2015b. “A nudez autoexposta na rede: deslocamentos da obscenidade e da beleza?”.Cadernos Pagu, 44::171-198. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8637326 . Acesso em 01/06/2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
) a ampliação dos limites do que se considera válido mostrar no espaço público da internet, em particular a nudez dos corpos femininos. Oscilando entre a banalização da nudez e o incômodo de mostrar um corpo “desvestido”, estas exposições sustentam atuações políticas em uma época em que o culto e o cuidado do corpo tornaram-se proeminentes. Há neste movimento “o aparente paradoxo do estatuto do corpo na contemporaneidade, ao mesmo tempo cultuado como uma imagem idealizada e altamente codificada, e desprezado em sua materialidade carnal que alicerça todas as experiências vitais” (Sibilia 2015b:194).

A exposição do corpo na internet, sua relação com a subjetividade e as tensões que ela encerra atravessam o número crescente de sites, blogs e páginas nas redes sociais voltados para a difusão do ideário do parto humanizado, para a conscientização sobre o câncer de mama ou das demandas por legalização da eutanásia e/ou do suicídio assistido, que examinaremos a seguir.

Experiências de parto como eventos públicos

Amália6 6 Apesar dos relatos estarem públicos, optei por preservar o anonimato das mulheres. narra seu parto como uma carta endereçada ao filho. Começa o relato com seu casamento e o nascimento do primeiro filho, que não foi o “tão sonhado parto humanizado” por conta de “medos e neuroses”. Na segunda gestação, estava mais informada e resolveu mudar de obstetra na 36ª semana, em busca de um profissional que passasse mais “segurança”. Amália conta em detalhes como foi o dia em que entrou em trabalho de parto e como, com o apoio de sua doula e seu marido, lidou com as contrações quando ficaram dolorosas. A caminho do hospital, ela respirava e entoava seu “mantra”: “deixa dilatar, se solta, a dor vai trazer seu filho”. Depois de uma descrição detalhada de todas as interações, Amália afirma que no momento da força expulsiva teve uma sensação orgásmica indescritível, quando então toda a dor desapareceu. Seu filho nasce e ela guarda a placenta para plantar uma árvore sobre ela, como forma de agradecer à natureza e a Deus. Termina o relato declarando seu amor pelo filho.

A história de Amália é uma das narrativas de parto vaginal hospitalar do site Parto do Princípio, um dos primeiros que se organizaram em prol do parto humanizado.7 7 O ideário do parto humanizado tem sentidos variados, como aponta Diniz (2005). Há em comum a crítica à prática rotineira de procedimentos de indução do parto, corte do períneo e analgesia, na referência à Medicina Baseada em Evidências (MBE) e na valorização da mulher e de sua capacidade de parir de forma mais “natural” (Tornquist 2002). Como outros sites, blogs, grupos de Facebook e perfis do Instagram em torno do parto, predominam aqueles que criticam o uso desnecessário de intervenções médicas e enfatizam o protagonismo da mulher, divulgando informações, vídeos e narrativas de parto (Carneiro 2015CARNEIRO, Rosamaria Giatti. 2015. “‘Para chegar ao Bojador, é preciso ir além da dor’: sofrimento no parto e suas potencialidades”.Sexualidad, Salud y Sociedad, 20:91-112. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2015.20.08.a . Acesso em 01/09/2018.
http://dx.doi.org/10.1590/1984-6487.sess...
; Russo et al. 2019RUSSO, Jane, NUCCI, Marina, SILVA, Fernanda Loureiro e CHAZAN, Lilian K. 2019. “Escalando vulcões: a releitura da dor no parto humanizado”. Mana, 25 (2):519-550. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p519. Acesso em 10/08/2020.
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; Russo & Nucci 2020).8 8 Encontramos também grupos de Facebook que defendem a escolha pela cesárea (Portela 2016), procedimento criticado pelo movimento de humanização do parto. Dentre estes, há espaços para a apresentação, a discussão e a denúncia de experiências traumáticas e “violência obstétrica” (Pulhez 2013PULHEZ, Mariana Marques. 2013. “‘Parem a violência obstétrica’: a construção das noções de ‘violência’ e ‘vítima’ nas experiências de parto”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 12 (35):544-564. Disponível em: Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/rbse/PulhezArt%20Copy.pdf . Acesso em 01/08/2019.
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/PulhezArt%...
). Se, como muitos autores enfatizam, estes espaços virtuais veiculam informações e promovem a mobilização política em torno do direito à escolha de como parir, há certos elementos recorrentes que gostaríamos de destacar nesses relatos.

O primeiro é o fato de serem relatos de experiências corporais pessoais que são divulgadas para um público amplo. Se, por um lado, há a recomendação, por algumas doulas e enfermeiras obstétricas,9 9 Juliana Candido e Gabriela Giacomini, em comunicação pessoal. de produzir um relato após o parto como forma de organizar subjetivamente a experiência, não necessariamente eles devem ser publicizados. O site estudado apresenta dezenove narrativas de parto vaginal hospitalar, quinze de parto domiciliar e sete histórias de cesáreas. Ao serem publicadas neste espaço, estas narrativas, que se distinguem das vivências em si, são afetadas por seu contexto de produção (Bruner 1986BRUNER, Edward. 1986. “Experience and its Expressions”. In: V. W. Turner & E. M. Bruner (orgs.), The Anthropology of Experience. Chicago: University of Chicago Press. pp. 3-30.) - no caso, um site a favor do parto humanizado. Assim, os relatos endossam este ideário e os poucos partos que aconteceram com intervenções, como uso de indução ou episiotomia, são referidos como experiências frustrantes.

Segundo, a história de Amália contém uma riqueza de detalhes que produz no leitor a sensação de estar assistindo a um filme. Da pizza que ela jantou antes do início das contrações à cólica sentida na expulsão da placenta, lemos uma descrição detalhada dos eventos, a ambientação do local do trabalho de parto, as pessoas presentes, as emoções, elementos que atribuem um caráter especialmente visual às narrativas. Poucos relatos são acompanhados por fotos, mas o detalhamento das histórias confere visualidade a elas. Há nesses e nos relatos de parto de outros sites e redes sociais a dimensão de espetáculo, como argumenta Alcade (2019ALCADE, Renata. 2019. “A ‘Boa Mãe’: identidades construídas nas narrativas de parto do blog Relatos de Parto”. Trabalho apresentado no 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém, PA. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2019/resumos/R14-2113-1.pdf.
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), a ser exibido para o público.

Além da visualidade, narrativas como a de Amália falam do corpo e de si de um modo específico, acentuando certas qualidades tidas como “naturais” e uma “capacidade” própria do corpo de parir, sugerindo uma dimensão separada do sujeito. Elas são destacadas no ritmo das contrações, na evolução da dilatação e na força expulsiva, elementos que revelariam a “magia da natureza”. Amália agradece à natureza por ter tido o parto humanizado tão sonhado. Ao mesmo tempo, o corpo como entidade relativamente autônoma é ressaltado quando Amália diz que é a dor que vai trazer seu filho, ou quando outra mulher, Rosa, “conversa” com seu útero para ajudar a dilatação. As contrações e a força expulsiva figuram como movimentos corporais que se desenvolvem em seu próprio tempo.

Contudo, essa concepção é tensionada pelo autocontrole, frequentemente demonstrado. Amália e Rosa apontam o quanto conseguiram controlar sua respiração e vocalizar sons que colaboraram para aliviar a dor e alcançar uma boa evolução no trabalho de parto. Antes de ir para o hospital, Rosa conseguiu compartilhar com sua lista de discussão na internet tudo o que sentia durante as contrações. Muitos relatos de parto vaginal tratam de forma detalhada a experiência da dor, que pode ser vivenciada com ou sem analgesia. São frequentemente acompanhados por fotos de momentos dolorosos do trabalho de parto. Entre os relatos de parto vaginal do site predominam as vivências sem anestesia, nas quais a dor pode ser considerada como prazerosa, nas palavras de Rosa, ou mesmo “orgásmica”, como declarou Amália. Essa vivência corporal intensa no parto, especialmente quando a dor é experimentada sem analgesia, é entendida como processo de autodescoberta.

Nessas narrativas, o foco incide sobre a agência das mulheres, em geral os profissionais de saúde são posicionados como parceiros coadjuvantes respeitosos e atenciosos. Os relatos de Amália e de outras mulheres mencionam os preparativos na busca de uma experiência corporal intensa, que envolvia sempre a busca de informações e de uma equipe de profissionais de saúde adepta do ideário humanizado. Assim, se havia uma dimensão autônoma, mais “natural” do corpo no parto, a preparação e a escolha de “bons profissionais” eram fundamentais para uma experiência “indescritível”.

De modo geral, os relatos de parto vaginal do site Parto do Princípio destacam vivências positivas e transformadoras, das quais as mulheres emergem como mães amorosas. Neste sentido, a divulgação das narrativas de parto na internet busca contribuir não apenas com informações, mas também objetiva compartilhar a visão de que as mulheres podem conseguir o parto almejado. Mais ainda, como sugerem Russo e Nucci (2020RUSSO, Jane A. & NUCCI, Marina Fisher. 2020. “Parindo no paraíso: parto humanizado, ocitocina e a produção corporal de uma nova maternidade”.Interface (Botucatu), 24/ e180390. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832020000100213&lng=en&nrm=iso . Acesso em 10/06/2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), os sites que veiculam o ideário do parto humanizado colaboram para ordenar uma experiência que pode ser vista como caótica e imprevisível em função da “natureza” do corpo. Portanto, ao compartilharem vivências, os relatos tornam-se pedagógicos, por oferecerem um roteiro das etapas, de sensações possíveis, de movimentos de manejo do corpo e de si. Em suma, trata-se de um modelo de como o parto pode ser.

Ao mesmo tempo, tais relatos contribuem para reforçar uma visão específica de maternidade. Nos segmentos médios, a gravidez e o parto figuram como um projeto muito desejado e cuidadosamente elaborado, como indica o início das narrativas de parto no site. Valorizam uma visão corporal da maternidade, nos termos de Russo e Nucci (2020RUSSO, Jane A. & NUCCI, Marina Fisher. 2020. “Parindo no paraíso: parto humanizado, ocitocina e a produção corporal de uma nova maternidade”.Interface (Botucatu), 24/ e180390. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832020000100213&lng=en&nrm=iso . Acesso em 10/06/2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), com ênfase nas vivências da gestação, do parto vaginal e da amamentação. Neste modelo, a “boa mãe” suporta as dores de uma via de nascimento considerada mais segura para o bebê (Rezende 2020REZENDE, Claudia Barcellos. 2020. “Sentidos da maternidade em narrativas de parto no Rio de Janeiro”.Sociologia & Antropologia, 10 (1):201-220. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-38752020000100201&lng=en&nrm=iso >. Acesso em 10/06/2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), tornando pública sua experiência para reforçar esta construção identitária (Alcade 2019ALCADE, Renata. 2019. “A ‘Boa Mãe’: identidades construídas nas narrativas de parto do blog Relatos de Parto”. Trabalho apresentado no 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém, PA. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2019/resumos/R14-2113-1.pdf.
http://portalintercom.org.br/anais/nacio...
).

Não à toa, os relatos de cesárea no site pontuam os sentimentos de frustração e culpa por não terem tido uma vivência corporal considerada importante para a maternidade. Esta concepção não existe sem conflitos e disputas, como evidencia o estudo de Portela (2016PORTELA, Jaqueline Cardoso. 2016. “Não me obriguem a um parto normal”: concepções de corpo e direito de escolha de mulheres gestantes que optam pela cesárea eletiva. Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, João Pessoa/PB. Disponível em: http://evento.abant.org.br/rba/30rba/files/1466463217 _ARQUIVO_Naomeobriguemaumpartonormal-JaquelineCardosoPortela.pdf
http://evento.abant.org.br/rba/30rba/fil...
) sobre mulheres que optam pela cesárea e defendem serem mães do mesmo jeito, divulgando suas experiências em um grupo de Facebook. Independente da opção de parto, o que se destaca nestes espaços virtuais é o parto como elemento que reforça a maternidade como papel significativo para as mulheres, cujos relatos públicos terminam sempre com declarações de amor ao bebê. Assim, essas narrativas também oferecem uma pedagogia para a gestão e a vivência do parto, com valorações morais sobre como viver a maternidade.

Beleza, empoderamento e autoestima: o câncer de mama em evidência

O oncologista e escritor Siddhartha Mukherjee afirma em seu best seller O Imperador de todos os males: uma biografia do câncer que "um paciente, bem antes de tornar-se objeto de exame médico é, de início, simplesmente um contador de histórias, um narrador de sofrimentos - um viajante que visitou o reino da doença. Para aliviar uma enfermidade, é preciso, portanto, começar confessando sua história” (2012:68MUKHERJEE, Siddhartha. 2012. O Imperador de todos os Males: Uma biografia do câncer. São Paulo: Companhia das Letras.). Porém, por muito tempo falar sobre a experiência com o câncer era impensável. Susan Sontag foi uma das primeiras a fazê-lo nos anos 1970, a partir de sua história pessoal com o câncer. Para ela, nomear a doença e falar abertamente sobre ela seria o primeiro passo para desmistificá-la. Sontag faleceu em 2004, depois de três décadas convivendo com a doença. Não pôde analisar a explosão discursiva que emergiu em torno do câncer a partir da primeira década do século XXI, para a qual sua obra contribuiu. A internet possibilitou a várias pessoas, especialmente às mulheres, expor uma experiência antes vivida na privacidade dos lares e dos consultórios.

Para este artigo analisamos sites criados por duas mulheres que em comum têm o fato de terem tido câncer de mama quando jovens, antes dos 40 anos, e decidiram expor a experiência na internet. Embora suas narrativas tenham como cerne as noções de empoderamento, autoestima e beleza, estes conceitos adquirem força a partir de argumentações particulares sobre o feminino e o enfrentamento da doença. O fator geracional é importante, pois as mulheres que tiveram câncer mais jovens são as mais dispostas a interagir em redes sociais e na internet, embora em termos epidemiológicos elas integrem a faixa etária considerada de baixo risco para a doença.

Q&B foi criado em 2012 pela modelo Flávia Flores, que teve câncer aos 35 anos. Com atuação desde os 13 anos no ramo da moda nacional e internacional, como modelo, figurinista, produtora, gerente de marketing, ela decidiu utilizar seus conhecimentos para “vencer o câncer”, contando com a beleza como aliada. Além de criar o site Q&B, publicou um livro com o mesmo título em 2013. Em 2015 fundou o Instituto Quimioterapia & Beleza, tornou-se coach de resiliência e frequentemente ministra palestras motivacionais. Para ela, sua experiência anterior no mundo da moda foi fundamental para o enfrentamento da doença, pois a ajudou a continuar “se sentindo bonita” e “mantendo a sua autoestima lá em cima, apesar de todas as adversidades”, utilizando a “beleza contra o câncer".

O site também conta com vídeos, nos quais apresenta amarração de lenços, item que se torna simbólico para mulheres em tratamento quimioterápico. Seu instituto tem como um dos projetos um banco de lenços, por intermédio do qual recebe e doa lenços para mulheres de todo o país, via internet e/ou instituições de saúde. Há uma valorização dos lenços, tanto por seu poder de “embelezar a mulher”, por ser um acessório tipicamente feminino, como por ser um símbolo do câncer e, assim, representar a luta contra a doença.

Entretanto, a aparente naturalidade em relação ao tratamento de quimioterapia e seus efeitos é um sentimento construído posteriormente ao diagnóstico, e não uma percepção compartilhada a priori. Ao contrário, nas postagens iniciais de Flávia há declarações que evidenciam que a doença continua a ser considerada, sobretudo no momento do diagnóstico, como sentença de morte e fonte de constrangimento e dor.

Tudo o que eu conseguia associar à palavra câncer era: gente doente, gente na cama, gente ficando inchada por causa do tratamento, gente sem cabelo, gente sem cor, gente com dor, gente de lencinho com as orelhas de fora, gente sem forma e o pior, gente sem alegria.

A mudança dessa percepção consiste em condição para “levar numa boa” o momento. Observamos em Q&B a valorização de um investimento forte na construção de uma imagem para a mulher em tratamento de quimioterapia que deve ser extremamente feminilizada, capaz de contrapor a imagem de destruição dos símbolos femininos gerada pela doença (perda do seio, cabelos, cílios). Trata-se de atestar a superação da doença e a manutenção da autoestima, termo recorrente no site, atribuído à permanência ou ao reforço da "vaidade feminina”:

Aos olhos de alguns poucos que já comentaram em minha página, que eu não deveria me preocupar com vaidade num momento tão terrível, que a vaidade está em último lugar; mas eu discordo, sem autoestima você se entrega, definha.

O tema da sexualidade também está presente em Q&B e sua abordagem conta com especial apelo para a imaginação. Durante o tratamento, lenços e perucas podem se tornar fetiches, além de todo um aparato de roupas adaptadas, como as apresentadas no site em um ensaio fotográfico, no qual a própria Flávia Flores é modelo, para apresentar peças de uma marca de lingerie criada para mulheres que tiveram câncer de mama.10 10 http://quimioterapiaebeleza.com.br/pin-up/ (acesso em 15/12/2015). Há também postagens com dicas de alimentação saudável, exercícios e atitudes consideradas positivas, relevantes para o enfrentamento da doença e seu tratamento.

As dicas de saúde e beleza oferecidas no Q&B talvez sejam difíceis para mulheres de camadas populares, não brancas, com poucos recursos para seguir uma dieta com alimentos funcionais, comprar maquiagem de qualidade, uma boa peruca ou ter vários lenços para combinar com suas roupas. Flávia Flores é uma mulher branca, jovem, heterossexual, de classe média. Seu site dialoga com valores e moralidades desse grupo. Com estas características em mente, passamos a analisar o site MPC.

O MPC foi criado pela assistente social Jacqueline Faria. Ela foi diagnosticada com câncer de mama em 2004, aos 38 anos. O tratamento envolveu a retirada total da mama e ela optou por não realizar a reconstrução mamária, pelo fato de ter passado por várias cirurgias e avaliar que viveria bem com seu novo corpo.11 11 Todas as falas de Jacqueline Farias foram retiradas de reportagens e entrevistas realizadas com ela, disponíveis na internet, cujas referências estão ao longo do texto.

Achei que era o melhor a fazer. No início, nem os médicos queriam aceitar. Mas achei que não reconstruir era quebrar esse padrão de bonito é “isso ou aquilo”. Bonito é o que eu tenho na essência […] Eu não levanto a bandeira da não reconstrução, mas sim a de ser feliz com o próprio corpo.

Segundo histórico do site, em 2010 ela formou o grupo Mulheres de Peito e Cor, para discutir aspectos relacionados ao câncer de mama, ao descobrir o alto índice de mortalidade pela doença entre mulheres negras. A partir de então mobiliza-se para que a questão da raça seja considerada nas campanhas de prevenção do câncer de mama, uma vez que mulheres negras também figuram entre as mais pobres, com restrito acesso a serviços de saúde. Acrescente-se o dado de que as características próprias de mulheres negras, como mamas mais densas, também dificultariam o diagnóstico. Segundo Jacqueline, este dado acarreta resultados falso-negativos em mamografias realizadas em mamógrafos convencionais. O grupo foi transformado em ONG em 2019.

Sua primeira campanha de conscientização foi o lançamento de um calendário em 2017, no qual Jacqueline foi fotografada em poses sensuais ao lado de um amigo. A proposta de aparecer no calendário foi oferecida para as mulheres do grupo por ela formado, mas nenhuma aceitou ser fotografada. Portanto, Jacqueline foi a única modelo. Nas fotos ela está sem camisa, de turbante e saia, deixando à mostra sua cicatriz, coberta pela tatuagem de uma rosa. Jacqueline afirmou que a ideia do calendário era mostrar às mulheres com câncer que elas podem e devem ter uma vida sexualmente ativa, independente dos padrões de beleza femininos vigentes, dos quais ela considera que não faz parte, por ser negra, ter cabelo crespo, não ser magra e não ter uma mama.

A afirmação de uma identidade negra é forte no site, que tem em sua página inicial uma frase de Angela Davis, conhecida ativista, feminista e filósofa norte-americana, símbolo da luta pelos direitos civis da população negra nos Estados Unidos nos anos 1960. Como assistente social, Jacqueline expressa sua preocupação com mulheres negras e periféricas. O site é dirigido a elas, abordando o empoderamento feminino pela via da afirmação racial e da sororidade, sejam elas pacientes de câncer ou não.

Em 2019, uma postagem de Jacqueline em sua página do Facebook (até então o canal oficial do MPC) viralizou. Ela foi então entrevistada por grandes veículos de informação, como as revistas Veja12 12 https://vejasp.abril.com.br/cidades/jaqueline-cancer-mensagem-preonceituosa/ (acesso em setembro de 2019). e Claudia.13 13 https://claudia.abril.com.br/sua-vida/mama-jaqueline-faria-reconstrucao/(acesso em setembro de 2019). Na postagem que gerou a polêmica, Jacqueline aparece em fotos à beira de uma piscina, usando um biquíni adaptado, com exibição de sua cicatriz tatuada, que evidencia a ausência do seio. Nos comentários, um conhecido postou a seguinte mensagem: “É realmente estranho na visão de um homem a mulher sem um de seus seios. É uma pena que você tenha que passar por isso” (grifos nossos), ao que Jacqueline respondeu: “Eu não passo por nada que não tenha escolhido. A opção de não reconstruir a mama foi minha. Tenho 2 planos de saúde, faria isto a hora que quisesse. Sou uma mulher bem resolvida” (grifo nosso). A postagem teve mais de 120 mil curtidas e 25 mil compartilhamentos.

Tanto no site Q&B como no MPC, e em matérias da mídia com suas autoras, categorias como "autoestima", “empoderamento" e "beleza" são frequentemente utilizadas em referência ao enfrentamento do câncer de mama. No entanto, embora os termos sejam os mesmos, há particularidades no modo de utilização. A noção de autoestima é a mais recorrente em todos os materiais de internet sobre câncer de mama (Aureliano 2015AURELIANO, Waleska de Araújo. 2015. “Da palavra indizível ao corpo revelado: narrativas imagéticas sobre o câncer de mama”. In: C. Peixoto & B. Copque (orgs.), Etnografias visuais: análises contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora Garamond. pp. 71-96.; Lerner & Aureliano 2019 LERNER, Katia & AURELIANO, Waleska de Araújo. 2019. "Corpos em evidência: sofrimento, superação e autoestima em narrativas sobre o câncer de mama". In: I. Sacramento & J. C. Sanches (orgs.), Dispositivos de Subjetivação: saúde, cultura e mídia. Rio de Janeiro: Multifoco. pp. 360-396.). Ora definida como o que “vem de dentro”, ora equiparada ao cuidado pessoal, a autoestima da mulher com câncer de mama seria expressa de distintas maneiras: desde mudanças na alimentação à prática de atividades físicas, do uso de maquiagem a assumir a careca e as cicatrizes. Porém, muitas vezes o elemento considerado consensual para evidenciar uma “boa autoestima” seria a correspondência do corpo que passa pelo câncer de mama com modelos avaliados como essencialmente femininos, sendo seus atributos reforçados pelo uso recorrente de maquiagem, roupas e acessórios tidos como próprios de uma mulher. Após o câncer não basta ser mulher, é preciso atuar como uma, sobretudo na quimioterapia, quando a doença é comunicada e exibida socialmente.

No site Q&B, autoestima, beleza e vaidade pessoal comporiam a tríade necessária para a emergência de uma mulher bela, apesar de doente, ou antes, que se torna bela em função da doença. Em um relato, Flávia afirma: "hoje posso provar que o câncer, se não mata, embeleza; porque comigo foi assim!". Aqui, a mulher empoderada é aquela que recusa o lugar da paciente com “cara de minhoca”, passível de despertar pena ou assustar as pessoas. Embora não negue o sofrimento acarretado pela doença, não emerge a imagem da sofredora, mas da “vencedora" e “guerreira". Neste sentido, a partir de uma disposição pessoal internalizada, a mulher deve tomar as rédeas de sua vida e expor sua história com a doença como parte desse movimento de construção de si e, ao mesmo tempo, elemento motivador para que outras também se empoderem no enfrentamento do câncer. Uma das seções do site Q&B se chama “Cats" e tem por objetivo apresentar relatos de outras pessoas que passaram pelo câncer, estimulando o compartilhamento dessas experiências, que se tornam também fontes de referência para aquelas que iniciam sua trajetória como pacientes e buscam na internet exemplos de superação.

De forma similar, o site MPC investe nas ideias de autoestima e beleza, mas não necessariamente reforça símbolos considerados femininos. Ao contrário de Flávia, para quem a possibilidade da reconstrução foi fundamental para o processo de aceitação do diagnóstico, Jacqueline recusou o procedimento por se considerar "uma mulher bem resolvida”, cuja feminilidade não estaria ameaçada por essa perda. Sua concepção de beleza e autoestima está situada na ideia de que uma mulher não precisa corresponder aos padrões heteronormativos de corpo feminino para se sentir bela e empoderada. Portanto, a reconstrução da mama deve ser uma escolha, não uma imposição. Além disso, o enfrentamento da doença é considerado por Jacqueline como dependente de uma mobilização coletiva que envolva as mulheres negras e periféricas nas campanhas de prevenção, algo que ainda não é observado, sendo fator de agravamento da doença nesse grupo. Com este objetivo, em outubro de 2020, o MPC lançou o slogan Outubro Black, provocando a reflexão sobre a ausência de mulheres negras nas campanhas oficiais que marcam o Outubro Rosa. Assim, o empoderamento evocado por ela é marcado por um discurso que conecta o coletivo e o social, e não apenas o individual e o particular.

Ao exporem suas trajetórias com o câncer de mama, Flávia e Jacqueline afirmam a intenção de ajudar outras mulheres, construindo um repertório estético, político e terapêutico capaz de orientá-las no enfrentamento da doença. O relato da experiência pessoal e o ativismo na internet carregam esta finalidade pedagógica envolvendo corpo e subjetividade, sendo a visibilidade desse corpo elemento central para instigar a ação e despertar outras percepções sobre o que significa ser mulher após um câncer de mama.

Exposição da interrupção voluntária da vida14 14 A expressão “interrupção voluntária da vida”, à semelhança da “interrupção voluntária da gravidez”, é largamente utilizada em alguns países da Europa, como na França, e enfatiza a ideia de autonomia como valor central do indivíduo. Os termos eutanásia (ativa ou passiva) e suicídio assistido são mais difundidos. Eutanásia significa abreviação ou interrupção da vida, pode ser ativa, quando envolve ação de um médico, com administração de injeção letal; ou passiva, quando há omissão de recursos, como medicamentos, hidratação e nutrição (Howarth & Leaman 2001:177). A eutanásia voluntária concerne ao desejo formulado pelo doente e a involuntária refere-se à sua incapacidade de expressão de consentimento. No suicídio assistido a própria pessoa ingere medicamentos prescritos por médico vinculado a uma ONG voltada ao direito de interrupção da vida. Com frequência, a ingestão do composto para causar uma parada cardíaca e o falecimento ocorre na própria sede da ONG (Neves 2018, 2020).

A partir da segunda metade do século XX ocorreram mudanças significativas na gestão do processo do morrer em decorrência de enfermidades crônicas degenerativas, como o câncer e a AIDS, entre outras. Desde esse período, há um aumento da expectativa de tempo de vida da população mundial, o que acarreta um crescimento do número de idosos e, consequentemente, da ocorrência de casos de doenças degenerativas, sobretudo as neurológicas, como demências, entre outras. Os tratamentos propiciam uma extensão do tempo de vida, por vezes à custa de sofrimento para o enfermo e seus familiares.

A segunda metade do século XX é também o cenário de amplo desenvolvimento de tecnologias inovadoras direcionadas à criação, à manutenção e/ou ao prolongamento da vida. Surgem então novas condições e nomenclaturas a elas associadas. No que tange ao término da vida, trata-se por vezes de uma produção pelo aparato biomédico de estágios de meia-vida antes da morte, quando o óbito pode ser retardado ou controlado. Uma produção reflexiva, majoritariamente proveniente das Ciências Sociais (Brim Junior et al. 1970BRIM JUNIOR, Orville G.; FREEMAN, Howard E.; LEVINE, Sol & SCOTCH, Norman T. (orgs.). 1970. The dying patient. New Brunswick and London: Transaction Books.; Thomas 1975THOMAS, Louis Vincent. 1975. Anthropologie de la mort. Paris: Payot.; Ariès 1981ARIÈS, Phillipe. 1981. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves., 2003; Elias 2001ELIAS, Norbert. 2001 [1982]. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar .) publica obras baseadas sobretudo em pesquisas desenvolvidas em hospitais (Glaser & Strauss 1965GLASER, Bernard & STRAUSS, Anselm. 1965. Awareness of Dying. Chicago: Aldine., 1968GLASER, Bernard & STRAUSS, Anselm. 1968. Time for Dying. Chicago: Aldine .; Kübler-Ross 1969KÜBLER-ROSS, Elizabeth. 1969. On death and dying. New York: Macmillan.; Goffman 1972GOFFMAN, Erving. 1972 [1961]. Internados. Ensayos sobre la situación social de los enfermos mentales. Buenos Aires: Amorrortu.), com críticas a uma forma de gestão do processo do morrer que conta com práticas tidas como frias, desumanizantes e tecnologizadas (Illich 1975ILLICH, Ivan. 1975. A expropriação da saúde. Nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). As denúncias acerca dos excessos de poder do médico, figura de autoridade que oculta o diagnóstico e as possibilidades de tratamento, impedindo um exercício individual de livre arbítrio do doente, passam a embasar processos judiciais, especialmente nos Estados Unidos, a partir das décadas de 1960 e 1970 (Menezes 2004MENEZES, Rachel Aisengart. 2004. Em busca da boa morte. Antropologia dos Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Garamond/Fiocruz.). Emerge então um discurso propondo modos inovadores de atenção ao último período de vida, que também veicula demandas em prol da legalização da eutanásia e do suicídio assistido. Tanto a proposta de assistência paliativista, regida pela filosofia hospice, quanto a busca de legitimação do direito à escolha pela interrupção voluntária da vida estão estruturadas em torno de dois eixos: direito de não sofrer e aceitação social do término da vida.

Desde o fim da Segunda Grande Guerra, o tema da saúde passa a pertencer ao rol dos direitos humanos, sobretudo a partir das mudanças no significado de saúde, que não mais é definida como ausência de doença, mas como amplo bem-estar nas diversas áreas da vida, inclusive a social. Assim, continuamente novas questões e designações se tornam objeto de regulação por parte de instâncias internacionais e nacionais, como as da OMS (Organização Mundial de Saúde) (Menezes & Ventura 2013:215 MENEZES, Rachel Aisengart & VENTURA, Miriam. 2013. “Ortotanásia, sofrimento e dignidade. Entre valores morais, medicina e direito”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 28 (81):213-230.). No escopo do direito de não sofrer estão incluídas as consequências de tecnologias para prolongamento e manutenção da vida, a crescente medicalização do social (Zorzanelli et al. 2014ZORZANELLI, Rafaela Teixeira; ORTEGA, Francisco & BEZERRA JR., Benilton. 2014. “Um panorama sobre as variações em torno do conceito de medicalização entre 1950-2010”. Ciência & Saúde Coletiva , 19 (6):1859-1868.), o sofrimento pela perda do direito à autonomia individual de doentes no processo de tomada de decisões concernentes ao sofrimento no último período de vida.

O segundo eixo, a aceitação social do término da existência, está associado ao ocultamento da verdade, especialmente da iminência da morte ao doente e seus familiares, pelo médico e pela instituição hospitalar. Nos anos 1950 e 1960, no Ocidente, era prática corrente entre médicos o ocultamento do diagnóstico e do prognóstico (Menezes 2004MENEZES, Rachel Aisengart. 2004. Em busca da boa morte. Antropologia dos Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Garamond/Fiocruz.:57). Tal panorama se modificou em decorrência de alterações no aparato médico, pelos processos legais contra médicos e hospitais e pela emergência de movimentos sociais em prol dos direitos dos doentes. Portanto, o projeto de visibilização da doença e do processo do morrer é configurado em oposição ao que foi considerado como uma forma de gestão social produtora de exclusão da vida e da dignidade do enfermo.

Nas últimas décadas do século XX, sobretudo no início do XXI, foi configurado um leque de possibilidades de gestão do final da vida em decorrência de enfermidades, com variações segundo o contexto e a inserção social. Valores, esperanças individuais e coletivas são transformados. Para defensores dos cuidados paliativos,15 15 Os cuidados paliativos constituem uma proposta de gestão do processo do morrer centrada em uma comunicação franca e aberta do diagnóstico e das opções terapêuticas dadas ao doente e seus familiares; estímulo à expressão dos desejos do enfermo, com vistas a um exercício individual de autonomia; produção de uma “boa morte” pelo próprio doente, de preferência em uma cena bela e ordenada (Menezes 2004:209). a “boa morte” é compartilhada com os familiares e com seu círculo social, de preferência em casa, em uma cena controlada, aceita e pacífica. Uma pedagogia para o “morrer bem” é veiculada na assistência paliativa para enfermos e familiares (Menezes 2004MENEZES, Rachel Aisengart. 2004. Em busca da boa morte. Antropologia dos Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Garamond/Fiocruz.). Para aqueles que postulam a legalização da eutanásia e/ou do suicídio assistido, o “morrer bem” evidencia um exercício de direito individual de livre arbítrio. As ONGs voltadas ao apoio de intervenções de interrupção voluntária da vida difundem a trajetória para a “boa morte” com dignidade e autonomia. Escolhas em torno dos últimos momentos de vida também estão presentes no âmbito das determinações legais sobre o tema, como sedação terminal ou manutenção da consciência.

No século XXI, o último período de vida é cada vez mais objeto de reportagens, livros (por exemplo, Hitchens 2012HITCHENS, Christopher. 2012 [2012]. Últimas palavras. São Paulo: Globo.), documentários e filmes (como Invasões Bárbaras, de Dennys Arcand, de 2003; Mar Adentro, de Alejandro Amenábar, de 2004, entre outros). Uma pedagogia do “morrer bem” emerge e é difundida, tanto para e por profissionais de saúde como pela mídia. Trata-se da aceitação do falecimento de um ente querido, de modo a prevenir um luto complicado ou patológico (Machado & Menezes 2018MACHADO, Renata de Morais & MENEZES, Rachel Aisengart. 2018. “Gestão emocional do luto na contemporaneidade”. Revista Ciências da Sociedade (RCS), 2 (3):65-94.). Não basta viver saudavelmente, é preciso morrer bem, aceitando o término da própria vida, com a produção de uma cena pacífica e bela da morte, seja de adultos, ou de crianças.

Assim, a morte é cada vez mais posta em discurso e visibilizada. As escolhas, o respeito aos últimos desejos, a visibilização do corpo doente sem cabelos, por vezes com cicatrizes, são objeto de exposição. Para “morrer bem” é preciso aceitar o término da existência e, para demonstrar aceitação, é necessário tornar visível a própria história, com os sentimentos presentes, associadas à doença e à trajetória. Assim, alegrias, tristezas e despedidas devem ser expressas para, por fim, dizer as últimas palavras nos momentos derradeiros de vida. Casos de pessoas com diagnóstico de câncer sem possibilidade de cura, com avanço da doença, tornam-se objeto de reportagens. São muitos os casos divulgados na mídia, por escolha dos próprios doentes, provocando amplos debates sociais (Menezes 2011MENEZES, Rachel Aisengart. 2011. “Demanda por eutanásia e condição de pessoa: reflexões em torno do estatuto das lágrimas”. Sexualidad, Salud y Sociedad . Revista Latinoamericana, 9:137-153.:138). Abordamos aqui dois casos: o de Michèle Causse e o de David Goodall, por suas peculiaridades e pelo fato de contarem com uma característica em comum.

A morte de Michèle Causse foi uma das primeiras documentadas e divulgadas na plataforma Youtube, além de exibida por dois anos em programa televisivo da rede suíça de TV, por decisão da própria Michèle. Ela escolheu morrer por suicídio assistido na ONG suíça Dignitas,16 16 As imagens feitas pela ONG podem ser acessadas pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=1-uEmdmSsY (acesso em 22/02/2019). Diversos vídeos e reportagens sobre o caso reproduzem imagens deste vídeo. o que ocorreu em julho de 2010. Teórica feminista e lésbica francesa, autora de livros sobre feminismo e tradutora de inglês, italiano e francês, decidiu documentar seu próprio suicídio assistido como forma de expressão de seu posicionamento pelo direito à decisão individual e militância. Nascida em 1936 na França, morou na Tunísia, Itália, Martinica, nos Estados Unidos, no Canadá e passou seus últimos anos de vida no sudoeste da França. A intelectual não sofria de qualquer enfermidade letal, mas tinha uma doença óssea que provocava dores. Decidiu pela ocorrência de seu suicídio assistido em seu 74º aniversário, na ONG Dignitas, em Zurich, Suíça.

O vídeo é iniciado pela preparação das drogas com um líquido (a ser ingerido), efetuada por uma militante voluntária da ONG. Michèle está deitada em uma cama, em um quarto com iluminação natural. A cama está forrada com lençóis claros, com fronhas floridas. Michèle está penteada e maquiada, traja um conjunto de calça e blaser areia, com uma flor no bolso do blaser, que combina com a roupa de cama. A militante efetua indagações a Michèle, como a data, a própria identidade, com o objetivo de testar sua lucidez e decisão. As respostas contêm tom irônico, que provoca risos nos presentes (não é possível visualizar outra pessoa, mas outra pessoa está ali). Ela bebe a substância, reclama do gosto amargo e a militante oferece chocolate para amenizar o sabor. Michèle pede que a gravação seja interrompida, no caso de começar a babar, pois quer “manter a sua dignidade”. Aos poucos a bebida faz efeito e ela fica sonolenta. O clima é de despedida da companheira, cujas mãos são vistas em afagos nos braços de Michèle, e vozes e choro são escutados. Por fim, ela adormece e sua vida se encerra.

O vídeo recebeu muitos comentários, tanto de apoio à causa da legalização da interrupção voluntária da vida quanto de censura e críticas a esta posição. O fato de Michèle ter optado pelo término da existência sem a presença de enfermidade com avanço na direção da morte consiste em um marco, uma vez que a maioria das demandas por eutanásia (Norwood 2009NORWOOD, Frances. 2009. The maintenance of life. Preventing social death through euthanasia talk and enf-of-life care - lesson from the Netherlands. Durham: California Academic Press.) ou suicídio assistido é justificada em razão de doença avançada, como câncer. Assim, a preeminência do direito ao livre arbítrio é crucial.

O outro caso é de David Goodall, cientista australiano que decidiu viajar para a Suíça em maio de 2018 para realizar seu suicídio assistido. Como ele não tinha condições financeiras de arcar com as despesas da viagem com acompanhante, conseguiu mais de 20 mil dólares em doações do público para ir de Perth, na Austrália, até Basel, na Suíça. David era professor universitário e pesquisador ativo até os 102 anos, quando foi afastado da universidade, que alegou preocupações com sua saúde. A partir deste evento, avaliado como movido por preconceito etário, Goodall declarou sentir-se deprimido e optou pelo suicídio assistido após certo tempo. Ele julgou ter perdido qualidade de vida e escolheu fazer uma última refeição com seus netos e um amigo, com seus pratos preferidos. A campanha, a viagem e as escolhas do cientista foram objeto de muitas reportagens na mídia na ocasião, em redes televisas de amplo alcance e em jornais de todos os países ocidentais, como o Brasil.17 17 O tema foi abordado no Jornal Nacional e em grandes jornais, como O Globo, entre outros. Em entrevista, ao ser indagado sobre a comemoração dos 104 anos, Goodall declarou: “Não estou feliz. Quero morrer e isso não é triste. O triste é ser impedido”.18 18 Folha de São Paulo (10/05/2018; acesso em 16/05/2018). Logo antes de falecer, ele disse lamentar ter alcançado idade tão avançada, pois preferia ter vivido 20 ou 30 anos menos. A frase evidencia um posicionamento individual inovador, com base na possibilidade de opção por interromper legalmente a própria vida, sem a justificativa de enfermidade degenerativa terminal.

Seu caso aponta peculiaridades, à semelhança do de Michèle Causse. Os pedidos não se baseiam em patologias graves e incapacitantes, nem em alterações do nível de consciência. Tanto David Goodall quanto a intelectual francesa julgaram não ter boas condições de fruição da vida, sobretudo pela perda da capacidade de um exercício da própria autonomia - causa da tristeza existencial do cientista australiano. Vale mencionar um dado, no que tange ao financiamento da viagem da Australia até a Suíça. A campanha foi liderada por Philip Nitschke, médico australiano nascido em 1947, fundador e diretor da ONG internacional pró-eutanásia Exit International. Este médico milita há muitas décadas pela legalização da eutanásia e do suicídio assistido, tanto na Austrália quanto internacionalmente, queimou seu diploma de médico em 2015, e reside desde então na Holanda. Chama a atenção o montante financeiro atingido por uma campanha para que uma pessoa alcance a realização de sua morte: 20 mil dólares, evidenciando a mobilização de sentimentos de empatia com o sofrimento de Goodall (Boltanski 1999BOLTANSKI, Luc. 1999. Distant Suffering. Morality, Media and Politics. Cambridge: Cambridge University Press.:188). Neste sentido, o direito ao livre arbítrio, em associação com a noção de “dignidade”, delineia e fundamenta a aceitação de interrupção da vida. A colocação da morte em discurso opera na direção de uma crescente visibilização do processo do morrer. Se, na segunda metade do século XX, Illich (1975ILLICH, Ivan. 1975. A expropriação da saúde. Nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.) e Ariès (2003ARIÈS, Phillipe. 2003. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro.) denunciavam a expropriação da própria morte pelo aparato biomédico, na segunda década do século XXI, trata-se de tornar visível o que antes estava oculto, por trás dos bastidores da vida social (Elias 2001ELIAS, Norbert. 2001 [1982]. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar .). O imperativo da transparência (Han 2017HAN, Byung-Chul. 2017 [2012]. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes .) coloca em suspeita o que não se submete à visibilização.

A maciça exposição do morrer também acarreta um processo de banalização da morte, o que não significa necessariamente aceitação do término da vida. Sem dúvida, trata-se de uma busca de exercício autônomo dos próprios desejos, até os últimos minutos de existência. A busca contínua de prazer e de livre arbítrio orienta as mudanças de sensibilidades em relação à morte. Nestes termos, o mito da independência e da autonomia está associado à centralidade do hedonismo na sociedade, em sentido amplo (Menezes & Machado 2019MENEZES, Rachel Aisengart & MACHADO, Renata de Morais. 2019. “Visibilização contemporânea do processo do morrer: novos rituais e sensibilidades”. Tempo da Ciência - Revista de Ciências Humanas e Sociais. Vol. 26, nº 51-1º sem 2019.).

Sontag (2003SONTAG, Susan. 2003. Diante da dor dos outro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.:104) afirma que a relevância das imagens depende da maneira como serão vistas por seus espectadores. Os comentários sobre o vídeo da morte de Causse expressam posicionamentos antagônicos: para uns, é a “boa morte”, enquanto para outros a opção é lamentável. Seja como for, trata-se de uma estetização do morrer: o jogo de cama combina com a roupa, com a maquiagem e o comportamento é “civilizado”, o choro da companheira é contido. Michèle Causse pede que a filmagem seja interrompida no caso de babar. Por outro lado, David Goodall não quis que seus últimos momentos fossem gravados, mas a última refeição na companhia de seus netos foi filmada, assim como sua entrevista, evidenciando sua lucidez e controle. O indivíduo como valor é afirmado reiteradamente, é homenageado e, também, perpetuado. Uma existência é eternizada com tal visibilização e, ao mesmo tempo, pode tratar-se de uma negação da morte.

Considerações finais

Neste artigo analisamos como a gestão do corpo e a formação de subjetividades contemporâneas apresentam-se imbricadas em três contextos virtuais específicos. Há, com certeza, especificidades importantes entre eles. Além de temáticas distintas, os sites examinados sobre parto e câncer de mama foram elaborados por mulheres brasileiras, enquanto os vídeos sobre o morrer apresentam um homem australiano e uma mulher francesa. Se os relatos de parto são veiculados basicamente por intermédio de textos, nos demais a imagem é dimensão primordial. Contudo, gostaríamos de destacar nesta seção final questões comuns a eles.

Primeiro, em todos observamos a importância concedida à escolha: escolher o melhor parto, escolher como vivenciar o câncer de mama, escolher a forma de morrer. O imperativo da escolha emerge em todos os cenários, em íntima conexão com valores centrais estruturantes das sociedades ocidentais modernas, tais como as noções de autonomia, livre arbítrio e responsabilidade de si. No entanto, se, por um lado, esse imperativo da escolha aponta para uma dimensão da individualidade, ao dar visibilidade às suas escolhas e à sua história como meio de "ajudar outras pessoas", a experiência individual é dotada de um caráter pedagógico e coletivo. Neste sentido, a experiência pessoal, que em todos os cenários analisados é apresentada como intensa e transformadora, permeada por uma forte gramática emocional, não está desconectada de elementos de racionalidade. Ao contrário, valorizam-se o conhecimento, a informação (médica/científica) e a lucidez como elementos relevantes para a realização das escolhas sobre a gestão do corpo e da vida/morte, que merecem ser compartilhados publicamente.

No que tange ao uso de fotos e vídeos presentes nos sites analisados, observamos que, em comum, essas imagens pouco ou nada exploram em termos da expressão da dor e do sofrimento. Trata-se de um processo de ressignificação desses sentimentos que passam a ser vistos e até valorizados por sua capacidade de enobrecer e dignificar, mas que não devem ser alimentados, sob pena de fracasso do projeto empreendido (parir, empoderar-se após um câncer de mama, ou decidir sobre o fim da vida). O sofrimento e a dor não são negados, mas evocados como algo que deve ser passageiro, necessário para direcionar o impulso para uma ação maior, transformadora para si próprio, e que possa ser compartilhada com o outro, de modo a produzir nele também transformações consideradas positivas.

Um terceiro aspecto que chama a atenção no material analisado é como, em todos os cenários, há um investimento social para que a “natureza" opere. São conhecimentos, informações e práticas colocados em discurso, no intuito de apontar para o que se pode ou se deve fazer para ter “um bom parto”, ser “uma boa mãe", ser “uma mulher”, “tornar-se mais feminina” ou, simplesmente, “morrer”, de modo “natural”. Nos casos analisados é preciso um investimento pessoal com reconhecimento social para que tais atributos ou eventos pretensamente "naturais" sejam alcançados, o que justifica sua exposição na internet. Desta forma, explica-se a centralidade do corpo na disputa narrativa sobre os significados de parir, ser mulher, morrer.

Neste sentido, a importância da escolha e da experiência, ao mesmo tempo emotiva e racional, fisicamente vivida, aponta para os eixos centrais do dispositivo da sensibilidade, conforme discutido por Duarte (1999DUARTE, Luiz Fernando Dias. 1999. “O império dos sentidos: sensibilidade, sensualidade e sexualidade na cultura ocidental moderna”. In: M. L. Heilborn (org.), Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. pp. 21-30.). Com desenvolvimento entre os séculos XVII e XVIII nas sociedades ocidentais, a ideia de que a pessoa pode se aperfeiçoar continuamente torna-se também um valor. Essa transformação de si se apoia na vivência dos sentidos - em termos afetivos e cognitivos, emocionais e racionais - e no fisicalismo, que aponta para “uma corporalidade humana dotada de lógica própria, que deve ser descoberta e que tem implicações imediatas sobre a condição humana” (1999:25).

Estes temas estão presentes na valorização da categoria “vida” em diversos fenômenos recentes, bem como na antropologia, como Duarte (2020DUARTE, Luiz Fernando Dias. 2020. “The vitality of vitalism in contemporary anthropology: longing for an ever green tree of life”. Anthropological Theory, 0(0):1-23. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1463499620923546. Acesso em 13/09/2020.
https://doi.org/10.1177/1463499620923546...
) propõe. A preeminência da experiência e da subjetividade se associa à importância atribuída ao movimento e à totalidade na vida. O parto é visto como o nascimento não só de um bebê, como também da mulher como uma nova pessoa que, ao vivenciá-lo em sua totalidade, se transforma. O câncer de mama torna-se uma experiência que acentua os movimentos e as mudanças da vida. O morrer no suicídio assistido realça os elementos da vida ao enfatizar a escolha do indivíduo, sua experiência e sua totalidade.

Se nascer, adoecer e morrer foram, em certos momentos da nossa história, eventos vividos na intimidade dos lares e/ou na privacidade dos consultórios/hospitais (Sontag 2002SONTAG, Susan. 2002. Doença como metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal.; Illich 1975ILLICH, Ivan. 1975. A expropriação da saúde. Nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.; Ariés 2003ARIÈS, Phillipe. 2003. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro.), os cenários que analisamos evidenciam que a exposição dessas dimensões comuns da vida humana integra um crescente repertório, que tem na visibilidade um dispositivo capaz de conferir legitimidade àquela experiência. Ao analisar o espaço biográfico e seu desdobramento no contemporâneo, Arfuch (2010ARFUCH, Leonor. 2010. O Espaço Biográfico: Dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ.) aponta para a necessária presença do eu - corpo, rosto, voz - como proteção inequívoca da existência, elemento fundamental para os modelos de biografia centrados na escrita, e inescapável no contexto da internet onde, para além do papel, dispomos de outras "tecnologias da presença”, ancoradas nas imagens.

Acrescente-se que esse outro que se busca conhecer não seria mais aquele que tem uma vida glamorosa. Antes, é a vida das pessoas comuns, com suas falhas, desventuras e desafios, que desperta interesse. Para Arfuch, o reconhecimento da falibilidade, da falta, da carência aponta para uma falência do Estado em sustentar as boas perspectivas da vida, segundo preceitos de igualdade. É nesse sentido que os relatos de parto, as dicas sobre como passar pelo câncer e a busca por uma “morte digna” contêm um caráter pedagógico. Por isso, o compartilhamento dessas vivências corporais é um movimento do sujeito que visa afetar o outro. A partir da exposição da vida pessoal busca-se externalizar uma experiência considerada transformadora. Ao mesmo tempo, pretende-se informar e criar condições consideradas melhores, mais autênticas e/ou intensas de estar na vida, na doença e na morte que possam ser para outros válidas, e também por eles compartilhadas.

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Notas

  • 1
    Este artigo resulta do projeto “Gestão do corpo e subjetividades contemporâneas”, com apoio do CNPq através do edital MCTI 01/2016 Universal. De forma específica, os dados sobre parto resultam do projeto “Histórias do parto: pessoa e parentesco”, coordenado por Claudia Barcellos Rezende e financiado pelo Programa ProCiência da UERJ e por Bolsa de Produtividade do CNPq. Os dados sobre morte e eutanásia foram produzidos no projeto “Gestão contemporânea dos limites da vida”, desenvolvido por Rachel Aisengart Menezes. O material sobre câncer foi reunido no projeto “Da palavra indizível ao corpo revelado: narrativas contemporâneas sobre o câncer de mama”, coordenado por Waleska de Araújo Aureliano e financiado por Bolsa de Produtividade do CNPq.
  • 2
    https://quimioterapiaebeleza.com.br
  • 3
    https://mulheresdepeitoecor.com.br
  • 4
    São inúmeros os ensaios fotográficos realizados por e com mulheres que tiveram câncer de mama, tanto nacionais como em outros países. Para exemplos de ensaios fotográficos envolvendo mulheres com câncer de mama no Brasil, ver documento do Instituto Nacional do Câncer publicado em https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//rrc-38-social-um-clique-de-autoestima.pdf (acesso em junho de 2020). Para uma análise sobre imagem, fotografia e câncer de mama, ver Aureliano (2015) AURELIANO, Waleska de Araújo. 2015. “Da palavra indizível ao corpo revelado: narrativas imagéticas sobre o câncer de mama”. In: C. Peixoto & B. Copque (orgs.), Etnografias visuais: análises contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora Garamond. pp. 71-96.e Lerner e Aureliano (2019) LERNER, Katia & AURELIANO, Waleska de Araújo. 2019. "Corpos em evidência: sofrimento, superação e autoestima em narrativas sobre o câncer de mama". In: I. Sacramento & J. C. Sanches (orgs.), Dispositivos de Subjetivação: saúde, cultura e mídia. Rio de Janeiro: Multifoco. pp. 360-396..
  • 5
    Para alguns exemplos de projetos fotográficos sobre o fim da vida, ver, entre outros, http://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2013/07/norte-americana-faz-serie-fotografica-com-pacientes-terminais-em-momentos-felizes.html e http://noticias.r7.com/saude/fotos/fotos-comoventes-pacientes-com-doencas-terminais-posam-ao-lado-da-familia-antes-de-morrer-22052013#!/foto/1
  • 6
    Apesar dos relatos estarem públicos, optei por preservar o anonimato das mulheres.
  • 7
    O ideário do parto humanizado tem sentidos variados, como aponta Diniz (2005)DINIZ, Simone. 2005. “Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento”. Ciência & Saúde Coletiva, 10 (3):627-637. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000300019 . Acesso em 10/05/2018.
    http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005...
    . Há em comum a crítica à prática rotineira de procedimentos de indução do parto, corte do períneo e analgesia, na referência à Medicina Baseada em Evidências (MBE) e na valorização da mulher e de sua capacidade de parir de forma mais “natural” (Tornquist 2002TORNQUIST, Carmem Susana. 2002. “Armadilhas da nova era: natureza e maternidade no ideário da humanização do parto”. Revista Estudos Feministas, 10 (2):483-492.).
  • 8
    Encontramos também grupos de Facebook que defendem a escolha pela cesárea (Portela 2016PORTELA, Jaqueline Cardoso. 2016. “Não me obriguem a um parto normal”: concepções de corpo e direito de escolha de mulheres gestantes que optam pela cesárea eletiva. Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, João Pessoa/PB. Disponível em: http://evento.abant.org.br/rba/30rba/files/1466463217 _ARQUIVO_Naomeobriguemaumpartonormal-JaquelineCardosoPortela.pdf
    http://evento.abant.org.br/rba/30rba/fil...
    ), procedimento criticado pelo movimento de humanização do parto.
  • 9
    Juliana Candido e Gabriela Giacomini, em comunicação pessoal.
  • 10
    http://quimioterapiaebeleza.com.br/pin-up/ (acesso em 15/12/2015).
  • 11
    Todas as falas de Jacqueline Farias foram retiradas de reportagens e entrevistas realizadas com ela, disponíveis na internet, cujas referências estão ao longo do texto.
  • 12
    https://vejasp.abril.com.br/cidades/jaqueline-cancer-mensagem-preonceituosa/ (acesso em setembro de 2019).
  • 13
    https://claudia.abril.com.br/sua-vida/mama-jaqueline-faria-reconstrucao/(acesso em setembro de 2019).
  • 14
    A expressão “interrupção voluntária da vida”, à semelhança da “interrupção voluntária da gravidez”, é largamente utilizada em alguns países da Europa, como na França, e enfatiza a ideia de autonomia como valor central do indivíduo. Os termos eutanásia (ativa ou passiva) e suicídio assistido são mais difundidos. Eutanásia significa abreviação ou interrupção da vida, pode ser ativa, quando envolve ação de um médico, com administração de injeção letal; ou passiva, quando há omissão de recursos, como medicamentos, hidratação e nutrição (Howarth & Leaman 2001:177HOWARTH, Glennys & LEAMAN, Oliver (orgs.). 2001. Encyclopedia of Death and Dying. Londres: Routledge.). A eutanásia voluntária concerne ao desejo formulado pelo doente e a involuntária refere-se à sua incapacidade de expressão de consentimento. No suicídio assistido a própria pessoa ingere medicamentos prescritos por médico vinculado a uma ONG voltada ao direito de interrupção da vida. Com frequência, a ingestão do composto para causar uma parada cardíaca e o falecimento ocorre na própria sede da ONG (Neves 2018NEVES, Marcos Freire de Andrade. 2018. Lawful Life: Itineraries of care and life in a landscape of assisted suicide. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul., 2020NEVES, Marcos Freire de Andrade. 2020. “Protecting life, facilitating death. The bureaucratic experience of organized assisted suicide”. Medicine Anthropology Theory. 7(1): 158-166.).
  • 15
    Os cuidados paliativos constituem uma proposta de gestão do processo do morrer centrada em uma comunicação franca e aberta do diagnóstico e das opções terapêuticas dadas ao doente e seus familiares; estímulo à expressão dos desejos do enfermo, com vistas a um exercício individual de autonomia; produção de uma “boa morte” pelo próprio doente, de preferência em uma cena bela e ordenada (Menezes 2004:209).
  • 16
    As imagens feitas pela ONG podem ser acessadas pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=1-uEmdmSsY (acesso em 22/02/2019). Diversos vídeos e reportagens sobre o caso reproduzem imagens deste vídeo.
  • 17
    O tema foi abordado no Jornal Nacional e em grandes jornais, como O Globo, entre outros.
  • 18
    Folha de São Paulo (10/05/2018; acesso em 16/05/2018).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2020
  • Aceito
    26 Ago 2021
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