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Desafios da antropologia nas dobras do tempo -

A Clara Mafra e Ricardo Benzaquen de AraújoARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. 1994. Guerra e paz: Casa-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed. 34.

Otávio Velho é Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua carreira profissional está bastante vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, na mesma universidade. Foi a primeira pessoa a defender, em 1970, uma dissertação de mestrado no Programa e nele atuou como docente entre 1974 e 2005. Nesse período e até hoje, Otávio destaca-se como um dos principais antropólogos brasileiros, com pesquisas de repercussão internacional e inúmeras publicações em livros e revistas científicas. Trabalhou com os temas do campesinato e das frentes de expansão no contexto do que chamou de capitalismo autoritário, da religião no quadro de discussões sobre modernidade e globalização, e da epistemologia. Mais recentemente, atua em associações e debates sobre política científica. Foi, entre 2007 e 2011, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Desde 2014, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Presidente de Honra da SBPC.

A convite de Mana, às vésperas de seu aniversário de 80 anos, completados em 2021, cinco pessoas entrevistaram Otávio. Amir Geiger, Emerson Giumbelli, Eloísa Martín, Regina Novaes e Ypuan Garcia foram, em diferentes momentos, alunos e alunas em cursos que Otávio conduziu no Museu Nacional. Este é também um grupo de ex-orientandos(as), ex-alunos(as), amigos(as) e companheiros(as) de militância. Realizada em 27 de setembro de 2021, a entrevista publicada a seguir serviu como um (re)encontro entre pessoas que tiveram sua formação marcada pelos trabalhos de Otávio. Representa uma homenagem às suas obra e trajetória, tão longevas quanto impactantes.

A dinâmica, tal como inicialmente concebida, consistiu em formular por escrito perguntas para Otávio, de maneira que ele já as conhecesse por ocasião da entrevista. Contudo, num autêntico “drible de corpo”, ele preferiu afinal não as receber previamente, deixando para ouvi-las e responder de improviso no encontro síncrono virtual. Por isso, como os(as) leitores(as) perceberão, algumas perguntas (aquelas formuladas com antecedência) possuem elaboração ou tom mais formal, menos improvisado, às vezes contrastando com a coloquialidade ágil, incisiva e generosa das respostas de Otávio. Explorando diferentes aspectos de sua relação com a antropologia, a entrevista mostra quão instigantes e oportunas continuam sendo suas visões e posições.

Regina: Eu entrei para o PPGAS, em 1974, cheia de questões, voltando do Chile, logo após o golpe que derrubou Salvador Allende. Comecei a fazer os cursos obrigatórios. Entre eles, “Sociedades Camponesas”, ministrado por dois jovens e instigantes mestres: Moacir Palmeira e Otávio Velho. Considero que esse curso foi um divisor de águas em minha trajetória profissional e de vida. Uma das lembranças mais fortes que tenho foi de uma aula em que você, Otávio, iniciou lendo um trecho sem dizer quem era o autor. Depois de uma rodada de diversas opiniões, você revelou: era um texto de Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo Lenin ou Lenine. O texto trazia questões sobre o campesinato, que contrariavam certa ortodoxia marxista presente não só em grupos de esquerda de então, mas também em uma boa parte da academia. Desde esse dia passei a admirar seu estilo não dogmático e constantemente problematizador. Mas hoje ainda fico curiosa em saber como você avalia os efeitos da referência forte que o marxismo teve em sua trajetória pessoal e intelectual. A propósito, o que você responderia para um jovem estudante que lhe perguntasse: “você já foi marxista?”.

Otávio: Eu acho que responderia que continuo sendo de esquerda e marxista, mas de uma maneira que, realmente, não dá para apagar o percurso desde então. O ano de 1974 foi emblemático para nós, porque eu voltei da Inglaterra [do doutoramento na Universidade de Manchester] no final de 1973. A minha saída do país foi oficialmente, e incialmente, por motivos acadêmicos. O Programa tinha se iniciado já com essa previsão de saída de dois dos seus primeiros alunos apoiados pela Fundação Ford, não para fazer doutorado. Os dois que saíram fomos eu e o Gilberto.1 1 Otávio se refere a seu irmão, Gilberto Velho (1945-2012), que concluiu o mestrado no Museu também em 1970. Lá em Manchester propuseram que eu continuasse para fazer o doutorado, e a Fundação Ford apoiou. E tinha isso, o outro lado dessa situação de ditadura é que nós recebíamos apoios. A Fundação Ford era um deles, o que, aliás, para muita gente, marcou o Museu. Acho que este é um assunto interessante de se pensar. O Lenin, ali, era não só em função do marxismo-leninismo - talvez eu seja menos leninista hoje -, mas também porque eu tinha arrumado um jeito para minha tese, em que enfocava a fronteira em movimento; era um modo de enquadrar as frentes de expansão, que eu tinha estudado com o Roberto Cardoso de Oliveira, em uma comparação internacional. Primeiro, comparação com o que se chamava de caso americano - e aí o Barrington MooreMOORE Jr., Barrington. 1969. Social origins of dictatorship and democracy: Lord and peasant in the making of the modern world. Middlesex and Victoria: Penguin Books. Jr. foi uma grande descoberta,2 2 Otávio faz referência à importante obra Social origins of dictatorship and democracy: Lord and peasant in the making of the modern world. que conheci através do David Maybury-Lewis, cofundador do Programa, junto com o Roberto. Depois, resolvi acrescentar o caso russo-siberiano, que era também uma maneira de continuar com as minhas leituras marxistas e dos populistas [narodniks] russos. Então, no trabalho comparativo que eu estava fazendo, o Lenin entrou sobretudo com a questão do desenvolvimento do capitalismo na Rússia.

Hoje eu sou, continuo sendo marxista, mas não só marxista, digamos assim. Acho que, ultimamente, eu até tenho me reaproximado um pouco mais do marxismo. Teve uma fase em que isso tinha sido colocado entre parênteses. Mas acho também que isso tem acontecido muito com todos nós. A situação que estamos vivendo agora, de certa maneira, faz com que nós retornemos no tempo - e, às vezes, isso pode ser abusivo, mas não pode deixar de acontecer espontaneamente, de um modo ou de outro -, justamente à década de 1970, que está muito atual, para nós, para o bem e para o mal. Para mim, isso se dá do ponto de vista de trabalho e de estudo, porque a ideia de autoritarismo retornou e virou quase um lugar comum. Todo mundo fala hoje em autoritarismo. Mas é interessante porque por detrás da minha noção, do meu conceito, trabalhado na época de Capitalismo autoritário e campesinato,3 3 Otávio se refere à sua tese de doutorado, publicada em livro pela primeira vez em 1976. Neste trabalho, ele lança mão de vários escritos de Lenin. Há uma versão disponível em formato eletrônico. há toda uma discussão, que está lá no livro, e isso também tem voltado. Eu tenho visto várias referências à ideia de capitalismo autoritário, o que me obrigou também a retornar a esses assuntos.

Um ex-orientando e amigo, Luiz Eduardo Soares, que nós chamamos de Dado, publicou em 2019SOARES, Luiz Eduardo. 2019. O Brasil e seu duplo. São Paulo: Todavia. um livro muito interessante, O Brasil e seu duplo, que acabo de ler e por isso está fresco na minha cabeça. Ele é marcado por algumas referências de base, sendo uma delas o Capitalismo autoritário. E o Alfredo Wagner Berno de AlmeidaALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. 2013. “Apresentação: A ‘turma do Brasil Central’ e a ‘Antropologia da Amazônia’”. In: O. Velho, Frentes de expansão e estrutura agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. Manaus: UEA Edições. pp. 9-24., outro ex-aluno e amigo, vai republicar este livro em formato digital, e eventualmente, no futuro, em papel, com uma introdução dele. Alfredo já republicou o meu primeiro livro, que foi a dissertação de mestrado: Frentes de expansão e estrutura agrária, também com apresentação dele, que é excelente, porque dá um panorama, contextualiza o trabalho.

Então, é curiosa essa volta à década de 1970, Regina. Acho que eu não estaria, em certo sentido, tão distante disso, mas o Lenin ainda está entre parênteses.

Eu disse antes que, oficialmente, formalmente, foi em função do trabalho do doutorado que saí do país, mas eu também saí por motivos políticos, evidentemente. Aliás, dei muita sorte. Eu saí do país e uma semana depois havia um inquérito policial militar em que eu estava sendo convocado. E acabei sendo indiciado na justiça militar. Enfim, dei muita sorte.

Regina: Essa “volta” aos anos 1970, que está provocando hoje uma revisitação ao tema do autoritarismo, pode nos levar a pensar sobre certos debates conjunturais no âmbito da própria antropologia. Por exemplo: no começo da década de 1990, para mim - e muitos de minha geração - a adesão à perspectiva antropológica funcionava como uma espécie de antídoto com capacidade de driblar a “razão dicotômica” e de fugir de iluminismos (também presentes no materialismo dialético). Mas, lembrando dessa época, uma frase sua, bem provocadora, muitas vezes me vem à cabeça: “Estaria a antropologia arrombando portas abertas?”. Ao se perguntar sobre “arrombar portas abertas”, você questionava respostas fáceis vindas do decantado relativismo antropológico4 4 Essas questões de Otávio estão elaboradas em “Relativizando o relativismo”, de 1991. . A disciplina não deveria nos isentar de afirmar “valores” (religiosos e/ou políticos). Considerando todas as significativas mudanças - na sociedade e no mundo acadêmico - o que poderia vir a ser hoje “arrombar portas abertas” para as novas gerações de antropólogos?

Otávio: Na verdade, teria sido talvez interessante ver essa pergunta com antecedência, porque preciso pensar um pouco mais, inclusive eu estou fora da sala de aula, não estou tendo essa interação, que permitiria um frescor maior na resposta. Então, eu tenho que me reportar mais à minha própria experiência e a alguma coisa ainda mais “passadista”, digamos assim. No caso da religião, acho que essa poderia ser uma entrada por vários caminhos; numa outra entrevista, no Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ, eu comentava que, quando constituímos a Associação de Cientistas Sociais da Religião do Mercosul,5 5 Essa associação foi criada em 1994. Disponível em http://www.acsrm.org/nosotros/. Acesso em 25/10/2021. nós tínhamos também quase uma plataforma de valores embutida. Naquele momento, a gente queria colocar em questão a imagem do Brasil como um país católico ou da América Latina como um continente católico. Nós contrapúnhamos a isso a ideia da diversidade religiosa. Então, de fato, é interessante porque, não faz tanto tempo assim, essa era uma bandeira. Eu acho que hoje ninguém vai dizer que o Brasil é um país essencialmente católico, e o mesmo também se passa, em alguma medida, em outros países da América do Sul.

Por outro lado, a diversidade religiosa seguiu por outros caminhos, que não eram os que a gente estava imaginando. Nós estávamos imaginando essa diversidade como algo positivo e que pudesse haver uma espécie de convivência pacífica entre as diversas tendências religiosas. O que nós estamos vendo hoje em certos casos é uma luta, quase uma guerra religiosa, num certo sentido. Sem negar outros aspectos da situação, o que, aliás, nos aproxima de certos momentos do passado. Mas isso é mais passado, não é a década de 1970, e sim o século XVII. Espinosa, um filósofo que tem me interessado nos últimos anos, estava envolvido num contexto de guerra religiosa e, de certa maneira, agora nós também estamos assim. Então, eu acho que ficar insistindo somente na ideia da diversidade religiosa como valor, sem maiores qualificações, talvez seja uma porta aberta e nós precisássemos avançar mais em relação a isso.

Eloísa Martín: Há um critério cronológico, como Otávio comentou, na ordem das perguntas que nós pensamos. Mas o mais interessante desta nossa conversa são as dobraduras no tempo. A gente não está repetindo história, estamos passando por um momento muito parecido, parece haver uma recorrência, mas é também muito diferente. Acontece uma coisa muito curiosa: a gente mesmo acaba localizando o momento dessa dobradura nos anos 1970, o que é um pouco assustador, porque a saída dos anos 1970 também não foi fácil.

Ypuan: Otávio, em “O cativeiro da Besta-Fera”,6 6 A presença desse artigo do Otávio ao longo das próximas páginas revela os fortes e variados efeitos que ele teve sobre tantas(os) de nós. Trata-se de uma importante referência entre as análises da presença da religião no campesinato, e constituiu um ponto de inflexão em sua trajetória intelectual. O texto ganhou, inclusive, versões em espanhol e inglês, bem como republicações em português. (Junto com as referências bibliográficas, o(a) interessado(a) encontrará também informações a respeito das traduções e das republicações dos trabalhos de Otávio mencionados). você sinalizava a importância de uma “cultura bíblica” que remeteria a “uma liberdade orientada para a abertura, para a disponibilidade a uma relação com o transcendente”, que tornaria o “desejo de autonomia” compatível/comunicável com o “desejo de dependência”. Essas observações antecipavam, de certa maneira, suas considerações do território antinômico da vida (do “processo primário”, no pensamento do Gregory Bateson7 7 A esse respeito, um dos trabalhos de Bateson caros a Otávio é “Style, grace, and information in primitive art”, incluído como capítulo de Steps to an ecology of mind. ) e ressaltavam a importância comunicacional da aliança, do vínculo e da valorização da diferença na “libertação”, em detrimento da perspectiva universalista ou linear que subjazeria à “ótica da autonomia”, a qual “toma a realização libertária humanística [‘antiautoritária’] como referência”. Com isso em perspectiva e considerando que para nós, negros(as), e outros coletivos minoritários (incluindo, possivelmente, os(as) pequenos(as) agricultores(as) da Amazônia Oriental...) “a liberdade” não é algo “dado” ou “natural”, eu gostaria que você fizesse algum comentário sobre a importância paradoxal que a liberdade/libertação também ganhou nas dis(uto)topias civilizatórias, universalistas, emancipatórias e marcadamente humanistas e antropocêntricas dos novos/velhos autoritarismos das elites nacionais/brancas.

O que eu estou perguntando, basicamente, é como você tem visto esse retorno de uma liberdade, atualmente vinculada a uma distopia autoritária na qual o desejo de liberdade também está ligado a um desejo de autoridade, mas pensando isso fora desse universo da Amazônia Oriental e desses coletivos minoritários, agora dentro de um projeto maior de uma elite branca, “ocidentalista”, com anseios metropolitanos.

Otávio: Obrigado, Ypuan. Eu acho que esta é uma questão que todos nós estamos nos fazendo. Então não tenho a pretensão de responder agora: que diabos de liberdade é essa de que esses caras estão falando, não é? E a gente é apanhado um pouco de surpresa diante disso. Porque eles invadem o nosso campo terminológico e epistemológico. A gente fica um pouco paralisado diante disso. Mas eu queria aproveitar a sua pergunta, você fez referência a esse texto [“O cativeiro da Besta-Fera”], que aliás não está tão fresco assim na minha cabeça. Ele foi realmente muito importante para mim, porque fez a ligação entre o trabalho com o campesinato, com os pequenos agricultores da fronteira, e a questão da religião. Eu acho que isso se deu até por alguns motivos pessoais. Fora isso, pelo fato de eu sentir uma espécie de lacuna na antropologia, acho que há relação com a questão da Regina, uma lacuna na antropologia, não só no Museu. Eu acho que o ateísmo espontâneo do intelectual invadiu a nossa escolha de objetos de estudos de uma tal maneira que a religião ficava realmente num segundo plano ou, muitas vezes, até era mesmo ignorada como uma questão menor.

Na época, na década de 1970, eu acho que era muito presente para nós, e de certa maneira isso prossegue: a ideia de que a religião era algum resquício do passado, que seria de alguma forma substituída, seria alterada, que se tornaria apenas uma questão do mundo privado. A religião não era digna do nosso interesse. Acredito que o que aconteceu comigo foi que a releitura do meu próprio material do trabalho anterior me fez perceber a presença da questão bíblica, da questão religiosa, e a isso se juntaram um pouco outras questões: uma certa crise pessoal de saída do Partido Comunista devido às circunstâncias da época, um certo vazio, tudo isso fez com que eu realmente me interessasse pelo assunto da religião. Eu acho que tive um certo papel em relançar essa que não era uma novidade para a antropologia geral, do mundo; mas entre nós, sim, havia uma barreira para o assunto, com exceção dos chamados “cultos afro-brasileiros”.

Então, esse texto foi muito importante para mim, pessoalmente, pois pude fazer essa ponte entre meu trabalho anterior e as questões de religião que me levaram a esse curso de sociedades camponesas, um curso que foi de fato marcante, mas sobretudo pela presença do Moacir, que deve ser realçada. Moacir Palmeira foi meu colega desde a graduação. Nesse mesmo sentido, também, a introdução da discussão sobre religião no nosso Programa acabou tendo desdobramentos.

Quanto à questão da apropriação, se entendi bem, essa ideia de liberdade, inusitada para nós, nos pega desguarnecidos, e isso cola numa discussão que tem de ser feita. De fato, eu sozinho não tenho condições de responder. Aliás, eu penso que aí também há uma questão de portas abertas na antropologia: nós tendemos sempre a valorizar o espontâneo, o que vem das bases, vamos dizer assim. Quando, outro dia, fui perguntado sobre o que eu achava da presença da bancada evangélica no Congresso, na minha resposta eu saí um pouco pelo lado, dizendo que “eles não expressam a diversidade religiosa que existe no próprio mundo evangélico”. Embora seja verdade, penso que talvez este tipo de resposta por vezes oculte o significado da questão da dominação política e ideológica. Então, eu acho que existe aí, nessa questão da liberdade a que o Ypuan se refere, uma apropriação que faz parte de uma estratégia política e ideológica, que nós precisamos compreender melhor para poder responder. Quanto à questão dos negros, que o Ypuan nos traz aqui, me faz pensar que, de fato, espontaneamente, a noção de liberdade que nós tínhamos também era por sua vez restrita e que era ela mesma um produto da dominação. É isso que nos está pondo em questão agora, me parece. A resposta para isso, seria bom que a gente pudesse conversar mais a respeito.

Regina: A partir das suas respostas, tentando aprofundar, vou adicionar mais um trecho da minha questão. Refiro-me ao momento em que você se aproximou do luteranismo. Que relação você faria hoje entre suas reflexões acadêmicas sobre religião e seu “experimento”, sua experimentação, enfim, a aproximação religiosa que você teve naquele momento? Na época, eu lembro, foi uma curiosidade imensa: “Como é que alguém sai de um Partido Comunista e se aproxima de uma igreja protestante?”. Para quem admirava você, para minha geração, surgiram questões do tipo: “O que será que vai acontecer?”. “Será que o Otávio vai deixar a antropologia? Será que vai ficar? Volta como?”. Enfim, olhando para o passado, indago: tal “experimento” (se assim posso chamar) teve importância na sua obra? Com um olhar retrospectivo, pergunto: como você relaciona hoje sua episódica “experiência protestante”, junto à Igreja Luterana, com a antropologia da religião que você produziu?

Otávio: Primeiro, eu acho que existencialmente a experiência da religião preencheu um vazio. Para quem não teve essa experiência, sair de uma organização política, como eu saí, realmente dá uma sensação de vazio muito grande. Então, de alguma forma, sem querer ser reducionista, eu acho que tem a ver com isso. Mesmo porque entre históricos e oriundos do presbiterianismo havia uma esquerda na Igreja Luterana. Mas devo dizer que do ponto de vista existencial isso para mim é coisa do passado. Hoje eu me coloco de outra maneira. Eu não posso dizer, por exemplo, que eu sou um ateu; de fato, isso não. Além disso, eu acho que houve nesse momento, e não só nesse ao qual você está se referindo, um lado meio performático da minha parte, também. De certa maneira, vivi isso performaticamente. Eu acho que foi importante, assim como a minha defesa do parlamentarismo monárquico no plebiscito [de 1993]. É alguma mensagem que estava por detrás disso que eu queria passar. Uma crítica a uma visão teleológica associada a certo tipo de concepção da modernidade. Então, teve essa dimensão.

Em relação ao meu trabalho, a única coisa que eu sei que com certeza influenciou foi justamente no meu interesse pelo campo da religião. Agora, eu não consigo perceber - mas pode ser que seja um ponto cego meu - que isso tenha propriamente influenciado o meu trabalho, a não ser nesse sentido de querer mostrar algo para os colegas. Eu não estava me afastando da antropologia, pelo contrário. Eu estava me aproximando mais, mas do ponto de vista de levantar questões. Existe um trabalho meu, “Religiosidade e antropologia”, em que eu tento trabalhar isso e reconhecer uma dignidade nos interlocutores, mas de um modo que já não seria o mesmo hoje, por achar que está na hora de aceitar a nossa posição diferencial sem querer evidentemente criar novas assimetrias. Mas, como eu disse, tudo isso teve uma dimensão performática. E nesse sentido pode ter influenciado o meu trabalho - só não sei dizer exatamente quanto, isso vocês é que podem avaliar melhor que eu.

Emerson: Eu, por minha vez, retomo um texto publicado na década de 1990, “Globalização: antropologia e religião”, em que você chamava a atenção para alguns atributos do pentecostalismo em uma direção que desafiava interpretações consolidadas. Assim, em sintonia com as discussões sobre globalização, você apontava para a dissolução de dualismos e para processos como destradicionalização e reflexividade. Sabendo que você mantém um interesse forte nos caminhos tomados pelos evangélicos no Brasil, pergunto-lhe sobre como avalia sua presença atual na sociedade brasileira. Seria possível manter hoje a sua leitura de outrora?

Otávio: Eu posso aproveitar as perguntas para também dizer alguma coisa que me ocorre a propósito delas? Em relação ao que não foi no caminho que nós imaginávamos, eu acho que quem nos alertava sobre isso na época era a Alba Zaluar. Ela chamava a atenção para o fato de que essa presença evangélica, digamos assim, lato sensu nas periferias, nos grupos populares, se contrapunha, antagonizava e ameaçava as religiosidades de matriz africana. Eu acho que nós não prestamos a devida atenção a isso, na época. Então, eu queria aqui fazer esse registro de homenagem à Alba, que é quem estava percebendo isso melhor do que nós todos naquele momento. Eu não sei dizer se é o pentecostalismo apenas, ou se são os evangélicos de uma forma mais geral. É você, Emerson, quem pode dizer isso melhor do que eu. E a Regina. Acredito que a atualidade ou a contemporaneidade deles está afirmada, inclusive pelo fato de que na sociedade, hoje, eles se contrapõem a uma marcha de acontecimentos que nós considerávamos como a natural. Se antes a gente achava que a religião era algo que iria desaparecer, agora ela não só não desaparece, mas ganha uma posição, um palco na vida social e na vida política. Tornou-se completamente contemporânea.

Mas, ao mesmo tempo, só um pequeno parêntese, porque isso faz parte das minhas leituras atuais: eu tenho lido bastante o Espinosa e ontem mesmo estava lendo um texto da Marilena ChauiCHAUI, Marilena. 2001. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Ed. Moderna. sobre ele, Espinosa: uma filosofia da liberdade, em que ela dizia que o interesse do Espinosa pela dominação teológico-política era uma marca de seu tempo e isso não era mais o que estava acontecendo, não tinha mais nada a ver conosco. Então, ela, que pretende ser uma espinosiana, dizia: há coisas dele que ficaram para trás e uma delas é essa dominação teológico-política. É preciso falar mais a respeito disso. Eu estava até pensando em tentar escrever um artigo sobre o retorno do teológico-político, só que eu não tenho material empírico sobre questões como estas que o Emerson coloca. Eu acho que eu posso falar sobre o que é essa ideia do teológico-político. Há um artigo que merece ser lido, de um historiador chamado Antônio DavidDAVID, Antônio. 2021. “A prática e a teoria: Espinosa contra os filósofos”. Síntese: revista de filosofia, 48 (151):415-451.. Ele trabalha o teológico-político implicitamente, pensando e tentando propor a atualidade da questão. Eu concordo com isso.

Então é bem paradoxal. Por um lado, a contemporaneidade da questão dos evangélicos, dos pentecostais... E, ao mesmo tempo, a ideia - outro ponto que estou querendo também performatizar, digamos - de que se há um problema que nós estamos vivendo hoje, não só do ponto de vista teórico, mas do ponto de vista pessoal para todos nós, é nos livrarmos dessa ideia que parece ingênua, mas que, na verdade, ainda está embutida para nós: a de uma espécie de progressismo unilinear. Nós ficamos muito abalados quando as coisas parecem que não caminham justamente nessas direções que nós imaginávamos que seriam o seu leito natural. Isto é uma coisa muito profunda em nós. Eu acho que faz parte do drama que estamos vivendo nesse momento, que é brigar com isso e não conseguir viver sem isso. Como viver sem essa ideia? Eu acho que essa é uma grande questão para nós.

Ypuan: É bem reveladora a sua remissão ao teológico-político. Este é um tema muito contemporâneo, as relações entre teologia e política, até para a formulação de um conceito de “teopolítica”, como, por exemplo, sugerem Carlota McAllisterMcALLISTER, Carlota & NAPOLITANO, Valentina. 2021. “Political theology/theopolitics: The thresholds and vulnerabilities of sovereignty”. Annual Review of Anthropology, 50:109-124. e Valentina Napolitano, que falam de “limiares e vulnerabilidades” da soberania. Eu queria fazer uma pergunta a respeito disso, que tem a ver com seus interesses atuais pelo EspinosaESPINOSA, Baruch de. 2019 [1670]. Tratado Teológico-Político. Tradução, introdução e notas de Diogo Pires Aurélio. Lisboa: Imprensa Nacional., mas tentando fazer uma conexão com outro autor que teve uma presença importante na sua obra e que me marcou muito, o Gregory BatesonBATESON, Gregory. 1972a [1966]. “From Versailles to cybernetics”. In: BATESON, Gregory, Steps to an ecology of mind. New York: Ballantine Books. pp. 469-477.. Vieram à lembrança dois artigos seus, Otávio, em que estavam esboçados os títulos dos seus dois últimos livros: “A pictografia da tristesse: uma antropologia do nation-building nos trópicos”, que traz a expressão “mais realistas do que o rei”, e o “Pós-escrito (tardio) à tristesse”, em que se diz que “o Real é antinômico”. Ambos já traziam, respectivamente, o Gregory BatesonBATESON, Gregory. 1972b [1967]. “Style, grace, and information in primitive art”. In: BATESON, Gregory, Steps to an ecology of mind. New York: Ballantine Books . pp. 128-152. “do duplo vínculo” e “do processo primário”. Todavia, a primeira publicação foi concluída com uma remissão às afecções da tristeza e da alegria contidas na Ética de Baruch de EspinosaESPINOSA, Baruch de. 2020 [1677]. Ética. Tradução, introdução e notas de Diogo Pires Aurélio. Lisboa: Relógio D’Água Editores., que tem habitado seus interesses atuais. Dito isso, pergunto se haveria, em termos “abdutivos”, conexões inesperadas e não óbvias, ainda por serem identificadas, entre os pensamentos de Bateson e Espinosa? Penso em um experimento que se aproximaria daquele que você fez no “Epistrophê”8 8 Nesse ensaio, Otávio realiza uma exegese cuidadosa do conceito de duplo vínculo, acentuando suas variações no pensamento de Bateson. Trata-se de um escrito que revela os anos de intimidade de Otávio com um de seus pensadores prediletos. - a partir da Patrística e de alguns nodos das reflexões batesonianas -, ampliando os “ecos de Espinosa” que você já tinha detectado no ensaio que fala dos “Passos para a constituição de um paradigma ecológico”. Em caso afirmativo, você poderia discorrer acerca delas?

Otávio: Ypuan, a questão é muito boa, e o Amir tem me provocado nessa direção. Só que ao mesmo tempo em que eu tenho esse movimento de fazer conexões, digamos assim não óbvias, eu também tenho os meus momentos de paixão. Então, nesse momento de paixão, eu também tenho dificuldade, por exemplo, na minha leitura do Espinosa hoje, de começar a buscar conexões. Acho que um dia eu vou fazer, mas por enquanto ainda não cheguei nesse momento. Então, não saberia te responder. A questão do “duplo vínculo”, por si mesma, tem me chamado a atenção de novo, porque eu acabei de ler o livro do Dado. Eu acho que vale a pena discutir com o Dado, porque ele tem uma certa implicância com noções do tipo “antinomia” e “antagonismos em equilíbrio”, que é uma ideia do Gilberto Freyre, que foi reapropriada pelo Ricardo Benzaquen,9 9 A referência é, principalmente, ao livro Guerra e paz: Casa-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30, originalmente tese de doutorado de Ricardo Benzaquen, orientada por Otávio. querido amigo e orientando, e sobre a qual escrevi um artigo, que saiu na Revista Dados. Então, eu acho que a ideia de “duplo vínculo” para mim está muito forte, tentar trabalhar com ela de novo, retrabalhá-la, por causa desse diálogo que eu tenho com o Dado. Mas o conjunto da obra do Bateson, eu não sei. Talvez, em conexão com o Espinosa, uma das razões da atualidade do Espinosa seja também em função das discussões ecológicas. A Natureza talvez seja o seu conceito mais fundamental. Eu acho que isso faz uma ponte com o Bateson.

Por outro lado, eu considero que essa discussão da imanência em Bateson seria uma outra conexão com o Espinosa. Mas estes são pontos que eu ainda preciso tentar desenvolver. Como eu não estou na sala de aula, não sou obrigado a discutir no âmbito institucional. Eu não me afastei da antropologia, mas eu não estou tão preocupado em dialogar dentro da disciplina, digamos assim. Aliás, uma das coisas que o Dado faz nesse livro, cuja leitura sugiro a vocês, é uma crítica ao excesso de disciplinarização nas nossas discussões. Sem abandonar a antropologia, eu tendo a concordar com isso.

Emerson: Vou seguir aqui aproveitando o gancho com “A pictografia da tristesse” e a discussão sobre a antropologia brasileira. Uma das perguntas que eu elaborei vai por aí. Otávio, você ocupa na história da antropologia brasileira um lugar de destaque, no sentido de que foi reconhecido como um dos principais personagens da consolidação da pós-graduação e também porque se tornou um analista das configurações dessa antropologia.10 10 Além de “A pictografia da tristesse”, a pergunta retorna simultaneamente a dois artigos do Otávio: um, anterior, “Antropologia para sueco ver”; o segundo, posterior, “A antropologia e o Brasil - hoje?”. Um dos pontos de sua avaliação diz respeito ao sentido do “nacional” nessa antropologia brasileira, considerada como um caso de ciência periférica. Você apontou os limites de uma antropologia baseada no “nacional”, isso em diálogo com discussões associadas com os estudos pós-coloniais. Poderia atualizar essa crítica, levando em consideração provocações baseadas na ideia de decolonialidade?

Otávio: Eu me lembro que esse argumento foi apresentado em uma reunião internacional em Buenos Aires, em que eu fiz a conferência de abertura.11 11 Otávio está se referindo a “O que nos une”, que também foi publicado em espanhol. Ali não era só para brasileiros que eu estava falando, mas falei sobretudo para os brasileiros. Eu estava tentando colocar essas questões, que já circulavam no meio intelectual latino-americano, e das quais a antropologia brasileira ainda não tinha se apropriado. Até agora eu não sei se se apropriou dessas discussões sobre colonialidade, pós-colonialidade e assuntos desse tipo que surgiram sobretudo nos países andinos. Eu acho que a antropologia tinha uma certa resistência a entrar nessas discussões.

Eu acho que isso era uma maneira de falar da nossa ligação com o que estava, digamos assim, fora da antropologia brasileira. Mas eu queria acentuar não necessariamente a nossa ligação com as chamadas antropologias metropolitanas, mas a nossa ligação, sobretudo, com a América Latina. De uma forma mais geral, me parece que estava mais efervescente naquele momento a questão do Sul-Sul, a nossa ligação com outras “periferias”.

No atual momento, eu não sei exatamente em que ponto está essa discussão. Eu tenho a impressão de que com essa situação de pandemia, com as urgências políticas que nós estamos vivendo, por um lado, sentimos que há alguma coisa aí que não é só nossa, que é um fenômeno mais geral. Mas, ao mesmo tempo, nós não conseguimos fazer muito bem a conexão entre o que está se passando aqui e o que está acontecendo no mundo, nós não conseguimos dar ainda uma resposta. Então, de alguma forma, isso continua a ser atual, digamos assim, a colocação da questão. Mas quais são as fontes, hoje, para esse diálogo, essa conversação?… Há tanta informação, num certo sentido, que você não sabe bem que caminhos trilhar numa discussão como essa. Eu hoje, inclusive, já não estou mais tão afinado com essas ideias, tipo “pós-colonialidade”. Eu acho que isso já pode ser não ultrapassado, mas absorvido num outro tipo de visão.

Emerson: Vou insistir um pouco retomando um episódio que movimentou muito a comunidade antropológica no Brasil: a questão das cotas raciais, ali em meados da primeira década do nosso século. Havia uma discussão sobre uma divisão, algo assim, nessa comunidade antropológica. Eu lembro de você participando desse debate. Seria interessante recuperar esse episódio e o que ele representou em termos de antropologia brasileira ou para essa comunidade antropológica brasileira, lembrando que nós estávamos num momento em que, talvez, o nome comunidade já não coubesse mais. A coisa tomou uma escala em termos do número de pessoas que estavam sendo formadas nas pós-graduações que implodiu exatamente certos pressupostos que eram válidos anteriormente, coisas do século XX.

Otávio: Uma questão que eu não estou vivendo em sala de aula, mas chega a mim através dos colegas, é o panorama que se tem hoje nas graduações e nas pós-graduações e que foi desencadeado com o sistema de cotas. De fato, parece que o panorama mudou muito. Mas não tenho essa experiência concreta. O que eu vivi intensamente foi a discussão a respeito da implementação do sistema de cotas. Eu acho que os governos de certa forma se apropriaram disso como se fosse algo que tivesse vindo do Estado, e não foi. Realmente, foi algo que se deu dentro da nossa comunidade universitária. Mas acho que o governo fez muito bem. Não se podia tratar disso por decreto quando não estava amadurecida a questão. Quando o processo realmente avançou, ganhou também uma feição governamental, mas por detrás existiu toda uma discussão, inclusive com divisões internas sérias dentro das universidades e dos departamentos. É bom não esquecer que um dos focos iniciais dramáticos de divisão da comunidade em relação a esse assunto se deu dentro de um departamento de antropologia, o da UnB [Universidade de Brasília]. Lá, houve uma cisão interna em função dessa discussão sobre cotas, mas a UnB, sem falar da UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro], acabou tendo um papel pioneiro entre as federais. Eu estava apoiando os pró-cotas desde aquele momento e me lembro de preparar textos e intervenções. Hoje, de fato, parece coisa do passado, mas a resistência não foi pequena, incluindo, muito próximas a nós mesmos, dúvidas e hesitações sobre o caminho a seguir.

Antes disso, não sei se foi na década de 1970 ou na década de 1980, eu me lembro de uma visita de cientistas sociais africanos ao PPGAS, que foi patrocinada, e eram convidados pela Fundação Ford. Os nossos convidados ouviram educadamente, em volta daquela grande mesa do PPGAS, as nossas explanações a respeito do Programa, e nós muito autossuficientes e orgulhosos das nossas realizações. No final, um deles perguntou: “onde é que estão os negros?”, não havia nenhum negro presente, nem entre os alunos, muito menos entre os professores. Isso nos apanhou completamente desguarnecidos, não estávamos prontos para sequer levantar uma questão como esta. Então, o caminho percorrido foi muito grande. Acho que isso também deve ser assinalado. O caminho percorrido foi muito grande, mas evidentemente, como o Ypuan, me parece, chamou a atenção, ainda temos muito o que fazer em relação a este e a outros assuntos.

Ypuan: Eu acho que isso tem um pouco a ver com uma pergunta que eu fiz, com a emergência da liberdade nesses dois lugares: uma liberdade orientada para um projeto antiautoritário e uma liberdade orientada para um projeto autoritário. Ambas são formas possíveis de vermos certas tendências universalistas que aparecem. O que estou falando agora é do problema de ser contra as cotas - o universalismo, subjacente a essa discussão -, contra um certo tipo de particularização, “racialização”, diferencialismo. É a respeito disto que eu quero também te perguntar. Em “A pictografia da tristesse”, você levanta uma coisa importante: você diz que muito da popularidade da disciplina teve a ver com a participação dela no empreendimento nacional. Isto nos traz de volta para a questão das cotas devido a um imaginário nacional que tem a ver com o assimilacionismo e a integração, e as cotas estavam justamente desagregando esse imaginário. Estou chegando ao que eu quero perguntar. É uma provocação, mas uma provocação bem-humorada. Lá você dizia em tom de paródia que o Brasil era o paraíso dos antropólogos, o purgatório dos sociólogos e o inferno dos cientistas políticos (risos). Olhando agora, ainda dá para afirmar que o Brasil é o paraíso dos antropólogos?

Otávio: Isto é uma paródia de uma frase atribuída ao jesuíta Antonil, no século XVIII. Eu acho que não, não é mais o paraíso de ninguém (risos). Mas eu acho que essa questão do “nation-building [da construção da nação]”, que você trouxe, conecta com o que eu já estava falando. Para ver quanto ainda há por percorrer e como as coisas não avançam, necessariamente, a partir de um progresso iluminista unilinear, veja que, em outros países da América Latina, se pode falar com certa naturalidade (mas também não vamos idealizar) da ideia de um plurinacional dentro do país. Aqui, isto é anátema. Realmente, o nation-building continua muito marcado por uma visão integracionista que, de alguma maneira, nós também absorvemos e agora estamos desabsorvendo. E, se quisermos pensar em diversidade, temos que incluir os nossos adversários, pelo menos do ponto de vista teórico, da visão do que é este país. É preciso não esquecer que a esquerda neste país é uma minoria. Eu acho que isto também é um pouco difícil de assumir, mas é verdade. Então, o nation-building continua presente, ainda que assumindo o papel de uma espécie de desfazimento da nação, que é a sensação que nós temos, não é? O desfazimento se dá em nome de um nation-building que ainda nos marca e que realmente, para nós, tem que ser discutido, questionado.

Se o Brasil não continua sendo um paraíso para os antropólogos, também não é o inferno. A antropologia ganhou uma visibilidade política muito grande em função dos embates. E isto tem vindo, sobretudo, a partir da questão indígena e do marco temporal, da demarcação de terras indígenas, e tem se estendido ao conjunto dos antropólogos. Não tem sido nada fácil este embate, mas, por outro lado, temos recebido a solidariedade de colegas de outras disciplinas, inclusive de fora das ciências sociais. Eu acho que isso é muito interessante: a antropologia ganhou um papel político destacado. Creio que a ABA [Associação Brasileira de Antropologia] tem se saído muito bem. Inclusive, é a Patrícia Birman que está na presidência da ABA, e a Regina faz parte do conselho fiscal. A ABA tem solicitado minha participação, e agora, por exemplo, eu estive presente em três audiências com ministros do Supremo Tribunal Federal e suas equipes - audiências virtuais a propósito da questão do marco temporal. E a antropologia está presente, você vai ver inclusive nos pareceres, nas discussões dos ministros, a maneira como se cita a antropologia e se faz menção à visão antropológica das coisas.

É muito interessante. Por isso, eu acho que a antropologia não está no escanteio. A disciplina está no centro do debate político de uma maneira que não estava antes. Quando eu entrei na antropologia, ninguém sabia bem o que era isso, o que isso significava: “o que vai estudar?”, “é o quê, é arqueologia?”. Acho que hoje a antropologia é reconhecida publicamente, mas também não da maneira que nós imaginávamos. É na luta política que nós estamos sendo reconhecidos. Nós fomos inclusive objeto de ataques, ataques frontais à antropologia e aos antropólogos. Ataques têm sido feitos de maneira também muito violenta em nome exatamente do nation-building que não quer reconhecer a diversidade, não quer reconhecer esse tipo de visão.

Eloísa: Minha pergunta retoma a penúltima questão do Emerson e está relacionada também com o que o Otávio falou de leituras por fora da disciplina. Poderia enunciar assim: o meu olhar da antropologia brasileira e do trabalho do Otávio (e da antropologia em geral) é um olhar “estrangeiro”. Não apenas porque eu sou argentina, mas porque a minha formação disciplinar é hard core sociology: sociologia stricto sensu. É “raiz”, digamos. Eu nunca consegui fazer a conversão completa. Eu fiquei meio no limbo, o que é ótimo. Eu estou achando o limbo maravilhoso. Mas é interessante porque o Otávio mencionou a Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul agora há pouco e vai nesse sentido minha pergunta. Eu cheguei na antropologia brasileira nas leituras; e, depois, na pós-graduação, a partir da Associação, do trabalho da Associação num momento de efervescência, de desestabelecer, mas também de marcar uma agenda que era ao mesmo tempo epistemológica e política. Não se falava de Sul-Sul naquele momento, mas no cerne do que a Associação queria, que era repensar a religião a partir de paradigmas produzidos mais localmente, restava esse esforço de ler um trabalho sobre religião e antropologia em geral.

É muito interessante porque aqui se estava discutindo agora há pouco também a questão das cotas, e eu fiquei pensando num texto que foi publicado sobre a antropologia brasileira da religião, “Mudando de eixo e invertendo o mapa”, da Roberta Bivar CamposCAMPOS, Roberta Bivar C. & REESINK, Mísia L. 2011. “Mudando de eixo e invertendo o mapa: para uma antropologia da religião plural”. Religião & Sociedade, 31 (1):209-227. e da Mísia L. Reesink, que mostrava quão fortemente esta era focada no Sul e no Sudeste. Eu acho que, na Associação, esse paradigma era um pouco quebrado, justamente pela força dos antropólogos argentinos que procuravam interlocuções sobre temas que na Argentina não eram discutidos. Não era apenas catolicismo, mas sim ayahuasca, religiões indígenas, nativas. Eram outras questões que traziam um diálogo com os pesquisadores que estavam produzindo na Amazônia, em Pernambuco; enfim, em outras regiões não tão centrais na produção brasileira.

A minha questão, nesse contexto, é que, a partir dos trabalhos que eu leio, dos projetos de pesquisa que me chegam para avaliar, dos anos 1990, 2000, para cá, feitos no auge da produção de trabalhos mais originais da religião no Brasil, não teve uma quebra no paradigma, isto é, que esse esforço para pensar teoricamente ficou lá, não se desenvolveu. Basicamente, se volta a diálogos teóricos que têm como interlocutor principal não o Sul global, nem sequer o resto da América Latina, mas, novamente, a Europa e os Estados Unidos. Estou pensando, por exemplo, na (re)descoberta da religião no cotidiano: na última década esta foi uma grande “descoberta” da sociologia da religião norte-americana,12 12 Trata-se, entre outros, dos trabalhos de Robert A. Orsi, Meredith McGuire e Nancy Ammerman. mas nos anos 1970 e 1980, no Brasil, isso já estava sendo discutido. Com outros termos, claro, mas já está lá. É o Rubem César Fernandes, a Alba Zaluar, o Carlos Rodrigues Brandão, enfim... O que me parece é que a gente meio que parou naquele momento. Não sei se é uma explicação psicanalítica ou da dinâmica do campo, mas eu gostaria de te ouvir, Otávio. O que faltaria para consolidar uma antropologia “brasileira” da religião, que pudesse ser reconhecida tanto fora como dentro do país, mas especialmente dentro do país, em termos de teoria?

Otávio: Obrigado pelo esforço de estar conosco desde Abu Dhabi, Eloisa. Estas, na verdade, são questões para nós todos, questões que precisamos discutir coletivamente. No ano passado, a Rita Segato, que agora está na Argentina, organizou um grupo de estudo latino-americano a partir do Conicet13 13 Trata-se do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, da Argentina, mais ou menos equivalente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). para discutir questões centradas, sobretudo, no tema da violência. Foi um pequeno seminário virtual, informal, muito interessante. Mas, paralelamente a isso, a Rita estava tentando criar uma coleção numa editora de lá para difundir a antropologia brasileira na Argentina, porque ela sente que há um desconhecimento. É curioso isso, depois desses anos todos, da Associação de Cientistas Sociais da Religião do Mercosul e tudo mais, ainda há esse sentimento de que não nos conhecemos mutuamente. Eu acho que isso é impressionante, o que é sobretudo uma limitação nossa aqui. A dificuldade brasileira de se reconhecer como latino-americano é algo que ainda realmente não conseguimos ultrapassar. Mas a Eloísa, hoje ou em outra oportunidade, é quem poderia nos falar mais sobre essa contribuição brasileira que ela acha que ainda está ilhada. Eu não sei reconhecer o que seria isso neste momento, porque eu tendo a ver mais as limitações da produção brasileira e não tanto a sua contribuição. Mas isso é porque eu sou “espírito de porco”.

Só para dizer uma palavra a respeito desta questão das limitações, eu fiz uma menção a isso em outra entrevista. Eu acho que historicamente é inegável que as ciências sociais se formaram a partir de uma briga com a filosofia para se afirmar, para que o campo das ciências sociais se afirmasse. Mas, a essa altura, um dos problemas que nós estamos tendo, uma das limitações, é exatamente um certo empirismo, certa livre opção de objeto, pela qual se fragmentam discussões e cada um atira para um lado, você não sabe exatamente o que informa essas opções e tudo continua sendo disciplinar. Então, eu considero que realmente está no momento de mais interdisciplinaridade. A meu ver, é necessário o retorno do diálogo com a filosofia para que esse empirismo seja, de algum modo, ultrapassado. Esta é uma limitação que eu percebo no nosso campo. Mas, enfim, é uma visão pessoal. Isto que, aliás, nós vemos como uma virtude [“uma certa livre opção de objeto”], em outros campos científicos se dá diferentemente; por exemplo, os orientandos trabalham dentro de uma linha do seu orientador, e nós sempre víamos a antropologia como libertária por recusar isto, não é? De fato, acho que estamos vivendo um período de pouco avanço teórico.

Amir: Otávio, sem querer perder esse fio das tuas considerações sobre a diversidade do fazer científico, eu também gostaria de te ouvir sobre um aspecto complementar. Você não está em sala de aula, é verdade, mas você tem participado em algo que é também trabalho no campo, de certa forma - me refiro à tua “militância” no campo das ciências e na defesa dos vínculos delas com a democracia. Minha imagem é de você, na tua trajetória, ter experimentado ou performado esses vínculos numa espécie de “ambivalência criativa”: você participou da “institution-building [construção de instituições]” da classe científica, como parte de um nation-building, e praticou a antropologia sempre muito atento a um “paradigm-unbuilding [desconstrução de paradigmas]”, por assim dizer (atento a sinais e esforços de deslocamentos e mudanças). Agora as circunstâncias, que não são exclusivamente brasileiras, mas que são especialmente perversas aqui, incluem esse desfazimento ou desmonte (a palavra é expressiva) não só de instituições e serviços, mas de várias “montagens” que no âmbito do Estado e das assim chamadas políticas públicas vinham incorporando outras epistemologias e pedagogias, outros saberes e protagonismos - interdisciplinaridade e interculturalidade republicanas, por assim dizer, das quais a antropologia vinha também sendo uma partícipe, não sem diferenciações, descompassos, dilemas etc., que você abordou em várias conferências e escritos, especialmente na sequência e no “pós-escrito” à “pictografia da tristesse”.14 14 O “Pós-escrito (tardio) à tristesse” foi publicado originalmente como “O que Santa Catarina pode fazer pela Antropologia do Brasil”. Cabe salientar que essa modificação no título explicita uma (des)continuidade com “A pictografia da tristesse”. Ambos os textos resultam de conferências proferidas por Otávio no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. A minha pergunta aqui é simples, é pedir a você “notícias autoetnográficas” das tuas atividades atuais de “militância científica”, da tua percepção dos embates e pactos nesse campo, talvez indo adiante no que você, por exemplo, já experimentou naquela palestra-capítulo de “reflexão etnográfica […] sobre fronteiras de ciências”, em que você inclusive menciona certa atitude “missionária” também presente no campo mais amplo do discurso científico, por exemplo, o da “divulgação”.

Pedindo desculpas por encompridar um pouco mais, já vou emendar porque talvez seja uma só pergunta em dois tempos, ou como uma continuação que remete de volta à “sala de aula”, mas de um outro ângulo. Será que coisas que chegaram a se tornar triviais, corriqueiras, no discurso antropológico que vem das gerações disciplinares podem ganhar “novas razões”, porém já não disciplinares, de estar na cena universitária? A Eloísa mencionou as dobras do tempo e essa presença mal resolvida dos anos 1970. A Regina falou também de questões geracionais, e do risco que você apontava de se tentar forçar portas já abertas, como a da relativização, e me ocorreu também aquela imagem que está numa conferência do Bateson, “From Versailles to cybernetics [De Versalhes à cibernética]”, em que ele diz que uma geração pode ter bad trip especialmente ruim com o ácido que gerações anteriores escolherem usar… Mas, por outro lado, será que o veio de crítica (contra)cultural antropológica do século XX ainda pode estar disponível para os embates políticos e os diálogos intersaberes?

Otávio: Na verdade, são várias questões que você colocou. E eu ainda fico pensando em outras coisas. Por exemplo, enquanto você falava sobre os anos 1970, o retorno, o não retorno... me ocorreu também que essa ideia da diversidade religiosa, se nós estivéssemos na direção que a Eloísa colocou, numa perspectiva mais comparativa e mais ampla, talvez precisássemos também, no caso da religião, qualificar um pouco de que diversidade religiosa se trata. A nossa é muito limitada, se você for pensar num sentido um pouco mais amplo, não é? A discussão entre evangélicos e católicos, vista por um muçulmano, deve parecer algo muito doméstico e alheio. Que diversidade é essa? É só para a gente não exagerar nesse sentido de que “hoje já somos diversos e agora vamos partir daí”. Não, essa diversidade tem que ser qualificada. Acho que isso é interessante. Da diversidade que aparecia nos anos 1970, 1980, como sinal dos novos tempos, já pouco se fala hoje. Eu acho que, por exemplo, a ideia de New Age era uma referência importante num determinado momento. A Leila AmaralAMARAL, Leila. 2000. Carnaval da alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova Era. Petrópolis: Editora Vozes., outra amiga e ex-orientanda, tem um trabalho muito relevante a respeito: Carnaval da alma. Mas alguém está falando em New Age neste momento? Então, eu acho que essa ideia de que as coisas estão caminhando numa certa direção precisa sempre ser reavaliada.

A respeito do que o Amir coloca, é interessante mencionar, em relação à minha trajetória, que o Museu é uma instituição muito particular, num certo sentido. Eu não tinha contato com a graduação e a minha vida institucional foi toda no Museu. Eu só tive uns “bicos” na graduação, no início da carreira, na Universidade Gama Filho, que nem existe mais, ou um pouco na PUC como assistente do professor Manuel Diégues Jr. Eu acho que isto marca a minha perspectiva. Para responder à pergunta do Amir, eu não tenho nem, digamos assim, um passado ao qual me reportar muito, a não ser imaginativamente. Eu penso que também em relação a outros pontos, como este que o Amir coloca, eu me sinto assim: sempre em situações paradoxais, “antinômicas”, para usar a expressão que dá título à última coletânea que eu publiquei e que foi organizada pelo Amir. Então, como você trata do papel que a antropologia pode ter hoje na questão da democracia no país? Na verdade, falta o trivial. Isto é uma derrota histórica da antropologia. Nós não conseguimos passar esse trivial antropológico para a sociedade. Seria uma tarefa imensa, mas eu acho que se este é o cerne da disciplina, a antropologia brasileira, louvada num certo sentido - e a Eloísa mencionou isto -, não se concretizou socialmente de um modo mais amplo, o que está fazendo uma imensa falta neste momento. Eu até gostaria de ouvi-los um pouco mais a este respeito.

Por outro lado, como combinar a preocupação com esse trivial antropológico com, digamos assim, as questões de ponta, as questões intrigantes, polêmicas, as questões que realmente me estimulam? Como conseguir conviver com estas duas coisas? Ou até associar, porque eu sei muito bem que temos muito o que aprender no convívio do dia a dia, a antropologia nos ensina isso. Eu acho que inclusive deve ser o caso para quem está em sala de aula, para quem está em curso, sobretudo na graduação. Como é que você pode tirar dessa experiência do trivial da disciplina alguma coisa que não o seja? Eu acho que vocês, principalmente o Emerson e o Amir, podem até testar ou colocar outro tipo de perspectiva. Em matéria de antinomias deste tipo, questões deste tipo, minha militância na SBPC, minha militância no campo da ciência, também me coloca outras questões, por exemplo: “como encarar a ciência nesses tempos de embate político?”.

Hoje a sociedade quase se dividiu entre pró-ciência e anticiência. E você não pode, do ponto de vista do seu protagonismo político, colocar algum senão, alguma questão nesse embate. Você tem que se definir claramente em determinada posição, e eu já cometi alguns deslizes. Eu já percebi que, em algum momento, tentei colocar uma posição mais hipercrítica. Tentei dar uma outra volta por cima em relação a esta questão da ciência e não fui bem recebido, criando estranheza. A própria ideia, que eu acho que é uma ideia-chave hoje, da relação umbilical entre ciência e democracia, para quem olha um pouco mais distanciadamente, isso não é bem assim. O nazismo tinha sua ciência. A China, que não pode ser considerada uma democracia no molde ocidental, tem a sua ciência, mas tudo isso é silenciado neste momento para dizer que ciência e democracia são quase sinônimos. Como é que então você vive num ambiente desses? É uma corda bamba, uma dificuldade muito grande.

A ciência virou também uma espécie de teologia. Quando a ciência toma esses ares de ideologia, cansa um pouco. Mas aí é muito difícil você se colocar nessa posição hipercrítica. Inclusive porque nesse embate em que a antropologia tem hoje uma centralidade, nós temos recebido uma solidariedade muito grande de colegas de outras áreas. O tema central da reunião anual virtual da SBPC deste ano foi: “Todas as Ciências são Humanas e Essenciais à Sociedade”.15 15 Otávio refere-se à 73º Reunião Anual da SBPC, ocorrida entre os dias 18 e 24 de julho de 2021, virtualmente. Disponível em: https://ra.sbpcnet.org.br/73RA/ Acesso em 21/10/2021. É uma identificação deles conosco, uma coisa muito expressiva. Minha contradisposição, minha vontade, é dizer assim: “nós não somos as ciências humanas, na verdade nós somos as ciências da natureza!” (risos), do ponto de vista espinosiano, não é? Mas imagina dizer uma coisa dessas neste momento?! Não há lugar para isso.

Então, eu acho que eu vivo - não é drama não - tentando levar isso da melhor maneira possível. As coisas que eu escrevo às vezes ficam um pouco herméticas. O último texto que eu escrevi e publiquei, de 2020, era, lato sensu, uma discussão tentando utilizar as ideias do Espinosa a respeito de imaginação para pensar as fake news de uma forma diferente. Elas têm sido tratadas hoje como se fossem uma espécie de mentira para a qual não há lugar; e eu digo: há um lugar para as fake news no imaginário. Aí eu discuto essa questão do imaginário, parto para essa questão da ciência, faço algumas observações a respeito da ciência e digo: a ciência também tem um imaginário. Eu acho que tem que se tratar de que tipo de imaginário é esse, que nos interessa em relação à ciência. Eu tento trazer a discussão dessa maneira um pouco indireta, nesse texto.

Amir: Você tinha falado do modo performático na cena de certos debates, e talvez possa se dar analogamente com a sala de aula - que deixa de ser tão instrumental em termos de “ensino” ou “transmissão”. Talvez se pudesse falar em uma potencialidade “político-pedagógica” da antropologia? Não internamente às ciências sociais, mas como parte de uma formação universitária contemporânea com outras composições e com certeza outras mestrias. Em relação ao trivial, acho que talvez tenha significados (inclusive matemáticos) e conotações relevantes, que se afastam da banalidade. Penso, por exemplo, na quantidade de “antropoplanismos” que vigoram nas premissas da economia hegemônica hipermatematizada, na doxa neodarwinista etc. E aí me ocorreu também o testemunhal ou memorial: numa universidade pública com ações afirmativas e tantas outras transformações significativas, o encontro das pessoas com o trivial do discurso antropológico também poderia se destrivializar em sala de aula, porque ela também tem algo de rua ou praça, ou de encruzilhada, por exemplo... Então, entre ruído e reconhecimento, uma espécie de "lived anthropology [antropologia vivida]" também pode estar acontecendo ali. A “divulgação” não precisaria ser uma missão, mas talvez uma “interferência” experiencial e conceitual nesse imaginário?

Otávio: É, isso é verdade. Também acho interessante. O Emerson tem me falado sobre isso. Ele mencionou as questões a respeito das bibliografias, como é que você refaz ou reorganiza. Eu acho que a Eloísa estava com uma questão semelhante: Que tipo de bibliografia nós vamos utilizar hoje? Eu sempre vou no contrapé, por assim dizer; eu me preocupo que você comece a fazer concessões bibliográficas, digamos, mais em função das afetividades a que você está sujeito, sem que isso realmente represente alguma coisa que tenha a ver com a questão do conhecimento na disciplina. Fica uma coisa forçada. Eu não estou vivendo isso pessoalmente, não sei se o Emerson poderia dizer alguma coisa a respeito.

Emerson: É, são desafios que a gente está vivendo em sala de aula, porque, enquanto algumas coisas parecem estar indo para trás na política, outras estão avançando a olhos vistos e isso acontece em sala de aula, onde somos desafiados. Minha geração se formou não faz tanto tempo assim, e algumas coisas já ficaram velhas. Velhas no sentido de serem questionadas. E eu compreendo o que Otávio está dizendo, porque nós ficamos com um pé concordando com as pessoas que estão trazendo essas questões e com o outro pé: “Mas veja bem, dá para fazer uma leitura mais complexa dessa figura que você está criticando. As coisas não têm um lado só”. Então a gente fica dividido mesmo e tentando se movimentar, tentando não bloquear, não congelar, diante desses questionamentos. Eu acho que vivemos isso mais intensamente do que colegas de outras áreas. Devolvendo a palavra a você, Otávio, a minha pergunta é se as pessoas de outras áreas se sentem tão desafiadas, se elas estão vivendo os mesmos dilemas ou se são outras questões.

Otávio: Em relação a essas questões de conteúdo da disciplina, eu acho que a gente está numa posição, digamos assim, mais crucial, estratégica. Não sei se na física ou na química há alguma discussão a respeito de conteúdo, embora eu já tenha visto cientistas de outras áreas que hoje questionam a posição de invisibilidade dos “informantes” no trabalho de campo. Ou que são questionados a respeito. Está havendo muita discussão a respeito de composição étnica, de composição de gênero, isto sim, isto está sendo muito vivido. A Academia Brasileira de Ciências incorporou este ano, como membro colaborador, o Davi Kopenawa.16 16 A posse de Davi Kopenawa Yanomami se deu em 1º de janeiro de 2021. A abertura da reunião magna anual no dia 6 de outubro17 17 Os detalhes atinentes à sessão de exibição do filme estão disponíveis em: http://www.abc.org.br/2021/10/09/abertura-da-reuniao-magna-da-abc-a-ultima-floresta/ Acesso em 21/10/2021. vai ser com um documentário a respeito da vida na floresta, dirigido por Luiz Bolognesi, do qual Kopenawa participou, inclusive como um dos roteiristas. O título é A última floresta (2021) e vai haver uma discussão a respeito. Do ponto de vista da sociedade brasileira no seu conjunto, esse ainda é um âmbito muito limitado. Ninguém sabe muito o que está acontecendo dentro da Academia Brasileira de Ciências, mas eu cito isso porque, ao contrário da SBPC, ela é considerada um lugar de elite acadêmica, mais fechado. E, a seu modo, estão dando sinalizações de que também ali estão sentindo essas novas forças, essas novas relações dentro da sociedade. Como já falei, isso tem se manifestado também em atos de solidariedade conosco. Estão nos dando apoio, o que mostra como é complexa essa relação com a ciência e com os cientistas - entre os quais, aliás, eu tenho muitos amigos.

O interessante é que, dentro dessa ideia de quadro de referências − e é algo que eu menciono neste último texto18 18 Otávio volta a se referir a “Razão e imaginação …” mencionado logo acima, sendo que centelhas dessa mesma observação já eram visíveis em “A antropologia e a guerra: não só de narrativas”. -, há uma preocupação, que eu acho que na antropologia é menor do que às vezes acontece com colegas de outras áreas, com a educação. Eu acho que o nosso espontaneísmo antropológico ou a nossa ênfase − correta − em que existe um saber do qual nós é que devemos nos alimentar pode inibir, por vezes, o nosso papel de protagonistas como educadores. A ideia de educação fica parecendo que significa necessariamente moldar dentro de um quadro de referências empobrecedor. Eu gostei da expressão que o Amir usou: interferência no imaginário. De certa maneira é disso que eu tratei nesse artigo a propósito do imaginário da ciência, mas pode ter um alcance bem maior. Maior mesmo que o de dar um curso para alunos de outras áreas, embora isto seja essencial.

Do pouco que eu conheço da América Latina, me parece que a questão da educação tem mais centralidade em outros países do que aqui. Não é só o atual governo que desvaloriza a educação. Qual é a educação que nós podemos pensar para este país e que tenha uma contribuição, tenha um sabor antropológico? Estou pensando em termos mais amplos; mas, na universidade, o que nós temos a dizer para esse novo alunado? Eu acho que nós temos alguma coisa a dizer, mas não sabemos bem como dizer e exatamente como associar isso com o que eles e elas têm a dizer também. Esta é uma questão, para nós, urgente. Alguns desses fenômenos que nós estamos vivendo hoje, desse autoritarismo brutal, têm a ver com uma certa falta de um processo educativo também. Qual é o nosso papel diante disso?

Regina: Você está dizendo que, ainda que pareçam velhas, são questões novas, não é? Por um lado, é verdade que as coisas não caminharam de uma maneira linear e democraticamente cumulativa como era desejado mas, por outro, há novas perguntas no ar. Por exemplo, as questões sobre “diversidade” e sobre “evangélicos” não são as mesmas. A palavra diversidade “caiu na boca do povo”. Ela não está mais restrita aos circuitos antropológicos. Ela circula nos movimentos sociais, faz parte de muitos documentos políticos. Está sendo usada por jovens, por negros, por indígenas, por mulheres, nas questões de orientação sexual, de identidade de gênero, e também por militantes religiosos. Nesse cenário, atualmente, quando a gente fala dos “evangélicos no Brasil”, para evitar generalizações apressadas não basta dizer que existem denominações diferentes, que cronologicamente foram várias “ondas evangélicas”… É preciso falar também em diversidade. Isto porque uma parcela da juventude se apropriou do legado evangélico de uma maneira bastante diferente de outras gerações em termos culturais, estéticos, musicais etc. Inclusive, há uma parte sem vínculos institucionais, sem denominação, que se autointitula “desigrejada”. Há também uma minoria evangélica de esquerda. Não são numerosos, mas - como Otávio disse anteriormente - nós somos de esquerda e somos minoria, assim como, acompanhando as mudanças na sociedade, há grupos de mulheres evangélicas, mulheres negras evangélicas, de evangélicos LGBTQIA+. Entre eles e elas, a Bíblia funciona como o principal e o mais poderoso código de comunicação.

Por tudo isso, Otávio, eu gostaria que você voltasse à questão da “cultura bíblica”. Para além de se fazer presente no “conservadorismo evangélico”, arrisco dizer que a “cultura bíblica” também se faz presente entre minorias evangélicas progressistas que incluem a palavra “diversidade” em suas disputas político-religiosas baseadas em interpretações bíblicas. Talvez não possamos reafirmar a ideia de “diversidade religiosa” em um sentido mais usual, clássico, mas como pensar a (re)criação da diversidade por meio de atuais apropriações da Bíblia, da religião e da política? Enfim, pergunto: você concorda que a sua sacação/noção de “cultura bíblica” segue sendo “boa para pensar” o que vem acontecendo hoje no Brasil?

Otávio: Bom, também são várias questões aí. O que eu estava colocando em questão é se a nossa concepção da diversidade não seria bem comportada demais para dar conta do que está acontecendo hoje. E é interessante que não tenha sido mencionado aqui, na nossa discussão, outra palavra que hoje é forte, que é a ideia de identidade, com toda a questão do “identitarismo”. Em relação a isso, o Dado, nesse mesmo livro, vai numa direção a respeito da qual eu tenho dúvidas, mas eu queria mencioná-la para vocês. Ele associa essa ideia de identidade a outra noção, à de identidade, ou seja, é como se cada um pudesse construir com o material disponível uma identidade própria. Isto, de alguma forma, não tem limites. Por este motivo, ele coloca a individualidade no centro da discussão. Eu fico meio dividido em relação a isto. Mas, de qualquer forma, é bom lembrar que existe essa questão identitária que, junto com as questões pós-identitárias, precisam ser levantadas e discutidas hoje. Sob certos aspectos, é um pouco assustadora essa possibilidade individualista que o Dado pretende que seja no bom sentido, digamos assim, da construção da identidade. E a ideia de fragmentação também está colocada nessas discussões.

Então, já existe também essa discussão a respeito de uma “pós-identidade”. Eu menciono isto no artigo em homenagem ao Ricardo Benzaquen. Seguindo Ricardo, parto da discussão do Gilberto Freyre a respeito da ideia de antagonismos em equilíbrio. Eu tento explorar essa discussão, mas confesso que fico um pouco dividido. De qualquer maneira, é uma discussão a respeito da nossa contemporaneidade. Aliás, eu recebi ontem um convite para um culto, no bairro do Maracanã,19 19 Otávio menciona aqui um culto organizado pela Nossa Igreja Brasileira, que contou com o apoio da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que aconteceria no dia 3 de outubro de 2021. que é um culto evangélico ecumênico de esquerda. Eu acho ótimo, excelente realmente, que eles comecem a aparecer publicamente, a ter mais visibilidade. Mas a minha dúvida é sobre o alcance disso. É realmente dúvida, Regina. Nós precisaríamos conversar mais a respeito.

A cultura bíblica, o conceito, veio simplesmente porque a noção de cativeiro, que é uma noção que me chamou muito a atenção no meu trabalho de campo na Amazônia, tem a ver com o que o Ypuan levantou, pois o cativeiro justamente é o oposto da liberdade. Desde então, esta questão está implícita ou explícita no que eu tenho pensado e escrito. Já era tratada por outros analistas, outras pessoas que trabalhavam no campo, no Brasil, mas nossa espécie de ateísmo espontâneo, das elites intelectuais brasileiras, parece que toldou a percepção de que esse cativeiro, essa ideia de cativeiro, tinha uma relação com a Bíblia. Então, ficava só nessa ideia de cativeiro associado com a escravidão, a questões econômicas, uma coisa que eu mesmo explorei, que era a fixação da força de trabalho, uma das características do capitalismo autoritário. Mas, para mim, eram também os cativeiros referidos na Bíblia.

Aí é que deu um estalo que fez a ponte entre os meus trabalhos com o campesinato, com a Amazônia, e as questões de religião que vieram a me interessar depois. Eu e o Pierre Sanchis tínhamos uma divergência amigável, porque ele achava que a ênfase deveria ser em cultura católica e não em cultura bíblica. Eu acho que, no momento, está mais para bíblica do que para católica, mas a gente nunca sabe. Em relação aos usos que se fazem da Bíblia, é importante a Regina chamar a atenção para como o mesmo texto pode ser usado de maneiras tão diferentes, o que constitui inclusive questão central para a hermenêutica bíblica. Isto pode ser promissor, mas também pode ser um ingrediente nos conflitos religiosos que penetram na política, como a história nos ensina.

Em função do que eu estou lendo no momento, acho que vocês, que têm interesse em antropologia da religião e na cultura bíblica, deveriam ler o Tratado teológico-político, do Espinosa. Ele é um primor, no sentido justamente de discutir o que a Bíblia diz e o que se diz que a Bíblia diz. Ele foi um pioneiro nessa discussão, nessa exegese bíblica. Eu acho muito interessante ver como isso é trabalhado por ele e como, por detrás, está a questão política e, especialmente, talvez, aquela fortemente destacada nesse texto do historiador Antônio David, que é a da dominação teológico-política. Porque vamos tratar a diversidade, vamos continuar a valorizá-la e chamar a atenção para a sua presença, mas existem os fenômenos da dominação, aos quais todos estão sujeitos, de um modo ou de outro. Então, fica a indagação de como tratar dessa diversidade, que pode ou não se associar ao populismo. Quando, tempos atrás, eu falava sobre o capitalismo autoritário, utilizava a expressão “populismo” no sentido russo dos narodniks, de oposição ao Estado, e eles foram sucedidos, em contraposição, pelos leninistas lembrados pela Regina. Hoje esta é outra palavra que voltou com sentidos diversificados; então, eu acho que também daria uma grande discussão para nós, de como nos situamos em relação aos processos de dominação estatal.

Eloísa: Na verdade, eu fiquei pensando em várias coisas que foram discutidas aqui e queria retomar um pouco aquela pergunta da Regina sobre arrombar portas abertas. Otávio, você falou várias vezes que não está mais em sala de aula, que você já faz tempo que se aposentou. Eu acho que alguns dos desafios que a gente está vivendo neste momento, de maneira muito importante, em sala de aula, têm a ver com uma mudança no modo de fazer antropologia. A sua geração - obviamente, o Museu tem um modelo muito especial - não dava aula na graduação e isso gera: primeiro, uma disponibilidade de tempo fabulosa, sempre gerou; segundo, o privilégio do tempo para pensar, que talvez não seja tão palpável nessas mudanças, nessa forma de fazer antropologia. E eu, se me permite, estou tentando pensar em uma forma de fazer antropologia um pouco mais artesanal, digamos, o artesanato antropológico, autoral, e que tinha a ver com uma disposição de tempo, claro, mas também com uma certa demografia de quem eram os antropólogos da sua geração, da geração da Regina, que obviamente tinha uma clivagem de classe, de cor, de gênero, que não é menor.

Eu lembro, quando você se aposentou, de uma conversa de corredor em que você disse - certamente, você nem se lembra - que estava feliz de se aposentar naquele momento, porque já estava percebendo as mudanças que iriam ser exigidas na forma de se fazer antropologia. Uma produção mais fordista que nos empurra a outros tempos, outras dinâmicas e a outras maneiras de produzir conhecimento. Eu acho que aí há duas quebras que se superpõem: uma tem a ver com essa forma de produzir antropologia de maneira mais profissionalizada, com métricas, com objetivos a serem cumpridos, e a gente não pode fugir porque, caso contrário, não tem recurso para pesquisar. A pós-graduação depende disso por múltiplos motivos. Outra, que se superpõe, tem a ver com uma mudança na demografia de quem são os novos antropólogos.

Eu acho que nós todos estamos um pouco perdidos nisso, e a geração minha e do Amir, talvez, foi pelo meio. Nós aprendemos a fazer antropologia com vocês, da maneira artesanal, mas temos que, na correria, mudar as nossas formas de fazer. Porque, ao mesmo tempo, temos muitas aulas para dar, somos exigidos a cumprir com certos parâmetros. Eu entendo que você não está mais no cerne desse momento, mas eu acho que a distância no olhar talvez nos ajude a pensar o que fazer atualmente. Eu acho que nós nem estamos arrombando portas abertas, não temos tempo para isso. Estamos sem tempo para pensar pedagogicamente quais são os nossos desafios em sala de aula. Nós vamos na correria, lidando com as coisas que vão acontecendo e aprendendo no processo, mas não temos o tempo de parar para pensar e refletir sobre essas outras demandas da nova demografia da sala de aula. Enquanto isso, precisamos produzir um certo tipo de conhecimento em condições de produção que não aprendemos a fazer.

A minha pergunta, então, seria não tanto se estamos arrombando portas abertas, senão como voltar a esse espírito de arrombadores de portas. Não importa se estão abertas ou fechadas, mas eu acho que nessa correria toda perdemos um pouco esse espírito. E, talvez, um olhar mais distanciado nos ajude a perceber como voltar, porque também faz parte do nosso fazer epistemológico os arrombamentos de portas.

Otávio: Eloísa, você tem alunos locais aí em Abu Dhabi?

Eloísa: Todos locais, porque estou dando aula na Universidade Nacional, que é gratuita, completamente gratuita: comida, alojamento, tudo. É destinada aos alunos locais. Tirando dois ou três que são alunos de intercâmbio, os demais são locais e estão separados por gênero.

Otávio: Precisaríamos ter outra conversa para a Eloísa nos contar essa experiência, porque realmente não é muito comum que antropólogos brasileiros tenham uma experiência dessas. Eu gostaria muito de te ouvir. Bom, eu acho que o que eu falei já traz o modo como enxergo a minha posição hoje. E o que você fala também me faz pensar que realmente essas tendências já existiam. De alguma maneira, elas foram agudizadas, para o bem e para o mal, porque também isso que você colocou como uma dificuldade, aí não é otimismo, são desafios: “Como é que você lida com essas novas situações?”... Mesmo os cargos ou encargos da assim chamada “gestão”, como chefia de departamento, coordenação de curso, comissões etc., podem nos deixar a ponto de endoidecer (risos). Todos nós já passamos por isso em outros momentos, e eu sei que hoje está cada vez pior. Não sei, eu acho que é o processo de burocratização como uma face da dominação. Você não tem tempo, você foi programado para não ter tempo para pensar. Eu acho que é isso que se construiu e é complicado: “Como é que você arruma a casa e critica a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], num momento em que a Capes está sendo destruída?”. É realmente muito difícil, é pegar o bonde andando, como se diria no meu tempo (risos).

Como se pega o bonde andando numa situação como essa? Eu sintetizei nessa ideia de empirismo: você não tem tempo para pensar, então cada um escolhe o seu objeto, às vezes porque é mais cômodo, mais fácil ou porque está mais próximo. Uma coisa que eu admiro no Ypuan é ele ter sempre resistido a estudar ou a produzir trabalhos a respeito da questão racial ou de negritude, sem com isso absolutamente negar a sua posição. É um exemplo muito interessante para nós todos, porque permitiu pensar mais e não cair numa espécie de espontaneísmo, que aí confunde com uma certa ideologia, seja lá qual for, para o bem ou para o mal, digamos assim. Eu ainda acredito na ideia de conhecimento. Acredito que o conhecimento e a produção de conhecimento exigem pensar. Exigem uma construção conceitual, exige um certo tipo de esforço, que não é esse da aceleração. Porque a correria também pode levar a que o estudante - acredito, suponho - escolha objetos no sentido daquilo que está mais próximo, daquilo que ele já conhece, e isso não é o cânone antropológico. Talvez o que a gente tenha que manter da antropologia não seja ler Durkheim, ou seja lá o que for, mas sim esses princípios gerais do que é ser antropólogo, que eu acho que deve estar difícil de manter na situação atual.

Quase estou respondendo pela metade ou pela quarta parte à minha pergunta anterior: como a gente se coloca como antropólogo aceitando as críticas das relações da antropologia com o colonialismo? Não podemos nos fechar em relação a isso, de jeito nenhum. Mas também não é para jogar fora a criança com a água do banho. Isso é que me preocupa, sempre assim, na contramão: que as ideologias atuais acabem funcionando como uma forma de se evitar ir realmente a fundo no esforço de conhecimento. Recentemente, ouvi uma cientista dizer que o artista busca o conhecimento no belo e o cientista busca o belo no conhecimento. É um pouco isso.

Como é que você produz conhecimento em nome das novas posturas, mas ainda fiel à missão da Universidade ou da antropologia? Eu acho que isso é complicado porque, às vezes, você se presta ao mau uso também, ao lado daquilo que elas trazem realmente de novo, de frescor, e a gente tem que se abrir em relação a isso. Esse tipo de mensagem, como é que a gente consegue pensar nas circunstâncias atuais? É disso que estou falando, contra um certo empirismo - não sei se é a melhor palavra. Porque você tem que dar importância à construção conceitual, às discussões teóricas, no bom sentido, sem aceitar autoridades pré-construídas. Tinha aquela brincadeira... Como é que era? “Os três porquinhos: Durkheim, Marx e Weber”,20 20 Otávio aqui se refere ao modo como Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, por serem usualmente considerados os fundadores da sociologia, foram chistosamente alcunhados nas faculdades de ciências humanas. Não se sabe ao certo quem inventou o apelido, nem a intenção exata, mas ele é familiar para alunos(as) e professores(as) da área. uma coisa desse tipo... Autoridades já constituídas, não é? Eu acho que esse momento nos permite contestar essas autoridades. Por isso é que eu digo, continuo marxista, mas eu acho que de uma maneira diferente. Espero que melhor.

Eu acho que Ypuan em suas escolhas se esforçou por escapar do empirismo, o que você acha disso, Ypuan?

Ypuan: Eu fui o último orientando de mestrado do Otávio, que foi o primeiro mestre formado pelo Programa, e na dissertação estudei os efeitos da crise da representação na antropologia, da crise moderna da disciplina. Foi uma discussão estritamente teórica. Já no doutorado, que foi na Universidade de São Paulo, com a Paula Montero, eu estudei libertação.

Otávio: Sim, mas libertação em um grupo específico…

Ypuan: Católico, libertação entre católicos carismáticos, guiados por um carisma comunitário franciscano, em sua maioria brancos, da classe trabalhadora... O sentido da libertação, dentro dessa cultura bíblica, é muito mais amplo do que meramente considerar a libertação partindo daquilo que tem a ver com o exorcismo, a cura, a ruptura com o passado etc. Essas apostas abdutivas me trouxeram alguma satisfação. Olhando agora para esses trabalhos, eu posso ter resistido, se eu entendi bem, a esse empirismo ou a esse fordismo, a produzir por conta de uma demanda mais imediata. É uma demanda que pode capturar o que a gente está chamando aqui, num sentido maior, também de identidade, não é? Eu acho que encontrei uma série de ressonâncias não óbvias da minha negritude quando eu fui estudar a libertação, porque ela me ajudou muito a compreender o que aquelas pessoas estavam querendo dizer sobre pacto, sobre liberdade pactuada, sobre liberdade como vínculo, ao revés da liberdade como emersão do eu, emancipação, individualização.

Essa liberdade linear, naturalizada/universalizada, pode ser, paradoxalmente, tanto parte de um progressismo, no sentido de alguma coisa que está sendo pensada como de “esquerda” ou, então, de um pensamento mais reacionário, que pode estar sendo pensado como uma coisa de “direita”. Tem sempre um terceiro lugar. É isso que eu quero dizer. No terceiro lugar, considerando essas escolhas, o fato de eu ser negro se comunica muito com aquilo que eu fiz e que não aparece de uma maneira evidente nas escolhas desses temas: que geralmente nossos dilemas e problemas com a liberdade - alcançando abdutivamente, inclusive, uma certa economia acadêmica racista que deseja determinar como será a partilha dos próprios temas a serem estudados - foram enfrentados e discutidos majoritariamente por pessoas brancas, de uma certa classe média. Daí a primeira pergunta que eu fiz... Por esses motivos, eu tenho que assumir publicamente, mais uma vez, o jeito que você me influenciou, Otávio. É basicamente isso: é de lugares inesperados, de combinações muito aleatórias, que eu poderia ver e resistir ao racismo.

Otávio: Obrigado, mas eu acho que justamente isso é a produção de conhecimento, em vez da reprodução ideológica. Eu acho que você faz isso muito bem, mas ao mesmo tempo a questão que eu acho que se coloca e talvez volte ao que a Eloísa apontou: qual é o lugar, para uma pessoa como o Ypuan, nessa estrutura que vocês estão descrevendo agora? Então, eu acho que esta é uma questão também complicada. Eu acho que o Luiz Eduardo em seu livro está colocando, de alguma maneira, qual é o lugar dele. Uma pessoa, digamos assim, erudita, uma pessoa multidisciplinar, que não está dentro do esquema departamental. É um intelectual reconhecido hoje no país, mas ele tem lugar na Academia Brasileira de Ciências? Tenho dúvidas. Então, em matéria de paradoxo, eu acho que a gente está com essas questões todas. Não há solução fácil. E para alguns é mais penoso que para outros. Mas tem que cavar o seu lugar e sentir que tem uma missão a cumprir. Evidentemente, com sabedoria. Não vai dar murro em ponta de faca.

Há algo que eu queria acrescentar: nós fizemos muita crítica à situação e a tudo isso que nós construímos, essa universidade e a pós-graduação. Eu queria dizer que fiz parte de uma geração que construiu essa pós-graduação no Brasil, sendo que o Programa do Museu teve uma posição estratégica. Mais recentemente, há a minha atuação na SBPC. Não me arrependo não (risos), eu acho que tive um papel nisso, que não renego. Na Anpocs, fui o primeiro antropólogo a ser presidente, anteriormente todos haviam sido da Ciência Política... Tudo isso que a gente construiu, não me arrependo, mas acho que não impede que eu seja crítico, continue sendo.

Agradecemos a María Elvira Díaz Benítez pelos incentivos e apoios dos mais diversos ao longo da elaboração desta homenagem a Otávio.

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  • VELHO, Otávio. 2018d. “Epistrophê: do duplo vínculo às antinomias e de volta”. In: VELHO, Otávio, Antinomias do real Rio de Janeiro: Editora UFRJ . pp. 191-212.
  • VELHO, Otávio. 2018e. “A antropologia e o Brasil - hoje?”. In: VELHO, Otávio, Antinomias do Real Rio de Janeiro: Editora UFRJ . pp. 137-153.
  • VELHO, Otávio. 2018f. “O que nos une”. In: VELHO, Otávio, Antinomias do Real Rio de Janeiro: Editora UFRJ . pp. 265-278.
  • VELHO, Otávio. 2018g. “Reflexão etnográfica e experiência narrada sobre fronteiras de ciência(s)”. In: VELHO, Otávio, Antinomias do real Rio de Janeiro: Editora UFRJ . pp. 383-394.
  • VELHO, Otávio. 2018h. “A antropologia e a guerra não só de narrativas”. In: VELHO, Otávio, Antinomias do Real . Rio de Janeiro: Editora UFRJ . pp. 421-430. (Versão em inglês: Velho, 2017.)
  • VELHO, Otávio. 2020. “Razão e imaginação para todos os tempos”. Tensões mundiais, 16 (32):17-46.

Notas

  • 1
    Otávio se refere a seu irmão, Gilberto Velho (1945-2012), que concluiu o mestrado no Museu também em 1970.
  • 2
    Otávio faz referência à importante obra Social origins of dictatorship and democracy: Lord and peasant in the making of the modern world.
  • 3
    Otávio se refere à sua tese de doutorado, publicada em livro pela primeira vez em 1976. Neste trabalho, ele lança mão de vários escritos de Lenin. Há uma versão disponível em formato eletrônico.
  • 4
    Essas questões de Otávio estão elaboradas em “Relativizando o relativismo”, de 1991.
  • 5
    Essa associação foi criada em 1994. Disponível em http://www.acsrm.org/nosotros/. Acesso em 25/10/2021.
  • 6
    A presença desse artigo do Otávio ao longo das próximas páginas revela os fortes e variados efeitos que ele teve sobre tantas(os) de nós. Trata-se de uma importante referência entre as análises da presença da religião no campesinato, e constituiu um ponto de inflexão em sua trajetória intelectual. O texto ganhou, inclusive, versões em espanhol e inglês, bem como republicações em português. (Junto com as referências bibliográficas, o(a) interessado(a) encontrará também informações a respeito das traduções e das republicações dos trabalhos de Otávio mencionados).
  • 7
    A esse respeito, um dos trabalhos de Bateson caros a Otávio é “Style, grace, and information in primitive art”, incluído como capítulo de Steps to an ecology of mind.
  • 8
    Nesse ensaio, Otávio realiza uma exegese cuidadosa do conceito de duplo vínculo, acentuando suas variações no pensamento de Bateson. Trata-se de um escrito que revela os anos de intimidade de Otávio com um de seus pensadores prediletos.
  • 9
    A referência é, principalmente, ao livro Guerra e paz: Casa-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30, originalmente tese de doutorado de Ricardo Benzaquen, orientada por Otávio.
  • 10
    Além de “A pictografia da tristesse”, a pergunta retorna simultaneamente a dois artigos do Otávio: um, anterior, “Antropologia para sueco ver”; o segundo, posterior, “A antropologia e o Brasil - hoje?”.
  • 11
    Otávio está se referindo a “O que nos une”, que também foi publicado em espanhol.
  • 12
    Trata-se, entre outros, dos trabalhos de Robert A. OrsiORSI, Robert A. 2005. Between Heaven and Earth: The religious worlds people make and the scholars who study them. Princeton: Princeton University Press., Meredith McGuireMcGUIRE, Meredith B. 2008. Lived religion: Faith and practice in everyday life. New York: Oxford University Press. e Nancy AmmermanAMMERMAN, Nancy (org.). 2007. Everyday religion: Observing modern religious lives. Oxford: Oxford University Press..
  • 13
    Trata-se do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, da Argentina, mais ou menos equivalente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 14
    O “Pós-escrito (tardio) à tristesse” foi publicado originalmente como “O que Santa Catarina pode fazer pela Antropologia do Brasil”. Cabe salientar que essa modificação no título explicita uma (des)continuidade com “A pictografia da tristesse”. Ambos os textos resultam de conferências proferidas por Otávio no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina.
  • 15
    Otávio refere-se à 73º Reunião Anual da SBPC, ocorrida entre os dias 18 e 24 de julho de 2021, virtualmente. Disponível em: https://ra.sbpcnet.org.br/73RA/ Acesso em 21/10/2021.
  • 16
    A posse de Davi Kopenawa Yanomami se deu em 1º de janeiro de 2021.
  • 17
    Os detalhes atinentes à sessão de exibição do filme estão disponíveis em: http://www.abc.org.br/2021/10/09/abertura-da-reuniao-magna-da-abc-a-ultima-floresta/ Acesso em 21/10/2021.
  • 18
    Otávio volta a se referir a “Razão e imaginação …” mencionado logo acima, sendo que centelhas dessa mesma observação já eram visíveis em “A antropologia e a guerra: não só de narrativas”.
  • 19
    Otávio menciona aqui um culto organizado pela Nossa Igreja Brasileira, que contou com o apoio da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que aconteceria no dia 3 de outubro de 2021.
  • 20
    Otávio aqui se refere ao modo como Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, por serem usualmente considerados os fundadores da sociologia, foram chistosamente alcunhados nas faculdades de ciências humanas. Não se sabe ao certo quem inventou o apelido, nem a intenção exata, mas ele é familiar para alunos(as) e professores(as) da área.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021
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