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Estado, Gênero e Covid-19: trânsitos de mulheres por setores da administração pública em tempos de pandemia

State, Gender and Covid-19: women's transit in public administration during times of pandemic

Estado, Género y Covid-19: Tránsitos de mujeres por sectores de la administración pública en tiempos de pandemia

Resumo

O artigo analisa práticas de Estado que estiveram em curso durante a pandemia da Covid-19, bem como reações e percepções acionadas por mulheres negras, moradoras da cidade de Altamira, no Pará. Em perspectiva etnográfica, o artigo argumenta que a pandemia da Covid-19 apresenta novos elementos para o estudo da administração pública, tanto no que se refere às práticas quanto no que se refere às representações sobre serviços e setores públicos. A pandemia da Covid-19, compreendida como evento excepcional incorporado ao fluxo das relações sociais e às dinâmicas dos serviços públicos, aponta para a tendência na fragilidade de direitos que afeta sobretudo a dinâmica do cotidiano das mulheres, uma vez que elas estão implicadas em práticas de cuidado e dedicação de tempo a outras pessoas.

Palavras-chave:
Estado; Gênero; Covid-19; Família; Cuidado

Abstract

The article analyzes state practices during the Covid-19 pandemic, as well as the reactions and perceptions of Black women living in the city of Altamira, in the Brazilian state of Pará. Through an ethnographic perspective, the article argues that Covid- 19 presents new elements for the study of public administration, both in terms of its practices and in terms of representations of services and public sectors. The Covid-19 pandemic, understood as an exceptional event incorporated into the flow of social relations and the dynamics of public services, points to the fragile tendency of rights that affects, first and foremost, the dynamics of women's daily lives, since they are implicated in care and dedicate their time to others.

Keywords:
State; Gender; Covid-19; Family; Care

Resumen

El artículo analiza las prácticas estatales ocurridas durante la pandemia Covid-19, así como las reacciones y percepciones por parte de las mujeres negras residentes en la ciudad de Altamira, Pará. En perspectiva etnográfica, el artículo sostiene que la pandemia Covid-19 presenta nuevos elementos para el estudio de la administración pública, tanto en términos de prácticas como en términos de representaciones sobre servicios y sectores públicos. La pandemia Covid-19, entendida como un evento excepcional incorporado al flujo de las relaciones sociales y la dinámica de los servicios públicos, apunta a la tendencia de la fragilidad de los derechos que afecta principalmente la dinámica de la vida cotidiana de las mujeres, ya que están implicadas en prácticas de cuidado y dedicación de tiempo a los demás.

Palabras clave:
Estado; Género; Covid-19; Familia; Cuidado

Introdução

No dia 17 de março de 2020, soubemos que a primeira vítima letal da Covid-19 no Rio de Janeiro, e a segunda no Brasil, trabalhava como empregada doméstica em um apartamento de alto padrão na zona sul carioca e foi infectada por sua patroa, que havia recém-retornado de viagem à Itália. Cleonice Gonçalves foi uma mulher negra de 63 anos, que trabalhava como doméstica desde os 13 anos, segundo notícias veiculadas em diferentes canais de mídia (Melo 2020MELO, Maria Luisa de. 2020. “Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon”. Uol Notícias. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm . Acesso em 10/10/2020.
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; Costa 2020COSTA, Fernanda da. 2020. “Morte de trabalhadora doméstica por coronavírus escancara falta de políticas para proteger a classe”. Jornal da UFRGS, Porto Alegre, 26 de março. Disponível em: Disponível em: https://www.ufrgs.br/jornal/morte-de-trabalhadora-domestica-por-coronavirus-escancara-falta-de-politicas-para-proteger-a-classe/ . Acesso em 05/09/2020.
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). Após Cleonice apresentar sintomas, a patroa telefonou para familiares da doméstica solicitando que a buscassem. No dia seguinte, já em sua cidade (distante cerca de 120km da capital do Rio de Janeiro), Cleonice foi internada, mas não resistiu. Ao portal de notícias UOL, a cunhada da vítima declarou: “Ela era muito trabalhadora. Pegava três conduções para chegar ao trabalho. Para voltar, era a mesma coisa: dois ônibus e um trem. Ela saía de casa no domingo e só voltava na quinta”. Na mesma reportagem, o irmão da vítima disse: “Ela não era aposentada, porque ainda não tinha tempo de contribuição para isso. Então, mesmo com obesidade, diabetes, hipertensão e infecção urinária, ela continuou trabalhando. Ela precisava de dinheiro” (Melo 2020MELO, Maria Luisa de. 2020. “Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon”. Uol Notícias. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm . Acesso em 10/10/2020.
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).

A primeira morte por Covid-19 no Rio de Janeiro explicitou que assimetrias sociais já existentes são agravadas em situações extremas como uma crise sanitária, com prejuízo acentuado para mulheres negras e pobres. Decisões pessoais se somam à falta de protocolos estatais e à fragilidade do sistema de seguridade social (saúde, assistência social e previdência social) e resultam em desfechos que, apesar de trágicos, são incorporados ao curso da vida social. A vulnerabilidade das mulheres à Covid-19, especialmente das mulheres negras trabalhadoras, foi tematizada em reportagens da imprensa e em artigos científicos, alguns dos quais se remeteram diretamente à morte de Cleonice (Redondo 2020REDONDO, Michelle. 2020. “O Covid-19 e o reconhecimento do trabalho doméstico como essencial”. Boletim Ciências Sociais e o Coronavírus, 71. Disponível em: Disponível em: http://anpocs.org/index.php/publicacoes-sp-2056165036/boletim-cientistas-sociais/2399-boletim-cientistas-sociais-n-71 . Acesso em 20/12/2020.
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). A definição do serviço doméstico como atividade essencial em decretos exarados pelo Executivo de várias localidades intensificou esse debate, ao qual, rapidamente, se somou uma discussão mais ampla sobre o caráter nada “democrático” da crise sanitária que expôs ainda mais mulheres e crianças, negras e pobres à infecção pelo vírus (Pimenta et al. 2020PIMENTA, Denise; SORDI, Caetano; FAZZIONI, Natália & BULAMAH, Rodrigo. 2020. “Dias de pandemia: uma descida ao cotidiano da doença”. Pontourbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 27 ago-dez. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/9856 . Acesso em 04/01/2021.
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; Leite 2020LEITE, Marcia. 2020. “Biopolítica da Precariedade em tempos de pandemia”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social . Reflexões na Pandemia, pp. 1-16.; Vargas 2019VARGAS, Julia. 2019. “‘Um dia de cada vez, né?’. Reflexões sobre trabalho doméstico e o fazer etnográfico durante a pandemia”. Novos Debates, v. 5, n. 1-2:172-199.).

Ainda assim, em meio a essa discussão pública, foi tardia a inclusão da informação sobre raça/cor no sistema de dados epidemiológicos relacionados à Covid-19, o que só ocorreu após posicionamento enfático da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, da organização Coalizão Negra e da Sociedade Brasileira de Médicos de Família e Comunidade (Santos et al. 2020SANTOS, Marcia Pereira Alves dos; NERY, Joilda Silva; GOES, Emanuelle Freitas; SILVA, Alexandre; SANTOS, Andreia Beatriz Silva dos; BATISTA, Luís Eduardo & ARAÚJO, Edna Maria de. 2020. “População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde”. Estudos Avançados, 34 (99):225-243.; Rodrigues & Silva 2020RODRIGUES, Vera & SILVA, Mona Lisa da. 2020. “O cotidiano da Covid-19 no olhar de mulheres negras cearenses”. Pontourbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP , n. 27, ago.-dez. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/9203 . Acesso em 28/12/2020.
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). Sobre este aspecto, o estudo de Milanezi (2019MILANEZI, Jaciane. 2019. Silêncios e Confrontos: a saúde da população negra em burocracias do Sistema Único de Saúde (SUS). Tese de Doutorado em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.) apresenta informações que nos permitem considerar de maneira mais amplas as resistências e os desafios em torno da institucionalização da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no Brasil. A pesquisa da autora, realizada a partir de unidades de Saúde da Família, demonstra a dificuldade até mesmo do preenchimento do formulário com os dados de cor/raça em função de críticas à focalização da política por critérios que não são considerados legítimos e até mesmo politicamente corretos.

Parte do debate público e científico sobre a crise sanitária esteve significativamente marcado por uma discussão sobre perfil de gênero, raça e classe tanto nos contornos da pandemia em si (em perspectiva epidemiológica) quanto na responsabilidade de setores governamentais, dos três níveis da federação, com políticas sociais que tivessem como objetivo mitigar vulnerabilidades sociais e econômicas agravadas por doenças e mortes, mas também por medidas implementadas em resposta à crise, como isolamento social, suspensão de atividades econômicas e bloqueios. De maneira geral, a pesquisa social sobre a Covid-19 confluiu na percepção de que estamos diante de uma calamidade crônica agudizada, conforme proposto por Bihel (2021:38BIEHL, João. 2021. “Descolonizando a saúde planetária”. Horizontes Antropológicos, 27 (59):337-359.), inspirado por Paul Farmer. Assim, argumento que a pandemia da Covid-19 traz novos elementos para o estudo do Estado, especialmente em função da combinação entre a intensificação de práticas estatais relacionadas à vigilância e ao controle e a necessidade de políticas de seguridade orientadas por critérios de gênero, raça e classe.

Este artigo é tributário das discussões sobre Estado em sua dimensão prática e em perspectiva antropológica, conduzidas por pesquisadores como Souza Lima (2002SOUZA LIMA, Antonio Carlos de (org.). 2002. Gestar e Gerir: Ensaios para uma antropologia da administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará., 2012SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. 2012. “O estudo antropológico das ações governamentais como parte dos processos de formação estatal”. Revista de Antropologia, v. 55 (2):559-564.), Chatterjee (2004CHATTERJEE, Partha. 2004. The politics of governed: reflections on popular politics in most of the World. New York: Columbia University Press.), Das e Poole (2004DAS, Veena & POOLE, Deborah. 2004. “State in its margins: comparative ethnographies”. In: DAS, Veena & POOLE, Deborah (orgs.), Anthropology in the margins of the state. Santa Fe: School of American Research Press. pp. 3-34.), Sharma e Gupta (2006SHARMA, Aradhana & GUPTA, Akhil. 2006. “Introduction: Rethinking Theories of the State in an Age of Globalization”. In.: SHARMA, Aradhana & GUPTA, Akhil, The Anthropology of the State: a reader. Oxford: Blackwell Publishing. pp. 1-42.), Auyero (2007AUYERO, Javier. 2007. Routine Politics and Violence in Argentina: The Gray Zone of State Power. Cambridge University Press: Cambridge., 2016AUYERO, Javier. 2016. Pacientes del Estado. Buenos Aires: Eudeba.), Teixeira e Souza Lima (2010TEIXEIRA, Carla Costa & SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. 2010. “A antropologia da administração e da governança no Brasil: área temática ou ponto de dispersão?”. In: L.F.D. Duarte (org.), Horizontes das ciências sociais no Brasil: antropologia. São Paulo: Anpocs. pp. 51-95.), Lugones (2012LUGONES, María Gabriela. 2012. Obrando en autos, obrando en vidas: formas e fórmulas de protección judicial em los tribunales prevencionales de menores en Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro: E-papers/Laced/Museu Nacional.), Vianna (2014VIANNA, Adriana. 2014. “Violência, Estado e Gênero: Entre corpos e corpus entrecruzados”. In: A. C. de Souza Lima & V. G. Acosta (orgs.), Margens da Violência: Subsídios ao estudo do problema da violência nos contextos mexicano e brasileiro. Brasília: ABA. pp. 209-237.), entre outros. Em particular, a discussão sobre gênero e Estado é de grande importância, no sentido explorado por Vianna e Lowenkron (2017VIANNA, Adriana & LOWENKRON, Laura. 2017. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens”. Cadernos Pagu, 51. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000300302&script=sci_ abstract&tlng=pt . Acesso em 12/10/2020.
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), que propõem compreendê-los em sua dinâmica mutuamente constitutiva. Segundo as autoras, isto significa “levar a sério a complexidade e a processualidade inerentes ao Estado, implica compreendê-lo como trama de sentidos, possibilidades de ação e formas de interdição feitas de e por dinâmicas de gênero” (2017:5VIANNA, Adriana & LOWENKRON, Laura. 2017. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens”. Cadernos Pagu, 51. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000300302&script=sci_ abstract&tlng=pt . Acesso em 12/10/2020.
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).

Com isso, a proposta do presente artigo é analisar que tipos de práticas de Estado estiveram em curso durante a pandemia da Covid-19 e que tipo de reações e respostas elas suscitaram no nível do cotidiano da vida de mulheres autoidentificadas como negras, interlocutoras da pesquisa que venho conduzindo, a distância, desde maio de 2020. Trata-se da pesquisa “Efeitos das políticas de isolamento e distanciamento social relacionadas à Covid-19 na vida de famílias vulneráveis no Brasil”, que coordeno com Camila Pierobon (Cebrap) e Taniele Rui (Unicamp), parte da investigação mais ampla intitulada “Implementation of COVID-19 related policies: implications for household inequalities across five countries”, liderada por Clara Han e Veena Das, da Universidade Johns Hopkins.1 1 Mais recentemente, foram integradas à pesquisa Isadora Lins e Carolina Branco Castro Ferreira, da Universidade de Campinas, Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira e Marcella Araújo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Manuela Souza Siqueira Cordeiro, da Universidade Federal de Roraima, e Jaciane Milanezi, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, além de estudantes de graduação e de pós-graduação: Thamires Baptista, Lis Blanco, Daniela Petti, Silvio Rogério, Marcos Campos. Agradeço a esse grupo pelo debate de uma versão inicial desse texto durante as reuniões da pesquisa.

Embora as reflexões aqui apresentadas estejam baseadas em pesquisa realizada durante o contexto da pandemia, a relação com as interlocutoras da pesquisa é bastante anterior, variando de cinco a doze anos. Com a utilização de um questionário semiestruturado, reuni informações de perfil quantitativo sobre a unidade doméstica das mulheres, minhas interlocutoras, e sobre cada um dos integrantes das três famílias pesquisadas, alcançando temas como a entrada e a saída de dinheiro, condições de saúde, contatos sociais, situação de trabalho/estudo, entre outros. Em paralelo, realizei entrevistas quinzenais, via ligação telefônica, com as mulheres maiores de 18 anos de cada família, abordando transformações ou permanências em seu cotidiano durante os meses marcados pela pandemia. Com isso, o estudo envolveu cinco mulheres de três famílias. São os dados de perfil qualitativo obtidos nas entrevistas que conformam a base do material que será aqui apresentado, restando para artigos futuros a análise dos dados de perfil quantitativo, em perspectiva comparada.

Embora parte das análises esteja embasada em dados relativos à experiência de mulheres que vivem em Reassentamentos Urbanos Coletivos2 2 Em função das transformações urbanas realizadas em Altamira relacionadas à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cerca de 25% da população da cidade foram removidos de suas casas, localizadas às margens do rio Xingu ou nas beiras dos igarapés, e passaram a viver em um dos cinco Reassentamentos Urbanos Coletivos construídos na cidade para esse fim. Como em outros projetos de remodelação urbana, foi a população mais pobre da cidade que foi submetida a esse processo de remoção. na cidade de Altamira, no Pará, procurei alcançar uma dimensão mais ampla, relativa à relação entre Estado, gênero e medidas associadas à Covid-19. A perspectiva que coloca estes três temas em relação, como se verá adiante, é a de que formas que constituem o conjunto de setores da administração pública foram transformadas em função da pandemia da Covid-19 e, com isso, foram engendradas novas práticas, representações, mediações e percepções observáveis através da perspectiva etnográfica por meio da experiência de mulheres pobres e negras, moradoras de periferia. Acessar uma política pública, envolver-se nas exigências e nas burocracias relacionadas à morte de um familiar, precisar prestar ajuda a familiares e vizinhos, enfrentar uma diligência de busca e apreensão na própria casa e então passar a lidar com a situação de ter um filho preso são experiências que poderiam não ser novidade para as mulheres envolvidas, mas durante a pandemia tornam-se mais difíceis, solitárias e arriscadas.

Considerando a perspectiva que compreende o Estado não como uma entidade que gradualmente perderia em eficácia e legitimidade quanto mais se aproximasse das margens, mas como algo que se faz processualmente a partir de territórios considerados marginais ou periféricos (Das & Poole 2004DAS, Veena & POOLE, Deborah. 2004. “State in its margins: comparative ethnographies”. In: DAS, Veena & POOLE, Deborah (orgs.), Anthropology in the margins of the state. Santa Fe: School of American Research Press. pp. 3-34.), entendo que a vida das mulheres interlocutoras dessa pesquisa se soma à experiência de muitas outras mulheres pobres e negras do Brasil. O diálogo com outros trabalhos, especialmente os produzidos no contexto da pandemia, que trazem outros casos, outras cenas, como a que inicia este texto, reforça essa dimensão. Com isso, no entanto, não desconsidero que existam especificidades nos processos e nas relações que desejo analisar. A dimensão de médio porte da cidade onde vivem as interlocutoras da pesquisa,3 3 Conferir Conceição e Cruz (2020) para um estudo sobre o enfrentamento e os efeitos da Covid-19 em uma cidade de médio porte da Amazônia brasileira. além de tratar-se de uma cidade onde os efeitos da grande obra de infraestrutura de Belo Monte estão ainda presentes, foi tema de outra análise (Lacerda 2021bLACERDA, Paula. 2021b. A “capital da Transamazônica” em tempos de pandemia: reflexões para além dos grandes centros. Wamon, v. 6, n. 1:107-122. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/wamon/article/view/8929/7274 . Acesso em 12/11/2021.
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). Seguindo a proposta analítica de Das e Poole (2004), entendo que nas periferias são gestadas tecnologias de poder que pretendem administrar, controlar e pacificar as populações compreendidas como insuficientemente socializadas nos marcos da lei (:26). Compreendo periferias tanto como espaços físicos, de cidades, bairros, regiões consideradas distantes, precárias e/ou perigosas, mas também, de maneira mais geral, como formas de produção e hierarquização de corpos (e, portanto, de gênero), casas, famílias. Os Reassentamentos Urbanos Coletivos implantados em Altamira inauguraram um tipo de periferia até então inexistente na cidade (Lacerda 2021aLACERDA, Paula. 2021a. “Reassentar e indenizar: formas de governo no contexto da implantação da usina hidroelétrica de Belo Monte, em Altamira, Brasil”. Etnográfica, 25 (3):729-749. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/etnografica/10328 . Acesso em 12/11/2021.
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).

O texto está organizado em três partes, além das considerações finais. Na primeira parte, intitulada “Acessando direitos”, discuto o caso do Auxílio Emergencial que, após embates políticos, surge como benefício destinado a pessoas que necessitam de proteção social durante o enfrentamento da pandemia da Covid-19. No entanto, os requisitos e os procedimentos para acessar tal benefício exigiram ajudas e mediações, práticas de cuidado desempenhadas por mulheres nem sempre reconhecidas como tais. Na segunda parte, discuto como a relação com setores do Estado pode ser de evitação e distanciamento e como essas práticas podem ser mantidas durante uma crise sanitária. Como se verá, as situações que serão descritas e analisadas ocorreram durante os meses mais graves da pandemia, quando o isolamento social era a principal determinação, ainda que impossível de ser cumprido de forma rigorosa devido às diversas necessidades e dinâmicas familiares das mulheres interlocutoras. Ainda assim, sem dúvida, essas situações se ancoram em históricos e experiências anteriores à pandemia. Desse modo, argumento que as excepcionalidades trazidas pela Covid-19 podem transformar algumas visões e formas de relação, ou solidificar percepções e práticas. Na terceira e última parte, percepções e interações com setores da polícia e da administração penitenciária mostram como medidas relacionadas ao controle da Covid-19 acentuaram dificuldades já conhecidas e também oportunizaram novas violações. A preocupação com um vírus invisível, associada a práticas e relações hierárquicas entre servidores públicos e cidadãos (no caso, cidadãs), promove sentimentos como a humilhação e a arbitrariedade, mediadas pela linguagem do risco e do contágio. Passemos, agora, às descrições e às análises.

Acessando direitos

Dias depois da confirmação das primeiras mortes por Covid-19 no Brasil - um homem em São Paulo e Cleonice no Rio de Janeiro - o ministro da Economia anunciou a possibilidade de concessão de um benefício no valor de R$ 200 como política transitória de transferência de renda em função da suspensão das atividades econômicas em várias partes do país. Medeiros e Anjos (2020MEDEIROS, Flavia & ANJOS, Priscila dos. 2020. “Doença, violências e racismo: a pandemia do novo coronavírus em Florianópolis/SC”. Pontourbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 27 ago-dez. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/9502 . Acesso em 04/01/2021.
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) recuperam o histórico de conflitos e divergências políticas que marcaram o momento anterior à aprovação da Lei 13.982/20 que altera e complementa a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Lei 8.742/93. No que se refere ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), regulamentado por esta lei e voltado a pessoas com deficiência e idosos, normas e parâmetros foram revistos e flexibilizados, considerando-se, especialmente, a suspensão dos atendimentos no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), órgão responsável por perícias e outras avaliações para fins de concessão de direitos previdenciários e benefícios sociais. O principal acréscimo da lei trata-se do “Auxílio Emergencial”, considerado “medida excepcional de proteção social a ser adotada durante o período de enfrentamento da Covid-19”. Após embates nas câmaras legislativas a respeito do valor a ser concedido, o benefício foi aprovado em três parcelas de R$ 600 e esteve voltado a pessoas com as seguintes características: maiores de idade, desempregados/as (ou trabalhadores/as informais, microempreendedores individuais e autônomos), que não recebessem qualquer benefício social, exceto Bolsa Família, com renda familiar mensal de no máximo meio salário mínimo e sem recebimentos superiores a R$ 28.559,70 em 2018.

Dentre as características sociais dos destinatários da política social emergencial, são destacadas a situação de trabalho/emprego, a renda, a idade (idosos acima de 65 anos são grupo prioritário), se pessoa com deficiência e uma combinação entre sexo, situação civil e parentalidade, nomeada como “famílias monoparentais com mulher provedora”, ou seja, mulheres sem cônjuge que tivessem, sob sua responsabilidade, crianças e/ou adolescentes menores de 18 anos poderiam receber o pagamento da cota dupla, R$ 1.200 mensais. Em virtude destas características, a política beneficiou em maior medida as pessoas negras - e mulheres negras em particular - mesmo sem haver menção explícita à cor/raça, uma vez que, no Brasil, a maior parte das pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade é composta por mulheres negras (Informativo Desigualdades Raciais e Covid-19 2020:22INFORMATIVO DESIGUALDADES RACIAIS E COVID-19. 2020. Desigualdades Raciais e Covid-19: o que a pandemia encontra no Brasil? São Paulo: Cebrap. Disponível em: Disponível em: https://cebrap.org.br/pesquisas/desigualdades-raciais-e-covid-19/ . Acesso em 31/03/2021.
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). A inclusão de mães que são gestoras de suas famílias alcança a população negra, considerando que, entre as famílias chefiadas por mulheres, as mulheres negras respondem pela maioria desses lares, segundo dados do IBGE.4 4 Em 2015, 15,9 milhões de famílias eram geridas por mulheres pretas ou pardas e 12,7 milhões por mulheres brancas. Segundo Cavenaghi e Alves (2018), entre 2001 e 2015, o crescimento de famílias geridas por mulheres negras aumentou em 248%, enquanto entre as mulheres brancas o aumento foi de 168% (:57). Além de critério do Programa Bolsa Família, ações conduzidas por movimentos sociais de favelas e periferias direcionam ações específicas para as mães gestoras de família, como o projeto “Mães da Favela” (Rodrigues & Silva 2020RODRIGUES, Vera & SILVA, Mona Lisa da. 2020. “O cotidiano da Covid-19 no olhar de mulheres negras cearenses”. Pontourbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP , n. 27, ago.-dez. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/9203 . Acesso em 28/12/2020.
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), de maneira que a implementação do Auxílio Emergencial, neste aspecto, segue elementos considerados adequados por ações sociais e políticas anteriores.

Julia,5 5 Avaliando que algumas informações apresentadas neste artigo são sensíveis e consideradas íntimas, optei por modificar os nomes e também por omitir ou embaralhar certos elementos biográficos como medida efetiva de anonimato. interlocutora da pesquisa, uma mulher negra na faixa dos 30 anos, mãe de mais de seis crianças, foi automaticamente inscrita no Auxílio Emergencial, em vista do seu cadastro ativo no Programa Bolsa Família. Julia acessou o benefício na modalidade “cota dupla” e os R$ 1.200 mensais se somaram ao salário do companheiro, com quem não é casada civilmente. Ainda assim, quase não foi possível arcar com as despesas da família já numerosa, à qual em determinado momento se somou a mãe de Julia, que não teve como se manter no início da pandemia. Fátima, a mãe de Julia, tem mais de 50 anos e está desempregada. Em anos anteriores, ela havia trabalhado como empregada doméstica e como funcionária terceirizada de uma firma de limpeza. Desempregada, imediatamente antes da pandemia, ela vendia refeições que ela mesmo prepara em feiras, que foram suspensas. Com isso, Fátima teria direito ao benefício, mas estaria no último grupo de prioridades estipuladas pelo governo. Sem outras fontes de renda, até que recebesse, foi viver com a filha, o genro e os netos.

O auxílio emergencial recebido por Julia foi utilizado, ao longo dos meses, como o Bolsa Família: para comprar comida. No entanto, a parte mais valorizada da alimentação (carne, frango e peixe) é considerada responsabilidade de seu companheiro.6 6 Heredia (1979) analisa como os alimentos são colocados em uma escala de valor e de hierarquia - e em especial, hierarquia de gênero. Em sua pesquisa, alimentos produzidos pelas mulheres, como verduras e legumes, apesar de frequentes no prato de cada dia, eram considerados “complementos” e não a parte central da alimentação, que eram carnes de animais. Durante os primeiros meses de pandemia, Julia se sentiu aliviada por não estar sobrecarregando financeiramente seu companheiro, já que, além do Auxílio Emergencial, ela recebeu cestas básicas doadas por movimentos sociais da região. Contudo, por volta do terceiro mês do pagamento, a situação alcançou níveis críticos de insegurança alimentar. O adoecimento de quase toda a família e o consequente gasto com medicamentos e outros insumos, a escassez absoluta de serviços de faxina (para ela) e de construção civil (para seu companheiro), o gasto extra decorrente da presença da mãe e da subida de preços tornaram a situação insustentável. Nesse contexto, Julia se desesperou com a possibilidade de encerramento das parcelas do Auxílio Emergencial. Segundo o Boletim da Rede de Pesquisa Solidária, entre março e julho de 2020, a renda média das famílias brasileiras caiu 40% menos do que teria caído sem o Auxílio Emergencial. A política foi responsável por evitar que a taxa de pobreza alcançasse 30% (Rede de Pesquisa Solidária 2020:1-2REDE DE PESQUISA SOLIDÁRIA. 2020. “Covid-19: Políticas Públicas e as respostas da sociedade”, Boletim n. 17, jul. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-17/a-fome-persiste-nas-comunidades-ao-lado-do-aumento-de-novas-dimensoes-da-violencia-a-descrenca-nas-decisoes-de-flexibilizacao-do-distanciamento-fisico-dificulta-a-contencao-da-pandemia/ . Acesso em 31/03/2021.
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).

Julia considera o Auxílio Emergencial como uma “ajuda”, assim como o Bolsa Família. No âmbito das discussões sobre Estado e gênero conduzidas especialmente por autoras feministas, Wendy Brown (1992BROWN, Wendy. 1992. “Finding the man in the state”. Feminist Studies, 18 (1):7-34.) critica o que considera como “papel provedor” desempenhado pelo Estado a partir das políticas sociais. Para a autora, por meio de políticas garantidoras de “mínimos sociais”, as principais pessoas assistidas por essas políticas - as mulheres - são postas em relação de dependência de uma estrutura que é masculina, dominadora, reguladora e disciplinadora. No entanto, o entendimento de Julia de que os benefícios assistenciais são uma “ajuda” não significa que ela não os considere, ao mesmo tempo, como algo “justo” e como seu “direito”.

Durante os cinco meses em que recebeu o Auxílio Emergencial, Julia teve a mesma renda do companheiro. No entanto, ele continuou sendo o responsável pelas principais despesas. Além da alimentação, Julia pagou algumas contas (de energia, internet) - “ajudando” o marido - e utilizou parte do dinheiro para comprar uma geladeira, pois estava há dois meses sem esse eletrodoméstico. Com isso, ela não tinha como armazenar alimentos frescos e era preciso ir à casa da vizinha, várias vezes por dia, para pegar água gelada. Assim, por mais que certas aquisições pareçam - e sejam - fundamentais, a vida seguiria sem elas, ainda que de forma muito mais difícil. Menos do que produzir nas beneficiárias a sensação de inferioridade, dependência ou subordinação, o dinheiro de um benefício - transitório ou emergencial - é incorporado à diversidade dos “arranjos” (Fazzioni 2020FAZZIONI, Natália. 2020. “O que podemos aprender sobre “cuidado” com a epidemia do coronavírus. Laboratório de Etnografias e Interfaces do Conhecimento - LEIC, 5 de abril. Disponível em: Disponível em: https://leicufrj.wordpress.com/2020/04/05/o-que-podemos-aprender-sobre-cuidado-com-a-epidemia-de-corona-virus-por-natalia-fazzioni/ . Acesso em 31/03/2021.
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) por meio dos quais se torna possível administrar a escassez cotidiana que eventualmente assume proporções excepcionais. O dinheiro recebido em função do acesso a uma política pública é incorporado a outros fluxos de dinheiro, de reciprocidade e de relações, sendo mais um recurso que as pessoas possuem para se manter.

Alguns meses depois da aquisição da geladeira, Julia não teve como continuar pagando as parcelas do eletrodoméstico que havia adquirido por meio de um atravessador. Apesar de ter permanecido como beneficiária do Bolsa Família, o valor não foi suficiente para manter-se adimplente com as prestações. Com isso, o atravessador retirou o bem da sua casa e o revendeu. No momento, já são mais de nove meses que Julia está novamente sem o refrigerador, reforçando o argumento apresentado anteriormente: valores recebidos por meio de políticas socioassistenciais, mesmo quando são destinados a gastos absolutamente fundamentais, não são capazes, em si mesmos, de produzir dependência, submissão, humilhação e subordinação porque, mesmo sem eles, a vida segue. Com isso, não pretendo dizer que seguir com a vida e se sentir humilhada sejam dimensões incompatíveis. É possível seguir com a vida e, também, se sentir humilhada. O que argumento é que não é a condição de ser beneficiária de um programa socioassistencial que gera subordinação ou humilhação. São as interações assimétricas (principalmente com patrões, com funcionários dos serviços públicos que acessam) que são vivenciadas e referidas como incômodas, constrangedoras e, eventualmente, humilhantes, e por isso se busca reagir a elas, ou mesmo evitá-las.

No caso de Julia, a percepção de que o benefício é “justo” e um “direito” está relacionada tanto a noções mais amplas sobre justiça social quanto ao conhecimento sobre direitos e deveres acumulados através da participação em movimentos sociais. Julia e sua mãe integram alguns dos mais importantes movimentos sociais na região, envolvem-se em ações beneficentes (como organização e distribuição de cestas básicas, durante a pandemia, mas também antes disso), participam de ações comunitárias e movimentos culturais, e Fátima é filiada a um partido de esquerda tradicional na cidade. Apesar da pouca escolaridade - Julia não concluiu o Ensino Fundamental e Fátima concluiu, há poucos anos, o Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) - ambas são referências, em seus círculos de vizinhança e amizade, para questões de acesso a serviços públicos e direitos, atuando como mediadoras. A atuação política de mãe e filha, sem dúvida, representa uma singularidade em relação às outras famílias que serão trabalhadas adiante, o que, por sua vez, modela as expectativas que se constroem sobre serviços públicos, de forma bastante prática, e sobre as representações de Estado, de maneira mais ampla.

Julia não precisou realizar nenhuma burocracia para receber o Auxílio Emergencial por ser beneficiária do Bolsa Família. Mas, como já foi mencionado, ela precisou aprender a gerir o sistema disponibilizado pelo governo federal para ajudar pessoas próximas, resultado das redes em que está envolvida, a partir das quais recebe apoio, mas também oferece. Da forma como o Auxílio Emergencial foi planejado, para solicitar o benefício, o cidadão precisava ter acesso à conexão à internet através de computador ou smartphone com capacidade de armazenamento e processamento suficiente para rodar o aplicativo desenvolvido pelo governo federal. Dispositivos eletrônicos e conexão à internet não são bens e serviços acessíveis a todos, especialmente se considerarmos os níveis de desigualdade digital em um país como o Brasil (Parreiras & Macedo 2020PARREIRAS, Carolina & MACEDO, Renata. 2020. “Desigualdades digitais e educação: breves inquietações pandêmicas. Boletim Cientistas Sociais e o Coronavírus, 36. Disponível em: Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/publicacoes-sp-2056165036/boletim-cientistas-sociais/2350-boletim-n-36-cientistas-sociais-e-o-coronavirus . Acesso em 10/12/2020.
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). Além disso, no momento do cadastro, foi necessário informar uma conta bancária, o que nem todos possuem, e caso a opção fosse por abrir uma conta para recebimento, novas exigências e novos campos de informação se apresentavam. A imprecisão do alerta após inseridos os dados bancários - “Caso exista saldo negativo ou débito programado nesta conta, o lançamento do auxílio pode ser utilizado para quitação” - provocou receio e confusão.

Com isso, empréstimos de dispositivos eletrônicos, deslocamentos para onde há sinal de 3G/4G ou wi-fi e também o compartilhamento de contas bancárias foram práticas recorrentes para acessar o Auxílio Emergencial, mesmo quando o isolamento social era a recomendação máxima. Nesse sentido, o cenário etnografado por Scott (2020SCOTT, Parry. 2020. “Cuidados, mobilidade e poder num contexto de epidemia: relações familiares e espaços de negociação”. Mana, 26 (3):1-34.), a respeito das mobilidades que se fazem necessárias no cotidiano do cuidado entre as mães de crianças com a Síndrome Congênita do Zyka (SCZ), apresenta conexões com as formas de cuidado que se fizeram necessárias durante a pandemia da Covid-19. Não só instituições de saúde aparecem nos itinerários terapêuticos das mães com suas crianças, mas também todo um circuito burocrático, administrativo, familiar etc.

Estudos recentes sobre efeitos da Covid-19 sobre populações vulneráveis têm apontado as dificuldades estruturais para a concretização das medidas de distanciamento e isolamento social em favelas e periferias, seja em função dos espaços diminutos (Parreiras 2020PARREIRAS, Carolina. 2020. “The Covid-19 Pandemic and the Reconfigurations of Domestic Space in Favelas. Brief Reflections on Intimacies and Precariousness”. Anthropology in Action, 28 (1):52-56.; Mattar & Azize 2020MATTAR, Viviane & AZIZE, Rogério. 2020. “Distanciamento comunitário? Perspectivas sobre Covid-19, favela e transferência de renda”. INCT Brasil Plural. Disponível em: Disponível em: https://brasilplural.paginas.ufsc.br/antropologia-na-pandemia/distanciamento-comunitario-perspectivas-sobre-covid-19-favela-e-transferencia-de-renda/ . Acesso em 31/03/2021.
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), seja em função das obrigações de trabalho (Medeiros & Anjos 2020MEDEIROS, Flavia & ANJOS, Priscila dos. 2020. “Doença, violências e racismo: a pandemia do novo coronavírus em Florianópolis/SC”. Pontourbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 27 ago-dez. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/9502 . Acesso em 04/01/2021.
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). Faustino (2020FAUSTINO, Deivison. 2020. O Coronavírus e a quarentena que não chega na periferia: o que fazer? Disponível em: <Disponível em: http://deivisonnkosi.kilombagem.net.br/artigos/saude/corona-virus-mas-e-se-a-sua-quarentena-nao-chegar-na-periferia-o-que-fazer/ >. Acesso em 04/01/2021.
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) apresenta o argumento provocativo de que “a quarentena não chega na periferia”, afirmando que a gestão da pandemia é uma forma de necropolítica de classe e raça, uma vez que a principal recomendação das autoridades mundiais de saúde - o isolamento social - não pode ser cumprido pela parcela pobre e negra da população (Faustino 2020). No caso de Julia, não foram as demandas de trabalho que dificultaram o cumprimento das medidas de isolamento social, mas sim a necessidade de ajudar familiares e parentes. Assim, quando perguntada sobre o que havia feito nos últimos 15 dias, a resposta mais recorrente de Julia era “eu não saio mais de casa, fico só dentro de casa mesmo”. Mas mais adiante, quando perguntada sobre ter ajudado alguém, as respostas eram “fui levar [de moto] a minha sogra para o trabalho”, “fui na casa da mãe levar marmita”, “fui na casa da tia pegar bolo pros meninos”, “fui ajudar meu irmão com o aplicativo da Caixa”, “fui ajudar na entrega de cesta básica”.

A dedicação de tempo, atenção e, em alguns casos, dinheiro para resolver questões burocráticas para amigos e familiares não costuma ser considerada como parte das ações de cuidado realizadas pelas mulheres nas pesquisas sobre o tema do cuidado. Embora as contribuições para este tema estejam, de muitas maneiras, relacionadas a reflexões sobre Estado e políticas públicas, as discussões costumam ser feitas a partir de serviços de saúde e etnografam, em particular, o cuidado dispensado a crianças, idosos e pessoas com deficiência (Bonet 2006BONET, Octavio. 2006. “Educação em saúde, cuidado e integralidade. De fatos sociais totais e éticas”. In: R. Pinheiro & R. A. Mattos (orgs.), Cuidado: as fronteiras da Integralidade. Rio de Janeiro: Cepesc/Uerj, Abrasco. pp. 281-294.; Han 2012HAN, Clara. 2012. Life in Debt. Times of Care and Violence in Neoliberal Chile. Los Angeles, Berkeley, London: University of California Press.; Hirata & Guimarães 2012HIRATA, Helena & GUIMARÃES, Nadya. 2012. Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas.; Fazzioni 2017FAZZIONI, Natália. 2017. “Viver, nascer e morrer no complexo do Alemão: entre violências e cuidados”. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s World Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis. pp. 1-12.; Fernandes 2017FERNANDES, Camila. 2017. Figuras da causação: sexualidade feminina, reprodução e acusações no discurso popular e nas políticas de Estado. Tese de Doutorado em Antropologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; Pierobon 2018PIEROBON, Camila. 2018. Tempos que duram, lutas que não acabam: o cotidiano de Leonor e sua ética de combate. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; Longhi 2018LONGHI, Marcia. 2018. “Cuidado, velhice, gênero e deficiência social: algumas reflexões”. Revista Anthropológicas, 29 (2):28-48.; Parreiras 2020PARREIRAS, Carolina. 2020. “The Covid-19 Pandemic and the Reconfigurations of Domestic Space in Favelas. Brief Reflections on Intimacies and Precariousness”. Anthropology in Action, 28 (1):52-56., entre outros). Esse conjunto de autoras e autores, além das contribuições específicas, aponta para dimensões que relacionam cuidado e trabalho, afirmando a invisibilidade das atividades não remuneradas exercidas sobretudo por mulheres no contexto das relações familiares e, eventualmente, fora delas. Afirma também, seguindo as considerações de Tronto (1993TRONTO, Joan. 1993. Moral Boundaries: a political argument for an ethic of care. New York: Routledge.) e Mol, Mose e Pols (2010MOL, Annemarie; MOSE, Ingunn & POLS, Jeannette. 2010. Care in Practice: on tinkering in clinics, homes and farms. Amsterdam: Transcripts.), a necessidade do reconhecimento do cuidado enquanto um dever social e público, que não pode ser negligenciado como função de Estado, sob o risco de acentuar desigualdades e fragilizar direitos.

Apesar de estar de acordo com essas observações, considero que existem outras dimensões implicadas no cuidado que extrapolam o âmbito do doméstico e que são produzidas a partir de exigências provenientes da própria administração pública. Considero que resolver, ajudar ou acompanhar a resolução de dificuldades que envolvem setores diversos como bancos, serviços de assistência social, justiça eleitoral, órgão previdenciário, os quais exigem, para tanto, a interação com agentes do Estado, de forma presencial ou mediada pela tecnologia, representa uma prática de cuidado constitutiva do cotidiano das mulheres, inclusive (ou sobretudo) das mulheres negras moradoras de periferias. Exercer práticas de cuidado com essas feições tem colocado mulheres em situações de “encontro com o Estado” (Sharma & Gupta 2006SHARMA, Aradhana & GUPTA, Akhil. 2006. “Introduction: Rethinking Theories of the State in an Age of Globalization”. In.: SHARMA, Aradhana & GUPTA, Akhil, The Anthropology of the State: a reader. Oxford: Blackwell Publishing. pp. 1-42.) em intensidade e frequência talvez ainda subestimada por estudos realizados na interface entre gênero e Estado. A contínua interação das mulheres junto a serviços e setores da administração pública permite realizar o que Sharma e Gupta (2006) consideraram como uma análise sobre a “constituição cultural do Estado”, ou seja, as formas como as pessoas percebem o Estado e como o Estado se manifesta em suas vidas (:11). Além disso, no que se refere às interlocutoras da pesquisa, Julia e sua mãe, Fátima, recorrentemente são chamadas a atuar na mediação entre suas conhecidas e serviços públicos, o que intensifica ainda mais o contato com serviços e órgãos públicos.

A experiência de Julia junto aos setores e serviços públicos mostra que “ajudar” as pessoas a resolverem suas questões requer tempo e paciência, mas é fundamental reivindicar direitos, cobrar bom atendimento e melhorias, ainda que algumas vezes, devido à urgência de certas demandas (como medicamentos indisponíveis no posto de saúde, por exemplo), não seja possível esperar e cobrar. Em maio de 2020, quando órgãos públicos haviam suspendido os atendimentos presenciais e o Auxílio Emergencial ainda não estava sendo pago, as percepções e os cálculos de Fátima foram os seguintes:

[...] o problema é essa pandemia, né? Se não a gente já tinha feito outras coisas pra cobrar [o poder público], uma passeata, por exemplo. Já teríamos ido na Defensoria cobrar assistência às famílias necessitadas. Mas, nesse caso, a gente tem tido que avaliar muito bem se fica nessa frente de cobrar o que é de direito, mas correndo o risco de se expor, expor nossas famílias e expor outras pessoas, ou se a gente faz algo como o que a gente tem feito que é a vakinha virtual e a distribuição de cesta básica, que atende mais imediatamente o povo. Só que nos dois casos a gente se expõe, né?

A seguir, daremos continuidade a esse debate a partir das experiências de Antonia e Fabiana, mãe e filha que evitam utilizar serviços públicos, e como essa posição foi modulada em tempos de pandemia.

Evitando setores e serviços públicos

Fabiana está na faixa de idade entre 40 e 50 anos, é mãe de um filho adulto com deficiência, que vive sob os constantes cuidados de sua mãe, Antonia, uma idosa por volta dos 70 anos. Fabiana considera a casa da sua mãe como sua casa, mas passa longos períodos na zona rural, junto à filha e ao neto que vivem na propriedade da família do seu ex-companheiro. Fabiana vive do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que recebe na qualidade de responsável pelo filho. Sua mãe também recebe um BPC por ser idosa sem contribuição previdenciária suficiente para aposentadoria. Nessa família, filha, mãe e neto dificilmente recorrem a serviços públicos, seja de saúde, seja de assistência social, ou de qualquer outro tipo. Antonia cuida da saúde com chás e ervas que planta em seu quintal, mas em caso de algum mal-estar ou doença mais grave, ela prefere adquirir medicamentos recomendados pelos funcionários das farmácias a se consultar no posto de saúde. Em casos mais graves, ela busca consultórios populares ou recorre à mediação de algum político, mas não para conseguir uma consulta em serviços públicos, mas sim para uma consulta particular. Da mesma maneira, o neto, que tem paralisia cerebral severa que o impede de falar e de se locomover, não frequenta serviços de fisioterapia, fonoaudiologia ou similares. Como ele está sob os cuidados da avó, ela também o medica quando identifica nele algum sintoma. Apesar de receberem o Benefício de Prestação Continuada, mãe e filha não o consideram como um benefício socioassistencial. Não por acaso, se referem a ele como “aposentadoria”.

Para Antonia, a situação da sua família piorou durante a pandemia, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista psicossocial. Como Antonia cultiva alguns itens no seu quintal - frutas, verduras e ervas -, ela costumava ser procurada por vizinhos interessados em adquirir alguns desses alimentos. Contudo, manter as vendas foi incompatível com a necessidade de proteger o neto de 28 anos que precisa ficar sentado na frente da casa, para “se distrair” com o movimento da rua. Antonia relata que muitas pessoas têm o costume de “pegar na mão do especial, dar beijo no rosto do especial”, o que é uma atitude de risco no contexto da pandemia. Temendo isso, informou que não realizaria vendas nos próximos meses, fechou a grade da porta e colocou o neto para dentro. Além disso, os deslocamentos frequentes da filha entre a zona rural e a cidade preocupavam Antonia. Por um lado, ela necessitava da ajuda da filha, já que era preciso ter sempre alguém acompanhando o neto. Por outro lado, Antonia considerava que o deslocamento por meio de ônibus, lotações e mototáxis poderia levar o vírus para a casa da família.

Em novembro de 2020, Antonia soube por conhecidos que seu ex-marido, pai da sua filha, estava com a saúde bastante debilitada. Apesar dos pedidos da filha para que ele fosse morar mais perto da mãe, ele insistia em morar cada vez mais longe, inclusive mudando de endereço sem comunicá-la. Segundo Antonia, a bebida sempre foi um problema para seu ex-marido, tendo sido também este o motivo da separação dos dois, há mais de vinte anos. Desde então, ele passou a viver sozinho e a evitar o contato com familiares. Por telefone, Antonia informou à filha que ela precisaria ir até a cidade ver o pai. Fabiana foi às pressas e não encontrou o pai em casa. Buscando informações com vizinhos e pessoas próximas, soube que ele tinha ido sozinho a uma unidade de saúde. O pai de Fabiana tinha “coração grande” e eventualmente ficava internado para se recuperar de cansaço, dor no peito, falta de ar. Dessa vez, contudo, após alguns dias de internação, seu pai faleceu.

Fabiana, sozinha, teve que “fazer o enterro do pai”, o que significou, considerando as determinações relacionadas à Covid-19 então vigentes, não ter velório e “não ter em quem se apoiar”. Presencialmente, Fabiana tinha sua filha, já que uma única pessoa da família poderia acompanhá-la. Por telefone, ela se comunicava com a mãe, que estava em casa cuidando do neto e do bisneto, filho dessa filha que acompanhava Fabiana. Em contato com a mãe e com a filha, mas sozinha, Fabiana decidia como proceder em meio às questões práticas e burocráticas que envolvem enterrar uma pessoa - reconhecer o corpo, receber a declaração de óbito, contratar uma funerária, escolher caixão, separar uma roupa (com ou sem sapatos?), receber e entregar a guia de sepultamento, acompanhar o enterro, assinar papéis, emitir a certidão de óbito, entre outras coisas. Antonia não tinha certeza, mas achava que poderia conseguir o custeio das despesas do funeral junto ao Centro de Assistência Social (Cras). No entanto, há dois anos, Antonia contratara o “serviço funeral” de uma concessionária privada. Ela paga mensalmente a quantia de R$ 15 e, com isso, “teve direito” ao sepultamento de seu ex-marido, com quem ainda era casada civilmente.

Como foi mencionado, Antonia e Fabiana preferem evitar recorrer a serviços públicos, apesar de receberem um benefício social. No que se refere ao enterro do pai de Fabiana, segundo Antonia, “foi um alívio não ter que correr atrás de Cras para poder ajudar a enterrar”. Uma vez mais, a representação entre serviços e direitos promovidos pelo Estado aparece como “ajuda”, o que reforça o caráter prescindível e contornável do que se obtém por meio de serviços públicos, especialmente como neste caso, quando se pode pagar pelo que se necessita. Antonia e Fabiana recusam serviços públicos, em parte, por não estarem suficientemente informadas sobre procedimentos, direitos e requisitos, também por não contarem como mediadoras como Julia; em parte, por considerarem que os serviços públicos são de má qualidade, insuficientes e difíceis de serem acessados. Lipsky (1980LIPSKY, Michael. 1980. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. Nova York: Russell Sage Foundation.), em seus estudos sobre a chamada “burocracia do nível do chão” (street level bureaucracy), afirma que a centralidade da interação entre as pessoas e os agentes públicos é decisiva na avaliação que os primeiros fazem sobre serviços prestados pelos últimos. Para este autor, um atendimento considerado ineficiente, displicente ou desatencioso tem mais impacto sobre uma política ou um serviço do que seus princípios e fundamentos. Em abordagem inspirada pelos estudos de Lipsky, Zacka (2017ZACKA, Bernardo. 2017. When state meets the streets: public service and moral agency. Cambridge, MA and London: Harvard University Press.) afirma que "como alguém é tratado é tão crucial quanto o que recebe" (Zacka 2017:9ZACKA, Bernardo. 2017. When state meets the streets: public service and moral agency. Cambridge, MA and London: Harvard University Press.).

O que conformou a decisão de Antonia de evitar serviços públicos - e recomendar que as pessoas também não o utilizem - foi uma “situação desagradável” experienciada anos atrás. Em 2016, o neto de Antonia estava agitado e com febre e, por isso, ela o levou ao posto de saúde. Após muito esperarem, foram vistos por uma “médica cubana” que, segundo Antonia, sequer “olhou” seu neto, informando que aquela unidade não tinha estrutura para atendê-lo e orientando que fossem ao hospital. Era perto de meio-dia, o sol estava quente, o neto é um adulto e não possui cadeira de rodas. A avó depende de ajuda para chamar um carro, seja táxi, seja carro de aplicativo, depende da boa vontade do motorista de querer transportá-los, da atenção dos porteiros ou de outras pessoas nos locais para onde eles vão. Nesse dia, após não terem sido atendidos, Antonia e o neto não foram ao hospital, conforme havia sido recomendado, mas retornaram para casa. Antonia administrou Diclofenaco, um medidamento que havia sido sugerido por um funcionário da farmácia em ocasião anterior. Em três dias, o neto melhorou. Antonia utiliza reiteradamente esse acontecimento para justificar a sua escolha por não buscar serviços de saúde e de outros tipos. Também, a partir dessa situação, Antonia passou a recorrer frequentemente ao Diclofenaco para toda sorte de mal-estares que experimenta em seu corpo ou no corpo do neto.7 7 Ver Das (2020) para um debate sobre a dor que pode ser sentida no corpo de outro. Em certa ocasião, Antonia afirmou: “Pra mim é Deus e o Diclofenaco! Resolve tudo!”.

Para Antonia, precisar contar com serviços públicos é estar submetida a esperas, atendimentos ruins e arbitrariedades. Em suas palavras, “humilhações”. Seguindo as propostas de Díaz-Benítez, Gadelha e Rangel (2021DÍAZ-BENÍTEZ, María Elvira; GADELHA, Kaciano & RANGEL, Everton. 2021. “Nojo, humilhação e desprezo: uma antropologia das emoções hostis e da hierarquia social”. Anuário Antropológico, 46 (3):10-29.), nojo, humilhação e desprezo, apesar das diferenças existentes entre si, estão articulados pelos diversos marcadores sociais da diferença. Assim, é possível compreender as situações referidas pelas interlocutoras da pesquisa enquanto “humilhações” como caminhos para a compreensão das gramáticas do racismo (:12) e de hierarquias de gênero e de classe de maneira geral. No caso de Antonia e Fabiana, agrega-se também o capacitismo. Na visão de Antonia, as situações referidas como “humilhações” são incompreensíveis: por que tanta espera para algo que é de direito? A dimensão da espera - e mais do que isso, da “paciência” necessária para acessar certos direitos - foi abordada pelo estudo de Auyero (2016AUYERO, Javier. 2016. Pacientes del Estado. Buenos Aires: Eudeba.) como aspecto relevante para a dominação que, segundo ele, seria o que caracterizaria a relação entre Estado e cidadãos. Para o autor, sujeitos de direitos são convertidos em “pacientes do Estado” através de técnicas cotidianas, como as longas filas, a transmissão de informações pouco precisas, as suspensões de atendimento sem aviso prévio etc. No entanto, as ações e as percepções de Antonia seriam um desafio às perspectivas do autor: ao mesmo tempo em que há crítica e há incômodo com o seu tratamento como “esperante”, não há protesto, não há denúncia, não há base para reivindicações coletivas; apenas há a desistência de atendimentos, serviços, direitos, o que em tese até pode vir a fortalecer os princípios - e também as ficções - do Estado neoliberal privatista. A contratação de um plano funerário é um exemplo disto.

Hoag (2011HOAG, Colin. 2011. “Assembling Partial Perspectives: Thoughts on the Anthropology of Bureaucracy”. Polar: Political and Legal Anthropology Review, v. 34 (1):81-94.) tece outras considerações a respeito da “experiência do tempo” junto a serviços públicos. Embora Auyero (2016AUYERO, Javier. 2016. Pacientes del Estado. Buenos Aires: Eudeba.) e Hoag (2011HOAG, Colin. 2011. “Assembling Partial Perspectives: Thoughts on the Anthropology of Bureaucracy”. Polar: Political and Legal Anthropology Review, v. 34 (1):81-94.) concordem que a relação entre tempo e práticas de Estado é tão fundamental quanto pouco analisada, para o último autor, a experiência das pessoas com serviços públicos deve ser compreendida como um processo nem sempre previsível no que se refere às possíveis reações emocionais que podem suscitar nas pessoas. Aqui, a partir de Antonia, o sentimento foi de “humilhação” e a decisão resultou em recusa e evitação de certos serviços públicos. Mas Hoag (2011HOAG, Colin. 2011. “Assembling Partial Perspectives: Thoughts on the Anthropology of Bureaucracy”. Polar: Political and Legal Anthropology Review, v. 34 (1):81-94.) afirma que a espera pode ser uma experiência de esperança e crença compartilhada (entre burocrata e cidadão) em vista de toda a indeterminação que marca o processo, inclusive para aqueles que prestam os serviços. Nesse sentido, podemos compreender a recusa de Antonia em se envolver em formas de relação com setores do Estado também como a recusa de se envolver em um tipo de aposta futura, em uma forma de interação constante cujo resultado não necessariamente será negativo, mas imprevisível. Antonia não tem esperança quanto a ter suas demandas atendidas em serviços públicos.

Em tempos de pandemia, o incômodo com a demora, com as filas e com a espera, que Antonia associa ao serviço público, sustentou a recusa, agora ainda mais justificada, de recorrer a órgãos públicos. Foi com horror que Antonia comentou que viu, pela televisão, mas também pelas ruas de sua cidade, a “multidão de pessoas” na Caixa Econômica e no INSS, em busca do Auxílio Emergencial. Determinados lugares, entre os quais sedes de certos serviços públicos, passaram a ser vistos como “perigosos e pestilentos” (Fernandes 2020FERNANDES, Adriana. 2020. “Coronel Vírus chegou. Notas etnográficas sobre a Covid-19: entre vulnerabilizados da cidade do Rio de Janeiro”. Sexualidade, Saúde e Sociedade: revista latino-americana, 35:7-34. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ SexualidadSaludySociedad/article/view/51782/35135 . Acesso em 15/12/2020.
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) em função da aglomeração que se organiza ao seu redor, mas também em razão das percepções sobre aqueles que ocupam tais espaços. Segundo Gonçales (2021GONÇALES, Nathalia Ferreira. 2021. “Um passado mal-acabado: políticas de rebaixamento étnico-racial da população cigana”. Anuário Antropológico , 46 (3):130-148.), são os atos de baixa espetacularidade, as pequenas e contínuas inviabilizações da vida, ou seja, o governo cotidiano dos “vulneráveis”, que revelam o racismo de Estado não em sua função de matar, mas de “fazer viver no rebaixamento” (:147).

Nos primeiros meses de pandemia, mais do que nunca, Antonia praticou a automedicação e considerou-a uma medida eficaz de proteção. Em sua visão, qualquer coisa era melhor do que ir a uma unidade de saúde em tempos de Covid-19. Como na pesquisa de Han (2012HAN, Clara. 2012. Life in Debt. Times of Care and Violence in Neoliberal Chile. Los Angeles, Berkeley, London: University of California Press.), a automedicação de Antonia está profundamente imbricada na constituição de noções básicas do “eu”, como autonomia, autocuidado e algum tipo de informação. Acompanhar a dinâmica de automedicação dentro de redes de parentesco e de afeto significa explorar formas domésticas complexas que envolvem práticas de cuidado e de abandono, que podem ser polêmicas e capazes de originar conflitos. No caso de Antonia, o repertório de medicamentos utilizados - para si e para o neto - foi ampliado a partir do recebimento de mensagens sobre fármacos falsamente preventivos da Covid-19 que tiveram circulação na internet, as quais recebeu por intermédio da filha (Antonia não usa redes sociais ou aplicativo de mensagens).

As decisões e as representações sobre setores do Estado compartilhadas por Antonia e Fabiana reforçam as discussões da seção anterior a respeito da forma pouco relevante com que os sujeitos são afetados por receberem um benefício assistencial. No entanto, o caso de Antonia coloca para nós alguns elementos capazes de complexificar esse debate: ainda que não haja sentimento de dependência e de subordinação em relação a órgãos do governo e seus funcionários no que se refere ao recebimento do BPC, outras situações, sim, seriam capazes de produzir experiências, interações e vínculos ruins, como realizar uma consulta médica no posto de saúde, ou solicitar o “auxílio-funeral”. Assim, possivelmente pela dimensão “continuada” do benefício que recebe mensalmente - o qual, vale repetir, é referido como “aposentadoria” - Antonia se sente segura e livre das situações de interações com agentes públicos que impõem a espera, a comprovação, a explicação. A pandemia da Covid-19, para Antonia, agravou serviços e procedimentos burocráticos que já eram considerados ruins. Além de morosos e invasivos, passaram a ser perigosos pelo risco de contaminação. Não estar sujeita a eles, como ela acredita não estar, é parte do seu trabalho cotidiano de manutenção da vida.

Ter um filho preso em tempos de pandemia

Em um dia de abril de 2020, antes das 7 horas da manhã, policiais civis da delegacia de Altamira foram à casa de Bruna, uma mulher negra na faixa dos 30 anos, para efetivar o mandado de busca e apreensão relacionado ao processo criminal no qual um de seus filhos figura como um dos autores. Nos registros policiais, constavam dois endereços como do rapaz: o da mãe e o da avó, mas ele já não residia com elas. Segundo Bruna, na ocasião da busca e apreensão, os policiais se identificaram e apresentaram documento que ela não conseguiu ver, por estar muito nervosa, mas entendeu ser a autorização judicial para entrarem em sua casa. Ela e seu companheiro permitiram o acesso. Os policiais se dirigiram aos quartos e reviraram gavetas, móveis, roupas. Os policiais entraram de sapato e estavam usando luvas e máscaras de proteção contra a Covid-19, de modo que não foi possível enxergar seus rostos. Havia crianças dormindo e a preocupação de Bruna era que elas acordassem e presenciassem o que estava ocorrendo. Após a saída dos policiais, antes mesmo que pudesse recuperar a calma, Bruna soube que a casa de sua mãe também havia sido alvo de busca e apreensão. Em ambas as residências não foram encontrados quaisquer objetos ilícitos.

A ação suscitou sentimentos como medo, insegurança e humilhação. Bruna trabalha com faxinas e “faz “cabelo e sobrancelha”, mas no momento estava sem desempenhar essas atividades. Para Bruna, nada garantia que os policiais não fossem forjar a apreensão de drogas e armas em sua casa. A relação entre ações consideradas desproporcionais e a forma de operação burocrática que se mostra pouco compreensível pelas pessoas às quais são direcionadas medidas violentas (nesses casos, em geral desempenhadas pelas forças policiais) foram analisadas por Auyero (2016AUYERO, Javier. 2016. Pacientes del Estado. Buenos Aires: Eudeba.) a partir dos atos de despejo por reintegração de posse ocorridos na periferia de Buenos Aires, na Argentina. Essas ações, respaldadas pela lei apesar de violentas e desproporcionais, são descritas pelo autor como os “punhos visíveis” do Estado (:69). Para Bruna, a violência da ação dos agentes da lei em sua casa passa menos pela violência explícita e mais pela assimetria de posições: ela, recém-acordada e de roupa de dormir, “desarrumada”, eles, uniformizados; ela e sua família expostos à contaminação pelo vírus da Covid-19, os policiais de máscaras, sapatos, luvas, farda.

A partir da noção foucaultiana de “gestão diferencial dos ilegalismos”, Telles e Hirata (2010TELLES, Vera & HIRATA, Daniel Veloso. 2010. “Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo”. Tempo Social, v. 22 (2):39-59, dez. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702010000200003 . Acesso em 31/03/2021.
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) analisam as formas de transitividade entre o legal e o ilegal. Como os autores demonstram, os ilegalismos não são imperfeições ou lacunas na lei, mas componentes do poder que permitem a manipulação dos limites da tolerância, formas de impor ou aliviar a pressão (:41). No caso em análise, a ação policial não foi ilegal. Bruna não questiona a legalidade da ação porque “viu” (mas não leu) um papel no qual possivelmente estaria a autorização para entrarem e realizarem buscas em sua casa, mas questiona a necessidade e a proporção do procedimento. Como nas situações analisadas por Teles e Hirata (2010), estiveram em disputa os sentidos da lei (ainda que não da legalidade), da justiça e da ordem (:42).

Nessa situação, Bruna se sentiu humilhada. Para ela, a humilhação teve tanto a ver com a interação com agentes do Estado quanto com outras pessoas - os vizinhos. O que eles iriam pensar dela, do seu filho, da sua família? No que se refere aos policiais, a humilhação resultou de ter sido colocada em um lugar de suspeição, representado pela figura da mãe/familiar de bandido, conforme explorado no trabalho de Vianna e Farias (2011VIANNA, Adriana & FARIAS, Juliana. 2011. “A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional”. Cadernos Pagu, v. 37:79-116.). A percepção da desproporcionalidade da ação se mescla com dúvidas sobre procedimentos administrativos: onde e como a polícia obteve seu endereço, já que o filho não frequenta sua casa e nunca morou ali? Como é possível que a polícia exerça um ato como o de entrar na casa de uma família sem elementos suficientes que atestem qualquer ligação com ações criminosas? Segundo Bruna, qualquer vizinho ou informante saberia informar que o filho procurado pela polícia não frequentava a sua casa. Não teria havido, portanto, investigações? Seria tão fácil assim obter uma autorização para entrar e revirar a casa de uma família, mesmo quando medidas de distanciamento e isolamento social são exigidas da população em face da Covid-19?

Desde o início da pandemia, movimentos sociais, associações científicas e outros setores vêm se posicionando de forma crítica às ações policiais em espaços periféricos como favelas, ocupações e outros.8 8 Conferir as notas da Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia, disponível via: http://www.portal.abant.org.br/2020/05/25/nota-de-repudio-da-comissao-de-direitos-humanos-da-associacao-brasileira-de-antropologia-diante-as-operacoes-policiais-no-estado-do-rio-de-janeiro-durante-a-pandemia/ e a nota da Rede de Observatórios da Segurança, disponível via: http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Operac%CC%A7o%CC%83es-policiais-no-RJ-durante-a-pandemia.pdf Acesso em 07/01/2021. Apesar de as instituições de segurança terem implementado uma série de mudanças no manejo de papéis (digitalização de inquéritos, intensificação do serviço de “comunicação de ocorrência” via internet) e no atendimento ao público (reduzindo o expediente), as incursões policiais e outras práticas que impõem risco de vida a moradores de periferias não foram interrompidas. A proibição das operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, sequer foi plenamente cumprida (mas ainda assim os resultados iniciais foram avaliados como positivos, segundo Hirata, Grillo e Dirk (2020HIRATA, Daniel; GRILLO, Carolina & DIRK, Renato. 2020. “Apresentação ao relatório Operações Policiais e Ocorrências Criminais: por um debate público qualificado”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Reflexões na Pandemia, pp. 1-19.). Embora diferentes, esses temas não estão totalmente dissociados da experiência de ter tido a casa revirada, em tempos de pandemia, por agentes do Estado. A percepção de Bruna é a de que apenas algumas medidas de promoção do isolamento e distanciamento social foram implementadas e se voltam só a algumas pessoas, que não são “pobres” como ela. Pessoas como ela, que precisam se deslocar por diversas razões (entre as quais, procurar trabalho), não têm as comprovações aceitas (como carteira de trabalho assinada), mas podem ser submetidos a procedimentos que os colocam em risco.

No mesmo dia em que ocorreu a ação de busca e apreensão, o filho de Bruna foi preso em via pública, num bairro distante de onde os policiais haviam estado mais cedo. Assim que soube da prisão pelos meios de comunicação, Bruna foi à delegacia encontrar o filho. Ela não pôde conversar nem vê-lo, mas foi orientada a levar produtos de higiene pessoal para ele. Durante um mês, Bruna compareceu à delegacia para levar coisas ao filho. Nesse intervalo de tempo, Altamira esteve sob bloqueio total e Bruna assim se expressou quanto à necessidade de deslocamento em momentos de estrita vigilância:

Eu fico assim com medo de ter que sair para uma emergência, com meu filho, ou com a minha mãe, e ter que passar por alguma barreira e ter algum problema. Eles dizem que vão liberar quem precise ir fazer compras, itens essenciais, ou outras situações, né? Mas só pode uma pessoa da família. Se eu for parada, eu vou dizer que vou pra delegacia ver meu filho? Vão perguntar: mas o que teu filho tá fazendo lá? E outra: eu vou sozinha, sendo que pra mim é melhor, por questão até, assim, de segurança, ir com o meu esposo? Não sei.

Ao se referir a questões relativas à segurança (sua e de seu filho), Bruna aponta preocupações centrais para familiares de presos, como trabalhado por Lago (2019LAGO, Natália. 2019. Jornadas de visita e de luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese de Doutorado em Antropologia, Universidade de São Paulo.). Para a autora, a criminalização diz sobre corpos, intenções e presenças colocadas sob suspeita em situações cotidianas (:19). Quanto às visitas na delegacia, Bruna nunca soube se as coisas que levava para seu filho eram de fato entregues, pois não teve permissão para encontrá-lo. Após um mês levando alimentos, papel higiênico, creme dental e roupas limpas (sem nunca levar as sujas de volta), Bruna foi surpreendida com a notícia de que seu filho não estava mais lá. Ele havia sido transferido, mas não disseram para onde. Por meu intermédio,9 9 A longa relação de confiança que existe entre nós se desdobra, entre outras coisas, no pedido de Bruna para que eu obtivesse informações sobre seu filho junto à administração penitenciária do estado, ou seja, em relação às perspectivas sobre o cuidado que foram apontadas anteriormente, é interessante observar que também eu estou envolvida nas dinâmicas que posicionam mulheres em interação com burocracias e serviços do estado. Bruna soube para qual unidade penitenciária ocorrera a transferência - localizada em uma cidade distante, para onde ela nunca foi, não sabe como chegar e onde não tem parentes ou conhecidos. Desde então, Bruna expressa angústia por não poder visitar o filho, mas como isso seria possível em tais condições, ainda mais durante a pandemia?

Segundo Lago (2020LAGO, Natália. 2020. “Na ‘linha de frente’: Atuação política e solidariedade entre ‘familiares de presos’ em meio à Covid-19”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, pp. 1-9.), a indeterminação é um elemento que marca o trato entre familiares de presos e as instituições prisionais, algo que foi agravado durante a pandemia da Covid-19. Para a autora, as regras e os procedimentos cambiantes que estruturam o sistema prisional funcionam como “torturas ordinárias do cotidiano das visitas” (:2) que se infiltram na experiência das pessoas - especialmente mulheres - que acompanham e assistem a familiares presos. Essas dificuldades ou torturas, ainda segundo a autora, se intensificaram diante da suspensão das visitas em unidades penitenciárias como medida de contenção à Covid-19. Quando o filho de Bruna foi transferido para a unidade prisional, as visitas já estavam suspensas há quase dois meses. Cinco meses depois, foram reabertas, mas apenas visitantes previamente cadastrados no sistema da administração penitenciária puderam fazer parte do sorteio que definiu quem poderia exercer o direito de visita naquela unidade prisional. Até o momento, Bruna não pôde sequer cadastrar-se como visitante porque, apesar de o registro ser realizado via internet, na unidade onde seu filho se encontra, por ser do interior, a validação é feita presencialmente. Este serviço está suspenso, sem previsão de retorno.

Lago (2020LAGO, Natália. 2020. “Na ‘linha de frente’: Atuação política e solidariedade entre ‘familiares de presos’ em meio à Covid-19”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, pp. 1-9.) analisa que a suspensão das visitas foi medida rapidamente implementada pelas autoridades penitenciárias e o efeito foi menos a contenção da Covid-19 nos presídios e mais a criminalização das famílias dos presos, uma vez que as unidades estiveram fechadas ao fluxo de entrada e saída de mulheres que visitam seus filhos e companheiros, mas abertas ao trânsito de funcionários e de novos presos que ingressam nas unidades (:3). Apenas recentemente, Bruna e eu soubemos que a administração penitenciária tem realizado vídeo-chamadas com familiares, seguindo o que já havia sido adotado há meses em outros estados do Brasil. Nos registros da unidade, o número de Bruna estava errado e por isso a “visita virtual” que ocorreu antes do natal não foi realizada entre Bruna e o filho. Por telefone, a assistente social responsável pelo atendimento às famílias informou que corrigiria o número do telefone, mas seria necessário aguardar uma “segunda rodada”, o que ainda não aconteceu até o momento de finalização deste texto. Para Bruna, seu filho está sendo tratado como “lixo” e ela, como uma figura inexistente: “eles [administração penitenciária] querem fazer ele [o filho] acreditar que os familiares não estão com ele”. Desde dezembro de 2020, a unidade penitenciária onde está o filho de Bruna suspendeu novamente as visitas por ter havido contaminação de presos por Covid-19. Desde então, tento acesso a informações sobre o filho de Bruna e sobre a vídeo-chamada, sem qualquer sucesso.

Perspectivas finais

Considerando a pandemia da Covid-19 como um fenômeno marcado por questões de raça, gênero e classe social, Pimenta (2020PIMENTA, Denise. 2020. “Pandemia é coisa de mulher: breve ensaio sobre o enfrentamento de uma doença a partir das vozes e silenciamentos femininos dentro das casas, hospitais e na produção acadêmica”. Tessituras, v. 8, n. 5:8-19.) argumenta que as mulheres, mesmo quando não são maioria entre os mortos,10 10 Segundo pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais com dados do estado de Pernambuco (considerado o estado com mais transparência na divulgação dos dados relacionados à Covid-19), a letalidade dos homens é superior à das mulheres (55% contra 45%), embora entre os/as infectados/as a maioria seja de mulheres (56% contra 44%). Ver Dias (2020). são as vítimas preferenciais de uma crise sanitária. A autora, que realizou pesquisa sobre a epidemia do Ebola em Serra Leoa, afirma que, além de serem maioria dentre profissionais da saúde, as mulheres, e especialmente as mulheres pardas e pretas, são as cuidadoras no âmbito doméstico, responsáveis pela gestão da alimentação, da água, dos auxílios emergenciais do Estado, de doações de mantimentos e produtos de limpeza. Segundo a autora:

Geralmente, epidemias e pandemias afetam muito mais mulheres do que homens, visto que estas são as responsáveis pelo cuidado com os doentes e com a gestão dos recursos domésticos, o que as sobrecarrega fisicamente e psicologicamente. Sabendo que toda pandemia é generificada, racializada e tem classe social, pode-se dizer que a crise do novo coronavírus no Brasil tem cara de mulher preta e periférica e, muitas vezes, deficiente. Ou seja, a pandemia afeta, mesmo que não mate, a base da pirâmide social brasileira (Pimenta 2020:17PIMENTA, Denise. 2020. “Pandemia é coisa de mulher: breve ensaio sobre o enfrentamento de uma doença a partir das vozes e silenciamentos femininos dentro das casas, hospitais e na produção acadêmica”. Tessituras, v. 8, n. 5:8-19.).

Acompanho as reflexões da autora para quem as mulheres são as mais afetadas por uma crise sanitária porque se encontram em situação de vulnerabilidade e risco ao vírus em si, e também em função da sua situação econômica. As ações e as percepções de Julia, Fátima, Antonia, Fabiana e Bruna, aqui analisadas, vão ao encontro dos argumentos da autora, demonstrando a forma como expectativas sociais e exigências familiares, fortemente moduladas pelo gênero, fizeram com que essas mulheres tivessem que auxiliar familiares (vivos e mortos) em variadas situações, se expondo à possibilidade de contaminação e, também, reforçando a distribuição desigual do tempo e de outros recursos dedicado a outras pessoas.

Como foi demonstrado, a experiência das mulheres durante a pandemia foi marcada não pelo isolamento e o distanciamento social, mas pelo intenso trânsito. Mais do que nunca, foram as mulheres que se deslocaram por necessidades como resolver burocracias, o que implicou entrar em outras casas, ir a bancos e serviços públicos diversos, emprestar e pedir emprestadas coisas; acompanhar familiares em unidades de saúde; comprar remédios, insumos de vários tipos, inclusive os que se tornaram necessários em tempos de pandemia (álcool, máscaras etc.); gerenciar o ensino remoto dos filhos, indo, às vezes diariamente, em busca de serviços de impressão na rua. Tais processos de decisão - sobre quem e quando se deve ir, ou quem e quando se deve ficar - não são escolhas individuais, mas são negociações travadas no contexto das relações familiares. Conforme Biehl (2021BIEHL, João. 2021. “Descolonizando a saúde planetária”. Horizontes Antropológicos, 27 (59):337-359.), na pandemia, as casas, juntamente com as condições de trabalho e cuidado daquilo que é considerado essencial à vida de certa forma têm determinado quem tem vivido ou morrido na pandemia (:344). As decisões, no entanto, demonstraram ser tomadas tanto pela avaliação das necessidades coletivas quanto pelas determinações legais relacionadas à pandemia. Ouso dizer, contudo, que as indeterminações legais foram mais influentes do que as determinações no processo de tomada de decisão das famílias. Assim, a relação entre mulheres e setores da administração pública, em face da pandemia de Covid-19, precisa ser compreendido através dos “encontros com o Estado”, como argumentei, o que inclui as dúvidas, as lacunas, as brechas, a contradição e a efemeridade dos anúncios públicos que vêm sendo divulgados desde março de 2020.

Argumentei que mulheres estão, desde o início da pandemia, mas também antes disso, envolvidas em modalidades de cuidado que as colocam em contato com setores e agentes do Estado. Afirmei que mulheres como Julia e sua mãe, referências nas suas redes de relações, funcionam como uma espécie de mediadoras entre pessoas e serviços públicos. A pesquisa de Teixeira e Pereira (2017TEIXEIRA, Carla Costa & PEREIRA, Diogo Neves. 2017. “Poder e Governo nas mediações de agentes comunitárias de saúde”. In.: C.C Teixeira; C.G. Valle & R.C. Neves (orgs.), Saúde, mediação e mediadores. Brasília: Aba Publicações; Natal: EDUFRN. pp. 173-216.) sobre Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) apresenta aportes úteis para as reflexões finais sobre este tópico. Buscando explorar a posição das ACS do ponto de vista das mediações políticas que empreendem, a autora e o autor argumentam que mais do que interface entre duas realidades distintas, essas profissionais são produtoras de processos estatais vinculantes, isto é, operacionalizam uma lógica de exercício do poder estatal (:209). Nesse sentido, as ACS estudada por Teixeira e Pereira, assim como algumas interlocutoras da minha pesquisa, podem ser compreendidas como ferramentas políticas que auxiliam nas formas de governo, mas no meu caso, não remuneradas, não reconhecidas como tais, não previstas em políticas socioassistenciais. Ainda assim, contribuem para a execução de diversas políticas, inclusive e, talvez sobretudo, as emergenciais associadas ao contexto pandêmico.

Assim, apesar da relativa visibilidade que as mulheres alcançaram durante a pandemia como agentes do cuidado, elas ainda seguem desprotegidas do ponto de vista das políticas sociais. O critério do Auxílio Emergencial que concedia o dobro do pagamento às mulheres mães chefes de família foi um passo importante, ainda que não inédito (vide o Bolsa Família), mas não esteve acompanhado por outras medidas de proteção dos direitos das mulheres durante a pandemia, especialmente no campo do trabalho. Segundo o Informativo Desigualdades Raciais e Covid-19 (2020INFORMATIVO DESIGUALDADES RACIAIS E COVID-19. 2020. Desigualdades Raciais e Covid-19: o que a pandemia encontra no Brasil? São Paulo: Cebrap. Disponível em: Disponível em: https://cebrap.org.br/pesquisas/desigualdades-raciais-e-covid-19/ . Acesso em 31/03/2021.
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), a partir de dados do IBGE, o emprego doméstico corresponde a 54% da mão de obra nacional e, dentre as trabalhadoras domésticas, 52,8% são as pessoas de referência no domicílio, o que significa que a interrupção no contrato, a demissão ou a não contratação podem resultar em ausência de renda para as mulheres negras, majoritariamente envolvidas nesses serviços (:22). Outro exemplo de como os direitos das mulheres estão especialmente ameaçados em tempos de pandemia é expresso pela reiterada tentativa de converter espaços de atenção à saúde da mulher em áreas de atendimento a pessoas com Covid-19,11 11 Em janeiro de 2021, diante da necessidade de abrir mais leitos para atendimento de pacientes da Covid-19, o governo do Amazonas apresentou plano em que uma das principais unidades de atendimento à saúde da mulher gestante, em Manaus, passaria a receber tais pacientes. A notícia foi recebida com protestos e críticas por parte do sindicato dos médicos que, mesmo considerando a gravidade da situação na região, afirmou que a utilização da unidade poderia gerar uma onda de infecções e agravar o quadro de grávidas atendidas no local. Apesar das críticas, seis maternidades da rede estadual do Amazonas tiveram leitos deslocados para o tratamento da Covid-19. Ver Castro (2021). intenção denunciada por médicos e sindicatos. O acesso a serviços de interrupção legal da gestação também vem sendo dificultado, tendo sido suspenso em 45% das unidades de saúde que o realizavam (Ferreira & Silva 2020FERREIRA, Letícia & SILVA, Vitória Régia da. 2020. “Só 55% dos hospitais que faziam aborto legal seguem atendendo na pandemia”. Revista AzMina, 2 de junho. Disponível em: Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/so-55-dos-hospitais-que-faziam-aborto-legal-seguem-atendendo-na-pandemia/ Acesso em 31/03/2021.
https://azmina.com.br/reportagens/so-55-...
).

A experiência das interlocutoras dessa pesquisa, junto a outras tantas outas pessoas, como Cleonice, cuja história abriu este texto, aponta para o entrelaçamento de trabalho, direitos previdenciários, saúde, moradia e família. A fragilização de algum destes implica a desestabilização de todos os outros. A combinação entre a entrada em vigor de certas determinações legais relacionadas ao controle da pandemia, como o fortalecimento de medidas de vigilância e repressão especialmente em períodos de fechamento de comércios e serviços, e a suspensão ou a piora de serviços de saúde e assistência social resultaram em agravamento das condições de vida das mulheres, as maiores beneficiárias das políticas sociais. Desde 2017, está em vigor o teto dos gastos públicos, e com isso observa-se queda de 35% dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Assistência Social (Lupion 2020LUPION, Bruno. 2020. “Na epidemia, governo ignora sistema de assistência social que protege mais pobres”. Instituto Humanitas Unisinos, 23 de maio. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599259-na-epidemia-governo-ignora-sistema-de-assistencia-social-que-protege-mais-pobres . Acesso em 31/03/2021.
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).

Ainda não existem dados sobre a provável queda nos atendimentos prestados pela assistência social no Brasil durante a pandemia, mas analistas apontam que a opção do governo federal por realizar o cadastro de beneficiários do Auxílio Emergencial fora do Cadastro Único - o principal instrumento de acompanhamento e monitoramento das famílias vulneráveis no Brasil - é uma forma de desregulamentar os programas sociais no país (Sordi 2021SORDI, Denise. 2021. “Imobilização do Cadastro Único visa à desregulamentação dos programas sociais existentes. Entrevista especial com Denise De Sordi”. Instituto Humanitas Unisinos, 24 de março. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/607758-imobilizacao-do-cadunico-visa-a-desregulamentacao-dos-programas-sociais-existentes-entrevista-especial-com-denise-de-sordi . Acesso em 31/03/2021.
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). A recente aprovação do “Auxílio Brasil” demonstra que o Auxílio Emergencial foi utilizado pelo governo federal como um projeto piloto de concessão de benefícios via enfraquecimento da rede socioassistencial, deixando a cargo dos sujeitos - e, como vimos, especialmente das mulheres - a responsabilidade pela operação de seus mecanismos. Assim, essa forma de gerir a política social elimina uma estrutura de referência na vida de muitas mulheres composta pelos Cras, oportunizando o surgimento de atravessadores, que cobram quantias em dinheiro para a realização de cadastros e agendamentos em serviços públicos, e/ou adicionando mais tarefas às mulheres com conhecimento para fazê-las.

A pandemia da Covid-19, compreendida aqui como evento excepcional incorporado ao fluxo das relações sociais e às dinâmicas dos serviços públicos, permitiu a observação da fragilidade de certos direitos e como isso afetou sobretudo a vida das mulheres negras e pobres. Diante desse cenário, é importante fazer notar a tendência de piora nas condições de vida dessas mulheres, especialmente quando passamos a considerar que são elas que terão de lidar com os efeitos - ainda não plenamente conhecidos - da pandemia, em termos das mortes que estamos contabilizando, dos efeitos permanentes sobre a saúde dos sobreviventes e das urgências da vida sedimentadas em novos processos de adoecimento, novas e velhas exigências burocráticas, entre outras dimensões da vida ordinária.

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  • ZACKA, Bernardo. 2017. When state meets the streets: public service and moral agency Cambridge, MA and London: Harvard University Press.

Notas

  • 1
    Mais recentemente, foram integradas à pesquisa Isadora Lins e Carolina Branco Castro Ferreira, da Universidade de Campinas, Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira e Marcella Araújo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Manuela Souza Siqueira Cordeiro, da Universidade Federal de Roraima, e Jaciane Milanezi, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, além de estudantes de graduação e de pós-graduação: Thamires Baptista, Lis Blanco, Daniela Petti, Silvio Rogério, Marcos Campos. Agradeço a esse grupo pelo debate de uma versão inicial desse texto durante as reuniões da pesquisa.
  • 2
    Em função das transformações urbanas realizadas em Altamira relacionadas à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cerca de 25% da população da cidade foram removidos de suas casas, localizadas às margens do rio Xingu ou nas beiras dos igarapés, e passaram a viver em um dos cinco Reassentamentos Urbanos Coletivos construídos na cidade para esse fim. Como em outros projetos de remodelação urbana, foi a população mais pobre da cidade que foi submetida a esse processo de remoção.
  • 3
    Conferir Conceição e Cruz (2020CONCEIÇÃO, Wellington da Silva & CRUZ, Rafael de Oliveira. 2020. “Quanto mais perto, mais real fica: emoções frente à pandemia do Coronavírus em uma pequena cidade do Tocantins”. In: M. Koury (org.), Tempos de Pandemia: reflexões sobre o caso Brasil. Florianópolis: Tribo da Ilha. pp. 142-164.) para um estudo sobre o enfrentamento e os efeitos da Covid-19 em uma cidade de médio porte da Amazônia brasileira.
  • 4
    Em 2015, 15,9 milhões de famílias eram geridas por mulheres pretas ou pardas e 12,7 milhões por mulheres brancas. Segundo Cavenaghi e Alves (2018CAVENAGHI, Suzana & ALVES, José Eustáquio Diniz. 2018. Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios. Rio de Janeiro: ENS-CPES. Disponível em: Disponível em: https://www.ens.edu.br/arquivos/mulheres-chefes-de-familia-no-brasil-estudo-sobre-seguro-edicao-32_1.pdf Acesso em 18/12/2020.
    https://www.ens.edu.br/arquivos/mulheres...
    ), entre 2001 e 2015, o crescimento de famílias geridas por mulheres negras aumentou em 248%, enquanto entre as mulheres brancas o aumento foi de 168% (:57).
  • 5
    Avaliando que algumas informações apresentadas neste artigo são sensíveis e consideradas íntimas, optei por modificar os nomes e também por omitir ou embaralhar certos elementos biográficos como medida efetiva de anonimato.
  • 6
    Heredia (1979HEREDIA, Beatriz. 1979. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores no Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) analisa como os alimentos são colocados em uma escala de valor e de hierarquia - e em especial, hierarquia de gênero. Em sua pesquisa, alimentos produzidos pelas mulheres, como verduras e legumes, apesar de frequentes no prato de cada dia, eram considerados “complementos” e não a parte central da alimentação, que eram carnes de animais.
  • 7
    Ver Das (2020DAS, Veena. 2020. “Linguagem e corpo: transações na construção da dor”. In.: DAS, Veena, Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo: Editora Unifesp. pp. 67-92.) para um debate sobre a dor que pode ser sentida no corpo de outro.
  • 8
    Conferir as notas da Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia, disponível via: http://www.portal.abant.org.br/2020/05/25/nota-de-repudio-da-comissao-de-direitos-humanos-da-associacao-brasileira-de-antropologia-diante-as-operacoes-policiais-no-estado-do-rio-de-janeiro-durante-a-pandemia/ e a nota da Rede de Observatórios da Segurança, disponível via: http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Operac%CC%A7o%CC%83es-policiais-no-RJ-durante-a-pandemia.pdf Acesso em 07/01/2021.
  • 9
    A longa relação de confiança que existe entre nós se desdobra, entre outras coisas, no pedido de Bruna para que eu obtivesse informações sobre seu filho junto à administração penitenciária do estado, ou seja, em relação às perspectivas sobre o cuidado que foram apontadas anteriormente, é interessante observar que também eu estou envolvida nas dinâmicas que posicionam mulheres em interação com burocracias e serviços do estado.
  • 10
    Segundo pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais com dados do estado de Pernambuco (considerado o estado com mais transparência na divulgação dos dados relacionados à Covid-19), a letalidade dos homens é superior à das mulheres (55% contra 45%), embora entre os/as infectados/as a maioria seja de mulheres (56% contra 44%). Ver Dias (2020DIAS, Roger. 2020. “Covid-19 atinge principalmente mulheres, mas mata mais homens, diz UFMG”. Estado de Minas, Belo Horizonte, 09 de setembro. Disponível em: Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/09/09/interna_gerais,1183974/covid-19-atinge-principalmente-mulheres-mas-mata-mais-homens-ufmg.shtml . Acesso em 09/03/2021.
    https://www.em.com.br/app/noticia/gerais...
    ).
  • 11
    Em janeiro de 2021, diante da necessidade de abrir mais leitos para atendimento de pacientes da Covid-19, o governo do Amazonas apresentou plano em que uma das principais unidades de atendimento à saúde da mulher gestante, em Manaus, passaria a receber tais pacientes. A notícia foi recebida com protestos e críticas por parte do sindicato dos médicos que, mesmo considerando a gravidade da situação na região, afirmou que a utilização da unidade poderia gerar uma onda de infecções e agravar o quadro de grávidas atendidas no local. Apesar das críticas, seis maternidades da rede estadual do Amazonas tiveram leitos deslocados para o tratamento da Covid-19. Ver Castro (2021CASTRO, Matheus. 2021. “Presidente de sindicato dos médicos do AM critica plano do governo de usar maternidade para atender doentes com Covid”. G1, 02 de janeiro. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/02/presidente-de-sindicato-dos-medicos-critica-uso-de-maternidade-para-atender-doentes-com-covid-no-am.ghtml . Acesso em 09/03/2021.
    https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2021
  • Aceito
    11 Fev 2022
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