Acessibilidade / Reportar erro

O Cuidado além do Reparo

Care Beyond Repair

El cuidado más allá de la reparación

Resumo

Importar-se com os outros e cuidar dos outros - sejam outras pessoas, coletividades, plantas, animais ou o clima - é um ato cotidiano e recorrente. Em algum momento da vida, quase todos os seres humanos precisam ser cuidados, são cuidados e, por fim, cuidam. Na antropologia, a noção crítica de cuidado constitui uma ferramenta analítica para considerar seriamente as contingências da vida e para compreender os modos como as pessoas atribuem sentido a diferentes tipos de atos, atitudes e valores. Este artigo argumenta que a dimensão normativa do conceito é parte de um binarismo cultural que hierarquiza o mundo de acordo com esferas da existência às quais são atribuídos valores distintos. Concentrando-se nesta normatividade como algo intrínseco à noção, o artigo estabelece uma distinção entre três campos empíricos complementares: o cuidado como reprodução social (globalizada), o cuidado como assimetria institucionalizada, e o cuidado para além do excepcionalismo humano. Fica claro que o cuidado oscila entre duas perspectivas distintas, produzindo uma tensão específica: por um lado, o conceito de cuidado apresenta uma dimensão protetora e conservadora ligada ao passado, por outro, incorpora uma dimensão transformativa por meio de suas noções de desenvolvimento, progresso e aprimoramento. Para ir além de nossa própria concepção (potencial ou inevitavelmente) acadêmica, eurocêntrica ou humanocêntrica da noção de cuidado, este ensaio sugere levar “o cuidado além do reparo”: podemos fazê-lo, em primeiro lugar, indagando qual é o papel da pesquisa nesta ética da diferenciação e, em seguida, identificando perspectivas e posicionalidades as quais, à primeira vista, parecem indistintas ou desarticuladas e, por isso, desafiam categorias já familiares de avaliação e distinção. Encarado desta maneira, o cuidado além do reparo nos chama a atenção para o fazer e o desfazer da existência humana.

Palavras-chave:
Ética do cuidado; Parentesco; Gerações; Relações sociais; Ajuda; Humanitarismo; Apoio; Exclusão; Humano-animal

Abstract

To care about and for others - i.e. other people, collectivities, plants, animals or the climate - is a mundane and ubiquitous act. At some point in life, almost every human being needs to be cared for, encounters care and, eventually, provides care. In anthropology, the critical notion of care provides an analytic tool for seriously considering life’s contingencies and for understanding the ways people ascribe meaning to different kind of acts, attitudes and values. This chapter argues that the concept’s normative dimension forms part of a cultural binarism that hierarchizes the world according to differently valued spheres of existence. Concentrating on this normativity as inherent to the notion, the chapter distinguishes three complementary empirical fields: care as (globalized) social reproduction, care as institutionalized asymmetry and care beyond human exceptionalism. It becomes clear that care oscillates between two different perspectives, producing a particular tension: on the one hand, the care concept features a protective and conservative dimension that is congruent with the past; on the other hand, the concept incorporates a transformational dimension through its notions of development, progress and improvement. To move beyond our own (potentially or inevitably) academic, Eurocentric or human-centric understanding of the notion, this article suggests moving ‘care beyond repair’. We can do so, first, by asking what role research plays in this differentiating ethics and, second, by identifying perspectives and positionalities that, at first glance, appear indistinct or inarticulate, and hence do not confirm already familiar categories of evaluation and distinction. Seen this way, care beyond repair draws attention to the making and unmaking of human existence.

Key Words:
Ethics of care; kinship; generations; social relations; aide; humanitarianism; support; exclusion; human-animal

Resumen

Importarse con los otros y cuidar a los otros -es decir, a otras personas, colectividades, plantas, animales o al clima- es un acto cotidiano y recurrente. En algún momento de la vida, casi todos los seres humanos necesitan ser cuidados, encuentran cuidados y, finalmente, cuidan. En la antropología, la noción crítica de cuidado constituye una herramienta analítica para considerar seriamente las contingencias de la vida y para comprender las formas en que las personas atribuyen significado a diferentes tipos de actos, actitudes y valores. En este artículo se argumenta que la dimensión normativa del concepto forma parte de un binarismo cultural que jerarquiza el mundo de acuerdo con esferas de existencia valoradas de forma diferente. Concentrándose en esta normatividad como inherente a la noción del concepto, el texto distingue tres campos empíricos complementarios: el cuidado como reproducción social (globalizada), el cuidado como asimetría institucionalizada y el cuidado más allá del excepcionalismo humano. Queda claro que el cuidado oscila entre dos perspectivas diferentes, produciendo una tensión particular: por un lado, el concepto de cuidado representa una dimensión protectora y conservadora ligada all pasado. Por otro lado, incorpora una dimensión transformadora a través de sus nociones de desarrollo, progreso y mejora. Para ir más allá de nuestra propia comprensión (potencial o inevitablemente) académica, eurocéntrica o humanocéntrica de la noción de cuidado, este ensayo sugiere entender “el cuidado más allá de la reparación”: Podemos hacerlo, en primer lugar, preguntando qué papel desempeña la investigación en esta ética de la diferenciación y, en segundo lugar, identificando perspectivas y posicionamientos que, a primera vista, parecen indistintos o inarticulados y, por tanto, desafían las categorías ya familiares de evaluación y distinción . Visto de este modo, “el cuidado más allá de la reparación” llama la atención sobre el hacer y deshacer de la existencia humana.

Palabras clave:
ética del cuidado; parentesco; generaciones; relaciones sociales; ayuda; humanitarismo; apoyo; exclusión; humano-animal

Introdução: o campo dos estudos do cuidado1 1 Este texto foi traduzido com muito cuidado por Maria Claudia Coelho, a quem eu gostaria de expressar minha gratidão.

Abordar o cuidado como uma base conceitual antropológica pode ser comparado a uma travessia por blocos de gelo fragilmente conectados. Embora os elementos isolados, sejam eles derivados das economias feministas, dos estudos sobre parentesco, da antropologia médica, dos estudos humanitários ou dos estudos humano-animal, pareçam estar consolidados, a fragmentação do campo ainda é nítida, não importa a posição que ocupemos. Este ensaio é uma tentativa de sistematizar uma área de estudos que, ao longo dos últimos quarenta anos, tem fornecido à disciplina antropológica estímulos importantes. O cuidado é aqui entendido como uma prática corriqueira, cotidiana - ou, na formulação de Barnes e Taher, “cuidado casual” (Barnes & Taher 2019BARNES, Jessica & TAHER, Mariam. 2019: “Care and Conveyance: Buying Baladi Bread in Cairo”. Cultural Anthropology, 343:417-443.) -, a qual inclui atividades, atitudes afetivas e valores éticos associados a corpos, subjetividades, políticas e matérias na vida cotidiana (Drotbohm & Alber 2015DROTBOHM, Heike & ALBER, Erdmute. 2015. “Introduction”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course. Basingstoke: Palgrave Macmillan . pp. 1-20.; Buch 2015BUCH, Elana D. 2015. “Anthropology of Aging and Care”. Annual Review of Anthropology, 44:277-293.; Puig de la Bellacasa 2011PUIG DE LA BELLACASA, Maria. 2011. “Matters of Care in Technoscience: Assembling Neglected Things”. Social Studies of Science, 411:85-106.; Ticktin 2011TICKTIN, Miriam. 2011. Casualties of Care: Immigrants and the Politics of Humanitarianism in France. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press., 2019TICKTIN, Miriam. 2019. “From the Human to the Planetary: Speculative Futures of Care”. Medicine Anthropology Theory, 63:133-160.). Em geral, os significados do cuidado são assumidos tacitamente.

Como termo, atividade ou atitude, o cuidado é onipresente na vida cotidiana. Entretanto, seu sentido instável oscila entre os fenômenos empíricos e as categorias teóricas. Examinando o desenvolvimento histórico da noção, Reich (1995REICH, Warren T. 1995. “History of the Notion of Care”. In: Warren Thomas Reich (ed.), Encyclopedia of Bioethics. Revised edition. 5 vols. New York: Simon & Schuster Macmillan. pp. 319-331.) distingue quatro conjuntos de significados. O primeiro tem origem na palavra “kar”, do alto-alemão médio, que quer dizer “tormento” ou “luto”, podendo incluir também ansiedade ou sofrimento mental. Em segundo lugar, o cuidado implica uma preocupação básica, isto é, a ideia de que alguma coisa é importante para a pessoa em questão. Em terceiro lugar, o cuidado representa a aceitação de responsabilidade - como na expressão em inglês “cuidar de algo ou de alguém” (to take care of something or someone). Finalmente, o cuidado também envolve levar em conta o bem-estar de alguém, no sentido de se importar com ele (caring about).2 2 (N. da T.) O termo “care” em inglês, na sua forma verbal (to care) tem dois sentidos distintos, dependendo da preposição utilizada: to care for se traduz por “cuidar de” (como em “cuidar de alguém”) e to care about se traduz por “se importar com” (algo ou alguém). Há ainda a expressão “to take care of”, que se traduz por “cuidar de algo” (no sentido de se encarregar de uma tarefa ou de resolver um problema).

Diversas pesquisas já abordaram questões relativas ao cuidado em uma ampla gama de contextos empíricos, com o objetivo de entender de que formas vínculos importantes - entre seres humanos, mas não exclusivamente - são criados, mantidos e reconhecidos, bem como questionados ou rompidos. Os exemplos empíricos incluem um vasto escopo de atividades, tais como a educação de crianças e outras formas de apoio baseadas no parentesco, o trabalho doméstico e de limpeza, o trabalho íntimo, tal como o trabalho sexual, os serviços de acompanhante e os cuidados corporais (como massagem, depilação ou serviços de manicure), os serviços institucionalizados voltados para jovens, idosos, doentes e incapacitados, ajuda humanitária e ajuda de emergência, proteção social e as adaptações feitas em clínicas, garagens ou fazendas de gado (Thomas 1993; Yeates 2004YEATES, Nicola. 2004. “Global Care Chains”. International Feminist Journal of Politics, 63:369-391.; Agustín 2007; Constable, 2009; Boris & Parreñas 2010BORIS, Eileen & PARREÑAS, Rhacel Salazar. 2010. Intimate Labors. Culture, Technologies, and the Politics of Care. Stanford: Stanford University Press.; Tronto 2010TRONTO, Joan. 2010. Creating Caring Institutions: Politics, Plurality, and Purpose. Ethics and Social Welfare, 4:158-171.; Liebelt 2011; Sargent & Larchanché 2011; Drotbohm & Alber 2015:1DROTBOHM, Heike & ALBER, Erdmute. 2015. “Introduction”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course. Basingstoke: Palgrave Macmillan . pp. 1-20.; Minh, Zavoretti & Tronto 2017; Duclos & Criado 2019DUCLOS, Vincent & SÁNCHES CRIADO, Tomás. 2019. “Care in Trouble: Ecologies of Support from Below and Beyond”. Medical Anthropology Quarterly, 342:153-173.). O fato de que até mesmo atos como matar ou extinguir uma espécie já tenham sido incluídos na noção de cuidado revela a natureza controversa do conceito (Bocci 2014:462BOCCI, Paolo. 2017. “Tangles of Care: Killing Goats to Save Tortoises on the Galápagos Islands”. Cultural Anthropology, 323:442-449.; Mol, Moser & Pols 2010:7MOL, Annemarie, MOSER, Ingunn & POLS, Jeannette. 2010. “Care: Putting Practice into Theory”. In: MOL, Annemarie, MOSER, Ingunn & POLS, Jeannette (eds.), Care in Practice: On Thinking in Clinics, Homes and Farms. Bielefeld: Transcript . pp. 7-26.).

A despeito de um certo ceticismo em relação a seu alcance e aplicabilidade, a noção de cuidado é hoje considerada uma lente conceitual antropológica de grande relevância para a compreensão da forma como as pessoas atribuem sentido a diferentes tipos de relações e para o modo como a agência humana é hierarquicamente concebida. Considerando que cuidar de todos e de tudo parece simplesmente impossível, o ato de cuidar implica escolha, seleção e desconexão. Assim, o cuidado pode ser entendido como uma prática classificatória que delineia fronteiras, uma prática que tanto inclui quanto exclui seres humanos e outros seres, como animais, espíritos, plantas ou o ambiente em geral.

É provável que a definição mais citada e particularmente genérica de cuidado derive da obra das cientistas políticas Tronto e Fisher, que o entendem como

uma atividade própria da espécie que inclui tudo o que fazemos para preservar, manter e reparar o nosso “mundo”, para que possamos nele viver tão bem quanto possível. Este mundo inclui nossos corpos, nossos selves e nosso meio ambiente, os quais buscamos entrelaçar em uma rede complexa capaz de manter a vida (Fisher & Tronto 1990:40FISHER, Berenice & TRONTO, Joan. 1990. “Towards a Feminist Theory of Caring”. In: E. Abel & M. Nelson (eds.), Circles of Care. Albany: Suny Press. pp. 36-54.).

Essa definição ilustra não apenas a amplitude do conceito, mas também sua dimensão normativa. O cuidado é aqui associado a uma ideia de reparo que traz uma conotação particularmente positiva, na medida em que supostamente contribui para a melhoria do mundo. De acordo com Puig de la Bellacasa, esta definição inicial se referia à “busca de uma ‘boa’ vida” (2017:4). Alguns consideram que este entendimento do termo serve como um “espaço reservado para um desejo compartilhado de conforto e proteção” (Duclos & Sánchez Criado 2019:153DUCLOS, Vincent & SÁNCHES CRIADO, Tomás. 2019. “Care in Trouble: Ecologies of Support from Below and Beyond”. Medical Anthropology Quarterly, 342:153-173.), em particular entre cientistas, o que reduziria sua precisão analítica. Entretanto, trabalhos mais recentes alteraram esta percepção, colocando o foco na dimensão normativa do conceito e permitindo novos insights mais produtivos (Buch 2015BUCH, Elana D. 2015. “Anthropology of Aging and Care”. Annual Review of Anthropology, 44:277-293.; Cook & Trundle 2020COOK, Joanna & TRUNDLE, Catherine. 2020. “Unsettled Care: Temporality, Subjectivity, and the Uneasy Ethics of Care”. Anthropology and Humanism, 452:178-183.; Thelen 2015bTHELEN, Tatjana. 2015b. “Care as Social Organization: Creating, Maintaining and Dissolving Significant Relations”. Anthropological Theory, 154:497-515.; Murphy 2015MURPHY, Michelle. 2015. “Unsettling Care: Troubling Transnational Itineraries of Care in Feminist Health Practices”. Social Studies of Science, 455:717-737.; Puig de la Bellacasa 2017PUIG DE LA BELLACASA, Maria. 2017. Matters of Care: Speculative Ethics in More than Human Worlds. Minneapolis, London: University of Minnesota Press.; Ticktin 2019TICKTIN, Miriam. 2019. “From the Human to the Planetary: Speculative Futures of Care”. Medicine Anthropology Theory, 63:133-160.; Rapp 2020RAPP, Rayna. 2020. “Afterword: Unsettling Care for Anthropologists”. Anthropology and Humanism, 452:255-259.). Sabemos agora que o cuidado oscila entre percepções de conforto, preservação e reparo, de um lado, e aperfeiçoamento, progressividade e mudança, de outro. Disto decorre que as bases morais e a dimensão normativa do conceito fazem parte de um binarismo cultural que divide o mundo e o hierarquiza de acordo com esferas da existência às quais se atribuem valorações distintas, tais como bom/mau, feminino/masculino, privado/público, passado/futuro, natureza/cultura, tradição/modernidade e humano/não humano.

Este ensaio examina as maneiras como a investigação acadêmica integra ou contribui para este binarismo, incorporando uma leitura crítica da dimensão normativa do cuidado ao longo de todo o argumento. A primeira seção - “O cuidado como reprodução social” - aborda a já clássica discussão da divisão do cuidado nas esferas privada e pública da existência. Recorrendo a uma aplicação praxeológica da noção de cuidado, examino as consequências sociais da globalização do cuidado e da revitalização de uma antropologia do parentesco. A segunda seção - “O cuidado como assimetria institucionalizada” - é voltada para as peculiaridades do cuidado em contextos institucionalizados, nos quais o reconhecimento ou a recusa do apoio solicitado tem consequências para formas recíprocas e assimétricas de subjetivação. Como regra, estas avaliações burocratizadas de uma solicitação de cuidado têm consequências legais, com base nas quais é definida a inclusão ou a exclusão de um determinado contexto político. A terceira e última seção - “O cuidado para além do excepcionalismo humano” - acompanha o conceito de cuidado na pesquisa humano-animal, a qual considera hoje como extremamente relevante a hierarquia implícita entre a saúde humana e não humana nas economias capitalistas e procura examinar os tipos de comunidades epistêmicas envolvidas nas práticas recentradas, mas também incertas, da produção de conhecimento e do cuidado.

O cuidado como reprodução social (globalizada)

Ao longo de toda a sua vida, as pessoas passam por experiências de cuidar e de serem cuidadas, ocupando papéis cambiantes, e muitas vezes múltiplos, tanto como sujeitos quanto como objetos de práticas de cuidado, as quais não apenas acompanham, mas também constituem a inserção social individual. Em geral, as ideias relativas aos cuidados ao longo da vida se baseiam em expectativas de um equilíbrio circular, em particular no contexto familiar, no qual os papéis atribuídos aos indivíduos mudam ao longo do tempo. Idealmente, o contrato intergeracional, informal ou formalizado, assegura um tipo de reciprocidade entre as fases de receber e proporcionar cuidado aos membros dependentes da família (Drotbohm & Alber 2015DROTBOHM, Heike & ALBER, Erdmute. 2015. “Introduction”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course. Basingstoke: Palgrave Macmillan . pp. 1-20.). Se entendermos a relação de cuidado como uma relação social total, a noção apresenta uma certa superposição com a teoria maussiana da dádiva (Bornstein 2012BORNSTEIN, Erica. 2012. Disquieting Gifts. Humanitarianism in New Delhi. Stanford: Stanford UP.). Em sua revisão dessa interseção, Chanial (2012CHANIAL, Philippe. 2012. “Don et care: une famille politique à recomposer?”. Revue du MAUSS, 39:67-88.) sugere que façamos uma distinção entre, de um lado, “presentes visíveis, masculinos e até mesmo enaltecidos” e, de outro, “presentes femininos discretos, invisíveis, até mesmo ocultos”, aqui nomeados como cuidado. De acordo com essa leitura, o cuidado constitui um presente desvalorizado, ou até mesmo negado, na medida em que se opõe ao “culto da autonomia individual” (Chanial 2012:17CHANIAL, Philippe. 2012. “Don et care: une famille politique à recomposer?”. Revue du MAUSS, 39:67-88.; ver também Tronto 1993TRONTO, Joan. 1993. Moral Boundaries. A Political Argument for an Ethic of Care. New York: Routledge.).

Nos anos 1970, o termo “cuidado” passou por uma transformação significativa, de uma expressão cotidiana para um conceito científico, quando as ciências sociais feministas começaram a problematizar a relação entre produção de mercado e trabalho reprodutivo não remunerado. No cerne desta crítica, estava a naturalização ou a romantização de tarefas classificadas como “femininas”, socialmente enquadradas como “trabalho(s) de amor” (Finch & Groves 1983FINCH, Janet & GROVES, Dulcie. (eds.). 1983. A Labour of Love: Women and Caring. Boston: Routledge and Kegan Paul.). Esses debates se concentraram em deveres de cuidado desempenhados tanto em contextos privados quanto públicos (monetizados), tais como o cuidar dos doentes, dos idosos ou de outras pessoas com necessidades especiais, a educação das crianças, o trabalho íntimo e o trabalho doméstico - isto é, tarefas desempenhadas em geral de maneira desproporcional por mulheres, em seus papéis como mães, filhas (noras), enfermeiras, trabalhadoras do sexo e empregadas domésticas. Em reação à associação entre o cuidado e uma profundidade emocional particular e “sentimentos autênticos”, as antropólogas feministas criticaram a cegueira diante da normatividade subjacente a esses pressupostos e da carga moral imposta aos cuidadores, que eram (e continuam sendo) entendidos como responsáveis por realizar tarefas muitas vezes não apenas consideradas chatas, ou mesmo detestáveis, mas também desvalorizadas econômica e socialmente (Sevenhuijsen 1998SEVENHUIJSEN, Selma. 1989. Citizenship and the Ethics of Care. Feminist considerations on justice, morality and politics. London, New York: Routledge.; Glenn 2010GLENN, Evelyn N. 2010. Forced to Care. Coercion and Caregiving in America. Cambridge, Mass: Harvard University Press.; Tronto 2013TRONTO, Joan. 2013. Caring Democracy. Markets, Equality, and Justice. New York, London: New York University Press.; Buch 2015BUCH, Elana D. 2015. “Anthropology of Aging and Care”. Annual Review of Anthropology, 44:277-293.).

No caso da antropologia, as abordagens que se tornaram particularmente relevantes demonstraram que as mulheres, especialmente aquelas desfavorecidas, provenientes dos estratos sociais mais baixos, eram responsáveis pelo trabalho de cuidado pouco atraente e mal pago. De acordo com Colen (1995COLEN, Shellee. 1995. “‘Like a Mother to Them’. Stratified Reproduction and West Indian Child Care Workers in New York”. In: F. D. Ginsburg & R. Rapp (eds.), Conceiving the new World Order: The Global Politics of Reproduction. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press. pp. 78-102.), a “reprodução estratificada” não apenas determina as assimetrias entre homens e mulheres, mas também consolida as diferenças entre as mulheres economicamente mais favorecidas, geralmente brancas, e as mulheres mais pobres, em geral negras ou migrantes. Em consequência disso, o cuidado passou a ser visto como uma parte intrínseca de instrumentos de governança comprometidos e dotados de subsídios insuficientes, no seio dos quais se reproduziam as desigualdades racializadas, generificadas e baseadas em diferenças de classe social. Tendo este quadro como pano de fundo, Kofman sugeriu que o cuidado fosse compreendido como parte de um processo amplo e globalizado de reprodução social, recontextualizando-o como as “diversas atividades realizadas ao longo do ciclo de vida para sustentar e manter unidades domésticas, algumas das quais multissituadas e multinacionais” (2012:154KOFMAN, Eleonore. 2012. “Rethinking Care Through Social Reproduction: Articulating Circuits of Migration”. Social Politics, 191:142-162.).

Este foco na (re)produção de desigualdades sociais, entendidas como o elemento mais relevante dos entrelaçamentos globais entre o norte e o sul global, está também no centro do conceito proposto por Hochschild (2000HOCHSCHILD, Arlie R. 2000. “Global Care Chains and Emotional Surplus Value”. In: A. Giddens & W. Hutton (eds.), On the Edge: Living with Global Capitalism. London: Jonathan Cape. pp. 130-146.) de “cadeias de cuidado globais”, o qual mereceu uma atenção expressiva nas pesquisas feministas e sobre a globalização. Esta iteração aborda a transferência do trabalho do cuidado, entendido como um recurso humano fundamental, das regiões mais pobres do mundo para as mais ricas, por meio do emprego de mulheres migrantes. Hochschild problematiza, em particular, as ramificações emocionais para os países de origem destas mulheres, que precisam arcar, como consequência, com um déficit de cuidado (DeVault 1991DEVAULT, Marjorie L. 1991. Feeding the Family: The Social Organization of Caring as Gendered Work. Chicago: University of Chicago Press.; Hochschild 2000HOCHSCHILD, Arlie R. 2000. “Global Care Chains and Emotional Surplus Value”. In: A. Giddens & W. Hutton (eds.), On the Edge: Living with Global Capitalism. London: Jonathan Cape. pp. 130-146.; Parreñas 2001PARREÑAS, Rhacel Salazar. 2001. Servants of Globalization. Women, Migration and Domestic Work. Stanford: Stanford University Press.; Ehrenreich & Hochschild 2003EHRENREICH, Barbara & HOCHSCHILD, Arlie R. (eds.). 2003. Global Woman: Nannies, Maids, and Sex Workers in the New Economy. New York: Metropolitan Books.; Yeates 2004YEATES, Nicola. 2004. “Global Care Chains”. International Feminist Journal of Politics, 63:369-391.; Liebelt 2011). Em essência, as duas abordagens - aquelas que entendem o cuidado como um modo de reprodução social e aquelas que o encaram como uma expressão da interdependência global - se caracterizam por um certo grau de ambivalência. Por um lado, o cuidado é compreendido como um recurso humano-chave e positivamente valorizado como um “valor compartilhado”, numa perspectiva que se afasta da ideia de um sujeito autônomo em favor da aceitação da visão da dependência como parte do devir biográfico de qualquer ser humano. Por outro, a mesma situação é interpretada como um sacrifício imposto, em geral às mulheres, o qual integraria a exploração patriarcal capitalista global.

Em paralelo a essas vertentes teóricas e políticas, o conceito de cuidado desenvolveu, a partir dos anos 1990, um considerável potencial de inovação na antropologia do parentesco, a qual, embora tivesse permanecido central para a antropologia, havia também sido duramente criticada (Schneider 1984SCHNEIDER, David M. 1984. A Critique of the Study of Kinship. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Borneman 2001BORNEMAN, John. 2001. “Caring and to be Cared for: Displacing Marriage, Kinship, Gender, and Sexuality”. In: J. Faubion (ed.), The Ethics of Kinship. New Jersey: Rowland and Littlefield. pp. 29-46.). O trabalho da antropóloga britânica Carsten representou um impulso crucial, reconhecendo o cuidado como uma lente através da qual as relações poderiam ser reexaminadas para além de uma concepção eurocêntrica de parentesco. Desde então, não apenas questões ligadas à descendência e às alianças entre famílias e grupos, mas também outras práticas culturais - tais como a coabitação em uma unidade doméstica, as refeições conjuntas, o apoio mútuo e os vínculos recíprocos ao longo de toda a vida - foram entendidas como “modos de relacionalidade” (Carsten 1997CARSTEN, Janet. 1997. The Heat of The Hearth: The Process of Kinship in a Malay Fishing Community. Oxford: Oxford University Press., 2003CARSTEN, Janet. 2003. After Kinship. Cambridge: Cambridge University Press.; para uma resenha crítica, ver também Miller 2007MILLER, Daniel. 2007. “What is Relationship? Is Kinship Negotiated Experience?”. Ethnos, 724:535-554.). Esta “virada prática”, às vezes chamada de “novos estudos do parentesco”, permitiu a utilização de outros instrumentos para o exame não apenas da criação e da avaliação, mas também (possivelmente) da dissolução de vínculos significativos (Weismantel 1995WEISMANTEL, Mary. 1995. Making Kin: Kinship Theory and Zumbagua Adoptions. American Ethnologist, 22:685-704.; Leinaweaver 2008LEINAWEAVER, Jessaca B. 2008. The Circulation of Children: Kinship, Adoption, and Morality in Andean Peru. Durham: Duke University Press .).

Além disso, a ideia de que as práticas de cuidado podem constituir ou confirmar o parentesco propiciam novos insights para o campo das pesquisas sobre famílias transnacionais. Por exemplo, no caso de constelações sociais expostas por longos períodos a amplas distâncias geográficas, o cuidado pode ser usado como uma lente analítica para a compreensão de laços sociais que vão além de práticas corporificadas de intimidade. De modo mais específico, as remessas de dinheiro e de presentes, a prática das visitas a seus países e o apoio a parentes vindos do exterior já foram examinados como constelações que constituem famílias (Coe 2011COE, Cati. 2011. “What is Love? The Materiality of Care in Ghanaian Transnational Families”. International Migration, 496:7-24.; Åkesson et al. 2012ÅKESSON, Lisa, CARLING, Jørgen & DROTBOHM, Heike. 2012. “Mobility, Moralities and Motherhood: Navigating the Contingencies of Cape Verdean Lives”. Journal of Ethnic and Migration Studies, 382:237-260.; Baldassar & Merla 2014BALDASSAR, Loretta & MERLA, Laura. 2014. “Introduction: Transnational Family Caregiving through the lens of circulation”. In: BALDASSAR, Loretta & MERLA, Laura, Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London, New York: Routledge. pp. 3-24.; Drotbohm 2013DROTBOHM, Heike. 2013. “The Promises of Co-mothering and the Perils of Detachment. A Comparison of Local and Transnational Cape Verdean Child Fosterage”. In: E. Alber, J. Martin & C. Notermans (eds.), Child Fosterage in West Africa: New Perspectives on Theories and Practices..Leiden: Brill. pp. 217-245., 2016DROTBOHM, Heike. 2016. “Celebrating Asymmetries: Creole Stratification and the Regrounding of Home in Cape Verdean Migrant Return Visits”. In: J. Knörr & C. Kohl (eds.), The Upper Guinea Coast in Global Perspective. London: Berghahn. pp. 135-156.; Palmberger & Hromadzič 2018PALMBERGER, Monika & HROMADŽIĆ, Azra. 2018. “Introduction: Care Across Distance”. In: PALMBERGER, Monika & HROMADŽIĆ, Azra (eds.), Care Across Distance: Ethnographic Explorations of Aging and Migration. New York, Oxford: Berghahn. pp. 1-12.). Neste tipo de pesquisa transnacional, a dimensão normativa da noção de cuidado pode ser identificada de, no mínimo, duas formas.

Em primeiro lugar, alguns estudos examinaram o cuidado não apenas como algo que constitui o parentesco, mas também como uma esfera normativamente carregada no seio da qual os gêneros, as gerações ou os membros da família com status legais distintos negociam suas posições de poder e influência. Complementando estudos anteriores do parentesco, esses trabalhos enfatizaram os modos como o cuidar no seio de unidades domésticas e redes de parentesco não apenas se dava ao longo de eixos fixos de atribuição de papéis, mas precisava ser entendido também como “compromisso negociado” (Finch & Mason 1991FINCH, Janet & MASON, Jennifer. 1991. “Obligations of Kinship in Contemporary Britain: Is there Normative Agreement?”. The British Journal of Sociology. 423:345-367.), indicando uma prática avaliativa capaz tanto de confirmar quanto de questionar relações sociais prescritas. Da mesma maneira, a questão de quem cuida e de quem recebe cuidados de parentes foi transformada numa questão moral de capacidade, boa vontade e “merecimento” (Gaibazzi 2014GAIBAZZI, Paolo. 2014. “Visa problem: certification, kinship, and the production of ‘ineligibility’ in the Gambia”. Journal of the Royal Anthropological Institute, 201:38-55.; Poeze & Mazzucato 2014POEZE, Miranda & MAZZUCATO, Valentina. 2014. “Ghanaian Children in Transnational Families: Understanding the Experiences of Left-Behind Children through Local Parenting Norms”. In: L. Baldassar & L. Merla (eds.), Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life. London, New York: Routledge. pp. 149-169.; Drotbohm 2015DROTBOHM, Heike. 2015. “Shifting Care among Families, Social Networks and State Institutions in Times of Crisis: A Transnational Cape Verdean Perspective”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course. Basingstoke: Palgrave Macmillan . pp. 93-116.). Nesse contexto, podemos entender melhor o problema de se ou como pessoas que não têm família, ou que perderam suas famílias, tais como órfãos ou viúvos(as), são cuidadas. Em segundo lugar, tipos distintos de cuidados, tais como aqueles baseados no parentesco, os cuidados íntimos e as formas de cuidado institucionalizadas, consideradas “anônimas” ou mesmo “frias”, foram diferenciados em bases normativas como “bons” ou “ruins”. É interessante observar que há uma diversidade empírica significativa entre os atores individuais que atribuem um valor moral mais elevado às formas de cuidado baseadas no parentesco ou na institucionalização (Pols & Moser 2009POLS, Jeannette & MOSER, Ingunn. 2009. “Cold Technologies Versus Warm Care? On Affective and Social Relations with and through Care”. Alter: Journal of Disability Research, 32:159-178.; Buch 2015BUCH, Elana D. 2015. “Anthropology of Aging and Care”. Annual Review of Anthropology, 44:277-293.; Thelen 2015aTHELEN, Tatjana. 2015a. “Care of the Elderly, Migration, Community: Explorations from Rural Romania”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course. Basingstoke: Palgrave Macmillan. pp. 137-157.).

O cuidado como assimetria institucionalizada

A institucionalização do cuidado não teve início, de forma alguma - como sugere parte da literatura -, com o surgimento das autoridades de Estado ou com a infraestrutura moderna do bem-estar social. Para entender como o cuidado funciona além das esferas sociais íntimas do parentesco e da amizade, é lógico começar pelas formas de apoio estabelecidas no seio de comunidades mais fluidas e, em seguida, nos voltarmos para as rotinas da obrigação, da responsabilidade e, finalmente, até mesmo da elegibilidade e da administração. Uma vasta gama de trabalhos históricos indica a diversidade dos primeiros antecessores da sociedade civil moderna - os quais incluem congregações religiosas, irmandades e mosteiros, bem como iniciativas para angariar recursos e sociedades filantrópicas e beneficentes - que ofereciam esmolas e cuidados práticos para os necessitados em locais específicos (Brodman 2009BRODMAN, James W. 2009. Charity and Religion in Medieval Europe. Washington: Catholic University of America Press.; Cohen 2009COHEN, Mark R. 2009. Poverty and Charity in the Jewish Community of Medieval Egypt. Princeton: Princeton University Press.; Hamilton 2013HAMILTON, John T. 2013. Politics, Humanity, and the Philology of Care. Princeton: Princeton University Press .; Barclay 2021BARCLAY, Katie. 2021. Caritas: Neighbourly Love and the Early Modern Self. Oxford: Oxford University Press.). Além disso, o exame de redes de patronagem revela características-chave do cuidado quando este se encontra inserido em relações particulares de poder e desigualdade estrutural. Fica claro que a tutela e as relações de dependência hierarquicamente consolidadas, patriarcais ou de outros tipos, criam uma determinada estrutura social, desenhada para reproduzir um sistema de comportamento no qual estão incorporadas atitudes sociais específicas, tais como a fidelidade e a lealdade (Feingold 1987FEINGOLD, Mordechai. 1987. “Philanthropy, Pomp, and Patronage: Historical Reflections upon the Endowment of Culture”. Daedalus, 1161:155-178.).

No caso das relações de cuidado que ocorrem em instituições, é essencial entender que tanto receber quanto propiciar cuidado modificam a dinâmica da subjetivação mútua, isto é, além de responder sobre questões relativas a quem merece ser cuidado e quem é capaz de cuidar, as diferenças sociais são articuladas em relação à percepção e ao reconhecimento da necessidade e da vulnerabilidade, bem como do poder e da capacidade (Wolf-Meyer 2020WOLF-MEYER, Matthew. 2020. Unraveling. Remaking Personhood in a Neurodiverse Age. Minneapolis, London: University of Minnesota Press .). Embora essas dinâmicas de subjetivação também possam, como já mencionado, ser identificadas em relações íntimas, são especialmente relevantes para se discutirem as instituições, em que o reconhecimento está muitas vezes interligado ao acesso a direitos sociais ou políticos. Os estudos antropológicos relativos a negociações quanto à elegibilidade para formas burocratizadas de cuidado - seja no contexto de instituições de bem-estar social, de ajuda em situações de desastre, de sistemas de saúde, de acesso a direitos sobre a terra ou de concessão de asilo - já mostraram as formas como o regime emocional do cuidado se transformou no seio de instituições políticas ou politizadas, constituindo-se subsequentemente numa forma de governança e controle (Clark 2007CLARK, Colin. 2007. Introduction Themed Section Care or Control? Gypsies, Travellers and the State. Social Policy & Society. 71:65-71.; Povinelli 2011POVINELLI, Elizabeth. 2011. Economies of Abandonment. Social Belonging and Endurance in Late Liberalism. Durham, London: Duke.; Ticktin 2011TICKTIN, Miriam. 2011. Casualties of Care: Immigrants and the Politics of Humanitarianism in France. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press.; Adams 2013ADAMS, Vincanne. 2013. Markets of Sorrow, Labors of Faith: New Orleans in the Wake of Katrina Durham: Duke University Press.; Bock 2016BOCK, Jan-Jonathan. 2016 “The Second Earthquake: How the Italian State Generated Hope and Uncertainty in Post-Disaster L’Aquila”. Journal of the Royal Anthropological Institute, 231:61-80.; Svendsen et al. 2018SVENDSEN, Mette, NAVNE, Laura, GJØDSBØL, Iben M. & DAM, Mie S. 2018. “A life worth living: Temporality, care, and personhood in the Danish welfare State”. American Ethnologist, 451:20-33.; Drotbohm 2021DROTBOHM, Heike. 2021. “‘Not a cozy dwelling’. Exploring aspirational anxieties and politics of displacement in São Paulo’s squats”. Humanity: An International Journal of Human Rights, Humanitarianism, and Development, 12:354-367.).

Quando os padrões normativos de avaliação institucional se referem a determinadas características pessoais, como quando vinculam noções de “vulnerabilidade” a gênero, idade ou etnicidade, o entrelaçamento estreito entre cuidado, avaliação e controle pode ter implicações psicológicas para os atores que buscam apoio institucional. Por um lado, como alguns estudos que examinam a interseção entre (i)migração, parentesco e Estado já deixaram claro, a politização do cuidado muitas vezes gera um tipo particular de consciência legal que pode, às vezes, gerar um senso de pertencimento (Boehm 2008; Huschke 2014HUSCHKE, Susann. 2014. “Performing Deservingness. Humanitarian Health Care Provision for Migrants in Germany”. Social Science and Medicine, 120:352-359.). Por exemplo, em seu trabalho sobre mães migrantes camaronenses residentes em Berlim, Pamela Feldman-Savelsberg (2015FELDMAN-SAVELSBERG, Pamela. 2015. Mothers on the Move. Reproducing Belonging between Africa and Europe. Chicago, London: University of Chicago Press.) reconheceu as interações das mulheres pesquisadas com representantes da comunidade, associações de imigrantes e representantes de ONGs, bem como com autoridades oficiais, como interações-chave por meio das quais podiam criar seus próprios meios de participação e superar sua condição de não pertencimento.

Heidbrink (2014HEIDBRINK, Lauren. 2014. Migrant youth, Transnational families, and the state. Care and contested interests. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.) oferece uma perspectiva complementar, seguindo as crianças migrantes conhecidas como “desacompanhadas” pela complexa trajetória burocrática e espacial de detenção, custódia legal, transferência e políticas de reunificação familiar nos Estados Unidos, revelando a incomensurável tensão entre regimes avaliativos de humanitarismo e segurança nacional. De modo semelhante, Glenn-Levin Rodriguez (2017RODRIGUEZ, Naomi Glenn-Levin. 2017. Fragile Families: Foster Care, Immigration and Citizenship. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.) questionou o poder classificatório das intervenções relativas ao bem-estar infantil nos Estados Unidos, que moldam as famílias latinas e as fronteiras de seu pertencimento nacional. As práticas decisórias muitas vezes discricionárias dos assistentes sociais e dos atores legais, que detêm a autoridade para fazer recomendações relativas à custódia, podem ser lidas como políticas de “merecimento” que operam de acordo com entendimentos morais particulares sobre, por exemplo, os pais e as mães “bons” e “maus”, “estáveis” e “instáveis”. Disto decorre que as ações referentes à imigração, incluindo não apenas a reunificação, mas também a detenção e a deportação, estão enraizadas em categorias referentes ao bem-estar infantil. Nestes casos exemplares, as mãos cuidadora/protetora e controladora/punitiva do Estado estão estreitamente entrelaçadas.

Esta natureza disciplinar do cuidado fica ainda mais clara nos estudos sobre condições mais rígidas estabelecidas para o provimento de cuidado institucionalizado. Por exemplo, examinando processos de categorização envolvidos no fornecimento de assistência a mulheres Romani pobres migrantes na Espanha, Vrăbiescu e Kalir (2017VRĂBIESCU, Ioana & KALIR, Barak. 2017. “Care-full Failure: How Auxiliary Assistance to Poor Roma Migrant Women in Spain Compounds Marginalization”. Social Identities, 244:520-532.) analisaram as punições aplicadas a mulheres que não se encaixavam nos ideais de “boas mães”, “esposas decentes” ou “trabalhadoras dedicadas”. Intervenções punitivas - que incluíam o corte de benefícios sociais, o despejo das moradias e, principalmente, a perda da guarda e a deportação forçada para seus supostos países de origem - revelam, mais uma vez, o lado repressivo, ou brutal, do Estado “cuidador”. Por sua parte, Ticktin revelou uma dinâmica diferente - embora, ao final das contas, ainda mais rigorosa - em seu trabalho seminal sobre ajuda humanitária. No contexto das políticas de imigração francesas, uma vasta gama de diversos tipos de provedores de serviços sociais compartilha um conjunto de objetivos afetivos em torno de noções estreitamente definidas de sofrimento e inocência. Para se encaixar nessas características e, em decorrência, se ajustar às expectativas e normas das autoridades, migrantes irregulares (irregularizados) acabam por sacrificar até mesmo sua integridade biológica para obter acesso à residência permanente ou à cidadania (Ticktin 2006TICKTIN, Miriam. 2006. “Where Ethics and Politics Meet: The Violence of Humanitarianism in France”. American Ethnologist, 331:33-49., 2011TICKTIN, Miriam. 2011. Casualties of Care: Immigrants and the Politics of Humanitarianism in France. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press.).

Estes e outros estudos também apontam a dimensão global do cuidado governamental fornecido internacionalmente, o qual não apenas cuida de seu próprio território (e o controla), mas também se ocupa de populações que vivem em outras regiões, onde a ajuda humanitária, muitas vezes acompanhada por intervenções militares (neocoloniais), contribui para a já discutida divisão interna e também norte-sul das comunidades (Bornstein & Redfield 2010BORNSTEIN, Erica & REDFIELD, Peter. 2011. Forces of Compassion. Humanitarianism between Ethics and Politics. Santa Fe: SAR.; Feldman & Ticktin 2010FELDMAN, Ilana & TICKTIN, Miriam. 2010. In the Name of Humanity. The Government of Threat and Care. Durham: Duke .; Fassin 2011FASSIN, Didier. 2011. Humanitarian Reason. A Moral History of the Present. Berkeley: University of California Press.; Shotwell 2016SHOTWELL, Alexis. 2016. Against Purity. Living Ethically in Compromised Times. Minneapolis: University of Minnesota Press.). Em seu trabalho sobre o direito a terra e sobre o reconhecimento cultural das comunidades nativas na Austrália, Povinelli mostra como a ausência de cuidado, neste caso o bem-estar social, e a retirada do apoio econômico podem ser entendidas como uma forma de abandono político que integra as condições letais das sociedades liberais tardias. A autora argumenta que, se o cuidado anda junto com a avaliação de um ajuste a um determinado estilo de vida, o resultado pode ser particularmente nocivo. Em suas palavras: “[...] a arte de cuidar dos outros sempre emerge como resultado de, e ao mesmo tempo é, uma reflexão sobre as condições materiais e os arranjos institucionais históricos mais amplos” (Povinelli 2011:160POVINELLI, Elizabeth. 2011. Economies of Abandonment. Social Belonging and Endurance in Late Liberalism. Durham, London: Duke.).

Todos estes exemplos sugerem uma íntima conexão entre o cuidado, as instituições coercitivas e o reconhecimento legal, que podem promover não apenas inclusão e proteção social, mas também exclusão, marginalização, negligência, abandono e as piores formas de sofrimento. Esta dupla face do cuidado se revela quando o acesso de alguém ao cuidado institucionalizado é vinculado a uma avaliação de sua capacidade de cuidar. Além disso, como demonstrou Ticktin, a dimensão moral dessas avaliações normativas muitas vezes não constitui uma interação excepcional e superficial entre o doador autoritário e o receptor vulnerabilizado de apoio, mas implica uma transformação profunda do sujeito que busca apoio, que não pode mais se libertar de classificações como “vulnerabilidade” e “carência”. Em geral, e em contraste com os estudos voltados para relações sociais menos institucionalizadas (tais como o parentesco ou a amizade), os antropólogos que estudam o cuidado oferecido por meio de organizações e políticas públicas têm destacado não só a dimensão nociva do cuidado, mas também sua cumplicidade com a insegurança, a militarização e a violência.

O cuidado para além do excepcionalismo humano

As formas pelas quais o cuidado constitui - e organiza - as relações entre as pessoas e o ambiente natural configura uma perspectiva de pesquisa antropológica que, essencialmente, retorna aos trabalhos iniciais da disciplina sobre o animismo e o totemismo. As pesquisas voltadas para a íntima interdependência social, espiritual e material entre pessoas, animais, entidades espirituais e paisagens utilizam a noção de cuidado para indicar o entrelaçamento de vidas que não podem ser resolvidas individualmente (Kirksey & Helmreich 2010KIRKSEY, S. Eben & HELMREICH, Stefan. 2010. “The Emergence of Multispecies Ethnography”. Cultural Anthropology, 254:545-576.; Orr, Lansing & Dove 2015ORR, Yancey, LANSING, Stephen & DOVE, Michael. 2015. “Environmental Anthropology: Systematic Perspectives”. Annual Review of Anthropology, 44:153-168.; Bollig 2018BOLLIG, Michael. 2018. “Afterword: Anthropology, Climate Change and Social-Ecological Transformations in the Anthropocene”. Sociologus, 681:85-94.; Bird-David 1999BIRD-DAVID, Nurit. 1999. “‘Animism’ Revisited: Personhood, Environment, and Relational Epistemology”. Current Anthropology, 40, Special Issue: 567-591.; Fijn 2011FIJN, Natasha. 2011.Living with herds: human-animal coexistence in Mongolia. Cambridge: Cambridge University Press .; Kohn 2013KOHN, Eduardo. 2013. How Forests Think: Toward an Anthropology Beyond the Human. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press ., Münster 2017MÜNSTER, Ursula. 2017. “The Sons of Salim Ali: Avian Care in the Western Ghats of South India”. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 20171:67-75.). Em geral, enquanto prática que vai além dos limites da humanidade e foca no bem-estar sustentável de todas as formas de existência, o cuidado é visto como aquilo que constitui a essência da busca coletiva por uma vida melhor e mais saudável no planeta (Puig de la Bellacasa 2011PUIG DE LA BELLACASA, Maria. 2011. “Matters of Care in Technoscience: Assembling Neglected Things”. Social Studies of Science, 411:85-106.). Entretanto, foi somente a partir dos anos 2000 que o campo voltou a sua atenção para o problema de saber se cuidar de outras espécies é algo constitutivo da existência humana em geral e se os humanos diferem de outros animais devido à particularidade de suas práticas de cuidado classificatórias (Shotwell 2016SHOTWELL, Alexis. 2016. Against Purity. Living Ethically in Compromised Times. Minneapolis: University of Minnesota Press.).

O trabalho de Haraway foi crucial para aquilo que hoje é conhecido como o “giro multiespécie” da antropologia (Kirksey & Helmreich 2010:545KIRKSEY, S. Eben & HELMREICH, Stefan. 2010. “The Emergence of Multispecies Ethnography”. Cultural Anthropology, 254:545-576.). Em When Species Meet, Haraway afirmou: “Se percebermos que o excepcionalismo humano é uma bobagem, saberemos então que se transformar é sempre se transformar com, em uma zona de contato na qual o resultado, na qual quem está no mundo, está em questão” (Haraway 2008:244HARAWAY, Donna. 2008. When Species Meet. Minneapolis: University of Minnesota Press.). Pesquisas subsequentes abordaram os modos como as fronteiras entre os organismos humanos e não humanos são muito mais porosas do que habitualmente se admite (Tsing 2015TSING, Anna L. 2015. The Mushroom at the end of the World. On the Possibilities of Life in Capitalist Ruins. Princeton: Princeton University Press.; Shotwell 2016SHOTWELL, Alexis. 2016. Against Purity. Living Ethically in Compromised Times. Minneapolis: University of Minnesota Press.) e as formas como o cuidado podem ser entendidas como uma zona de interação na qual as fronteiras entre espécies de tipos distintos são constituídas, mantidas ou dissolvidas (Archambault 2016ARCHAMBAULT, Julie S. 2016. “Taking Love Seriously in Human-Plant Relations in Mozambique: Toward an Anthropology of Affective Encounters”. Cultural Anthropology, 312:244-271.; Mol, Moser & Pols 2010MOL, Annemarie, MOSER, Ingunn & POLS, Jeannette. 2010. “Care: Putting Practice into Theory”. In: MOL, Annemarie, MOSER, Ingunn & POLS, Jeannette (eds.), Care in Practice: On Thinking in Clinics, Homes and Farms. Bielefeld: Transcript . pp. 7-26.; Candea 2010CANDEA, Matei. 2010. “I fell in love with Carlos the meerkat”: Engagement and detachment in human-animal relations. American Ethnologist, 372:241-258.).

Ao mesmo tempo, os antropólogos que estudaram a esfera política da ética e da defesa dos animais por meio de, por exemplo, preservação de aves, reservas de chimpanzés (Hua & Ahuja 2013HUA, Julietta & AHUJA, Neel. 2013. “Chimpanzee Sanctuary: ‘Surplus’ Life and the Politics of Transspecies Care”. American Quarterly, 653:619-637.) ou preservação da vida selvagem (Bocci, 2014BOCCI, Paolo. 2017. “Tangles of Care: Killing Goats to Save Tortoises on the Galápagos Islands”. Cultural Anthropology, 323:442-449.) produziram insights para se repensar como as fronteiras humanas são delineadas segundo percepções de diferenças e semelhanças, bem como de entrelaçamento mútuo, em relação a outras espécies. Na etnografia The Mushroom at the End of the World, de Tsing, os apanhadores canadenses de cogumelos cultivam uma “arte da observação” própria (Tsing 2015TSING, Anna L. 2015. The Mushroom at the end of the World. On the Possibilities of Life in Capitalist Ruins. Princeton: Princeton University Press.), que pode servir como um exemplo das “ético-onto-epistemologias” (Shotwell 2016:116SHOTWELL, Alexis. 2016. Against Purity. Living Ethically in Compromised Times. Minneapolis: University of Minnesota Press.) que estudam como o entrelaçamento entre ética, conhecimento e existência é concebido. De acordo com esse entendimento, o cuidado reconhece a dor e o sofrimento de outras espécies e, por isso, busca uma forma colaborativa de sobrevivência. As incômodas questões éticas referentes a se os atos de matar indivíduos animais ou de levar uma espécie à extinção podem ser justificados como uma forma de cuidar de outra espécie já estão implícitas nestas zonas de interação (Bocci 2014BOCCI, Paolo. 2017. “Tangles of Care: Killing Goats to Save Tortoises on the Galápagos Islands”. Cultural Anthropology, 323:442-449.; Law 2010LAW, John. 2010. “Care and Killing: Tensions in Veterinary Practice”. In: A. Mol, I. Moser & J. Pols (eds.), Care in Practice: On Thinking in Clinics, Homes and Farms. Bielefeld: Transcript. pp. 57-75.).

Enquanto prática relacional, as formas como os humanos cuidam de si mesmos e de outras espécies e os tipos de espécies consideradas mais próximas da própria existência humana por meio de práticas de diferenciação como o consumo e a domesticação são “boas para pensar” (Mullin 1999MULLIN, Molly. 1999. “Mirrors and Windows: Sociocultural Studies of Human-Animal Relationships”. Annual Review of Anthropology, 28:202-224.), porque fornecem uma lente importante para a compreensão da socialidade humana em geral (Kohn 2013KOHN, Eduardo. 2013. How Forests Think: Toward an Anthropology Beyond the Human. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press .; Shir-Vertesh 2012SHIR-VERTESH, Dafna. 2012. “‘Flexible Personhood’: Loving Animals as Family Members in Israel”. American Anthropologist, 1143:420-432.). Entretanto, saber se o cuidado de outras espécies constitui essencialmente um campo simbólico ou se “outras” visões de mundo e suas relações com o ser humano podem ser “levadas a sério” é ainda um debate ontológico importante (de la Cadena 2015DE LA CADENA, Marisol. 2015. Earth Beings. Ecologies of Practice across the Andean World. Durham: Duke.; Archambault 2016ARCHAMBAULT, Julie S. 2016. “Taking Love Seriously in Human-Plant Relations in Mozambique: Toward an Anthropology of Affective Encounters”. Cultural Anthropology, 312:244-271.). Em um artigo sobre as interações entre biólogos, cineastas populares e suricatas do Kalahari, Candea propôs a questão: “O que pode ser considerado como uma relação social e quem pode participar?” (2010:243). De acordo com Candea, os cientistas sociais operam com uma dicotomia extremamente simplificada que compara e avalia o envolvimento e o desinteresse de forma moralizante. Seguindo sua reivindicação de uma maior abertura diante da amplitude das interações, deveríamos, em vez disso, nos perguntar a partir de que momento uma interação se torna significativa, quando um ato de cuidado se transforma em uma relação e quando uma relação implica responsabilidade. Dar atenção a estas preocupações pode propiciar insights mais profundos sobre as formas como as fronteiras entre os diferentes tipos de entidades são traçadas.

Questões ontológicas à parte, a pesquisa humano-animal - enquanto um campo interdisciplinar transversal à antropologia, aos estudos médicos, às ciências da natureza e aos estudos de ciência e tecnologia - vem ganhando importância, em particular diante da emergência dos recentes desafios globais à saúde. Como o cuidado se dá sob formas particularmente intensas tanto no início quanto no fim da vida, pode-se talvez considerar também o papel de cuidador desempenhado por máquinas no reconhecimento ou na substituição de condições de vida precárias, tais como nas condições do parto prematuro ou da morte biológica (Svendsen et al. 2018SVENDSEN, Mette, NAVNE, Laura, GJØDSBØL, Iben M. & DAM, Mie S. 2018. “A life worth living: Temporality, care, and personhood in the Danish welfare State”. American Ethnologist, 451:20-33.).

À luz da pandemia de COVID-19, pesquisas antropológicas já existentes sobre zoonoses (isto é, doenças transmitidas por meio de contatos próximos entre humanos e outros animais), tais como SARS, Zika, Ebola, a doença da vaca louca e a gripe aviária, forneceram pistas importantes para a nossa compreensão do modo como a agricultura, as paisagens e o cuidado animal se intersectam com questões cruciais relativas à agricultura intensiva e à extração de recursos (Porter 2013PORTER, Natalie. 2013. “Bird flu biopower: Strategies for multispecies coexistence in Việt Nam”. American Ethnologist, 401:132-148.; Parker et al. 2019PARKER, Melissa, HANSON, Tommy M., VANDI, Ahmed, BABAWO, Lawrence S. & ALLEN, Tim. 2019: “Ebola and Public Authority: Saving Loved Ones in Sierra Leone”. Medical Anthropology, 385:440-454.; Higgins et al. 2020HIGGINS, Rylan, MARTIN, Emily & VESPERI, Maria D. 2020. “Introduction: An Anthropology of the Covid-19 Pandemic”. Anthropology Now, 121:2-6.; Keck 2020KECK, Frédéric. 2020. Avian Reservoirs: Virus Hunters and Birdwatchers in Chinese Sentinel Posts. Durham: Duke University Press .; Stépanoff & Vigne 2020STÉPANOFF, Charles & VIGNE, Jean-Denis. 2020. Hybrid Communities Biosocial Approaches to Domestication and Other Trans-species Relationships. London: Routledge.). Ainda assim, mais uma vez podemos identificar ao menos duas conclusões aparentemente contraditórias no seio destes estudos (que, em sua maior parte, enfocam as ciências da natureza): por um lado, várias abordagens defendem um conceito de cuidado novo e explicitamente recíproco que supere o excepcionalismo humano e contribua para o fim do Antropoceno, a atual era em que uma espécie detém poder e controle desproporcionais. Por outro lado, a noção de cuidado tem sido associada a uma missão de preservação quase pastoral e de natureza terapêutica ligada a percepções de totalidade e à recuperação de funções perdidas. Este uso paliativo adota o cuidado como um substituto moral para ideias de pureza que evocam tanto aspirações identitárias quanto nacionalistas (Murphy 2015MURPHY, Michelle. 2015. “Unsettling Care: Troubling Transnational Itineraries of Care in Feminist Health Practices”. Social Studies of Science, 455:717-737.; Duclos & Criado 2019DUCLOS, Vincent & SÁNCHES CRIADO, Tomás. 2019. “Care in Trouble: Ecologies of Support from Below and Beyond”. Medical Anthropology Quarterly, 342:153-173.).

Conclusão: o cuidado além do reparo

É importante deixar claro que o conceito de cuidado não é, de forma alguma, parte de uma visão de mundo bondosa, ou mesmo inocente, capaz de corrigir ou de aliviar o sofrimento do mundo. Pelo contrário: o cuidado é uma lente incômoda para se analisar seriamente a natureza contingente das transformações e das persistentes instabilidades da vida. Rastrear o cuidado por amplas cenas empíricas é percorrer categorias consolidadas na antropologia do parentesco e das relações sociais, em perspectivas econômicas e políticas e em preocupações médicas, biológicas e tecnológicas. Por esta razão, o cuidado oferece uma importante rota de fuga da inclinação antropológica para a compartimentalização. Ao longo dessa história de quase meio século, a antropologia examinou, no plano empírico, uma grande variedade de dinâmicas, atribuições, expectativas e avaliações do cuidado. Se observarmos a dimensão normativa inerente ao conceito, surgem duas perspectivas distintas, que indicam uma tensão particular: por um lado, o conceito de cuidado apresenta uma dimensão protetora e conservadora apegada ao passado. Comportar-se com cuidado ou agir cuidadosamente são ações que visam manter o mundo tal como é. Por outro lado, o conceito incorpora uma dimensão transformadora e, portanto, fluida, por meio de suas noções de desenvolvimento, aprimoramento e expectativas de cura. A partir dessa compreensão dual, fica claro que sentimentos com conotações positivas, incluindo aí a empatia,3 3 (N. da T.) No original, sympathy. a gratidão e a esperança, não se situam fora das estruturas hegemônicas e precisam, ao contrário, ser reconhecidos como componentes intrínsecos destas estruturas. O mesmo pode ser dito do anseio do pesquisador por fazer descobertas úteis para a melhoria das condições de vida neste planeta.

Para concluir, gostaria de chamar a atenção para as bases empíricas da disciplina e propor uma questão relativa a em que medida a noção de cuidado ainda pode ser usada para compreender os “outros”, isto é, por meio de posições, interações e relações diferentes daquelas do próprio antropólogo. Isto inclui não apenas outras pessoas, animais e organismos, mas também perspectivas e posicionalidades distintas que precisam, inicialmente, ser identificadas, e que à primeira vista podem parecer difusas, vagas ou incompreensíveis. Como forma de ir além da nossa própria compreensão (potencial ou inevitavelmente) acadêmica, eurocêntrica ou antropocêntrica da noção, este ensaio sugere levar “o cuidado além do reparo”, o que pode ser feito perguntando de que modo o cuidado, em sua dimensão social, emocional, técnica e política, é enquadrado em outras línguas e por meio de quais signos, gestos, atribuições e avaliações.

Indo além, precisamos também considerar quais as infraestruturas e os arranjos espaciais que contribuem para que uma interação seja valorizada como “cuidado” e os modos como o cuidado é qualificado e diferenciado de outros tipos de atitudes e relações. E mais, se focarmos na dimensão hierárquica e avaliativa do cuidado, podemos perguntar: quem, ou o que, decide propiciar cuidado e decide as condições em que isto se dá? Sob quais condições se questiona a legitimidade do cuidado? E quem a questiona? Como esta decisão altera ou confirma não apenas a posição daquele que cuida, mas também a posição daquele que recebe, aceita, retribui, devolve,4 4 (N. da T.) No original, return. Optei aqui por desdobrar “return” em duas de suas acepções em português - “retribuir” e “devolver” - por considerar que ambas integram a argumentação da autora. questiona ou rejeita o cuidado? De que forma a ausência de cuidado é enunciada? Como essa ausência é encarada? Finalmente, considero importante discutir as bases temporais do cuidado: quanto tempo uma relação de cuidado deve durar? Que tipo de resultado deve ter? Quais são as temporalidades associadas à anulação da agência do receptor?

Em princípio, faz sentido, como sempre, buscar os contornos do problema em suas margens e fronteiras: o conceito de cuidado permite que nos aventuremos pelas bordas desconfortáveis da existência humana, por seus inícios e fins precários, aflitos e muitas vezes dolorosos, pelos espaços nos quais os limites entre humanos e outras entidades se tornam borrados, pelos momentos em que a diferença entre o ainda não e o agora se torna perceptível. Observado por este ângulo, o cuidado além do reparo chama a nossa atenção para o fazer e o desfazer da existência humana.

Referências bibliográficas

  • ADAMS, Vincanne. 2013. Markets of Sorrow, Labors of Faith: New Orleans in the Wake of Katrina Durham: Duke University Press.
  • ALBER, Erdmute & DROTBOHM, Heike (eds.). 2015. Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course Basingstoke: Palgrave Macmillan.
  • ÅKESSON, Lisa, CARLING, Jørgen & DROTBOHM, Heike. 2012. “Mobility, Moralities and Motherhood: Navigating the Contingencies of Cape Verdean Lives”. Journal of Ethnic and Migration Studies, 382:237-260.
  • ARCHAMBAULT, Julie S. 2016. “Taking Love Seriously in Human-Plant Relations in Mozambique: Toward an Anthropology of Affective Encounters”. Cultural Anthropology, 312:244-271.
  • BALDASSAR, Loretta & MERLA, Laura. 2014. “Introduction: Transnational Family Caregiving through the lens of circulation”. In: BALDASSAR, Loretta & MERLA, Laura, Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life London, New York: Routledge. pp. 3-24.
  • BARCLAY, Katie. 2021. Caritas: Neighbourly Love and the Early Modern Self Oxford: Oxford University Press.
  • BARNES, Jessica & TAHER, Mariam. 2019: “Care and Conveyance: Buying Baladi Bread in Cairo”. Cultural Anthropology, 343:417-443.
  • BIRD-DAVID, Nurit. 1999. “‘Animism’ Revisited: Personhood, Environment, and Relational Epistemology”. Current Anthropology, 40, Special Issue: 567-591.
  • BOCCI, Paolo. 2017. “Tangles of Care: Killing Goats to Save Tortoises on the Galápagos Islands”. Cultural Anthropology, 323:442-449.
  • BOCK, Jan-Jonathan. 2016 “The Second Earthquake: How the Italian State Generated Hope and Uncertainty in Post-Disaster L’Aquila”. Journal of the Royal Anthropological Institute, 231:61-80.
  • BOLLIG, Michael. 2018. “Afterword: Anthropology, Climate Change and Social-Ecological Transformations in the Anthropocene”. Sociologus, 681:85-94.
  • BORIS, Eileen & PARREÑAS, Rhacel Salazar. 2010. Intimate Labors. Culture, Technologies, and the Politics of Care Stanford: Stanford University Press.
  • BORNEMAN, John. 2001. “Caring and to be Cared for: Displacing Marriage, Kinship, Gender, and Sexuality”. In: J. Faubion (ed.), The Ethics of Kinship New Jersey: Rowland and Littlefield. pp. 29-46.
  • BORNSTEIN, Erica. 2012. Disquieting Gifts. Humanitarianism in New Delhi Stanford: Stanford UP.
  • BORNSTEIN, Erica & REDFIELD, Peter. 2011. Forces of Compassion. Humanitarianism between Ethics and Politics Santa Fe: SAR.
  • BUCH, Elana D. 2015. “Anthropology of Aging and Care”. Annual Review of Anthropology, 44:277-293.
  • BRODMAN, James W. 2009. Charity and Religion in Medieval Europe Washington: Catholic University of America Press.
  • CHANIAL, Philippe. 2012. “Don et care: une famille politique à recomposer?”. Revue du MAUSS, 39:67-88.
  • COE, Cati. 2011. “What is Love? The Materiality of Care in Ghanaian Transnational Families”. International Migration, 496:7-24.
  • COOK, Joanna & TRUNDLE, Catherine. 2020. “Unsettled Care: Temporality, Subjectivity, and the Uneasy Ethics of Care”. Anthropology and Humanism, 452:178-183.
  • CANDEA, Matei. 2010. “I fell in love with Carlos the meerkat”: Engagement and detachment in human-animal relations. American Ethnologist, 372:241-258.
  • CARSTEN, Janet. 1997. The Heat of The Hearth: The Process of Kinship in a Malay Fishing Community Oxford: Oxford University Press.
  • CARSTEN, Janet. 2003. After Kinship Cambridge: Cambridge University Press.
  • CLARK, Colin. 2007. Introduction Themed Section Care or Control? Gypsies, Travellers and the State. Social Policy & Society 71:65-71.
  • COHEN, Mark R. 2009. Poverty and Charity in the Jewish Community of Medieval Egypt Princeton: Princeton University Press.
  • COLEN, Shellee. 1995. “‘Like a Mother to Them’. Stratified Reproduction and West Indian Child Care Workers in New York”. In: F. D. Ginsburg & R. Rapp (eds.), Conceiving the new World Order: The Global Politics of Reproduction Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press. pp. 78-102.
  • DE LA CADENA, Marisol. 2015. Earth Beings. Ecologies of Practice across the Andean World Durham: Duke.
  • DEVAULT, Marjorie L. 1991. Feeding the Family: The Social Organization of Caring as Gendered Work Chicago: University of Chicago Press.
  • DROTBOHM, Heike. 2013. “The Promises of Co-mothering and the Perils of Detachment. A Comparison of Local and Transnational Cape Verdean Child Fosterage”. In: E. Alber, J. Martin & C. Notermans (eds.), Child Fosterage in West Africa: New Perspectives on Theories and Practices.Leiden: Brill. pp. 217-245.
  • DROTBOHM, Heike. 2015. “Shifting Care among Families, Social Networks and State Institutions in Times of Crisis: A Transnational Cape Verdean Perspective”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course Basingstoke: Palgrave Macmillan . pp. 93-116.
  • DROTBOHM, Heike. 2016. “Celebrating Asymmetries: Creole Stratification and the Regrounding of Home in Cape Verdean Migrant Return Visits”. In: J. Knörr & C. Kohl (eds.), The Upper Guinea Coast in Global Perspective London: Berghahn. pp. 135-156.
  • DROTBOHM, Heike. 2021. “‘Not a cozy dwelling’. Exploring aspirational anxieties and politics of displacement in São Paulo’s squats”. Humanity: An International Journal of Human Rights, Humanitarianism, and Development, 12:354-367.
  • DROTBOHM, Heike & ALBER, Erdmute. 2015. “Introduction”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course Basingstoke: Palgrave Macmillan . pp. 1-20.
  • DUCLOS, Vincent & SÁNCHES CRIADO, Tomás. 2019. “Care in Trouble: Ecologies of Support from Below and Beyond”. Medical Anthropology Quarterly, 342:153-173.
  • EHRENREICH, Barbara & HOCHSCHILD, Arlie R. (eds.). 2003. Global Woman: Nannies, Maids, and Sex Workers in the New Economy New York: Metropolitan Books.
  • FASSIN, Didier. 2011. Humanitarian Reason. A Moral History of the Present Berkeley: University of California Press.
  • FEINGOLD, Mordechai. 1987. “Philanthropy, Pomp, and Patronage: Historical Reflections upon the Endowment of Culture”. Daedalus, 1161:155-178.
  • FELDMAN-SAVELSBERG, Pamela. 2015. Mothers on the Move. Reproducing Belonging between Africa and Europe Chicago, London: University of Chicago Press.
  • FELDMAN, Ilana & TICKTIN, Miriam. 2010. In the Name of Humanity. The Government of Threat and Care Durham: Duke .
  • FIJN, Natasha. 2011.Living with herds: human-animal coexistence in Mongolia Cambridge: Cambridge University Press .
  • FINCH, Janet & GROVES, Dulcie. (eds.). 1983. A Labour of Love: Women and Caring Boston: Routledge and Kegan Paul.
  • FINCH, Janet & MASON, Jennifer. 1991. “Obligations of Kinship in Contemporary Britain: Is there Normative Agreement?”. The British Journal of Sociology 423:345-367.
  • FISHER, Berenice & TRONTO, Joan. 1990. “Towards a Feminist Theory of Caring”. In: E. Abel & M. Nelson (eds.), Circles of Care Albany: Suny Press. pp. 36-54.
  • GAIBAZZI, Paolo. 2014. “Visa problem: certification, kinship, and the production of ‘ineligibility’ in the Gambia”. Journal of the Royal Anthropological Institute, 201:38-55.
  • GLENN, Evelyn N. 2010. Forced to Care. Coercion and Caregiving in America Cambridge, Mass: Harvard University Press.
  • HAMILTON, John T. 2013. Politics, Humanity, and the Philology of Care Princeton: Princeton University Press .
  • HARAWAY, Donna. 2008. When Species Meet Minneapolis: University of Minnesota Press.
  • HEIDBRINK, Lauren. 2014. Migrant youth, Transnational families, and the state. Care and contested interests Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
  • HIGGINS, Rylan, MARTIN, Emily & VESPERI, Maria D. 2020. “Introduction: An Anthropology of the Covid-19 Pandemic”. Anthropology Now, 121:2-6.
  • HOCHSCHILD, Arlie R. 2000. “Global Care Chains and Emotional Surplus Value”. In: A. Giddens & W. Hutton (eds.), On the Edge: Living with Global Capitalism London: Jonathan Cape. pp. 130-146.
  • HUA, Julietta & AHUJA, Neel. 2013. “Chimpanzee Sanctuary: ‘Surplus’ Life and the Politics of Transspecies Care”. American Quarterly, 653:619-637.
  • HUSCHKE, Susann. 2014. “Performing Deservingness. Humanitarian Health Care Provision for Migrants in Germany”. Social Science and Medicine, 120:352-359.
  • KECK, Frédéric. 2020. Avian Reservoirs: Virus Hunters and Birdwatchers in Chinese Sentinel Posts Durham: Duke University Press .
  • KIRKSEY, S. Eben & HELMREICH, Stefan. 2010. “The Emergence of Multispecies Ethnography”. Cultural Anthropology, 254:545-576.
  • KOHN, Eduardo. 2013. How Forests Think: Toward an Anthropology Beyond the Human Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press .
  • KOFMAN, Eleonore. 2012. “Rethinking Care Through Social Reproduction: Articulating Circuits of Migration”. Social Politics, 191:142-162.
  • LAW, John. 2010. “Care and Killing: Tensions in Veterinary Practice”. In: A. Mol, I. Moser & J. Pols (eds.), Care in Practice: On Thinking in Clinics, Homes and Farms Bielefeld: Transcript. pp. 57-75.
  • LEINAWEAVER, Jessaca B. 2008. The Circulation of Children: Kinship, Adoption, and Morality in Andean Peru Durham: Duke University Press .
  • MILLER, Daniel. 2007. “What is Relationship? Is Kinship Negotiated Experience?”. Ethnos, 724:535-554.
  • MOL, Annemarie, MOSER, Ingunn & POLS, Jeannette. 2010. “Care: Putting Practice into Theory”. In: MOL, Annemarie, MOSER, Ingunn & POLS, Jeannette (eds.), Care in Practice: On Thinking in Clinics, Homes and Farms Bielefeld: Transcript . pp. 7-26.
  • MULLIN, Molly. 1999. “Mirrors and Windows: Sociocultural Studies of Human-Animal Relationships”. Annual Review of Anthropology, 28:202-224.
  • MÜNSTER, Ursula. 2017. “The Sons of Salim Ali: Avian Care in the Western Ghats of South India”. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 20171:67-75.
  • MURPHY, Michelle. 2015. “Unsettling Care: Troubling Transnational Itineraries of Care in Feminist Health Practices”. Social Studies of Science, 455:717-737.
  • ORR, Yancey, LANSING, Stephen & DOVE, Michael. 2015. “Environmental Anthropology: Systematic Perspectives”. Annual Review of Anthropology, 44:153-168.
  • PARKER, Melissa, HANSON, Tommy M., VANDI, Ahmed, BABAWO, Lawrence S. & ALLEN, Tim. 2019: “Ebola and Public Authority: Saving Loved Ones in Sierra Leone”. Medical Anthropology, 385:440-454.
  • PALMBERGER, Monika & HROMADŽIĆ, Azra. 2018. “Introduction: Care Across Distance”. In: PALMBERGER, Monika & HROMADŽIĆ, Azra (eds.), Care Across Distance: Ethnographic Explorations of Aging and Migration New York, Oxford: Berghahn. pp. 1-12.
  • PARREÑAS, Rhacel Salazar. 2001. Servants of Globalization. Women, Migration and Domestic Work Stanford: Stanford University Press.
  • POEZE, Miranda & MAZZUCATO, Valentina. 2014. “Ghanaian Children in Transnational Families: Understanding the Experiences of Left-Behind Children through Local Parenting Norms”. In: L. Baldassar & L. Merla (eds.), Transnational Families, Migration and the Circulation of Care: Understanding Mobility and Absence in Family Life London, New York: Routledge. pp. 149-169.
  • POLS, Jeannette & MOSER, Ingunn. 2009. “Cold Technologies Versus Warm Care? On Affective and Social Relations with and through Care”. Alter: Journal of Disability Research, 32:159-178.
  • POVINELLI, Elizabeth. 2011. Economies of Abandonment. Social Belonging and Endurance in Late Liberalism Durham, London: Duke.
  • PORTER, Natalie. 2013. “Bird flu biopower: Strategies for multispecies coexistence in Việt Nam”. American Ethnologist, 401:132-148.
  • PUIG DE LA BELLACASA, Maria. 2011. “Matters of Care in Technoscience: Assembling Neglected Things”. Social Studies of Science, 411:85-106.
  • PUIG DE LA BELLACASA, Maria. 2017. Matters of Care: Speculative Ethics in More than Human Worlds Minneapolis, London: University of Minnesota Press.
  • RAPP, Rayna. 2020. “Afterword: Unsettling Care for Anthropologists”. Anthropology and Humanism, 452:255-259.
  • REICH, Warren T. 1995. “History of the Notion of Care”. In: Warren Thomas Reich (ed.), Encyclopedia of Bioethics Revised edition. 5 vols. New York: Simon & Schuster Macmillan. pp. 319-331.
  • RODRIGUEZ, Naomi Glenn-Levin. 2017. Fragile Families: Foster Care, Immigration and Citizenship Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
  • SCHNEIDER, David M. 1984. A Critique of the Study of Kinship Ann Arbor: University of Michigan Press.
  • SHOTWELL, Alexis. 2016. Against Purity. Living Ethically in Compromised Times Minneapolis: University of Minnesota Press.
  • STÉPANOFF, Charles & VIGNE, Jean-Denis. 2020. Hybrid Communities Biosocial Approaches to Domestication and Other Trans-species Relationships London: Routledge.
  • SEVENHUIJSEN, Selma. 1989. Citizenship and the Ethics of Care. Feminist considerations on justice, morality and politics London, New York: Routledge.
  • SVENDSEN, Mette, NAVNE, Laura, GJØDSBØL, Iben M. & DAM, Mie S. 2018. “A life worth living: Temporality, care, and personhood in the Danish welfare State”. American Ethnologist, 451:20-33.
  • SHIR-VERTESH, Dafna. 2012. “‘Flexible Personhood’: Loving Animals as Family Members in Israel”. American Anthropologist, 1143:420-432.
  • THELEN, Tatjana. 2015a. “Care of the Elderly, Migration, Community: Explorations from Rural Romania”. In: E. Alber & H. Drotbohm (eds.), Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life Course Basingstoke: Palgrave Macmillan. pp. 137-157.
  • THELEN, Tatjana. 2015b. “Care as Social Organization: Creating, Maintaining and Dissolving Significant Relations”. Anthropological Theory, 154:497-515.
  • TICKTIN, Miriam. 2006. “Where Ethics and Politics Meet: The Violence of Humanitarianism in France”. American Ethnologist, 331:33-49.
  • TICKTIN, Miriam. 2011. Casualties of Care: Immigrants and the Politics of Humanitarianism in France Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press.
  • TICKTIN, Miriam. 2019. “From the Human to the Planetary: Speculative Futures of Care”. Medicine Anthropology Theory, 63:133-160.
  • TRONTO, Joan. 1993. Moral Boundaries. A Political Argument for an Ethic of Care New York: Routledge.
  • TRONTO, Joan. 2010. Creating Caring Institutions: Politics, Plurality, and Purpose Ethics and Social Welfare, 4:158-171.
  • TRONTO, Joan. 2013. Caring Democracy. Markets, Equality, and Justice New York, London: New York University Press.
  • TSING, Anna L. 2015. The Mushroom at the end of the World. On the Possibilities of Life in Capitalist Ruins Princeton: Princeton University Press.
  • VRĂBIESCU, Ioana & KALIR, Barak. 2017. “Care-full Failure: How Auxiliary Assistance to Poor Roma Migrant Women in Spain Compounds Marginalization”. Social Identities, 244:520-532.
  • WEISMANTEL, Mary. 1995. Making Kin: Kinship Theory and Zumbagua Adoptions. American Ethnologist, 22:685-704.
  • WOLF-MEYER, Matthew. 2020. Unraveling. Remaking Personhood in a Neurodiverse Age Minneapolis, London: University of Minnesota Press .
  • YEATES, Nicola. 2004. “Global Care Chains”. International Feminist Journal of Politics, 63:369-391.

Notas

  • 1
    Este texto foi traduzido com muito cuidado por Maria Claudia Coelho, a quem eu gostaria de expressar minha gratidão.
  • 2
    (N. da T.) O termo “care” em inglês, na sua forma verbal (to care) tem dois sentidos distintos, dependendo da preposição utilizada: to care for se traduz por “cuidar de” (como em “cuidar de alguém”) e to care about se traduz por “se importar com” (algo ou alguém). Há ainda a expressão “to take care of”, que se traduz por “cuidar de algo” (no sentido de se encarregar de uma tarefa ou de resolver um problema).
  • 3
    (N. da T.) No original, sympathy.
  • 4
    (N. da T.) No original, return. Optei aqui por desdobrar “return” em duas de suas acepções em português - “retribuir” e “devolver” - por considerar que ambas integram a argumentação da autora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2021
  • Aceito
    14 Jan 2022
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS-Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Quinta da Boa Vista s/n - São Cristóvão, 20940-040 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 2568-9642, Fax: +55 21 2254-6695 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistamanappgas@gmail.com