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Dessenhorizar a academia: ações afirmativas na pós-graduação1 1 Este artigo faz parte do projeto “Principles and Practice in Approaches to Deracialisation: countering the Social Dynamics of Contemporary Racialisation in Brazil, South Africa, Sweden and the United Kingdom” (2016-04759), financiado pelo Swedish Research Council. A autora e o autor também contaram com fomentos públicos do Estado brasileiro, seja por meio de bolsas de pesquisa, seja pela manutenção de seus Programas de Pós-Graduação. Os recursos da CAPES, do CNPq e de outras agências são cruciais para a pesquisa no país.

De-lording the academy: affirmative action in graduate programmes

Dessenhorizar la academia: acciones afirmativas en estudios de posgrado

Resumo

A partir de uma etnografia do processo de reivindicação e implementação da política de ações afirmativas para os programas de pós-graduação da Universidade de Brasília, o texto procura refletir sobre a afinidade e a imbricação entre critérios de excelência acadêmica, colonialidade do saber e racismo institucional. O artigo resgata eventos que antecederam os acontecimentos do ano de 2020, a fim de coadunar os enfrentamentos locais com outras agendas de longa data que tiveram estopim em momento concomitante, como o movimento #BlackLivesMatter. Seu objetivo é apontar para a necessidade de se dessenhorizar a academia e enfrentar sua constituição plantation. O artigo frisa ainda a importância da prática etnográfica nas instituições de ensino e pesquisa em que atuamos e onde, em nosso cotidiano, dilemas éticos com implicações políticas e epistemológicas cruciais têm lugar.

Palavras-chave:
Ações Afirmativas; Racismo; Educação Superior; Racismo institucional.

Abstract

The article reflects on the affinity and overlap between criteria of academic excellence, coloniality of knowledge and institutional racism. It is an ethnography of the affirmative action policy for graduate programmes at the University of Brasília. In order to combine local confrontations with other long-standing agendas that are triggered simultaneously, the article retrieves events that preceded the year 2020, such as the #BlackLivesMatter movement. Its aim is to highlight the need to dessenhorizar (de-lord) the academy, which means de-empowering and de-mastering it out of its plantation mode of existence. It also stresses the importance of ethnographic practice in the teaching and research institutions we operate, where ethical dilemmas in our daily lives have crucial political and epistemological implications.

Keywords:
Affirmative action; Racism; Higher Education; Institutional Racism.

Resumen

A partir de una etnografía del proceso de reivindicación e implementación de la política de acción afirmativa para los programas de posgrado de la Universidad de Brasilia, el texto busca reflexionar sobre la afinidad y superposición entre criterios de excelencia académica, colonialidad del saber y racismo institucional. El artículo rescata hechos que antecedieron al año 2020, con el fin de alinear los enfrentamientos locales con otras agendas de larga data que tuvieron un detonante en un momento concomitante, como el movimiento #BlackLivesMatter. Su objetivo es señalar la necesidad de dessenhorizar la academia y enfrentar su constitución de plantación (plantation). El artículo también enfatiza la importancia de la práctica etnográfica en las instituciones de enseñanza e investigación en las que operamos y donde, en nuestra vida cotidiana, se presentan dilemas éticos con implicaciones políticas y epistemológicas cruciales.

Palavras clave:
Acción Afirmativa; Racismo; Educación Superior; Racismo Institucional

Introdução

A educação superior no Brasil é marcada por algumas particularidades que, no geral, passam despercebidas mesmo por quem tem muita intimidade com seu sistema e funcionamento. No ensino de graduação, a maioria das matrículas ocorre em universidades privadas. Privadas são universidades em que toda a educação é paga, não raro por meio de financiamento público. Já públicas são universidades em que não há qualquer tipo de pagamento. Toda a estrutura básica da universidade pública é sustentada pelo Estado (governo federal, estadual ou municipal): das instalações aos salários dos servidores. Quando nos referimos ao nível de pós-graduação, a pirâmide de matriculados e de carreiras se inverte. A maioria dos cursos é ofertada em universidades públicas (ou seja, isentos de quaisquer taxas monetárias para matrícula e mensalidades), onde trabalham servidores públicos.2 2 “Instituições públicas continuam responsáveis pela formação da maior parte dos mestres (79,8% do total) e dos doutores (85,3%) no país.” (Brasil 2022:314).

De acordo com dados da Plataforma Sucupira, 2021, atualmente o sistema de pós-graduação brasileiro possui 4.641 Programas de Pós-Graduação acadêmicos e profissionais, destes 3.808 (ou 82%) são desenvolvidos em instituições públicas federais, estaduais ou municipais. Um elemento a mais e nada negligenciável deste arranjo brasileiro é um sistema de provimento de bolsas (atualmente em franca defasagem financeira, é certo) para os estudantes de pós-graduação realizarem suas formações, mormente em universidades públicas. Soma-se a isso, recursos de fontes públicas, cada vez mais escassos, para a realização de pesquisas. A privação na pós-graduação das universidades públicas não é exceção. Especialmente após o golpe de 2016, alterações de ordem diversa estão colaborando para o aniquilamento silencioso do sistema público de ensino. A relação com a Emenda Constitucional 95/2016, que estabelece o congelamento do teto de gastos sociais do governo federal, é evidente. Tivemos reformas curriculares que reconfiguraram o ensino médio, dando margem para que disciplinas como sociologia e filosofia, por exemplo, fiquem em segundo plano (Lei 11.684/2008 e Lei 13.415/2017). Reveses nas políticas de financiamento para a educação superior privada, relacionadas ao ajuste fiscal, também tiveram um impacto negativo. No lucrativo negócio das faculdades privadas, ocorre um crescente endividamento de estudantes que não chegam a ser diplomados nas carreiras que elegem. Como síntese desses e de outros fatores, vimos uma redução expressiva no número de títulos concedidos. Os de mestrado, de 70.017 em 2019 caíram para 60.039 em 2020. Já o doutorado passou de 24,4 mil para 20,1 mil no mesmo ano - ficando aquém das metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação. Por fim, cabe ainda apontar retrocessos pedagógicos em termos de educação inclusiva, que vão da falta de suporte a pessoas com deficiência ou transtorno à sua segregação (vide Decreto 10.502/2020, julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal) ao questionamento de agendas educativas que problematizam racismo, gênero, sexualidade e direitos humanos, dentre outros temas pejorativamente designados de ideológicos.

Em face das dilapidações mais recentes por que tem passado o ensino superior no país, em 2020, um dirigente da Universidade de Brasília (UnB), saindo em sua defesa, definiu seu caráter público, a saber, “franqueado a todos, a qualquer um, independentemente de seus recursos financeiros”. É sabido que a fórmula “universidade pública, gratuita e de qualidade” inexiste em outros países tal e qual a temos no Brasil (Borges & Sobral 2020BORGES, Antonádia & SOBRAL, José Roberto. 2020. “Universities as a Battlefield in Brazilian Politics Today”. Cultural Anthropology, Hot Spot Series:1-3.). No entanto, será objeto de nossa atenção neste artigo discutir a noção de “todos” e de “qualquer um” acima apresentada, desde a igualmente irrefutável segregação racial que caracteriza o espaço acadêmico da universidade pública no país (Carvalho 2007CARVALHO, José Jorge. 2007. “O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro”. PADÊ: estudos em filosofia, raça, gênero e direitos humanos, UniCEUB, FACJS, 49, v. 2, n. 1/07:31-50.).

A partir de uma etnografia sobre o processo de implantação da política de ações afirmativas para os Programas de Pós-Graduação (PPGs) da UnB, recuperaremos as lutas antirracistas, as transformações por elas geradas e as persistentes resistências da branquidade3 3 Usaremos o termo branquidade e não branquitude em nosso texto a fim de realçar sua relação com a noção de colonialidade do saber (Grosfoguel 2007; Bernardino-Costa & Borges 2021). Seguimos os argumentos de Paterniani (2020), para quem “a branquidade, enquanto modo de funcionamento, envolve a obliteração de regimes de produção de conhecimento” (:27). ao seu sucesso. Procuraremos tratar das condições de possibilidade de discursos de professores universitários e pesquisadores que na segunda década deste milênio se mostram indiferentes ao racismo inerente a uma noção de “todos” apenas branca. Para tal, arrolaremos inicialmente acontecimentos cruciais para o quadro vivido na UnB em 2020, trazendo dados sobre a história recente das políticas de ações afirmativas nesta universidade e no país. Nosso objetivo é indicar elementos que compuseram a complexa construção de demandas por ações afirmativas na pós-graduação e sua implementação. Em seguida teceremos algumas considerações sobre as afinidades entre os discursos afeitos à defesa da meritocracia e a posicionalidade da chamada ciência brasileira em um quadro acadêmico global, heterogêneo e desigual. A partir de um trabalho analítico sobre nossos diálogos com colegas reticentes às ações afirmativas, verificamos a importância de um olhar etnográfico sobre as instituições de ensino e pesquisa em que trabalhamos e estudamos, a fim de dessenhorizar a academia.

Ao retomar os diálogos e os enfrentamentos que aconteceram em fóruns voltados à discussão prévia à implementação da política de ações afirmativas para os PPGs da UnB, nos quais tivemos uma participação ativa (Denshire 2014DENSHIRE, Sally. 2014. “On auto-ethnography”. Current Sociology Review, v. 62 (6):831-850.; Connell 2019CONNELL, Raewyn. 2019. The Good University: What Universities actually do and why it’s time for radical change. Melbourne: Monash University Publishing.), indicamos a importância da tessitura de alianças e do trabalho político incansável de enfrentamento do racismo em meio a uma concomitante ascensão de ideais políticos autoritários e violentos, que tinham e ainda têm eco em alguns setores da universidade, com posicionamentos ferrenhamente contrários à política de ações afirmativas.

Ao propormos e implementarmos ações afirmativas em todos os níveis de ensino - graduação e pós-graduação - e também iniciarmos os diálogos para a ampliação das ações afirmativas na contratação de professores, estamos também apontando para a necessidade de dessenhorizar as universidades brasileiras. Essas instituições - bastante recentes na história do país - não somente herdam uma lógica de funcionamento e pensamento forjada nos países do norte global, mas também hegemonizam a produção do conhecimento e o lugar de enunciação típico da branquidade que, numa das melhores metáforas para descrever o sistema de desigualdades raciais brasileiro, pode ser sintetizada pelo alpendre da casa-branca, habitada pelo senhor da plantation colonial. Ao etnografar o processo de entrada coletiva de estudantes negros primeiramente na graduação e agora na pós-graduação estamos sinalizando para a necessidade de refletirmos sobre os dilemas éticos (Das 2015DAS, Veena. 2015. “What does ordinary ethics look like?”. In. M. Lambek et al., Four lectures on ethics: anthropological perspectives. Chicago: Hau Books. ) e enfrentarmos a violência que encharca a vida cotidiana de todos que desafiam a existência da universidade como casa-branca.

Ações afirmativas na UnB

Antes de um desenvolvimento analítico dos temas acima mencionados, faz-se necessário um panorama da história recente das ações afirmativas na UnB. Esta breve história não se pretende exaustiva. Serve tão somente para situar quem nos lê a partir de algumas ações emblemáticas, relacionadas aos problemas que ora construímos.

Há vinte anos, as primeiras universidades a adotarem políticas de ação afirmativas no país foram as Universidades do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em 2001, seguidas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em 2002. A UnB deu início às discussões sobre uma política de ações afirmativas em 1999, aprovada somente em 2003 e implementada no ano seguinte (Carvalho & Segato 2002CARVALHO, José Jorge de & SEGATO, Rita L. 2002. Uma proposta de cotas para a Universidade de Brasília (versão revisada e ampliada). Série Antropologia, n. 314. Brasília: Departamento de Antropologia/UnB.).

Durante os dez primeiros anos de vigência do Plano de Metas de Integração Social, Étnica e Racial, foram forjados importantes capítulos da política de cotas não somente da UnB, mas de todas as universidades do país (Carvalho 2006CARVALHO, José Jorge. 2006. Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior. São Paulo: Attar Editorial.). Fazendo uma revisão crítica desses primeiros anos, Carvalho (2007) aponta para dois temas derivados da história de segregação racial que marcam na prática a institucionalização do universo acadêmico no Brasil. Por um lado, ao recuperar o projeto modernizante de nação levado a cabo pela branquidade, o autor indica o persistente mal-estar da academia branca diante das tentativas de se racializar o campo discursivo na universidade. Por outro, reivindica mudanças legislativas mandatórias que tornem os historicamente privilegiados responsabilizados por sua inação ou inércia. O diagnóstico do autor anunciava mudanças já em curso, que culminaram com decisões legais em favor das ações afirmativas e previsão de responsabilização para quem não as cumprisse.

No entanto, na mesma seara, revezes reveladores também marcaram esses primeiros passos das ações afirmativas no começo do século XX. Dentre muitos, recordemos que o partido político Democratas protocolou, em julho de 2009, junto ao Supremo Tribunal Federal, uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186). O mencionado partido reivindicava uma declaração de inconstitucionalidade do programa de cotas étnico-raciais da UnB e sua consequente extensão a todas as outras universidades que adotassem políticas de ação afirmativa baseadas exclusivamente em critérios étnico-raciais, como era o caso da UnB. A ADPF 186 foi julgada em abril de 2012 pelo plenário do STF, que a considerou improcedente por unanimidade (Lewandowski 2017LEWANDOWSKI, Andressa. 2017. O direito em última instância: uma etnografia no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris.).

Quando foi aprovada a Política de Cotas vigente atualmente nas instituições federais de ensino vinculadas ao Ministério da Educação, conhecida como Lei 12.711 (BRASIL 2012BRASIL. 2012. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/ 2012/lei/l12711.htm . Acesso em 17/05/2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), havia no país 129 instituições que adotavam algum tipo de ação afirmativa, sendo 51 delas ações afirmativas racialmente orientadas (INCTI 2012INCTI. 2012. Mapa das ações afirmativas no Brasil. Brasília: INCTI. ). Posteriormente, o advento da Lei de Cotas impeliu - mesmo que na forma de subcotas - todas as IFES a adotarem o critério racial em suas políticas de oferta de vagas (Silva 2020SILVA, Tatiana D. 2020. Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente. Texto para Discussão, n. 2569. Brasília/ Rio de Janeiro: IPEA.:14)

A respeito de mudanças que perpassaram todas as IFES transversalmente, é importante recordar que o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), instituído em 2007, ofereceu incentivos às universidades que a ele aderissem, como incremento no quadro funcional e melhoria em infraestrutura. O crescimento no fomento era sinalizado como contrapartida às suas principais metas: aumento de vagas de ingresso (especialmente no período noturno), redução das taxas de evasão e ocupação de vagas ociosas. O volumoso número de universidades que se empenharam em rearranjar suas dinâmicas internas de ingresso e permanência de estudantes teve como efeito imediato uma alteração nos padrões sociodemográficos dos corpos discentes.

À expansão numérica de assentos nos bancos universitários correspondeu um aumento no número de vagas reservadas. Porém, para além de novas cadeiras, a Lei de Cotas promoveu importantes debates sobre currículo, política de permanência e também sobre a expansão da política de ações afirmativas na pós-graduação, objeto de análise do presente artigo.

Um resultado óbvio e esperado das ações afirmativas na graduação foi um número crescente de formandos/as aptos/as a entrarem na pós-graduação. Na UnB não foi diferente. A partir da decisão pioneira do colegiado do PPG em Sociologia em 2013, que foi seguida pelo PPG em Antropologia, após controvérsias internas, em 2014, quando o “lazer escolástico foi substituído pelo teste da política” (dos Anjos 2005ANJOS, José Carlos Gomes dos. 2005. “O tribunal dos tribunais: onde se julgam aqueles que julgam raças”. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 11, n. 23:232-236, jan./jun.:236), outros 14 programas de pós-graduação na UnB passaram a adotar políticas de ações afirmativas nos anos subsequentes.

Em um universo de quase uma centena de programas de pós-graduação, somente 16 deles deliberaram interna e espontaneamente pela adoção de alguma política de ação afirmativa. Os demais passaram a adotá-la em 2020, seguindo uma política mandatória, a qual, por sua vez, partiu de um movimento que tem em 2017 outro marco significativo. Naquele ano, estudantes do Coletivo Ação e Justiça Antirracista (AJA) enviaram uma denúncia ao Ministério Público Federal, alegando que o sistema de cotas para a graduação da UnB estava sendo fraudado, uma vez que não existia o sistema de verificação da autodeclaração dos/as estudantes. Como resultado daquela denúncia, além de apurar os casos de fraude e estabelecer um sistema de validação da autodeclaração dos/as candidatos/as negros/as, o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público Federal e a UnB obrigava a universidade a dar conta de tal morosidade e a iniciar a tramitação das negociações, nas instâncias internas competentes, acerca da viabilidade de implantação de cotas raciais em seus programas de pós-graduação (Ministério Público Federal 2017MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 2017. Termo de Ajustamento de Conduta. Brasília: Procuradoria da República no Distrito Federal.).

Em virtude disto, no final de 2017 foi constituída uma comissão para propor ações afirmativas para os cursos de Pós-Graduação, composta pelos professores Bergmann Ribeiro (então diretor de Pós-Graduação da UnB), Renisia Garcia Filice (professora da Faculdade de Educação) e Joaze Bernardino-Costa (professor do Departamento de Sociologia). A partir desta comissão, sucederam-se inúmeras reuniões e debates com estudantes e professores da universidade ao longo daquele ano. Em 2018, infelizmente, houve um redirecionamento do foco de atuação política dos militantes antirracistas, diante da ascensão de um candidato à Presidência da República cuja plataforma política era abertamente contrária à política de cotas e também contrária à educação superior pública, gratuita e de qualidade. Ainda em 2018, houve substituição da Decana de Pós-Graduação, sendo nomeada para o cargo a professora Adalene Moreira (Departamento de Geologia), que nomeou uma outra comissão composta pela professora Antonádia Borges (diretora de Pós-Graduação da UnB), Maria Aparecida Chagas Ferreira (servidora do Ministério da Economia cedida para o Decanato de Pós-Graduação da UnB) e Joaze Bernardino-Costa (professor do Departamento de Sociologia).

O vagar interno neste âmbito foi acompanhado de diversas discussões em outros planos, que tornaram a luta antirracista uma questão candente no cotidiano da UnB. Ademais, fez-se sentir, nos diálogos entre membros da comunidade, os efeitos do movimento #BlackLivesMatter (Fryer et al. 2021FRYER, Tiffany C.; BELLE, La Vaughn; GALANIN, Nicholas; UPTON, Dell & WOLDE-MICHAEL, Tsione. 2021. “As the Statues Fall: An (Abridged) Conversation about Monuments and the Power of Memory”. Current Anthropology, 62(3):373-384.). No intervalo entre 2017 e 2020, não havia na UnB qualquer pessoa ignorante ou abertamente indiferente ao tema.4 4 Na década anterior, ao tematizar a pauta das cotas raciais, algumas autoras (e.g. Oliven 2007) reconheciam seu caráter capaz de promover avanços ansiados e, se acreditava, incontestáveis. As guinadas contemporâneas nos levam a reconhecer a longa caminhada e a frisar os revezes por que passa a agenda antirracista e os retrocessos derivados.

O assunto voltaria a ser pautado com vigor no segundo semestre de 2019. Em outubro daquele ano, estudantes da pós-graduação manifestaram-se contra o racismo e a xenofobia que permeavam a relação entre moradores da casa de estudantes de pós-graduação. O protesto guardava, novamente, semelhança com outros das décadas anteriores, em que as vítimas dos crimes traziam à tona - tanto para o debate público quanto para a intrincada malha burocrática acadêmica - os lastimáveis momentos de enfrentamento ao preconceito dentro dos muros universitários e entre supostos “pares”.5 5 Somente em 2021 houve o despacho de um ato punitivo, assinado pela reitora da UnB, em que se determinava a participação da estudante acusada de racismo e xenofobia em atividades de caráter pedagógico antirracista. A sensação de repetição despertou a revolta nos estudantes. Os anos se passavam e a inação das instâncias decisórias davam provas do que se poderia chamar de fungibilidade de seus corpos (King 2016KING, Tiffany Lethabo. 2016. “The Labor of (Re)reading Plantation Landscapes Fungible(ly)”. Antipode, v. 48, n. 4:1022-1039.). Estudantes negros que logram entrar na universidade muito amiúde substituem outros que anteriormente foram alvo de racismo. Suas experiências e subjetividades não são consideradas, pois seus corpos são tidos como intercambiáveis neste regime de fungibilidade. A história pregressa não se acumula para evitar a repetição do sofrimento, pois a instituição de ensino recusa olhar para o ser vivente e pulsante, dirigindo sua atenção para ondas demográficas e cifras descarnadas.

Esgotados diante de tal desprezo, estudantes se mobilizaram em manifestações públicas contra o episódio. Para avançar com a demanda, organizaram um seminário convocado para o início de dezembro. Dentre os organizadores deste evento, destacou-se a atuação da professora Renisia Garcia Filice que, atenta aos desafios que uma interlocução desta natureza suscita, convocou os coletivos de estudantes negros e indígenas da UnB para o encontro, que se daria com colegas da Universidade Federal de Goiás, engajados na luta antirracista, e diversos membros da administração superior da UnB, incluindo a reitora da universidade. Deste seminário resultou um manifesto “contra o racismo na UnB solicitando estratégias efetivas de combate ao racismo na instituição” (Vários 2019VÁRIOS. 2019. Carta aberta da comunidade acadêmica da UnB para a Magnífica Reitora Márcia Abrahão. Brasília, 20 de dezembro de 2019. Mimeo. ), protocolado pelos “estudantes negros, coletivos, grupos e núcleos de estudos negros”, no fim do mês de dezembro de 2019.

Como resultado dessas manifestações, nos primeiros meses de 2020, após duas rodadas de discussão da proposta na Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação (CCP), em que uma primeira versão do texto foi distribuída e apresentada para todos os/as coordenadores/as de pós-graduação para que fizessem a discussão no âmbito dos seus colegiados e apresentassem contribuições,6 6 No despacho enviado aos PPGs pela Decana de Pós-Graduação, professora Adalene Moreira, lia-se: “a proposta de ações afirmativas foi apresentada na reunião da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação (CPP) ocorrida no último dia 14 [de fevereiro] e, no seu desdobramento, aquele colegiado decidiu consultar os Programas de Pós-Graduação sobre a referida proposta, e após, ao término de trinta dias, a CPP votará a proposta de resolução que dispõe sobre a política de ações afirmativas para negros/as, indígenas e quilombolas na pós-graduação na UnB”. a proposta de ações afirmativas para todos os PPGs da UnB foi aprovada no dia 17 de abril de 2020 e, posteriormente, encaminhada para aprovação no Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe).

Em 04 de junho de 2020, a UnB aprovou por unanimidade a Resolução do Cepe 044/2020, que dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas em seus cursos de pós-graduação.

A proposta aprovada tem os seguintes pilares:

Acesso: no mínimo 20% das vagas reservadas para candidatos/as negros/as; pelo menos uma vaga adicional para candidatos/as indígenas; pelo menos uma vaga adicional para candidatos/as quilombolas em todos os processos seletivos da pós-graduação (Universidade de Brasília, Art. 1º, §1º da Resolução Cepe nº 044 de 2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2020. Resolução CEPE n.º 044, de 04 de junho de 2020, que “dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasilia”. Disponível em: Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_ AFIRMATIVAS.pdf . Acesso em 13/05/2021.
http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
).

Permanência: distribuição prioritária das bolsas aos/às candidatos/as indígenas, quilombolas e negros/as, nesta ordem, aprovados/as nos processos seletivos (Universidade de Brasília, Art. 15 da Resolução Cepe nº 044 de2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2020. Resolução CEPE n.º 044, de 04 de junho de 2020, que “dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasilia”. Disponível em: Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_ AFIRMATIVAS.pdf . Acesso em 13/05/2021.
http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
).

Validação das candidaturas: existência de banca de heteroidentificação da autodeclaração de candidatos/as indígenas, quilombolas e negros/as (Universidade de Brasília, Arts. 12, 13 e 14 da Resolução Cepe nº 044 de 2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2020. Resolução CEPE n.º 044, de 04 de junho de 2020, que “dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasilia”. Disponível em: Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_ AFIRMATIVAS.pdf . Acesso em 13/05/2021.
http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
).

Outros grupos sociais: possibilidade de outros grupos sociais, a critério dos programas de pós-graduação, serem contemplados pela política de ações afirmativas (Universidade de Brasília, Art. 20 da Resolução Cepe nº 044 de 2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2020. Resolução CEPE n.º 044, de 04 de junho de 2020, que “dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasilia”. Disponível em: Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_ AFIRMATIVAS.pdf . Acesso em 13/05/2021.
http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
).

À Resolução aprovada somaram-se duas outras iniciativas: 1. aprovação da resolução CPP 05/2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2020. Resolução CPP nº 05, de 02 de junho de 2020, que “estabelece reserva de vagas para pessoas com deficiência nos processos seletivos dos programas de pós-graduação da Universidade de Brasília”. Disponível em: Disponível em: http://dpg.unb.br/images/PessoasDeficincia_Resoluo_CPP.pdf . Acesso em 01/06/2021.
http://dpg.unb.br/images/PessoasDeficinc...
, que prevê a reserva de vagas para pessoas com deficiência em todos os processos seletivos da pós-graduação, bem como prioridade na concessão de bolsa de pesquisa, e 2. a Resolução CPP 04/2020UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2020. Resolução CEPE n.º 044, de 04 de junho de 2020, que “dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasilia”. Disponível em: Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_ AFIRMATIVAS.pdf . Acesso em 13/05/2021.
http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
, que assegura direito às estudantes de pós-graduação em licença maternidade, tais como extensão do prazo para a conclusão do curso de pós-graduação.

Esse amálgama de documentos indica como as demandas políticas de vanguarda por ações afirmativas por parte de estudantes negros fortalecem novos caminhos trilhados pelas lutas feministas e anticapacitistas.

Este novo marco legal para a Pós-Graduação da UnB tinha seus contornos particulares, gestados nos vários fóruns mencionados, porém, sua aprovação se deveu indubitavelmente à pressão do ativismo antirracista por parte da comunidade acadêmica, em especial dos e das estudantes. Colocando em prática o que Caixeta (2016CAIXETA, Bianca A. S. 2016. Movimento negro universitário: um olhar decolonial sobre afetos, trajetórias e a organização política dos grupos/coletivos negros da Universidade de Brasília. Monografia, Bacharelado em Sociologia, Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília.) descreveu como “quilombos afetivos”, as/os estudantes contestaram a lógica expropriadora que marca uma incorporação meramente predadora da diversidade praticada pela institucionalidade branca (Ahmed 2012AHMED, Sara. 2012. On Being Included. Racism and Diversity in Institutional Life. Durham, NC: Duke University Press. ). É possível afirmar que teciam algo similar ao que McKittrick chamou de black sense of place:

um senso negro de lugar pode não ser lido como uma autenticação da negritude, ou um dispositivo conceitual que diz a verdade, ou uma oferta de um lugar “melhor”; em vez disso, um senso negro de lugar localiza as maneiras pelas quais as violências antinegras nas Américas evidenciam os proteanos futuros das plantações como espaços de encontro que contêm práticas e narrativas anticoloniais úteis (McKittrick 2011: 950MCKITTRICK, Katherine. 2011. “On plantations, prisons, and a black sense of place”. Social & Cultural Geography, v. 12, n. 8:947-963. 7 7 Tradução nossa de “a black sense of place might not to be read as an authentication of blackness, or a truth-telling conceptual device, or an offering of a ‘better’ place; rather a black sense of place locates the ways in which anti-black violences in the Americas evidence protean plantation futures as spaces of encounter that hold in them useful anti-colonial practices and narratives”. ).

Como na UnB, outras IFES do país encontravam-se em processos semelhantes (Venturini 2019VENTURINI, Anna Carolina. 2019. Ação afirmativa na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão. Tese de Doutorado em Ciência Política, Centro de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.). Em um levantamento de maio de 2021, constatamos que em um universo de 69 universidades federais, 33 adotam alguma medida de ação afirmativa no âmbito de todos os seus cursos de pós-graduação e algumas outras encontram-se em franco processo de discussão nos seus respectivos Conselhos Universitários (Bernardino-Costa et al. 2023BERNARDINO-COSTA, Joaze; BORGES, Antonádia; FERREIRA, Maria Aparecida Chagas & CARLOS, Gabriella da Conceição. 2022. “Radiografia das Políticas de Ação Afirmativa na Pós-Graduação das Universidades Federais”. Dados, Rio de Janeiro, v. 66, n. 3.).

Se as decisões dos Conselhos Universitários são mais eficientes e de maior impacto para o interior das instituições, tendo em vista que equalizam as diferenças de seus PPGs, podemos também considerar que cada uma delas inspira outras Instituições de Ensino Superior (IES), propagando-se como modelos a serem retrabalhados localmente (Santos 2012SANTOS, Jocélio Teles dos. 2012. Cotas nas universidades: análises dos processos de decisão. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA.). Há, em suma, um efeito interno e um externo.

Um dos efeitos de caráter perlocucionário da Resolução aprovada na UnB em 2020 foi a publicação da Portaria 545 do MEC, em 16 de junho de 2020, portanto, doze dias após a histórica aprovação por unanimidade da política pelo Cepe. Nela, o então ministro da Educação, Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, revogava a Portaria n. 13, de 11 de maio de 2016, que induzia a implementação de ações afirmativas nas IFES, à época já sem efetividade, revelando tanto seu desconhecimento da gestão pública, como sua oposição às políticas de ações afirmativas racialmente orientadas.

Reações de repúdio de ativistas negras e antirracistas se seguiram à resolução ministerial que acabou sendo revogada em seguida, após a demissão do ministro da pasta, que ocorreu três dias após a publicação da referida Portaria. Em um de seus últimos atos estapafúrdios e pirotécnicos, o então ministro da Educação deliberadamente escolheu posicionar-se de maneira obtusa e míope diante do racismo e da desigualdade racial que marcam o ensino superior brasileiro, ignorando não somente o debate mais amplo que o assassinato de George Floyd em 25 de maio despertara, como a transformação em curso promovida e experimentada pelas universidades públicas no país. A Portaria, inócua de um ponto de vista legal, era mais um ato de violência que conservava o racismo na materialidade do ar que se respira, ao desmerecer esforços para que o espaço acadêmico deixasse de ser exclusivamente da branquidade e de seu privilégio histórico, constituindo o que Apata (2020APATA, Gabriel O. 2020. “I Can’t Breathe’: The Suffocating Nature of Racism”. Theory, Culture & Society, v. 37(7-8):241-254.) bem nomeia como estratégia de sufocamento.

Todo o nosso sistema universitário como o temos é representativo do silenciamento que foi imposto à população não branca e suas experiências e visões de mundo. Representativo no sentido de ser mormente inclinado a aceitar a branquidade e seus anseios como universais e desejáveis (Wynter 2003WYNTER, Sylvia. 2003. “Unsettling the Coloniality of Being/Power/Truth/Freedom: Towards the Human, After Man, Its Overrepresentation - An Argument”. CR: The New Centennial). Na próxima seção trataremos de recuperar as reações de admoestação que, embora distintas daquela protagonizada pelo ex-ministro, guardam um fundo racista comum, inscrito nas dinâmicas de existência da chamada vida universitária e de seus protagonistas historicamente privilegiados. Em suma, trataremos de falar das artimanhas do racismo estrutural na UnB (Silvério 2002SILVÉRIO, Valter Roberto. 2002. “Ação afirmativa e o combate ao racismo institucional no Brasil”. Cadernos de Pesquisa, 117:219-246.).

Breve nota epistemológica ou a cor da excelência acadêmica

A luta antirracista na UnB é longeva e tem grande fôlego. Porém, as discussões para implementação da política de cotas na pós-graduação não tiveram grande ímpeto logo de sua instalação mais institucionalizada no Decanato de Pós-Graduação, em 2017DE SOUZA, Marcela S. C. 2017. “Contradisciplina: Indígenas na pós-graduação e os futuros da Antropologia”. Revista de Antropologia, v. 60, n. 1:99-116., devido, como dissemos acima, às turbulências políticas por que passou o país e, mais especialmente, que atingiram a universidade pública a partir de 2016, com alterações nas legislações e nos fomentos (Leher 2021LEHER, Roberto. 2021. “Estado, Reforma Administrativa e Mercantilização da Educação e das Políticas Sociais”. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 13, n. 1:9-29, abr.; Nogueira & Tavares 2020NOGUEIRA, Silvia Cristina Conde & TAVARES, Darlyng Maria Gomes. 2020. “A relação conflituosa entre a Meta 20 do Plano Nacional de Educação (2014-2024) e a Emenda Constitucional 95/2016”. Fineduca - Revista de Financiamento da Educação, v. 10, n. 34:1-17.). Acreditamos que o espírito do tempo relativo a tais debates embrenhou-se nos posicionamentos ferrenhamente racistas, apresentados como preocupação genuína com um futuro de excelência para a UnB.

Por ora, interessa-nos lidar com alguns enigmas acerca da resistência de parte da comunidade acadêmica à implantação da política de ações afirmativas na pós-graduação, que só teve lugar um tanto tardiamente (em 2020), em uma universidade que foi uma das primeiras a adotar cotas na graduação (Santos 2015SANTOS, Sales A. 2015. O sistema de cotas para negros na UnB: um balanço da primeira geração. Jundiaí: Paco editorial.). Acreditamos que o temor ou mesmo a ojeriza de colegas vinculados aos PPGs em relação à mudança tenha relação com uma epistemologia racista, que se apresenta como ética da responsabilidade, tanto para a Ciência (com C maiúsculo) como para com o Estado (o financiamento público).

O processo de implantação da política de ação afirmativa na pós-graduação, na Universidade de Brasília, suscitou e expandiu diversas discussões que tocam nesses pilares acima mencionados, que se resumem nas fórmulas (encantatórias?) bastante conhecidas da (i) universidade pública, gratuita e de qualidade e (ii) da ciência universal.

É assim que, embora admitam-se distintas configurações de produção de conhecimento, em cada contexto nacional ou mesmo regional ou disciplinar, sustentam-se em um plano ideal, condições de competitividade supostamente neutras, necessárias para garantir uma escala universal de mérito e relevância científica dentro e fora do país.

Ambas as noções de mérito (individual e da “ciência brasileira”) suscitam questionamentos acerca do racismo que impregna e perpassa os critérios de validação do conhecimento e, consequentemente, a organização hierárquica de (i) quem são os sujeitos de conhecimento legítimos e (ii) quais são temas relevantes (leia-se: financiáveis) de pesquisa. A tal respeito, é notório o protagonismo da área de humanidades na implantação de políticas antirracistas e o concomitante desdém com que é apreciado seu “impacto” científico.

Aqui podemos fazer uma analogia entre o entendimento do trabalhador como sujeito de direitos, quando de pele branca, e o igual imaginário do cientista como pesquisador branco (Paterniani 2019PATERNIANI, Stella Z. 2019. São Paulo cidade negra: branquidade e afrofuturismo a partir das lutas por moradia. Tese de Doutorado em Antropologia, UnB.). Não há, para o caso do cientista branco, uma negação de que sua hegemonia se relaciona com uma longa história de privilégio. Sabe-se disso, mas a ciência avançou assim, logo, o que fazer? O dilema se instala sub-repticiamente como responsabilidade pública. O professor universitário aciona uma noção de expectativa, enquadrada na lógica incontestável da austeridade, e se pergunta: o que esperar do estudante negro que não tem o mesmo preparo de um estudante branco na pós-graduação? Sua resposta é imediata: os recursos públicos serão mal aproveitados devido ao baixo rendimento (ainda que não haja evidências empíricas para tal juízo, como apontam os artigos reunidos em Santos [2013SANTOS, Jocélio Teles dos. (org.). 2013. O impacto das cotas nas universidades brasileiras (2004-2012). Salvador: CEAO. ]). Imediatamente, aponta-se para a saída que seria a mais racional e responsável: investir na educação básica a fim de que todos tenham “o mesmo nível”. O argumento acionado frequentemente quando da discussão sobre a implementação de cotas na graduação se mostrou bastante em voga quando a proposta de ações afirmativas para os cursos de pós-graduação se instalou (de Fiori et al. 2017DE FIORI, Ana Letícia; ASSÊNCIO, Cibele Barbalho; ANDRADE, Fabiana; TEIXEIRA, Jacqueline Moraes; PATRIARCA, Letizia & BO, Talita Larazin dal. 2017. “O tempo e o vento: notas sobre a arte de burocratizar políticas de cotas na USP”. Revista de Antropologia, USP, n. 60 (1):55-83. ). Outra admoestação reivindicava que, em tendo passado pelos bancos escolares da graduação, não haveria necessidade de cotas para a pós-graduação, pois as diferenças teriam sido sanadas e todos os estudantes se encontrariam em “pé de igualdade” nos processos de ingresso nos PPGs. Raramente se suscitavam questões acerca da possibilidade de permanência e finalização das formações por parte de estudantes de pós-graduação negros vis-à-vis os inúmeros episódios racistas conhecidos por todos.

É neste ponto que a lógica racista da academia brasileira se conecta com os padrões globais de validação de conhecimento científico. A estrutura da produção se autonomiza dos sujeitos que a praticam, a ponto de se acreditar que são os indivíduos que devem se curvar ao código acadêmico, como se tal hábito não codificado não fosse ele próprio obra das relações permeadas pelo racismo. Caso isto não ocorra é porque os indivíduos não foram talhados para o ofício. Novamente, elimina-se o racismo da equação. Resume-se o problema a uma questão de vocação. A perspectiva racista se verifica justamente na falta de reflexividade acerca do “sucesso” de um modelo que funciona “bem” de maneira excludente e violenta, voltado para uma minoria historicamente privilegiada (ainda que considerada a curta história da vida acadêmica no país, esta história é a que temos).

Obviamente há os que apostam na possibilidade de uma transformação positiva do padrão que temos. Se o projeto de implantação das cotas na pós-graduação na UnB foi aprovado por unanimidade, é certo que a maioria dos conselheiros do Cepe foi favorável ao texto e à política. No entanto, interessa-nos neste texto explorar os meandros que conduziram a tal votação. Em especial, acreditamos ser importante apresentar e tecer hipóteses acerca das vozes dissonantes, algumas mais explicitamente racistas que outras. Esta tarefa analítica tem óbvios objetivos políticos, aproximando-se do que Nyamnjoh chama de uma pesquisa engajada: “A antropologia deve [no entanto] se afastar de uma propensão para caprichos em direção a uma navegação concreta, mais ponderada e crítica dos processos sociais, comportamentos e pessoas” (Nyamnjoh 2015:60NYAMNJOH, Francis B. 2015. “Beyond an evangelising public anthropology: science, theory and commitment”. Journal of Contemporary African Studies, 33 (1):48-63. 8 8 Tradução nossa de “Anthropology should [however] move away from a propensity for vagaries towards a more thoughtful, concrete navigation and critique of social processes, behaviours and people”. ).

Para tal, nunca é demais nos recordarmos que não há avanço que não possa sofrer revezes. Os retrocessos sem par que temos experimentado não nos deixam enganar. Porém, há também outro aspecto importante desta empreitada: recuperar a tessitura de argumentos que um coletivo antirracista precisou produzir para enfrentar tais oposições. É fundamental frisar este caráter de artefato do que foi construído para que a política fosse aprovada, a despeito das resistências internas. Foi ao longo dos embates e debates entre os que defendiam a política e os que eram, para dizer o mínimo, reticentes a seu respeito, que se construíram afirmações e argumentos acerca da urgência e da viabilidade das ações afirmativas, a despeito dos diagnósticos conservadores e catastrofistas. Como reivindicam autoras como Spillers (2020SPILLERS, Hortense J. 2020. “A Moment of Protest Becomes a Curricular Object”. Souls, 22 (1):5-10.), no ambiente de alienação que é a acadêmica casa-branca se erguem as fabulações capazes de subvertê-la e contestá-la.

Sobre o racismo acadêmico

Em O avesso da pele, de Jeferson Tenório (2020TENÓRIO, Jeferson. 2020. O avesso da pele. São Paulo: Cia. das Letras. ), o narrador Pedro é um estudante negro que ingressa no curso de arquitetura pelo sistema de cotas, na cidade de Porto Alegre. Podemos tomar licença para crer que tudo se deu depois do Reuni, quando houve uma expansão do sistema e a última grande leva de contratações de docentes e técnicos para as universidades públicas. Ele procura avidamente algum professor negro e não encontra. Enfim, se depara com um só colega negro, de quem se aproxima. Essa falta de iguais que o tornava diferente e menosprezado em uma cidade racista era um desafio extracurricular de difícil percepção para quem não estava na sua pele.

Fazemos alusão a um romance brasileiro contemporâneo bastante conhecido para destacar uma dimensão muito real, mas pouco tangível e, portanto, pouco quantificável da existência distinta de um jovem negro na universidade pública, especialmente em cursos ditos de maior prestígio.

Na UnB há ao menos dois tipos de cursos de graduação dotados de tal prestígio. Os mais notórios são aqueles cujos exames de ingresso são altamente competitivos (e.g. odontologia). Há outros não tão disputados, mas considerados de extrema excelência, nos quais permanecer não é menos desafiador (e.g. matemática). Em quase todos, pode-se afirmar, a ideia é de que sejam sempre bons os graduandos, ainda que sejam poucos. Não se trata de uma política explícita de exclusão, mas de um arrazoado dito realista sobre as escassas oportunidades. Ouvimos de colegas dos respectivos cursos acima mencionados reflexões importantes a tal respeito.

Um professor do curso de pós-graduação em odontologia previa que sequer haveria candidatos negros ao PPG, especialmente em linhas de pesquisa mais seletas, como ortodontia. Ele nos esclareceu que aqueles que ingressavam na graduação normalmente não conseguiam adquirir um kit básico de instrumentos, que era condição para seu bom desempenho nas aulas, e acabavam abandonando a carreira. Em suma, nas turmas de formandos, o número de estudantes negros era bastante inferior ao que havia ingressado na graduação. O professor estava verdadeiramente condoído, mas sentia-se incapaz de acionar as instâncias responsáveis da UnB para tentar sanar tal déficit (afinal, ao contrário de muitas outras IFES no país, a UnB é uma universidade relativamente solvente em termos financeiros). Sua preocupação com o futuro e seu relato sobre o passado deixavam cair por terra a máscara da educação pública, de qualidade e gratuita. Por meio dos diálogos para a implantação das cotas na pós-graduação, descobríamos que a universidade não era de fato gratuita para todos. Aqui, o “todos” mostrava suas fissuras e seus limites óbvios.

Já o professor do PPG em matemática tinha uma preocupação de outra natureza. Ele afirmava que já havia estudantes negros na matemática. Não havia necessidade de cotas. Perguntado sobre quantos professores negros havia no PPG, o professor reconheceu que não muitos, recusando-se a precisar se alguns de seus colegas seriam negros. Para o professor, a inteligência matemática era um atributo individual. Quem a detém deve ter estímulo para desenvolvê-la. Por isso os professores se empenhavam tanto em proporcionar a melhor formação a seus estudantes. Porém, para ele, seria injusto que não fossem exclusivamente os melhores os selecionados. No seu cálculo, a exclusão de alguém “melhor” para o ingresso de alguém “não tão bom” poderia implicar uma perda sem reparação para a Ciência. O PPG era de excelência e, portanto, sabia do que falava quando se referia à qualidade. Nesse caso, a partir da conversa com este professor bastante dedicado à formação de novos profissionais, o que vinha à tona era a dissociação entre mérito acadêmico e desigualdades de oportunidades históricas. O professor afastava da pós-graduação esta “tarefa”. Não discordava de que algo deveria ser feito, mas não em um PPG de excelência, onde “os corpos não importavam” (Wynter 2003WYNTER, Sylvia. 2003. “Unsettling the Coloniality of Being/Power/Truth/Freedom: Towards the Human, After Man, Its Overrepresentation - An Argument”. CR: The New Centennial).

Essas discussões nutriram a equipe formada para produzir as linhas gerais da política com elementos para outros diálogos. A partir do que reconhecíamos em cada uma dessas conversas, elaboramos a mencionada consulta a todos os PPGs da UnB. As respostas, os questionamentos e as sugestões obtidos nessa consulta subsidiaram as discussões que se teve na CPP, primeira instância em que a política foi aprovada, antes de ser encaminhada ao Cepe.

Após isso, o entendimento da equipe mencionada era de que, ao ter sido aprovada na CPP, uma política para a pós-graduação dificilmente receberia admoestações no Cepe. Nosso entusiasmo com a discussão no Cepe relacionava-se ao alcance deste fórum, o que daria maior visibilidade e legitimidade à política. Nas vésperas da aprovação no Cepe tivemos uma conversa com um colega com assento naquele Conselho. Ele nos inquiria sobre um aspecto específico do texto que seria apreciado, como dito, o mesmo aprovado na CPP. Preocupava-o o fato de se ter estabelecido que haveria concessão prioritária de bolsas para candidatos optantes pela política de ação afirmativa. Inicialmente questionou se tal determinação não iria contra as regras das agências de fomento. Tínhamos pesquisado extensamente as regras de vários órgãos (Capes, CNPq e outros) e, em todos os casos, havia somente a necessidade de aprovação do/a candidato/a no processo seletivo. A hierarquia para a distribuição das bolsas era prerrogativa da instituição de ensino.

Ao tranquilizá-lo quanto a este aspecto, fomos questionados acerca de outra dimensão da distribuição prioritária de bolsas para estudantes optantes pelas cotas. Diante da redução das bolsas, dos valores que não têm reajustes, seria muito temerário que estudantes negros fossem os primeiros beneficiários, pois, nas suas palavras, estudantes negros não formam grupos de pressão política tão eficazes quanto de estudantes brancos que, pelo seu privilégio e redes de relações, poderiam ter maior ascendência sobre as instâncias responsáveis. A teoria da ação política de nosso colega desconsiderava que a debacle do sistema nacional de ciência e tecnologia (e de bolsas) vinha ocorrendo há anos, sem que grupos brancos tivessem se insurgido contrariamente e com eficácia. Ademais, ele não considerava que a própria política ora proposta e o tamanho do debate que ensejava seriam em si um indicativo contundente da ação organizada de grupos de pressão compostos majoritariamente por pessoas negras.

Nosso colega diagnosticava a ruína da universidade pública, mas não vislumbrava que justamente aqueles excluídos dos gloriosos tempos pregressos seriam capazes de reinventar as instituições e a vida acadêmica. Nossa exasperação após esta conversa foi imensa. Após quase dois anos de um governo nacional para o qual a educação, especialmente a superior, era um desperdício de recursos públicos e para o qual eram desnecessários esquemas de justiça reparatória, especialmente étnico-raciais (mesmo que parciais, como nos governos anteriores), ouvir de um colega que entendíamos como aliado tais ressalvas era bastante preocupante.9 9 Sobre o caráter quimérico das soluções privatistas e de mercado, recuperamos o argumento de Stuart Hall (2005) que, muito precisamente, indica como o Estado nunca se retira, se não imiscui-se como cúmplice, por meio de regimes regulatórios da contínua transformação de vidas em capital. Ficamos boquiabertos com tal manobra argumentativa, que revela muito mais um subterfúgio para esconder um racismo consciente ou inconsciente de nosso colega (Fanon 2008FANON, Frantz. 2008 [1952]. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. ).

Não estamos aqui aventando hipóteses sobre os sentidos recônditos do que nos foi dito pelos vários colegas com os quais conversamos e cuja colaboração foi fundamental para o caminhar da política de ações afirmativas para a pós-graduação da UnB. Interessa-nos compreender o que nos foi expresso pelos colegas como índices do enredamento no racismo institucional e estrutural e do modo como tal racismo opera.

Acreditamos que parte considerável do mal-estar (de quem assim o expressava) com a proposta de resolução e seus desdobramentos processuais para o cotidiano da UnB tinha relação íntima, embora muitas vezes velada, com a natureza mormente discricionária dos processos seletivos para ingresso nos PPGs e também na alocação de bolsas. Gradualmente fomos nos deparando com manifestações em favor da autonomia ou da liberdade dos docentes. Novamente, reiteramos, em um momento marcado por explícitos ataques a tais ideais, tornou-se fundamental entabular conversas a fim de dirimir tal associação de ideias. Para que a política pudesse ser auditável, era fundamental que cada passo dos processos seletivos fosse marcado por grande transparência. Não se tratava de um engessamento neoliberal (Gledhill 2020GLEDHILL, John. 2020. “Governing Higher Education. Lessons from Britain for Brazil”. Novos Debates, 6(1-2).), mas de um antídoto contra o que chamamos de senhorização da academia.

Deparamo-nos com colegas que diziam que nos “seus” laboratórios, onde desenvolviam “seus” projetos, gostariam de trabalhar com “seus” orientandos, ou seja, estudantes que com eles faziam sua formação desde a graduação. Para tal, não poderiam admitir processos seletivos absolutamente cegos. Era crucial que suas cartas de recomendação fossem parte importante da avaliação dos candidatos. Não poderiam correr riscos, o que seria uma irresponsabilidade com a coisa pública, de dispensar alguém que já tinha um projeto em andamento por um estudante que fosse começar do zero, com uma carreira incerta. Conversas desse teor, que se repetiam com outros aspectos dos processos seletivos (revisão do caráter eliminatório das proficiências em língua estrangeira, por exemplo), apontavam para uma espécie de duplo-vínculo acionado por nossos colegas: a seleção para uma vaga pública deveria ter certo caráter privado para garantir a integridade da coisa pública.

Novamente, nossa estupefação com declarações dessa ordem tinha mais a ver com nosso entendimento de que, assim como não era totalmente gratuita (acima), tampouco os processos seletivos eram exatamente públicos. Somado ao “conjunto não escrito de regras” (apontado em Bernardino-Costa e Borges 2021BERNARDINO-COSTA, Joaze & BORGES, Antonádia. 2021. “Um projeto decolonial antirracista: ações afirmativas na pós-graduação da Universidade de Brasília”. Educação & Sociedade, v. 42:1-18.), havia uma objeção à inclusão de regras mais explícitas, especialmente regras que procurassem assegurar mais lisura aos processos. Aqui, reiteramos, uma intervenção como a que se propunha nos processos seletivos seria por vezes apontada como ingerência desmedida, como atentado à liberdade docente. De algum modo, a plêiade de situações em si mesma demonstrava a necessidade de uma política implantada pela UnB, extensiva a todos os PPGs. No entanto, como nos alertou um dos membros da administração superior à época, era vocação da universidade lutar contra qualquer autoritarismo. Por tal razão, fomos convidados a fazer este périplo de equalização das diferenças e de esclarecimento das dúvidas.

Das inúmeras questões que surgiram, uma nos surpreendeu. Acreditávamos que a proposta de funcionamento de uma banca de heteroidentificação fosse despertar muitas celeumas, o que não se confirmou. Nossas conversas iniciais com colegas em cargos administrativos nos levou a tal expectativa. No Decanato de Graduação fomos advertidos não somente sobre a ausência de tal procedimento nos processos seletivos, como também da votação unânime que o procedimento em curso recebeu na Câmara de Graduação. Nele, o candidato identificava-se como optante pelas ações afirmativas em texto de próprio punho que só seria confrontado em caso de denúncia de fraude. Nosso colega nos advertia para a ausência de vozes dissonantes e apresentava seu incômodo com nossa posição contrária. Além desta indesejada discrepância entre graduação e pós (caso as bancas de heteroidentificação fossem aprovadas), havia também questionamentos acerca da natureza ética de sua atuação. Ninguém chegou a comparar as bancas a tribunais raciais, como outrora aconteceu, mas insistentemente se levantavam questões acerca da impossibilidade de se determinar se alguém era negro ou não. Em casos igualmente complexos e que ensejam importantes debates, ouvimos colegas preocupados com o lugar do pardo na proposta que apresentávamos (Silveira 2016SILVEIRA, Marcos Silva. 2016. “Algumas Questões Antropológicas a partir do Programa de Inclusão Racial da Universidade Federal do Paraná”. Revista Campos, 17 (2):59-80.).10 10 Entre a redação do presente artigo e a sua publicação, com a participação ativa de um dos autores deste artigo (Joaze Bernardino-Costa), o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB criou o Comitê de Acompanhamento Permanente das Políticas de Ação Afirmativa e instituiu as bancas de heteroidentificação para o acesso aos cursos de graduação, unificando os procedimentos em relação à pós-graduação, que já tinha tal exigência desde a criação de sua política de ação afirmativa (Universidade de Brasília. Resolução Cepe 090 de 2022).

Embora não tenhamos nos furtado de aprofundar tais diálogos, chamava a nossa atenção o fato de que tais admoestações conduzissem o debate para um caminho que o distanciava de sua principal razão de ser: a luta antirracista, o reconhecimento das trajetórias diferenciadas de candidatos/as e a possibilidade de uma transformação epistemológica de todas as áreas de conhecimento e o começo, na universidade, de uma reparação política tão necessária à sociedade. Vivíamos algo similar ao que Spillers recentemente indicou em uma revisão pessoal e crítica acerca do meio século de Black Studies, nos Estados Unidos. Como ela, a despeito dos “revezes, insultos e hostilidades”, almejávamos poder afirmar, em um futuro não muito distante que:

as tecnologias intelectuais de hoje, especialmente nas áreas de investigação humanísticas, não podem completar seus itinerários até que tenham levado em conta o impacto da raça e da teoria crítica da raça. É justo dizer que os Estudos Negros em suas variadas articulações colocam a raça na mesa como construção social, como uma ideia cuja história pode ser rastreada, como um dispositivo heurístico. Em suma, como um tema que perdeu o sigilo; seu caráter proibitivo e indizível. Tornou a raça visível e incontornável para a crítica (Spillers 2020SPILLERS, Hortense J. 2020. “A Moment of Protest Becomes a Curricular Object”. Souls, 22 (1):5-10.:911 11 Tradução nossa de “today’s intellectual technologies, especially in the humanistic areas of inquiry, cannot complete their itineraries until they have taken into account the impact of race and critical race theory. It is fair to say that Black Studies in its varied articulations put race on the table as social construction, as an idea whose history can be tracked, as a heuristic device. In short, as a topic that has lost its secrecy; its prohibitive and unspeakable character. It has made race visible and accountable to critique”. ).

Pensávamos no efeito multiplicador que o ingresso de pessoas negras na pós-graduação teria sobre as gerações futuras de acadêmicos e, fora dos muros universitários, na vida cotidiana dos inúmeros profissionais formados na UnB. Gostaríamos que no centro dos debates estivesse uma mudança em nossas subjetividades, em nossos interesses, a ponto de ensejar transformações nas formas de produção de conhecimento. Em última instância, queríamos que os amplos e densos debates conduzidos ao longo de décadas dentro (mas também fora) da UnB por estudantes e servidores negros (professores e técnicos) fossem encampados e tornados bandeiras de todos na pós-graduação desta prestigiosa universidade.

Com isso, se esperava que a própria hierarquização que coloca o conhecimento produzido por nós na berlinda - por sua fraqueza na concorrência com instituições do Atlântico Norte, que gera um demérito interno e consequentes cortes orçamentários - fosse virada ao avesso. Em nosso entendimento, ou melhor, em uma leitura quase psicanalítica nos moldes de Frantz Fanon, havia um recalque nos discursos daqueles que apontavam para a necessidade de estudantes em desvantagem (quaisquer que fossem, por terem tido suas vidas atravessadas pelo racismo) correrem atrás (catch up) por si mesmos. A violência que se queria perpetuar guardava discreta semelhança com a subserviência das ciências brasileiras no cenário mundial: o que se desejava para o outro assemelhava-se ao que Neves (2020NEVES, Fabricio Monteiro. 2020. “A periferização da ciência e os elementos do regime de administração da irrelevância”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 104:1-19.) nomeia como “administração da irrelevância”.

A chamada internacionalização, tão em voga nos momentos em que se discutia a implantação da política de cotas na UnB, ocultava processos de subalternização, com cientistas brasileiros fornecendo matéria-prima ou mão de obra como em uma plantation (Borges 2020BORGES, Antonádia. 2020. “Very Rural Background: Os Desafios da Constituição Terra da África do Sul e do Zimbábue à Chamada Educação Superior”. Revista de Antropologia, v. 63:1-30.). E o que a luta antirracista vislumbrava eram justamente futuros nas fissuras desta plantation (McKittrick 2011MCKITTRICK, Katherine. 2011. “On plantations, prisons, and a black sense of place”. Social & Cultural Geography, v. 12, n. 8:947-963.). A política de citações, não raro, respondia por um círculo de brasileiros, especificamente nas Ciências Exatas e da Vida, escrevendo em inglês para consumo de brasileiros. Nas Humanidades, sequer isso, cientistas sociais que eventualmente publicavam em inglês não garantiam por mera alquimia linguística que seus trabalhos fossem mais citados, menos ainda por seus conterrâneos (Rosa & Ribeiro, 2020ROSA, Marcelo C. & RIBEIRO, Matheus A. P. 2020. “Como se faz teoria social no Brasil? Hagiografia, extroversão intelectual e avanços (2010-2019)”. BIB, São Paulo, n. 94:1-20, ago.). Apesar disso, também aqui, o baixo impacto das publicações costumava ser entendido como algo a se correr atrás (to catch up) e não como uma barreira intransponível dada a elaboração constante da insignificância do conhecimento produzido por nossos pares.

Embora existam muitos debates em curso sobre as possíveis conexões entre as periferias e seu potencial mobilizador, acreditamos que em quaisquer dos casos subjaz um entendimento de que há um centro. Um centro a ser implodido ou um centro ao redor do qual se deseja gravitar indefinidamente e sempre à distância. Uma versão desse diálogo entre periferias é aquele que aponta para a colaboração no chamado Sul Global, cujos países compartilham de histórias marcadas por projetos coloniais e, portanto, por lutas internas entre emulações do centro e emergências de saber contracoloniais e antirracistas (Ndlovu-Gatsheni & Zondi 2016NDLOVU-GATSHENI, Sabelo J. & ZONDI, Siphamandla (eds.). 2016. Decolonizing the university, knowledge systems and disciplines in Africa. Durham: Carolina Academic Press.). Para o universo acadêmico (educação superior e pesquisa científica), acreditamos que um dos principais desdobramentos dos debates sobre o racismo tem sido uma contestação epistemológica de tal centro, o que nos leva, em última instância, a questionar a eficácia e a perenidade deste centro.

Em texto anterior (Bernardino-Costa & Borges, 2021BERNARDINO-COSTA, Joaze & BORGES, Antonádia. 2021. “Um projeto decolonial antirracista: ações afirmativas na pós-graduação da Universidade de Brasília”. Educação & Sociedade, v. 42:1-18.), em que abordávamos um programa que preparava estudantes negros de graduação para o ingresso em PPGs, antes da decisão do Ministério Público, perguntávamos “o que está em jogo quando abordamos as ações afirmativas na pós-graduação?” (:277). Há muito sabemos, a exemplo do que desenvolveu Stuart Hall, que a natureza discursiva das lutas por poder não as torna menos inefáveis. Trata-se bem mais de um movimento analítico que estende a política para âmbitos negligenciados pela historicidade colonial. Ao contrário do que rechaçavam alguns dos colegas acima mencionados, queríamos sim levar a política para o interior da ciência. E, não, não estávamos com isso semeando discórdia. A tal respeito, frequentemente, em ocasiões distintas e proferidas por pessoas diferentes, ouvimos pequenos reparos, inquietações tímidas, acerca de um eventual racismo nas entrelinhas das lutas antirracistas. “Argumentos que colocavam as ações afirmativas no Ensino Superior como o germe da segregação, como forma de alunos preguiçosos ingressarem na universidade, como falta de merecimento ou mesmo como uma forma de ampliação do racismo” (Pereira 2017PEREIRA, Anderson Lucas da Costa. 2017. “Preto, gay e do Norte: ações afirmativas na pele”. Revista de Antropologia, USP, v. 60 n. 1:35-46.:44)

Como nos adverte Kisukidi (2020KISUKIDI, Nadia Yala. 2020. “O universal na selva”. Concinnitas, v.21, n. 38:532-544, maio.), nossos interlocutores faziam tais admoestações em nome do universalismo, esta orientação fundamental da universidade e da produção da ciência sem fronteiras. No entanto, nossos colegas mostravam-se incrédulos diante de mudanças que não fossem, nas suas palavras, “estruturais”. Em seu entendimento, era na estrutura que se fazia política. E apenas na estrutura. A despeito de suas distintas trajetórias, esses colegas se uniam em torno de uma antipatia a mudanças que consideravam superficiais. Seu diagnóstico da universidade atual não raro vinha acompanhado de uma memória nostálgica dos tempos gloriosos, quando a UnB teria sido verdadeiramente vanguarda. Não viam, como nos disse uma aluna em um dos debates promovidos, que a universidade que temiam chegar ao fim já estava em ruínas. Algo também indicado na reflexão de uma antropóloga, professora da Universidade de Brasília: “Não basta nenhum tipo de ‘inclusão’, enquanto isto em que se procura incluí-los, em que eles se procuram incluir, não seja de alguma forma também EXPLODIDO, isto é, espalhado em novas direções” (de Souza 2017:110)

Faltava a tais colegas reflexões sobre as subjetividades que se formaram naquele ambiente de afluência e naquele tempo auspicioso de que sentiam saudade. Seu maio de 68 não tinha lutas anticoloniais e tampouco estabelecimento de ditaduras sanguinárias. Faltava-lhes, em suma, um profundo mergulho em si mesmos, na sua branquidade e no seu racismo, que se antevia no movimento pendular de ora mostrar-se engajado, chamando a atenção para a urgência da matéria, ora distanciado, reiterando os limites das propostas em discussão. Não necessariamente envergonhados de seu racismo, faziam suas intervenções como racistas acovardados, praticantes da inércia e da nostalgia.

Conclusão

Sueli Carneiro nos adverte quanto ao risco da simplificação das discussões sobre o avanço da agenda antirracista nas instituições e no Estado brasileiro: “Tudo acontece como se fosse fruto de geração espontânea ou de uma disposição repentina de valorização da diversidade que teria acontecido na sociedade, o que permite que sejamos expropriados de nossa própria prática política” (Carneiro 2018:148CARNEIRO, Sueli. 2018. Escritos de uma vida. Belo Horizonte: Letramento.).

Foi nossa intenção neste texto dar conta de alguns dos elementos em jogo na longa história de lutas antirracistas na Universidade de Brasília. Com isso, pretendemos seguir debatendo e amadurecendo nosso processo interno, ao mesmo tempo em que nos abrimos para o diálogo com outras instituições em contextos distintos, mas que se encontram em frentes de luta similares. A contribuição das ações afirmativas na pós-graduação para o desenvolvimento de uma política radical da diversidade traz em seu bojo o potencial de um projeto decolonial contra-hegemônico na produção do conhecimento. Despertar nossa cognição para a potencialidade parece-nos em si um exercício político com validade, diante da opressão e da violência que estabilizam um mundo de possibilidades reduzidas aos que almejam liberdade.

As Humanidades e as Ciências Sociais são áreas que ainda guardam algumas fendas que as arejam e permitem certa suscetibilidade a modificações. Estas fendas, fissuras, espaços ainda não totalmente colonizados são áreas onde se articulam projetos políticos aos quais devemos atentar, sob o risco de vê-los igualmente soterrados.

O esquema hegemônico de construção nacional fez com que indígenas, quilombolas e negros/as com ricas experiências coletivas simplesmente fossem transformados em pobres e camponeses - categorias que remetem a uma mera dimensão econômica atrasada em relação a um outro, branco, urbano e desenvolvido (Mafeje 1971MAFEJE, Archie. 1971. “The ideology of ‘Tribalism’”. The Journal of Modern African Studies, v. 9, n. 2:253-261.). Para sua inclusão subserviente, suas formas coletivas de organização e dinamização da vida, classificadas como atrasadas, deveriam se metamorfosear em formas de vida nacional-brancas ou se extinguir. Universidades fundadas em localidades ricas de uma tradição negra e indígena simplesmente ignoraram tais fontes originais de conhecimento, imaginando que estavam se instalando em vazios geográficos e cognitivos (Carvalho 2018CARVALHO, José Jorge. 2018. “Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro”. In: J. Bernardino-Costa; N. Maldonado-Torres & R. Grosfoguel (orgs.), Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Ed. Autêntica. pp. 79-106.; Ramos 1957RAMOS, Alberto Guerreiro. 1957. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editorial Andes Limitada.).

Aqui vemos um paralelismo entre o que acontece com os/as estudantes negros/as, indígenas e quilombolas quando entram em universidades referenciadas por instituições euro-americanas, em processos de inclusão cosmética da diversidade, como criticado por Hall (2003HALL, Stuart. 2003. “A questão multicultural”. In: Liv Sovik. (org.), Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: EdUFMG. pp. 51-100.). São rotulados simplesmente de estudantes despreparados e atrasados porque não dominam os códigos de uma universidade branca, que se pensa como universal. Isto é o que configura o racismo epistêmico presente nas universidades brasileiras, atuante muito menos por um ataque frontal e agressivo e muito mais por formas sutis de alijamento, em que aqueles que não dominam os códigos hegemônicos são excluídos das oportunidades existentes na vida escolar (Dávila 2003DÁVILA, Jerry. 2003. Diploma of Whiteness. Race and Social Policy in Brazil, 1917-1945.Durham: Duke University Press.). É neste sentido que, junto a outras colegas que têm refletido sobre o tema, argumentamos que uma diversidade cosmética é insuficiente para uma transformação política epistemológica.

O ponto é ampliar conhecimentos, modos de conhecimentos e mundos cognoscíveis. E reconhecer que, para isso, o fazer acadêmico tem que mudar, para não falar do cotidiano das práticas pedagógicas. Para que isso aconteça, evidentemente, a universidade tem que se colocar em xeque (Cohn 2016COHN, Clarice. 2016. “Uma década de presença indígena na UFSCar”. Campos - Revista de Antropologia, [S.l.], v. 17, n. 2:15-34, dez. :31).

Por um lado, apontamos para as Resoluções e para o ingresso numericamente superior de estudantes negros/as na pós-graduação. Por outro, mais importante, indicamos uma transformação em nossos posicionamentos, decorrente das interações por que passamos, docentes e discentes, ao longo de anos de luta coletiva antirracista. Graças a tais experiências tornou-se possível, embora nem sempre concretizada, a prática de nos somarmos a estudantes que ingressam pelas políticas de ações afirmativas como sujeitos que lutam para terem reconhecidas suas experiências pessoais e coletivas para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de suas pesquisas. Em suma, a ciência a que se propõem está embebida em sua política vivida e dela não pode ser dissociada: não só reivindicam a valorização de suas experiências e sensibilidades sócio-históricas concretas e particulares, como também questionam os privilégios desfrutados por pesquisadores/as brancos/as e a estabilização de seus padrões de excelência acadêmicos, forjados a partir da exclusão.

O que os estudantes negros ativistas antirracistas demonstram é que o fundamental é o enfrentamento da colonização mental que faz com que um oprimido se identifique com a visão de mundo do opressor, pois, como adverte Munanga (2006MUNANGA, Kabengele. 2006. “Algumas considerações sobre ‘raça’, ação afirmativa e identidade negra no Brasil: fundamentos antropológicos”. Revista USP, v. 68:45-57.:53), “o racismo é uma ideologia capaz de parasitar em todos os conceitos”. O salutar desconforto que seu posicionamento crítico enseja compele os/as professores/as já estabelecidos/as nas universidades a dialogar com uma bibliografia e novas formas de conhecimento totalmente inéditos a eles/elas. Produzem assim, no bojo da pauta antirracista, um experimento genuíno de dessenhorização da academia.

É urgente refundar as universidades brasileiras a fim de que possam produzir conhecimento a partir de seu diálogo com as realidades locais. Também é urgente que haja esforço para dessenhorizar as instituições, a fim de promover a reconciliação com as ricas experiências da população negra, indígena e quilombola. Neste sentido, o trabalho a ser feito nas universidades brasileiras é duplo: uma revisão dos seus vínculos com as formas de conhecimento forjadas nas nações imperiais (ou norte global) e uma revisão do conhecimento - para usarmos uma metáfora cara a todos nós - produzido a partir da casa-branca no interior deste outro tipo de plantation que é a universidade (Borges 2020BORGES, Antonádia. 2020. “Very Rural Background: Os Desafios da Constituição Terra da África do Sul e do Zimbábue à Chamada Educação Superior”. Revista de Antropologia, v. 63:1-30.). Dessenhorizar-se implica uma crítica à produção de conhecimento e às formas de sua enunciação que têm caracterizado a ciência no Brasil - especialmente Humanidades e Ciências Sociais - e sua agenda é necessariamente antirracista, anticolonial e anti-imperialista.

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    Este artigo faz parte do projeto “Principles and Practice in Approaches to Deracialisation: countering the Social Dynamics of Contemporary Racialisation in Brazil, South Africa, Sweden and the United Kingdom” (2016-04759), financiado pelo Swedish Research Council. A autora e o autor também contaram com fomentos públicos do Estado brasileiro, seja por meio de bolsas de pesquisa, seja pela manutenção de seus Programas de Pós-Graduação. Os recursos da CAPES, do CNPq e de outras agências são cruciais para a pesquisa no país.
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    “Instituições públicas continuam responsáveis pela formação da maior parte dos mestres (79,8% do total) e dos doutores (85,3%) no país.” (Brasil 2022:314BRASIL. 2022. Relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.).
  • 3
    Usaremos o termo branquidade e não branquitude em nosso texto a fim de realçar sua relação com a noção de colonialidade do saber (Grosfoguel 2007GROSFOGUEL, Ramón. 2007. “The Epistemic Decolonial Turn”. Cultural Studies, 21(2-3):211-223. DOI: 10.1080/09502380601162514
    https://doi.org/10.1080/0950238060116251...
    ; Bernardino-Costa & Borges 2021BERNARDINO-COSTA, Joaze & BORGES, Antonádia. 2021. “Um projeto decolonial antirracista: ações afirmativas na pós-graduação da Universidade de Brasília”. Educação & Sociedade, v. 42:1-18.). Seguimos os argumentos de Paterniani (2020)PATERNIANI, Stella Z. 2020. “(Re)pensando terra, corpo e tempo: algumas ferramentas analíticas antibranquidade”. Revista Educação e Ciências Sociais, Salvador, v. 3, n. 5., para quem “a branquidade, enquanto modo de funcionamento, envolve a obliteração de regimes de produção de conhecimento” (:27).
  • 4
    Na década anterior, ao tematizar a pauta das cotas raciais, algumas autoras (e.g. Oliven 2007OLIVEN, Arabela C. 2007. “Ações afirmativas, relações raciais e política de cotas nas universidades: Uma comparação entre os Estados Unidos e o Brasil”. Educação, 30(1):29-51.) reconheciam seu caráter capaz de promover avanços ansiados e, se acreditava, incontestáveis. As guinadas contemporâneas nos levam a reconhecer a longa caminhada e a frisar os revezes por que passa a agenda antirracista e os retrocessos derivados.
  • 5
    Somente em 2021 houve o despacho de um ato punitivo, assinado pela reitora da UnB, em que se determinava a participação da estudante acusada de racismo e xenofobia em atividades de caráter pedagógico antirracista.
  • 6
    No despacho enviado aos PPGs pela Decana de Pós-Graduação, professora Adalene Moreira, lia-se: “a proposta de ações afirmativas foi apresentada na reunião da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação (CPP) ocorrida no último dia 14 [de fevereiro] e, no seu desdobramento, aquele colegiado decidiu consultar os Programas de Pós-Graduação sobre a referida proposta, e após, ao término de trinta dias, a CPP votará a proposta de resolução que dispõe sobre a política de ações afirmativas para negros/as, indígenas e quilombolas na pós-graduação na UnB”.
  • 7
    Tradução nossa de “a black sense of place might not to be read as an authentication of blackness, or a truth-telling conceptual device, or an offering of a ‘better’ place; rather a black sense of place locates the ways in which anti-black violences in the Americas evidence protean plantation futures as spaces of encounter that hold in them useful anti-colonial practices and narratives”.
  • 8
    Tradução nossa de “Anthropology should [however] move away from a propensity for vagaries towards a more thoughtful, concrete navigation and critique of social processes, behaviours and people”.
  • 9
    Sobre o caráter quimérico das soluções privatistas e de mercado, recuperamos o argumento de Stuart Hall (2005)HALL, Stuart. 2005. “New Labour’s Double-shuffle”. Review of Education, Pedagogy, and Cultural Studies, 27(4):319-335. que, muito precisamente, indica como o Estado nunca se retira, se não imiscui-se como cúmplice, por meio de regimes regulatórios da contínua transformação de vidas em capital.
  • 10
    Entre a redação do presente artigo e a sua publicação, com a participação ativa de um dos autores deste artigo (Joaze Bernardino-Costa), o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB criou o Comitê de Acompanhamento Permanente das Políticas de Ação Afirmativa e instituiu as bancas de heteroidentificação para o acesso aos cursos de graduação, unificando os procedimentos em relação à pós-graduação, que já tinha tal exigência desde a criação de sua política de ação afirmativa (Universidade de Brasília. Resolução Cepe 090 de 2022UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 2022. Resolução Cepe nº 090, de 22 de setembro de 2022, que «Dispõe sobre a criação do Comitê Permanente de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa (COPEAA-UnB), dá providências para o funcionamento das Comissões de Validação e das Comissões Recursais da Autodeclaração Étnico-Racial dos(as) candidatos(as) negros(as) - pretos(as) e pardos(as) -, indígenas e quilombolas para ingresso na Graduação e na Pós-Graduação da Universidade de Brasília». Disponível em: Disponível em: https://sig.unb.br/sigrh/public/colegiados/filtro_busca.jsf . Acesso em 11/10/2022
    https://sig.unb.br/sigrh/public/colegiad...
    ).
  • 11
    Tradução nossa de “today’s intellectual technologies, especially in the humanistic areas of inquiry, cannot complete their itineraries until they have taken into account the impact of race and critical race theory. It is fair to say that Black Studies in its varied articulations put race on the table as social construction, as an idea whose history can be tracked, as a heuristic device. In short, as a topic that has lost its secrecy; its prohibitive and unspeakable character. It has made race visible and accountable to critique”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2021
  • Aceito
    14 Out 2022
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