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Paulina são várias: os poderes da representação nas imagens de uma santa católica* * Este texto publica resultados do projeto “Arquiteturas Monumentais: religião e espaço público”, apoiado por Bolsa de Produtividade CNPq. Agradeço a atenção das pessoas entrevistadas e as leituras de Rodrigo Toniol e Leonardo Almeida, assim como os comentários e as sugestões de pareceristas da revista.

The many Paulinas: the powers of representation in the images of a Catholic saint

Variaciones sobre Paulina: los poderes de la representación en las imágenes de una santa católica

Resumo

Este texto enfoca um conjunto de imagens de Madre Paulina, mulher canonizada pela Igreja Católica em 2002 e que tem seu santuário no sul do Brasil. Esculturas com distintas características participam dos esforços de difusão da devoção à santa. A análise da produção dessas imagens - e suas reproduções em suportes variados - é realizada tendo como referência discussões antropológicas sobre representação e presentificação. Argumenta-se que não é necessário opor estas duas ideias, e a análise demonstra que a multiplicação de representações da santa, com a sua produção de variações, combina-se com o projeto de atrair pessoas para sua devoção. Para a constituição dos dados da pesquisa, foram utilizadas observações nos locais onde as imagens estão, bem como entrevistas com religiosas da congregação que administra o santuário e com os manufaturadores das esculturas da santa.

Palavras-chave:
Santidade; Imagens; Catolicismo; Santuários; Agência

Resumen

Este texto se centra en un conjunto de imágenes de Madre Paulina, mujer canonizada por la Iglesia Católica en 2002 y que tiene su santuario en el sur de Brasil. Esculturas de diferentes características participan en la labor de difusión de la devoción a la santa. El análisis de la producción de estas imágenes -y sus reproducciones en diversos medios- se realiza en diálogo con las discusiones antropológicas sobre representación y presentificación. Se argumenta que no es necesario oponer estas dos ideas, y el análisis demuestra que la multiplicación de representaciones de la santa, con su producción de variaciones, se vincula con el proyecto de atraer a la gente a su devoción. Para la configuración de los datos de la investigación se utilizaron observaciones en los lugares donde se encuentran las imágenes, así como entrevistas con religiosos de la congregación que administra el santuario y con los fabricantes de las esculturas de la santa.

Palabras clave:
santidad; imágenes; catolicismo; santuarios; agencia

Abstract

The present text focuses on a set of images of Madre Paulina, a woman canonized by the Catholic Church in 2002, whose sanctuary is in southern Brazil. Sculptures containing different characteristics are part of the efforts to spread devotion to the saint. An analysis of the production of these images - and their reproductions in various media - is carried out with reference to anthropological discussions rergarding representation and presentification. It is argued that it is not necessary to oppose these two ideas, as analysis demonstrates that the multiplication of representations of the saint, with its subsequent production of variations, is combined with a project of attracting devotees. Observations at places where the images are located, as well as interviews with leaders of the congregation that administers the sanctuary and with the manufacturers of the sculptures of the saint, form the basis of these observations and analyses.

Keywords:
sanctity; images; Catholicism; sanctuaries; agency

Na cidade de Nova Trento, localizada a cerca de 80km da capital de Santa Catarina, situa-se o Santuário Santa Paulina. Ele é composto por uma série de estruturas que se espalham por Vígolo, bairro onde viveu Amabile Lucia Visintainer, após ter chegado da região do Tirol (atualmente, Itália) com sua família no final do século XIX. A Congregação que ela fundaria alguns anos depois seria a principal responsável por sua canonização, oficializada pelo Vaticano em 2002. Ela foi anunciada como “a primeira santa brasileira” (Augras 2005AUGRAS, Monique. 2005. Todos os Santos são Bem Vindos. Rio de Janeiro: Pallas.:176-179). O ano de 1991, quando ocorre a beatificação de Madre Paulina, nome religioso de Amabile, marca o aumento do número de visitantes em Vígolo. Desde então, diversos elementos vêm sendo acrescentados ao conjunto que tinha em seu centro uma pequena igreja construída ainda no século XIX.1 1 Para uma visão geral do Santuário Santa Paulina, ver https://santuariosantapaulina.org.br/

Entre esses elementos estão imagens que retratam Santa Paulina. Há várias delas em Vígolo, mesmo se considerarmos apenas as que assumem o formato de estátuas. Algumas são esculturas ao ar livre, outras estão inseridas em ambientes específicos. Neste texto, proponho-me a analisar certos aspectos de três modelos de estátuas que estão relacionadas àquela que se tornou a principal estrutura do santuário. Trata-se do novo e amplo templo, inaugurado em 2006, que se destaca na paisagem de Vígolo (Giumbelli 2021GIUMBELLI, Emerson. 2021. “Monumentais imperfeições: arquitetura e estética de dois grandes templos católicos”. In: Emerson Giumbelli & Fernanda Peixoto (orgs.), Arte e Religião: passagens, cruzamentos, embates. Brasília: ABA Publicações. pp. 159-192.). Na sua entrada, há uma imagem de Santa Paulina de corpo inteiro e braços abertos, sobre um pedestal. No seu interior, existe uma capela dedicada à santa, onde se encontra uma segunda imagem, protegida por um vidro: um busto, cujo pedestal abriga também uma relíquia. Ainda é possível encontrar uma terceira imagem, novamente com a santa em corpo inteiro, mas acompanhada de outros elementos junto às suas vestes; essa estátua apoia-se sobre um suporte móvel, ganhando destaque durante celebrações, quando é colocada nas proximidades do presbitério do templo (ver Figura 1).

Figura 1 -
Imagens de Santa Paulina no templo principal do santuário, Nova Trento, Brasil

Com essas imagens, as pessoas estabelecem uma série de interações, a exemplo do que ocorre na situação tão bem analisada por Lima (2015LIMA, Raquel dos Santos Sousa. 2015. “Sobre presença e representação nas imagens dos santos católicos: considerações a partir de um estudo sobre a devoção à Santa Rita”. Religião & Sociedade, 35 (1):139-163.) em uma igreja carioca dedicada à Santa Rita, que também abriga várias estátuas da santa. Contatos são estabelecidos por meio do olhar e do tato; muitas fotografias são realizadas, valendo-se da facilidade proporcionada por telefones celulares, inclusive para a produção de selfies; circuitos são traçados pelos modos, as ocasiões e a sequência como as três imagens são abordadas. Neste texto, ao contrário de Lima, não são essas interações entre imagens e devotos que estão no foco da análise. Partindo de uma pergunta que também pode ser levantada na igreja de Nova Trento a propósito de Paulina - “qual dessas é Santa Rita?” - a ênfase é colocada sobre a produção das imagens, que guardam, como veremos, importantes diferenças entre si. A produção cobre, de um lado, os propósitos da Congregação que administra o santuário e, de outro, o trabalho dos manufaturadores aos quais foram encomendadas as estátuas.

Venho reunindo informações sobre o Santuário Santa Paulina desde 2015 e estive em Nova Trento em três visitas nos anos de 2018 e 2019, em duas das quais entrevistei uma das responsáveis pela sua administração, integrante da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Pude realizar observações no santuário e em seu entorno, bem como recolher materiais que, junto com as entrevistas, embasam parte das análises que preenchem este texto.2 2 Em Vígolo, há diversos estabelecimentos onde se podem comprar estatuetas e vários objetos com estampas de Santa Paulina. Um desses estabelecimento é a loja de artigos religiosos do Santuário. Em 2018, visitei também o Memorial Santa Paulina, localizado na sede da Congregação, em São Paulo. Quanto aos manufaturadores (um artista, um artesão e um designer), dois deles foram também entrevistados. O terceiro não respondeu às minhas perguntas, mas sobre sua participação na produção de uma imagem de Santa Paulina há registros públicos suficientes para os propósitos deste artigo. Estabeleço ainda diálogos com outros trabalhos que, como o de Lima, se debruçam sobre a imagem de santos/as e figuras religiosas.

No entanto, o âmbito em que se inscrevem minhas análises não tem por referência uma antropologia da religião em geral, ou mais especificamente da devoção ou do catolicismo - embora, evidentemente, estes sejam quadros pertinentes para outras elaborações.3 3 Vale mencionar o ensaio de Fernandes (1988) - embora não enfoque diretamente a questão das imagens, há nele uma inspiradora discussão sobre a figura de Nossa Senhora Aparecida que articula suas representações com dinâmicas do catolicismo e seus santuários no Brasil. Menezes (2013) acompanha um caso de restauração controversa na perspectiva de uma antropologia da devoção. Gomes (2017) é um exemplo de trabalho que analisa trajetórias de imagens de santos como objetos de devoção. No caso de Santa Paulina, um trabalho que engloba a devoção dedicada a ela no contexto do santuário de Nova Trento é o de Steil e Salvador (2011). Minha opção recai sobre uma discussão que envolve os termos representação e presentificação na antropologia contemporânea. Buscarei mostrar como as imagens de Paulina articulam esses dois aspectos, de maneira diversa de acordo com cada versão da santa e segundo os protagonistas envolvidos. Argumentarei, assim, que a atenção sobre aspectos que envolvem o poder ou a agência das imagens não precisa desconsiderar aspectos que incidem sobre operações de representação que supõem correspondências entre pessoas e objetos. É para essa discussão que dirijo a atenção primeiramente. Em seguida, analiso as três imagens de Santa Paulina já mencionadas. Por fim, já como parte das conclusões, evoco a interlocução com um dos devotos que esteve no centro do projeto de construção de uma imagem monumental que visa representar a santa e atrair visitantes em outra cidade de Santa Catarina (Giumbelli 2018GIUMBELLI, Emerson. 2018. “Public spaces and religion: an idea to debate, a monument to analyse”. Horizontes Antropológicos, v. 24:279-309.).

A representação e seus poderes

Invocar a noção de representação, depois das assim chamadas viradas ontológica e material na antropologia contemporânea, parece um contrassenso, pois uma parte dessas viradas consistiu exatamente em propor o descarte daquela noção a fim de que dimensões como agência e poder pudessem ser reconhecidas nas “coisas”. Estabeleceu-se assim uma oposição entre presença ou presentificação, noções capazes de captar tais dimensões, e o conceito de representação, criticado por suas limitações e pressupostos. Entre estes, estaria uma espécie de falha epistemológica, uma vez que recorrer ao termo representação significaria assumir a concepção de um mundo inerte, animado apenas pelas projeções geradas pelas ideias, individuais ou coletivas. Dessas ideias dependeriam integralmente as representações, elas mesmas desprovidas de agência ou poder.4 4 Um exemplo importante desses argumentos pode ser encontrado na introdução da coletânea organizada por Henare, Holbraad e Wastell (2007). Para argumentos em sintonia com os mesmos propósitos no trabalho de um antropólogo associado à virada ontológica, ver Viveiros de Castro (2002). No campo de discussão sobre imagens, para essa agenda de questões, trabalhos fundamentais são os de Freedberg (1989) e Belting (1994). Ver também, em conexão com a virada material, Pinney (2006). Já na interface com os estudos sobre religião, ver, entre outros, Morgan (2015) e Meyer (2019). Merecem ainda ser citados a discussão crítica de Menezes (2019) e o livro organizado com Toniol (Menezes e Toniol 2021).

A abordagem que desenvolvo neste texto pretende problematizar essa impotência da representação. Para isso, elaboro um breve comentário acerca de uma formulação de Bruno Latour (1994LATOUR, Bruno. 1994 [1991]. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Editora 34.). Embora seja um autor associado fortemente às viradas acima mencionadas, encontro nele uma pista a favor de minhas pretensões. Destaco que não se trata de ter a obra de Latour como fundamentação teórica - o que exigiria uma discussão mais aprofundada - mas de estabelecer pontos que terão alguma consequência analítica para os propósitos deste texto. Igualmente, se em seguida teço algumas críticas a dois trabalhos, é menos no sentido da polêmica e mais para levantar questões que ajudam a precisar os interesses da perspectiva que se desenvolve nas seções posteriores.

Ao comentar o livro de Shapin e Schaffer (1985SHAPIN, Steven & SCHAFFER, Simon. 1985. Leviathan and the air-pump: Hobbes, Boyle, and the experimental life. Princeton, N.J.: Princeton University Press.) sobre a controvérsia que envolve Hobbes e Boyle no século XVII, Latour (1994LATOUR, Bruno. 1994 [1991]. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Editora 34.) recorre à noção de representação. Esses protagonistas do passado, tratando tanto de ciência quanto de política, “inventaram nosso mundo moderno, um mundo no qual a representação das coisas através do laboratório encontra-se para sempre dissociada da representação dos cidadãos através do contrato social” (:33, grifo no original). Portanto, se em outros momentos de sua obra Latour efetivamente elabora críticas sobre a ideia de representação, aqui essa categoria é invocada como parte de seu projeto de problematizar a modernidade. O problema não estaria na noção em si, mas na dissociação de dois de seus sentidos, nos termos do autor, a “representação científica” e a “representação política”.

A representação científica diz respeito às coisas. Embora Latour esteja se referindo ao trabalho que transcorre nos laboratórios, estão em jogo as operações que estabelecem semelhanças entre planos distintos.5 5 Um dos textos que faz parte da mesma discussão, envolvendo as relações entre ciência e religião no final do Renascimento, é Latour (2016). É o que ocorre quando se criam reproduções a partir de um modelo ou de uma referência. Como mostra Taussig (1993TAUSSIG, Michael. 1993. Mimesis and Alterity: A Particular History of the Senses. Londres: Routledge ., 1999TAUSSIG, Michael. 1999. Defacement. Stanford: Stanford University Press.), tal operação por si só gera um novo agente - em termos latourianos (Latour 2012LATOUR, Bruno. 2012 [2005]. Reagregando o Social. Salvador: Ed Ufba/ Bauru: Edusc.), um mediador, ou seja, a cópia, além de manter um vínculo com seu protótipo, desenvolve uma atuação que depende também de outras interações. Percebe-se aí que lidamos com uma representação que está necessariamente investida de agência, anulando a crítica que se efetua em nome desta última. Com base nisso, pode-se enfocar o trabalho dos manufaturadores de imagens em sua pretensão de produzir representações de uma santa.

A representação política, por sua vez, diz respeito aos cidadãos, na formulação de Latour. Também nesse caso é possível ampliar o escopo do sentido da noção. O que está em questão, dessa vez, são procedimentos que envolvem autorização, isto é, algo que garante que um ser aja em nome de muitos outros. Se a representação das coisas mobiliza metaforizações em múltiplas direções, a representação das pessoas funciona como uma metonímia consentida. Pode-se recorrer, para traduzi-la, ao conceito de delegação adotado por Bourdieu (2004.BOURDIEU, Pierre. 2004. “A delegação e o fetichismo político”. In: ___, Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense. pp. 188-206.). Sem pretender assumir os pressupostos teóricos deste autor, trata-se de apontar a utilidade de seu conceito para perceber como coisas podem representar coletivos. Por exemplo, a imagem de uma santa pode representar a organização religiosa que a promove. Nessa operação, reconhecemos o poder investido na representação - e assim vemos como se contorna outro ponto da crítica que se dirige a essa noção. Representação e presentificação já não mais estão dissociadas.

A partir daqui, enfoco dois trabalhos que têm uma relação direta com o tema deste texto. Ambos, desde seus títulos, tratam de “representações”. Lavabre (1995LAVABRE, Marion. 1995. “Sainte comme une image. Thérèse de Lisieux à travers ses représentations”. Terrain, n. 24:83-90.) analisa as imagens fotográficas de Teresa de Lisieux (1873-1897), que foram um elemento fundamental, ao lado de certos escritos, para a santificação dessa religiosa católica. A autora enfatiza o trabalho de modificação das fotografias, que são recortadas, retocadas, pintadas e reenquadradas para produzir uma imagem condizente com as expectativas da santificação, que já afetavam o período final da curta vida de Teresa. Em suas conclusões, Lavabre afirma: “Sejam os retratos o resultado de uma reelaboração da memória (a pintura), de uma construção técnica (as fotografias retocadas) ou de um trabalho de direção quase teatral (as fotografias autênticas), o crente se depara com o mesmo problema: a santa está sempre ‘em representação’ e o mistério de sua santidade escapa a toda tentativa de mise en image mesmo quando esta passa por uma objetiva” (:90).

O foco sobre as fotografias de Santa Teresa do Menino Jesus é bastante útil também para o caso de Santa Paulina. Como veremos, elas serviram de base para o trabalho de dois dos três manufaturadores que produziram estátuas de Paulina. Colocam-se assim questões sobre as reivindicações de verossimilhança que sustentam essas reproduções. As intervenções que alteram ou acrescentam elementos em relação ao original não necessariamente deslegitimam tais reivindicações. No caso de Teresa, é uma pintura, aliás extensamente utilizada na propagação da devoção à santa, que é reconhecida, pela irmã que conviveu com a religiosa no mesmo convento, como “a mais parecida de todas” (:87). No entanto, o entendimento de representação adotado por Lavabre desloca-se para questões que, de algum modo, apontam a artificialidade de todo procedimento de mise en image. Prefiro, no caso de Santa Paulina, indagar sobre formas autenticadas de produção de semelhanças entre original e representações, algo que envolve tanto o trabalho e as técnicas dos manufaturadores de estátuas quanto as demandas e as expectativas da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição.

O segundo texto é o já mencionado artigo de Lima (2015LIMA, Raquel dos Santos Sousa. 2015. “Sobre presença e representação nas imagens dos santos católicos: considerações a partir de um estudo sobre a devoção à Santa Rita”. Religião & Sociedade, 35 (1):139-163.). Como foi apontado, seu foco recai sobre a interação de devotas com diferentes imagens de Santa Rita (morta no século XV), todas dispostas em um único templo. Recorrendo à noção de atos de fala, Lima considera essas imagens como emissoras e receptoras de mensagens, cuja compreensão depende de uma atenção ao corpo das estátuas e aos modos como é percebido e tocado. Assim ela resume seu argumento: as devotas “falam das mãos, dos pés, da cabeça, do rosto, do coração, não como representações da Santa, mas como partes que podem sentir e ser sentidas, ser apalpadas, enfim” (:154). Portanto, ela conclui que “o corpo de Santa Rita não se encerra em suas imagens ou representações e pode tomar dimensões múltiplas” (:156).

Vê-se que Lima, em suas elaborações, reforça o coro das críticas à noção de representação, colocando-se a favor da ideia de “presentificação” (cf. também p. 143). A partir dessa posição, o que reivindica é a necessidade de explorar “sutilezas em relação à forma como a presença é concebida” (:144). Da minha parte, privilegiando bem menos as interações entre imagens e devotos e muito mais o projeto da Congregação que promove Santa Paulina, mantêm-se como pertinentes questões sobre como essa Congregação autoriza certas formas de representação da santa, recorrendo ao trabalho de distintos profissionais de produção de esculturas. Para isso, uma diferença importante parece existir entre Santa Rita e Santa Paulina. Há poucas variações entre as distintas imagens de Santa Rita analisadas por Lima, mesmo se sua produção se estende desde o século XVII até o presente. As representações de Santa Paulina são muito mais recentes; no entanto, elas demonstram diferenças importantes quanto a uma série de aspectos.6 6 Outros estudos que se debruçam sobre variações de imagens de santos são Sanfuentes e Ossa (2017), Da Rolt (2015) e Ribeiro (2017), mas com abordagens distintas das que emprego aqui. O mesmo se aplica a outro texto de Menezes (2011), sobre os panfletos conhecidos como “santinhos”. Isto não impede que convivam no interior ou nos arredores do mesmo templo ou que participem das formas pelas quais a Congregação divulga a devoção e a si mesma.

Veremos que tanto manufaturadores quanto a Congregação participam de processos e procedimentos que envolvem a criação de imagens de Santa Paulina. A produção dessas representações depende de definições que incidem sobre as condições de semelhança entre a pessoa e suas imagens e sobre as formas autorizadas que delegam às imagens um papel no projeto religioso da Congregação. Deve-se notar que a santuarização de Santa Paulina não surgiu de uma devoção já popularizada.7 7 Discuto as condições da promoção da devoção a Santa Paulina em outro texto (2021), no qual também são apresentados detalhes sobre a arquitetura de seu santuário. Outro artigo ainda (Giumbelli 2022) analisa o lugar das imagens no interior do templo principal desse santuário, em diálogo com o trabalho de Godoy (2020) sobre o santuário de Nossa Senhora Aparecida. Portanto, para a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, a produção de imagens de sua fundadora está vinculada à consolidação e à ampliação dessa devoção. A devida reprodução da santa atrela-se, assim, à sua missão de atrair fiéis - o que carrega suas imagens de poder e agência. Representação e presentificação estão, portanto, ligadas.

Antes de dar início à minha análise, vale enfatizar que não estou afirmando que as agências mobilizadas pelas imagens de uma santa se reduzem às esferas de sua produção. Certamente a interação dessas imagens com fiéis revelará outras formas de sua agência e mostrará o quanto e como se concretiza sua missão de cultivar devoções. Meu foco recai sobre as características das representações que a tornam capaz de atuar em sintonia com visões autorais (dos manufaturadores) e projetos institucionais (da Congregação). Tais visões e projetos geram as matrizes de imagens que, em boa parte dos casos, são objetos de devoção ou de apropriação por parte de fiéis. Ademais, ao destacar estes pontos, não trato de desconsiderar as agendas da virada material, mas de sugerir como a noção de representação pode estar nelas incluída.

A primeira imagem: Paulina com seus atributos

No início dos anos 2000, a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição aguardava a confirmação da canonização de sua fundadora, que ocorreria em 2002. Desde 1998, a área em torno da antiga igreja de Vígolo havia sido reconhecida como um santuário, estando em discussão os projetos que guiariam a ampliação de suas estruturas. É nesse contexto que as religiosas buscavam a produção de uma imagem que acompanhasse a canonização da provável santa. Havia ainda outra necessidade para essa demanda: "alguns barraqueiros do Santuário estão vendendo estátuas falsas dela, ou seja, que não representam o legítimo rosto de Amábile Lúcia Visintainer". Uma das irmãs acrescentava: "Eles estão usando as formas do rosto de Santa Rita de Cássia" (Santa Catarina 2002 SANTA CATARINA. 2002. Santa Paulina: a primeira santa do Brasil. Florianópolis: SANTUR.citado em Silva 2004:145).

Na verdade, havia já uma imagem anterior de Paulina em formato de escultura. Um exemplar dela estava inclusive no altar dedicado à beata na igreja que ficava em Vígolo (Figura 2). Mas, nas palavras da diretora do Santuário, ela não era considerada “original” (Tomelin, entrevista 2019TOMELIN, Anna. 2019. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 07/07/2019.). Provavelmente, essa consistia na imagem que servia de modelo para as que eram comercializadas, gerando inclusive aquelas denunciadas como falsas por seus acréscimos. Ademais, ela convivia com outros ícones da santa, reproduções de fotografias e de quadros. Uma das fotografias, um retrato de Paulina, ilustrava muitas das publicações oficiais (Figura 3).8 8 De acordo com a reportagem de Pereira (2002), a estampa de Paulina que era usada na divulgação “reproduz um dos poucos registros que restaram dela, feito ainda na juventude. Não sem alguns retoques. Durante o processo de beatificação, concluído em 1991, coloriram a foto, e o resultado conferiu à freira um ar místico. Foi o primeiro passo na construção da imagem da santa”. Não disponho de outros dados sobre imagens fotográficas de Paulina produzidas durante sua vida. Na entrevista com Irmã Anna, ficou evidente que a Congregação busca evitar o uso de fotografias do período final da vida de Paulina, quando ela aparentava estar bastante envelhecida. Na cerimônia de beatificação, ocorrida em 1991 durante a visita do papa João Paulo II a Florianópolis, o que se destaca é um quadro da santa em pose mística com feições algo distintas daquelas aparentes nas fotografias.9 9 Uma reprodução do quadro, juntamente com outras imagens, pode ser consultada aqui: http://www.santosebeatoscatolicos.com/2014/11/santa-paulina-do-coracao-agonizante-de.html Em suma, houvera uma proliferação de imagens de Paulina, algo que a canonização pretendia remediar.

Figura 2 -
Estátua de Paulina na antiga igreja de Vígolo, fotografada no início dos anos 2000

Fonte: Zanatta 2001

Figura 3 -
Fotografia de Paulina, colorida

Cícero D’Ávila é o artista convidado pela Congregação para produzir a nova imagem. Ele tinha um ateliê em São Paulo e especula que tenha sido contatado pelas religiosas por conta de um trabalho anterior. Trata-se de uma estátua de Frei Galvão primeiramente colocada no Mosteiro da Luz. Cícero não se considera um especialista em escultura sacra, dizendo que não é este o seu segmento, mas em sua trajetória acumula peças de natureza religiosa, como a imagem de Madre Teresa de Calcutá para a Catedral de Washington (EUA). Antes deste trabalho realizou, por volta de 2001, a escultura de Paulina para a Congregação, no que foi uma colaboração episódica (D’Ávila, entrevista 2020D’ÁVILA, Cícero. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 23/06/2020.).

Para produzir a nova escultura de Paulina, o artista amparou-se em fotografias da religiosa. Em sua entrevista, ele notou que havia a preocupação de criar algo baseado no princípio de semelhança. Cícero é apresentado como um artista “hiper-realista de traços leves, expressivo, técnico e criativo, [que] trabalha com o figurativo trazendo variantes do tradicional e moderno para os dias atuais”.10 10 Cf. https://artebrasileirautfpr.wordpress.com/2014/12/16/cicero-davila, que traz mais informações sobre sua formação e suas obras. As fotos foram usadas para inspirar o rosto da imagem, em uma escala que limitou as habilidades do artista. O resultado geral, uma estátua de menos de um metro de altura, incorpora outros elementos, não menos fundamentais.

Como vemos na Figura 4, Paulina é figurada usando o hábito religioso, junto ao qual há um rosário. Sua mão esquerda aperta contra o peito uma cruz. Sua mão direita estende um pão para uma criança que está a seus pés, ela mesma segurando outro pedaço de pão. Segundo a descrição de Pereira (2002PEREIRA, Paula. 2002. “Reconstruindo Madre Paulina”. Revista Época, Rio de Janeiro, Editora Globo, 13 de maio de 2002, p. 88.), “a santa olha adiante [...] à procura de outra pessoa que precise de seu auxílio”. A imagem que esta visava substituir não era muito diferente, mostrando, no lugar da cruz, um livro; sem a criança, a santa estendia a outra mão em posição de acolhimento, dirigindo-se aos seus devotos (Figura 2).

Figura 4 -
Estátua de Cícero d´Ávila no Memorial Santa Paulina, SP e similar no templo do Santuário Santa Paulina, SC

O ponto fundamental é que ambas as versões buscam expor os atributos de Santa Paulina.11 11 Para uma discussão sobre a importância dos atributos na representação de santos e sua relação com as hagiografias, ver Menezes (2011:49-53). Na conversa com Irmã Anna, ela explicou que esses atributos conciliam a espiritualidade e o serviço, vistos como características definidoras da santa. O livro, a cruz e o rosário representam a espiritualidade, “a intimidade, a oração, estar com Deus”; a imagem mais recente, incorporando uma criança, tentava dar mais expressão ao serviço (Tomelin, entrevista 2018TOMELIN, Anna. 2018. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 18/08/2018.). Segundo me contou Cícero, o pão que é oferecido à criança representa a educação, lembrando que a Congregação mantém uma rede escolar (D’Ávila, entrevista 2020D’ÁVILA, Cícero. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 23/06/2020.). A composição, portanto, esforçava-se por mostrar os atributos que caracterizavam Santa Paulina na visão de sua Congregação e que produziriam uma identificação para seus devotos. Eles dialogam com traços da sua hagiografia, que destacam a entrega à vocação religiosa e os trabalhos de assistência a pessoas necessitadas.12 12 Ver Custódio (2011). No site do santuário, essas virtudes são apresentadas em um relato biográfico: o cuidado dedicado a uma enferma e a decisão de formar uma Congregação; a dedicação caridosa a órfãos e desvalidos como líder da organização; a submissão às autoridades religiosas após a destituição de sua liderança (https://santuariosantapaulina.org.br/sobresantapaulina/).

Mas o que a criação de Cícero acrescentava não era totalmente original. No que deve ser a primeira das estátuas de corpo inteiro de Paulina, a religiosa é apresentada segurando uma cruz e uma enxada. É uma estátua de bronze, medindo três metros, instalada em 1990, marcando o centenário da criação da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Ela está situada na área do santuário em Vígolo, no alto de uma colina de onde se tem a visão mais cenográfica para o novo templo. A enxada faz referência à valorização do trabalho pelas religiosas da Congregação, e volta a figurar em outra estátua, mais recente, situada em outra colina de Vígolo, no cume da trilha mariana. Essa estátua, de 2012, foi doação de uma das fabricantes de imagens que tem Santa Paulina em seu catálogo.13 13 A estátua de 1990 é comentada por Steil e Salvador (2011), que enfatizam a relação entre religião e trabalho, algo cuja presença varia entre o destaque e a simples menção na hagiografia de Paulina.

A estátua que foi concebida para ser a “oficial” acabou, na verdade, convivendo com a versão que visava substituir. Pude constatar isto no santuário, não apenas percebendo as variantes que apontei acima, mas observando as imagens que existem nos templos. Em 2018, na igreja antiga, a estátua utilizada em um altar lateral, que também abriga uma relíquia, tinha como modelo a Paulina sem a criança, mantendo o arranjo mostrado na Figura 2. Na mesma ocasião, no andor que era levado pela procissão durante a festa anual, a imagem criada por Cícero foi a escolhida. No templo novo, a mesma imagem ficou exposta em um lugar de destaque. Mas em 2019, quando visitei a igreja, no mesmo lugar, perto do presbitério, figurava a imagem mais antiga.

Se considerarmos as imagens de Paulina em formato de estátua, em diversos tamanhos, que são comercializadas, em Nova Trento ou outros lugares, encontraremos a enorme predominância da santa com seus atributos (em comparação com as imagens que analisarei a seguir). Ao mesmo tempo, fica evidente como não se seguiu um modelo específico. Cícero comentou sobre a reprodução indiscriminada e não autorizada da imagem que criou, mas não demonstrou preocupação, mesmo lamentando que a qualidade das cópias seja sofrível (D’Ávila, entrevista 2020D’ÁVILA, Cícero. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 23/06/2020.). O mais importante a notar é que as imagens comercializadas de Santa Paulina, inclusive na loja do santuário, podem seguir um ou outro dos modelos acima apresentados, podem simplificá-los, podem mesmo produzir combinações entre eles (por exemplo, a mulher com a criança segurando um livro) e podem ainda introduzir variações (como as duas mãos sobre o peito).

Pereira (2002PEREIRA, Paula. 2002. “Reconstruindo Madre Paulina”. Revista Época, Rio de Janeiro, Editora Globo, 13 de maio de 2002, p. 88.) termina sua matéria relatando seu contato com as religiosas: “Agora as irmãzinhas querem que os artesãos da região de Nova Trento, em Santa Catarina - onde a santa viveu e o culto a ela é mais forte -, assimilem a feição oficial da estatueta. Aos poucos, pretendem substituir as imagens vendidas atualmente”. Sabemos que não foi isto que aconteceu. Como disse Irmã Anna: “Nós tentamos padronizar uma [imagem], mas não deu”. Afinal, ela completa, “é próprio da imagem vir da imaginação da pessoa” (Tomelin, entrevista 2018TOMELIN, Anna. 2018. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 18/08/2018.). De todo modo, as imagens insistiam nos atributos da santa como parte de sua representação.

Essa representação atrelava-se ao projeto de consolidar e ampliar uma devoção. Vimos como, para o artista contratado, a verossimilitude, com base em fotografias de Paulina, foi um parâmetro importante, mas não exclusivo. Outros elementos que compuseram a imagem buscaram expressar ideias (espiritualidade e serviço) que interessavam à congregação religiosa destacar. Essas características representavam tanto Paulina em algum ponto do passado quanto a própria congregação na entrada do século XXI. Em suma, o que estava em jogo era cultivar devotos fixando uma imagem que incorporasse os atributos que identificam uma santa em construção. Considerando a enorme difusão das reproduções baseadas nesse modelo, pode-se dizer que esse projeto teve algum êxito. Mas ele não foi dado por encerrado, como logo constataremos.

A segunda imagem: o corpo de Paulina de braços abertos

As movimentações que ocorreram em Nova Trento em decorrência da beatificação e da canonização de Paulina também afetaram a sede da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição em São Paulo. Desde a década de 1980, havia um memorial que abrigava objetos e narrativas sobre a Congregação. Com a canonização de sua fundadora, a instituição reorganiza esse memorial e o batiza com o nome de Paulina. Sua inauguração ocorre em dezembro de 2005.14 14 Para uma apresentação geral do memorial, ver https://ciic.org.br/memorial/ A segunda imagem de que trata este texto está exatamente relacionada com a reconfiguração do Memorial Santa Paulina, embora tenha impactos mais amplos, como veremos. Menos de cinco anos depois da primeira imagem oficial, a santa já era novamente retratada, sob uma forma bem diferente.

A pessoa contratada para produzir a segunda imagem foi Wilson Iguti.15 15 As informações sobre Iguti baseiam-se em Penna (2016) e https://www.iguti.com.br/ Era ele o proprietário de uma empresa, criada em 1983, especializada no desenvolvimento de brindes e brinquedos diversos. Em seu catálogo de produtos, constam desde bonecos de personagens infantis até esculturas de animais para parques de diversões, passando por um kit de inseminação artificial de bovinos. O ateliê produziu também bustos de pessoas famosas, usando materiais diversos. A temática religiosa é rara nesse catálogo, mas em 2003 Iguti fez uma estátua de Padre Anchieta para uma capela do Pátio do Colégio, no centro de São Paulo. Ele acha que esta foi a razão pela qual as religiosas o procuraram (Iguti, entrevista 2020IGUTI, Wilson. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 03/06/2020.). Deve também ter contado o fato de que o ateliê de Iguti situa-se no mesmo bairro em que está a sede da Congregação.

A intenção das religiosas era ter uma imagem de corpo inteiro de Paulina na sala em que se inicia a visita no memorial. Iguti relata que elaborou uma maquete e, tendo a aprovação das religiosas, deu continuidade ao trabalho. Para o rosto, o escultor diz ter se baseado em fotos que lhe foram disponibilizadas pela congregação. Contou também com as apreciações de duas religiosas que conheceram Paulina, havendo, segundo ele, a opinião dominante de que, tendo em referência a estátua de Cícero, seria possível aperfeiçoar a semelhança com as feições da mulher. Iguti lamenta não haver fotos de Paulina de perfil, o que teria beneficiado sua criação. No caso do Pe. Anchieta, ele trabalhou com uma máscara mortuária. Ao conhecer a terceira imagem, de que tratarei adiante, ele defendeu a qualidade de sua representação. Para o corpo, Iguti teve ajuda de sua filha, que foi até o memorial e vestiu o hábito característico da congregação (Iguti, entrevista 2020IGUTI, Wilson. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 03/06/2020.). Pode-se afirmar que ela representou a santa, no sentido de ter feito o papel dela.16 16 Isso sugere a pertinência de considerarmos um terceiro sentido da noção de representação, não explorada neste texto. Para uma instigante análise que vai nessa direção, ver Pereira (2019). O resultado final, uma estátua de 1,60m, pode ser observado na Figura 5.

Figura 5 -
Imagem de Santa Paulina produzida por Wilson Iguti para o Memorial Santa Paulina, SP, 2005

O artesão relata que, após terem apreciado a primeira estátua, as religiosas encomendaram uma segunda. Esta seria integrada às instalações do novo templo, então em estágio de finalização. A estátua não fazia parte do projeto original desse templo, cuja construção se iniciara em 2003. Quando ela chega em Nova Trento, no início de 2006, parece ter sido cogitada a sua colocação no interior do templo. Mas o arquiteto litúrgico, que me informouisto, orientou que a imagem deveria ficar do lado de fora. Do lado de dentro, a estátua afetaria a concepção religiosa e estética dominante. Nas palavras dele: “a dona da casa fica na porta, acolhendo e se despedindo” (Fernandes, entrevista 2019FERNANDES, José. 2019. Entrevista concedida ao autor, via internet, 11/04/2019.). E assim, em janeiro de 2006, para a inauguração do novo templo, a imagem de Paulina foi colocada poucos metros antes da entrada principal - o que não deixa de ser uma posição privilegiada, se considerarmos o fluxo dos visitantes que chegam no lugar.

A estátua de Nova Trento (Figura 6) não é exatamente uma cópia da que está em São Paulo. Há três diferenças, pelo menos. Primeiro, o tamanho, que é maior, 2,20m, ainda acrescido de um pedestal de cerca de um metro. O realismo do rosto não acarretou em uma representação de tamanho natural, como vai acontecer na terceira imagem. Quanto ao pedestal, a razão para sua existência, segundo Iguti, é favorecer a conservação: “Pois se deixar na altura do chão, as pessoas danificam as estátuas” (Iguti, entrevista 2020IGUTI, Wilson. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 03/06/2020.). Este ponto está relacionado com a segunda diferença, o material. Enquanto o rosto da estátua do memorial é feito de uma espuma com revestimento tipo látex - “dá ideia de pele mesmo” -, toda a estátua de Nova Trento é em fibra de vidro, o que facilita a sua manutenção e restauração. Por fim, a diferença mais importante: no memorial de São Paulo, a imagem de Paulina está de braços estendidos; na entrada do templo do santuário, ela está com os braços mais abertos, reforçando a postura de acolhida. Segundo o artesão, este foi um pedido das religiosas.

Figura 6 -
Imagem de Santa Paulina produzida por Wilson Iguti em seu ateliê e na entrada do Santuário Santa Paulina

Quando estive no Santuário Santa Paulina em 2018 e 2019, notei o quão procurada era a estátua de braços abertos. Muitos visitantes posavam para fotos junto a ela. Se fosse menor e não tivesse o pedestal, provavelmente seria abraçada e parte de muitas selfies. Mesmo como está, é bastante tocada. Algumas pessoas, uma minoria, rezavam e se benziam diante dela. É importante observar que essa imagem não tem, na perspectiva da Congregação, um propósito devocional. Como me disse Ir. Anna: “foi pensada para acolher o pessoal, que gosta de tirar foto” (Tomelin, entrevista 2018TOMELIN, Anna. 2018. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 18/08/2018.). Para as autoridades da congregação, ela não é objeto de culto - consequentemente, não é usada em procissões. Até onde consegui apurar, não foi também jamais replicada em formato de estátua, mesmo em menor escala. Por outro lado, tem sido bastante utilizada em reproduções fotográficas para estampar produtos e materiais oficiais da Congregação. Nesse plano, ela passou a competir com as imagens mais tradicionais da santa. E pode-se afirmar que assim como visitantes, devotos e matérias jornalísticas, a Congregação participa ativamente da utilização e da divulgação dessa imagem.

Em suma, a imagem criada por Iguti, baseada em fotografias de Paulina e em impressões de suas correligionárias, parece estar cumprindo o papel a que foi destinada: dar as boas vindas aos visitantes da santa. A capacidade de acolher tornou-se um traço essencial dessa representação. Distribuída do memorial para o santuário, contudo, esse papel foi amplificado: não apenas acolhe quem chega na entrada do templo, mas também expande a imagem da santa por meio das copiosas reproduções que ganha, com fotografias pessoais divulgadas em redes sociais, com seu uso em reportagens e, não menos importante, com sua utilização em materiais elaborados ou promovidos pela congregação. Deste ponto de vista, mostra-se uma imagem poderosa, tanto para atrair pessoas quanto para representar a congregação. Sobre outro aspecto da representação, destaco que, nas suas duas versões, a estátua criada por Iguti ao mesmo tempo reivindica semelhança com o original e renuncia aos atributos que caracterizam as imagens anteriores de Paulina. Seu foco é o corpo mesmo da santa, algo que compartilha com a terceira e última imagem que irei analisar.

A terceira imagem: o rosto de Paulina sorri

Em dezembro de 2015, veio a público o resultado da elaboração de uma nova imagem de Santa Paulina. Neste caso, trata-se apenas do rosto, vestido por parte do hábito da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição para formar um busto. Das três versões dessa escultura, uma delas foi enviada para a Itália; as que estão no Brasil foram colocadas, uma, no Memorial Santa Paulina, a outra, no Santuário de Nova Trento. Contudo, distintamente da estátua de Iguti, a escultura mais recente foi investida, pela Congregação, de um valor devocional, uma vez que ela se encontra na capela dedicada à santa dentro do templo novo do Santuário, ou seja, ela veio substituir uma das imagens mais antigas e foi colocada sobre o pedestal que também abriga uma das relíquias de Paulina. Mas há outras diferenças que caracterizam a mais recente imagem da santa.

Essa imagem resulta de uma impressão 3D, no âmbito de um empreendimento coletivo. A figura principal desse coletivo é Cícero Moraes, um designer que desde 2013 se dedica a projetos de reconstrução digital de faces humanas. Vários desses projetos envolvem personagens religiosos, a começar com Santo Antônio de Pádua, resultado do envolvimento do designer com uma equipe italiana. Apesar de Moraes declarar não seguir qualquer religião e ser descrito como ateu, a temática religiosa tornou-se forte em seu currículo. Desde 2014, avolumam-se os casos de santos e santas do catolicismo que recebem sua atenção.17 17 Ver o site http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/Moraes/CiceroMoraes.html. Na mesma época em que Cícero se dedicou a Santa Paulina, havia a intenção de fazer a imagem de Frei Galvão, canonizado em 2007. Mas as condições de seus restos mortais não possibilitaram o avanço do projeto. Para isso, uma parceria fundamental parece ter sido a de José Luís Lira, apresentado como hagiólogo.18 18 Ele foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Hagiologia: http://hagiologia.blogspot.com/p/historico.html Foi Lira quem apresentou Moraes às religiosas da Congregação. Para o projeto de Santa Paulina, colaboraram ainda um legista, uma unidade de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia e uma artista.19 19 Ver http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/Moraes/Madre_Paulina.html; https://www.gov.br/mcti/pt-br/composicao/rede-mcti/centro-de-tecnologia-da-informacao-renato-archer; e http://maribueno.com.br/?p=2229 A narrativa que sustenta esse projeto apresenta uma conciliação entre a ciência, a tecnologia, a arte e a santidade.

A técnica utilizada para a produção do rosto de Paulina e também adotada para outros casos parte da manipulação do crânio.20 20 O relato baseia-se em Veiga (2018), Bezzi e Moraes (2018) e Moraes (Entrevista 2017). A Congregação permitiu acesso aos restos mortais da santa, que estão no memorial em São Paulo. Em seguida, um legista confirmou que se tratava do crânio de uma pessoa com as características de Paulina. Moraes produziu então centenas de fotografias do crânio e um programa de computador encarregou-se de elaborar uma imagem de rosto simulado em três dimensões. Foi estabelecido que a imagem retrataria Paulina com 45 anos de idade. O próximo passo foi a impressão 3D, feita pela unidade de pesquisa. Por fim, antes de ser vestida, a escultura foi pintada por uma artista que mora na mesma cidade de Moraes e dedica-se basicamente a projetos religiosos, combinando seu ofício com o envolvimento com o catolicismo.

Moraes explica que se trata de uma técnica que adapta os procedimentos utilizados na peritagem forense para outros domínios. Seus “parâmetros científicos” são muito destacados. Eles impedem que testemunhos sejam considerados como parte da reconstituição. O trabalho precisa ser todo feito pelas fotografias, pelo computador e pela impressora. Mas, para a pintura do rosto, religiosas da Congregação foram consultadas. Acredita Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia, “que com o passar do tempo a representação ‘oficial’ desses santos pode ser atualizada, ao se trabalhar a versão feita em computador no lugar das antigas pinturas e imagens tradicionais” (Veiga 2018VEIGA, Edison. 2018. “O ateu que constrói santos”. Galileu, n. 324:64-69.). Moraes destaca a colaboração da Congregação e o trabalho abnegado e poético da artista. Vê-se que se delineia, dependendo do envolvimento de vários agentes, uma nova forma de representação de figuras religiosas, que promete ao mesmo tempo realismo científico e sensibilidade devocional.

Mas por que fazer uma reconstrução facial a partir do crânio quando se trata de uma pessoa sobre a qual se dispõe de fotografias? Diante desta pergunta, Moraes indicou as vantagens de uma escultura em tamanho natural diante de fotografias. Mas o ponto fundamental é outro. As fotos de Paulina mostram uma mulher que os apoiadores do projeto da impressão digital descrevem como sisuda. Tal feição, deve-se notar, estava em sintonia com uma hagiografia composta na segunda metade do século XX, que destaca uma “piedade rigorosa, que exaltava os aspectos dolorosos da vida de Jesus” e a “vivência heroica da obediência” (Custódio 2011CUSTÓDIO, Maria A. C. 2011. Artes de fazer de uma congregação católica: uma leitura certeausiana da formação e trajetória das Filhas da Imaculada Conceição (1880-1909). Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.:224). Consequentemente, o nome completo de Paulina agregava um “Coração Agonizante de Jesus”.

Parece, no entanto, que, neste século, isto incomodava religiosas da própria Congregação. Como disse Irmã Anna: “Paulina sofreu, mas não era amarga” (Tomelin, entrevista 2019TOMELIN, Anna. 2019. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 07/07/2019.). Junto com a expectativa de uma reconstrução realista, vinha o pedido de uma imagem menos sisuda. Moraes reconhece que este aspecto está para além dos “parâmetros científicos”, que em regra geram, ao trabalhar com vítimas de crimes, rostos “sem expressão, olhando para o nada” (Entrevista 2017). Mas a santidade, ele admite, requer outro acabamento. A humildade não precisa vir acompanhada de sofrimento. E, continua ele, no que é acompanhado por Lira, as religiosas testemunham que Paulina “era séria, mas não triste”. Nas palavras de Lira: “As religiosas reclamavam que as imagens sacras utilizadas pela devoção mostram uma santa séria demais, triste e cabisbaixa. E Paulina era alto-astral, serena e feliz” (Veiga 2018VEIGA, Edison. 2018. “O ateu que constrói santos”. Galileu, n. 324:64-69.).

E assim Paulina foi retratada com um “leve sorriso”, uma expressão de “serenidade” (Figura 7). Eis aí o aspecto mais destacado do resultado do projeto capitaneado por Moraes. É importante notar que esta expectativa de simpatia já fazia parte das elaborações imagéticas anteriores. A matéria jornalística que apresenta a obra de D’Ávila assim se manifesta: “Antes, sua estatueta mostrava uma freira de expressão severa, segurando uma Bíblia. Agora, a imagem oficial de Madre Paulina tem feições mais acolhedoras” (Pereira 2002PEREIRA, Paula. 2002. “Reconstruindo Madre Paulina”. Revista Época, Rio de Janeiro, Editora Globo, 13 de maio de 2002, p. 88.). As imagens de Iguti, com dimensões maiores, já mostram uma feição que segue na mesma direção, pois nas conversas com as religiosas viu que elas “não queriam o rosto tenso, e sim algo mais sereno” (Iguti, entrevista 2020IGUTI, Wilson. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 03/06/2020.). Mas a escultura construída pela técnica de Moraes, que não faz referência às imagens anteriores, tinha como aspecto central produzir uma certa expressão no rosto, empregando a ciência para fazer a santa sorrir. A divulgação da escultura, pelas religiosas e pela mídia, enfatiza que ela é a imagem “mais realista” de Paulina, nos dois sentidos: mais correspondente à realidade e mais sensível ao modo como ela se portava. Ela é também aquela da qual se espera mais empatia na relação com os devotos.21 21 Steil e Salvador (2011) traçam uma oposição entre sacrifício e sofrimento, por um lado, e conforto e bem-estar, por outro, como elementos que compõem a gramática do Santuário Santa Paulina. O sorriso da imagem devocional, em continuidade com os braços abertos da estátua de Iguti, está em sintonia com a ênfase no conforto e no bem-estar.

Figura 7 -
Reconstrução facial digital de Santa Paulina e busto da santa em capela no Santuário Santa Paulina

Como já apontei, a imagem produzida pela impressão 3D conquistou status de objeto devocional por conta do lugar onde foi alocada no santuário.22 22 Em 2019, quem passava pela entrada principal do templo do Santuário Santa Paulina deparava-se com uma espécie de totem de boas vindas, que utilizava a imagem mais recente. Não tenho notícias de que saia dali, onde recebe, mesmo sob o vidro, os pedidos de devotos que visitam a capela.23 23 Nessa capela, em cuja entrada posta-se um velário eletrônico, há também um painel com o nome de todas as integrantes da Congregação das Irmãzinhas, desde sua fundação até 2006. Junto à imagem da santa, há uma espécie de urna onde as pessoas podem depositar ofertas. Em uma mesa próxima, outra urna recebe pedidos que os devotos escrevem em formulários disponíveis na capela. Seu deslocamento, no entanto, é proporcionado por outros meios, os mesmos que dão maior amplitude às demais imagens de Paulina. Assim como a imagem de braços abertos, ela não foi reproduzida como escultura, mas vem sendo difundida por meio de impressões em camisetas e outros materiais que podem ser comprados na loja de artigos religiosos do santuário em Nova Trento. Por esta razão, a mais recente imagem convive com as demais na divulgação da figura da santa (Figura 8). Com uma diferença significativa: ao passo que as imagens com os atributos ou as fotografias de Paulina mantêm um design mais tradicional (e sisudo), os suportes que utilizam a imagem sorridente e a de braços abertos ganham um design mais moderno (e alegre).

Figura 8 -
Estatuetas e objetos com representações de Santa Paulina, comercializados em lojas de Nova Trento

Há mais: a Congregação tem adotado uma figura que funde a cabeça da imagem sorridente com o corpo da imagem de braços abertos. Em 2019, quando estive no santuário por ocasião da festa anual da santa, pude ver cartazes e outdoors com essa configuração (Figura 9). Irmã Anna chamou a atenção para a novidade propiciada pelos recursos do computador (Tomelin, entrevista 2019TOMELIN, Anna. 2019. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 07/07/2019.). Nesse ano, notícias no site do santuário usam essa mesma figura híbrida para anunciar a visita da “imagem peregrina” de Paulina a cidades do estado de Santa Catarina. No fundo da composição, esmaecidas, aparecem duas fotos da imagem com os atributos. Quando conversei com Irmã Anna em 2018, ela havia cogitado a produção do híbrido a que me referi. De todo modo, sustentou que não se tratava de ter uma imagem por fim oficial da santa. Completou: “Não temos mais a intenção de controlar a imagem” (Tomelin, entrevista 2018TOMELIN, Anna. 2019. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 07/07/2019.). No entanto, na medida em que se utiliza, se promove e se difunde a Paulina sorridente, a imagem escolhida para melhor se comunicar com as pessoas, ela vem sendo especialmente convocada para representar a santa.

Figura 9 -
Imagem de Santa Paulina em outdoor e cartaz da festa de 2019

Representar e atrair: os poderes da santidade

Santa Paulina revela-se de muitas maneiras, multiplicidade que busquei discutir pelo foco em três esculturas, ou melhor, em três matrizes de representações. Nelas se cruzam dois vetores, cada um com sua lógica própria. Mas é exatamente sua interação que propicia as resultantes tal como podemos acompanhar nos últimos vinte anos da história da produção da imagem da santa. Um primeiro vetor é o que se pauta pela semelhança entre Paulina e suas representações. Vemos que, dependendo das expectativas,demandas, técnicas utilizadas e escala das estátuas, modifica-se o que define essa semelhança. Ela começou exigindo a presença de atributos que caracterizam Paulina, uma forma mais tradicional de retratar santos e santas no catolicismo; deslocou-se para se fixar no corpo e especialmente no rosto da mulher. O segundo vetor implica o projeto de criar e ampliar as identificações entre santas e devotos. Aqui se desenvolve o encargo que deve ser suportado pela imagem: não basta que ela seja semelhante à santa, é necessário que ela transmita as mensagens tidas como as mais adequadas pela Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Insiste-se sobre os valores expressos em atributos, descobrem-se as virtudes dos braços abertos, encoraja-se a serenidade expressa por um sorriso.

Juntos, manufaturadores e religiosas empreendem movimentos nos quais os dois vetores se articulam. Uma boa representação não pode deixar de evocar a semelhança com registros acerca da mulher que foi Paulina, sejam fotografias, sejam relatos de suas companheiras de vocação. Nessa busca, surge a opção que reivindica uma base mais profunda, dando outra função ao que seriam apenas relíquias da santa - seus ossos. Ao mesmo tempo, parece haver uma ênfase crescente sobre uma ideia de santidade que se condensa na postura e na expressão corporal, mais do que nos atributos de uma imagem. Além disso, uma boa representação é aquela que cumpre satisfatoriamente outras exigências. Primeiro, a de ser uma delegada adequada da Congregação, transformando-se em seu símbolo. Segundo, a de ter a capacidade de atrair pessoas. Nisso consistem seus poderes e suas agências.

Concluo este texto relatando parte das interlocuções que mantive com Camilo Damázio durante minhas pesquisas. Camilo era um devoto de Santa Paulina. Morador de Imbituba, cidade catarinense onde ocorreu o que foi reconhecido como o primeiro milagre no processo de canonização de Paulina, ele organizava caminhadas. A mais importante delas partia de Nova Trento em direção à Imbituba. Camilo foi ainda o principal entusiasta do projeto de construção de um monumento em homenagem à Santa Paulina, a primeira coisa que motivou minha aproximação. Cogitado desde o início do século, ele ganhou consistência ao final da primeira década e teve início concreto em 2016. Assumidas pela prefeitura, as obras, no entanto, não prosseguiram. O projeto previa uma estátua de mais de 40 metros sobre um dos morros que desenha a paisagem da cidade. É sobre essa outra representação de Paulina, monumental, que teço alguns comentários finais.24 24 O projeto do monumento já foi tema de outras análises (Giumbelli 2018). Um vídeo que simula sua presença no local pode ser consultado: https://www.youtube.com/watch?v=AXx92tGbwjA

De acordo com imagens do projeto, de autoria do artista Marcelo Francalacci, Paulina seria retratada de forma “estilizada” e “contemporânea”. Na verdade, o rosto assume feições realistas, mas o que importa para distinguir o desenho é a incorporação dos atributos da santa. Assim, sobre o hábito, a mão esquerda segura um livro; abaixo dela, projeta-se uma cruz, sugerindo a parte mais saliente de um rosário. Partindo do braço com o cotovelo flexionado, a mão direita está com a palma voltada para cima, sugerindo um gesto de bênção. Vê-se que o artista seguiu basicamente a imagem de Santa Paulina anterior à obra de Cícero D’Ávila. Idealizada ao final da década de 2000, ela não teve contato com a estátua gerada pela impressão 3D e parece ter ignorado a solução a que chegou Iguti. De acordo com o projeto, haveria outras imagens de Paulina junto ao monumento, destacando-se a reprodução fotográfica do busto em sua base, inspirada na estampa tradicional da santa.

Em meu primeiro encontro com Camilo, em 2015, conversamos sobre o projeto. Enquanto me mostrava os moldes do rosto e das mãos, já finalizados, ele relatou que a negociação com o artista não havia sido fácil. Camilo esperava que outros dos atributos que compunham a imagem de Paulina fossem acrescentados na ocasião da construção do monumento: o pão, a criança e mesmo as ferramentas de trabalho. Estivemos no alto do morro no qual seria construída a estátua, onde já havia uma imagem de cerca de 40 cm da santa, sobre uma pedra, protegida por um vidro. Era uma cópia da imagem produzida por Cicero D’Ávila. Variantes da representação de Paulina com seus atributos estão espalhadas pela cidade. Na última vez em que estive com Camilo, em 2016, ele, como sempre, vestia uma camiseta que homenageava a santa, retratada por meio de uma pintura derivada da fotografia-estampa, apenas o rosto com uma cruz no peito. Perguntei-lhe sobre a imagem gerada pela reconstrução craniana. Ele apontou para sua camiseta e foi firme: “Santa Paulina pra mim é essa aqui”.

Percebe-se que em Imbituba havia um apreço pelas imagens de Paulina que a fazem estar acompanhada por seus atributos. Tanto a imagem monumental quanto as de pequena estatura, ou as estampas de camisetas seguiam os padrões anteriores à imagem de 2006 e à de 2015. Mas, mesmo partindo dessas referências, a escultura de Francalacci produzia variações por conta de sua opção pela estilização. Já em um outdoor que fotografei em 2015, a Prefeitura usou a estátua de Iguti para anunciar a cidade, ou seja, Imbituba também convivia com a diversidade. Artista do monumento, devotos da santa e o poder público juntavam-se para fazer proliferar imagens pelas quais Paulina poderia ser reconhecida. Tal multiplicação de semelhanças, com a sua produção de variações, combinava-se com o projeto de atrair pessoas. Se isto fica evidenciado ao acompanharmos os movimentos a partir e em torno do Santuário de Santa Paulina em Nova Trento, fica ainda mais acentuado pelo que aconteceu em Imbituba. Apresentado como um empreendimento de “turismo religioso”, o monumento visava utilizar os poderes da santa, encarnados na agência de uma reprodução gigantesca, para atrair pessoas, fossem elas devotas ou não. Como um novo tipo de objeto, prometia dar outra escala à presença de Paulina, compondo com as representações dela que já existem e proliferam.

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  • LAVABRE, Marion. 1995. “Sainte comme une image. Thérèse de Lisieux à travers ses représentations”. Terrain, n. 24:83-90.
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  • MENEZES, Renata de Castro. 2013. “Reflexões sobre a imagem sagrada a partir do ‘Cristo de Borja’". In: Patrícia Reinheimer & Sabrina Parracho Sant’Anna (orgs.), Reflexões sobre arte e cultura material Rio de Janeiro: Folha Seca. pp. 235-263.
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  • MENEZES, Renata de Castro & TONIOL, Rodrigo (orgs). 2021. Religião e materialidades. Novos horizontes empíricos e desafios teóricos Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.
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  • MORAES, Cícero. 2017. Entrevista concedida para Edison Veiga, programa Paulistices, TV Estadão, 10/10/2017.https://fb.watch/jAnEkws23b/
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  • PENNA, Eloisa C. 2016. Expressiva modelagem manual de Wilson Iguti Dissertação de Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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  • SANTA CATARINA. 2002. Santa Paulina: a primeira santa do Brasil Florianópolis: SANTUR.
  • SHAPIN, Steven & SCHAFFER, Simon. 1985. Leviathan and the air-pump: Hobbes, Boyle, and the experimental life Princeton, N.J.: Princeton University Press.
  • STEIL, Carlos Alberto & SALVADOR, Thais Vanessa. 2011. “Santa Paulina: a construção de uma devoção nos tempos da Nova Era”. In: Carlos Alberto Steil; Sandra de Sá Carneiro (orgs.), Caminhos de Santiago no Brasil: interfaces entre turismo e religião Rio de Janeiro: Contracapa. pp. 157-184.
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  • TAUSSIG, Michael. 1999. Defacement Stanford: Stanford University Press.
  • TOMELIN, Anna. 2018. Entrevista concedida ao autor, Nova Trento, 18/08/2018.
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  • VEIGA, Edison. 2018. “O ateu que constrói santos”. Galileu, n. 324:64-69.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002. “Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena”. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo, A inconstância da alma selvagem São Paulo: Cosac & Naif. pp. 345-399.
  • *
    Este texto publica resultados do projeto “Arquiteturas Monumentais: religião e espaço público”, apoiado por Bolsa de Produtividade CNPq. Agradeço a atenção das pessoas entrevistadas e as leituras de Rodrigo Toniol e Leonardo Almeida, assim como os comentários e as sugestões de pareceristas da revista.
  • 1
    Para uma visão geral do Santuário Santa Paulina, ver https://santuariosantapaulina.org.br/
  • 2
    Em Vígolo, há diversos estabelecimentos onde se podem comprar estatuetas e vários objetos com estampas de Santa Paulina. Um desses estabelecimento é a loja de artigos religiosos do Santuário.
  • 3
    Vale mencionar o ensaio de Fernandes (1988FERNANDES, Rubem César. 1988. "Aparecida: Nossa Rainha, Senhora e Mãe, Saravá!". In: V. Sachs et al., Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional. Rio de Janeiro: Graal. pp. 85-112.) - embora não enfoque diretamente a questão das imagens, há nele uma inspiradora discussão sobre a figura de Nossa Senhora Aparecida que articula suas representações com dinâmicas do catolicismo e seus santuários no Brasil. Menezes (2013MENEZES, Renata de Castro. 2013. “Reflexões sobre a imagem sagrada a partir do ‘Cristo de Borja’". In: Patrícia Reinheimer & Sabrina Parracho Sant’Anna (orgs.), Reflexões sobre arte e cultura material. Rio de Janeiro: Folha Seca. pp. 235-263.) acompanha um caso de restauração controversa na perspectiva de uma antropologia da devoção. Gomes (2017GOMES, Lilian Alves. 2017. A Peregrinação das Coisas: trajetórias de imagens de santos, ex-votos e outros objetos de devoção. Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional/UFRJ.) é um exemplo de trabalho que analisa trajetórias de imagens de santos como objetos de devoção. No caso de Santa Paulina, um trabalho que engloba a devoção dedicada a ela no contexto do santuário de Nova Trento é o de Steil e Salvador (2011STEIL, Carlos Alberto & SALVADOR, Thais Vanessa. 2011. “Santa Paulina: a construção de uma devoção nos tempos da Nova Era”. In: Carlos Alberto Steil; Sandra de Sá Carneiro (orgs.), Caminhos de Santiago no Brasil: interfaces entre turismo e religião. Rio de Janeiro: Contracapa. pp. 157-184.).
  • 4
    Um exemplo importante desses argumentos pode ser encontrado na introdução da coletânea organizada por Henare, Holbraad e Wastell (2007HENARE, Amiria; HOLBRAAD, Martin & WASTELL, Sari (orgs.). 2007. Thinking through things: theorising artefacts ethnographically. Londres: Routledge.). Para argumentos em sintonia com os mesmos propósitos no trabalho de um antropólogo associado à virada ontológica, ver Viveiros de Castro (2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002. “Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena”. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo, A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac & Naif. pp. 345-399.). No campo de discussão sobre imagens, para essa agenda de questões, trabalhos fundamentais são os de Freedberg (1989FREEDBERG, David. 1989. The Power of Images: Studies in the History and Theory of Response. Chicago: University of Chicago Press.) e Belting (1994BELTING, Hans. 1994. Likeness and Presence: a history of the image before the Era of Art. Chicago: The University of Chicago Press.). Ver também, em conexão com a virada material, Pinney (2006PINNEY, Christopher. 2006. “Four types of visual culture”. In: Chris Tilley, Webb Keane, Susanne Küchler, Mike Rowlands & Patricia Spyer (eds), Handbook of Material Culture. Londres: Sage Publications. pp. 131-144.). Já na interface com os estudos sobre religião, ver, entre outros, Morgan (2015MORGAN, David. 2015. “Religion and Embodiment in the Study of Material Culture.” In: Religion: Oxford Research Encyclopedia. Oxford: Oxford University Press. pp. 1-20.) e Meyer (2019MEYER, Birgit. 2019. “Religião material”. In: E. Giumbelli; J. Rickli & R. Toniol (orgs.), Como as coisas importam: uma abordagem material da religião - textos de Birgit Meyer. Porto Alegre: Editora da UFRGS. pp. 81-113.). Merecem ainda ser citados a discussão crítica de Menezes (2019MENEZES, Renata de Castro. 2019. “Os objetos religiosos cabem em quais vitrines?”. In: Manuel Lima Filho & Nuno Porto (orgs.), Coleções étnicas e museologia compartilhada. 2. ed. Goiânia: Editora da Imprensa Universitária. pp. 112-132.) e o livro organizado com Toniol (Menezes e Toniol 2021MENEZES, Renata de Castro & TONIOL, Rodrigo (orgs). 2021. Religião e materialidades. Novos horizontes empíricos e desafios teóricos. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.).
  • 5
    Um dos textos que faz parte da mesma discussão, envolvendo as relações entre ciência e religião no final do Renascimento, é Latour (2016LATOUR, Bruno. 2016. “Os anjos não produzem bons instrumentos científicos”. Debates do NER, 30, on-line.).
  • 6
    Outros estudos que se debruçam sobre variações de imagens de santos são Sanfuentes e Ossa (2017SANFUENTES, Olaya & OSSA, Bárbara. 2017. “From the Feast Day in Belén to the Museum in Salta: Three-Dimensional Images of St. James the Apostle in Two Different Contexts”. Material Religion, 13 (1):52-76.), Da Rolt (2015DA ROLT, Clóvis. 2015. “Ave Maria, cheia de desgraça... Notas sobre o rechaço ao Monumento a Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha - RS”. Antares, v. 7, n. 13, on-line.) e Ribeiro (2017RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. 2017. “As Muitas Faces de Nossa Senhora dos Remédios”. Debates do NER, 32:259-287.), mas com abordagens distintas das que emprego aqui. O mesmo se aplica a outro texto de Menezes (2011IGUTI, Wilson. 2020. Entrevista ao autor, por telefone, 03/06/2020.), sobre os panfletos conhecidos como “santinhos”.
  • 7
    Discuto as condições da promoção da devoção a Santa Paulina em outro texto (2021GIUMBELLI, Emerson. 2021. “Monumentais imperfeições: arquitetura e estética de dois grandes templos católicos”. In: Emerson Giumbelli & Fernanda Peixoto (orgs.), Arte e Religião: passagens, cruzamentos, embates. Brasília: ABA Publicações. pp. 159-192.), no qual também são apresentados detalhes sobre a arquitetura de seu santuário. Outro artigo ainda (Giumbelli 2022GIUMBELLI, Emerson. 2022. “Um estudo sobre materialidades religiosas: modos de exposição de imagens e regimes de visualidade em santuários católicos”. Cultura y Religión, 16(1): 264 - 302.) analisa o lugar das imagens no interior do templo principal desse santuário, em diálogo com o trabalho de Godoy (2020GODOY, Adriano. 2020. Cultivando a Casa de Maria: Materialidades da Basílica Nacional de Aparecida. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Unicamp.) sobre o santuário de Nossa Senhora Aparecida.
  • 8
    De acordo com a reportagem de Pereira (2002PEREIRA, Paula. 2002. “Reconstruindo Madre Paulina”. Revista Época, Rio de Janeiro, Editora Globo, 13 de maio de 2002, p. 88.), a estampa de Paulina que era usada na divulgação “reproduz um dos poucos registros que restaram dela, feito ainda na juventude. Não sem alguns retoques. Durante o processo de beatificação, concluído em 1991, coloriram a foto, e o resultado conferiu à freira um ar místico. Foi o primeiro passo na construção da imagem da santa”. Não disponho de outros dados sobre imagens fotográficas de Paulina produzidas durante sua vida. Na entrevista com Irmã Anna, ficou evidente que a Congregação busca evitar o uso de fotografias do período final da vida de Paulina, quando ela aparentava estar bastante envelhecida.
  • 9
    Uma reprodução do quadro, juntamente com outras imagens, pode ser consultada aqui: http://www.santosebeatoscatolicos.com/2014/11/santa-paulina-do-coracao-agonizante-de.html
  • 10
    Cf. https://artebrasileirautfpr.wordpress.com/2014/12/16/cicero-davila, que traz mais informações sobre sua formação e suas obras.
  • 11
    Para uma discussão sobre a importância dos atributos na representação de santos e sua relação com as hagiografias, ver Menezes (2011MENEZES, Renata de Castro. 2011. “A imagem sagrada na era da reprodutibilidade técnica: sobre santinhos”. Horizontes Antropológicos, n. 36:43-65.:49-53).
  • 12
    Ver Custódio (2011CUSTÓDIO, Maria A. C. 2011. Artes de fazer de uma congregação católica: uma leitura certeausiana da formação e trajetória das Filhas da Imaculada Conceição (1880-1909). Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.). No site do santuário, essas virtudes são apresentadas em um relato biográfico: o cuidado dedicado a uma enferma e a decisão de formar uma Congregação; a dedicação caridosa a órfãos e desvalidos como líder da organização; a submissão às autoridades religiosas após a destituição de sua liderança (https://santuariosantapaulina.org.br/sobresantapaulina/).
  • 13
    A estátua de 1990 é comentada por Steil e Salvador (2011STEIL, Carlos Alberto & SALVADOR, Thais Vanessa. 2011. “Santa Paulina: a construção de uma devoção nos tempos da Nova Era”. In: Carlos Alberto Steil; Sandra de Sá Carneiro (orgs.), Caminhos de Santiago no Brasil: interfaces entre turismo e religião. Rio de Janeiro: Contracapa. pp. 157-184.), que enfatizam a relação entre religião e trabalho, algo cuja presença varia entre o destaque e a simples menção na hagiografia de Paulina.
  • 14
    Para uma apresentação geral do memorial, ver https://ciic.org.br/memorial/
  • 15
    As informações sobre Iguti baseiam-se em Penna (2016PENNA, Eloisa C. 2016. Expressiva modelagem manual de Wilson Iguti. Dissertação de Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, Universidade Presbiteriana Mackenzie.) e https://www.iguti.com.br/
  • 16
    Isso sugere a pertinência de considerarmos um terceiro sentido da noção de representação, não explorada neste texto. Para uma instigante análise que vai nessa direção, ver Pereira (2019PEREIRA, Edilson. 2019. “As Imagens encarnadas entre mortos e vivos: notas etnográficas sobre ritual e retrato”. Sociologia & Antropologia, v. 9, n. 2:638-663.).
  • 17
    Ver o site http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/Moraes/CiceroMoraes.html. Na mesma época em que Cícero se dedicou a Santa Paulina, havia a intenção de fazer a imagem de Frei Galvão, canonizado em 2007. Mas as condições de seus restos mortais não possibilitaram o avanço do projeto.
  • 18
    Ele foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Hagiologia: http://hagiologia.blogspot.com/p/historico.html
  • 19
  • 20
    O relato baseia-se em Veiga (2018VEIGA, Edison. 2018. “O ateu que constrói santos”. Galileu, n. 324:64-69.), Bezzi e Moraes (2018BEZZI, Luca & MORAES, Cicero. 2018. “Il sorriso perduto di Santa Paolina Visintainer”. In: Luca Bezzi et al., Imago Animi. Catálogo de Exposição, Palazzo Assessorile, Cles. pp. 64-67.) e Moraes (Entrevista 2017MORAES, Cícero. 2017. Entrevista concedida para Edison Veiga, programa Paulistices, TV Estadão, 10/10/2017.https://fb.watch/jAnEkws23b/
    https://fb.watch/jAnEkws23b/...
    ).
  • 21
    Steil e Salvador (2011STEIL, Carlos Alberto & SALVADOR, Thais Vanessa. 2011. “Santa Paulina: a construção de uma devoção nos tempos da Nova Era”. In: Carlos Alberto Steil; Sandra de Sá Carneiro (orgs.), Caminhos de Santiago no Brasil: interfaces entre turismo e religião. Rio de Janeiro: Contracapa. pp. 157-184.) traçam uma oposição entre sacrifício e sofrimento, por um lado, e conforto e bem-estar, por outro, como elementos que compõem a gramática do Santuário Santa Paulina. O sorriso da imagem devocional, em continuidade com os braços abertos da estátua de Iguti, está em sintonia com a ênfase no conforto e no bem-estar.
  • 22
    Em 2019, quem passava pela entrada principal do templo do Santuário Santa Paulina deparava-se com uma espécie de totem de boas vindas, que utilizava a imagem mais recente.
  • 23
    Nessa capela, em cuja entrada posta-se um velário eletrônico, há também um painel com o nome de todas as integrantes da Congregação das Irmãzinhas, desde sua fundação até 2006. Junto à imagem da santa, há uma espécie de urna onde as pessoas podem depositar ofertas. Em uma mesa próxima, outra urna recebe pedidos que os devotos escrevem em formulários disponíveis na capela.
  • 24
    O projeto do monumento já foi tema de outras análises (Giumbelli 2018GIUMBELLI, Emerson. 2018. “Public spaces and religion: an idea to debate, a monument to analyse”. Horizontes Antropológicos, v. 24:279-309.). Um vídeo que simula sua presença no local pode ser consultado: https://www.youtube.com/watch?v=AXx92tGbwjA
  • Financiamento

    O autor agradece o apoio financeiro do CNPq - Bolsa de Produtividade processo nº 307939/2017-0.

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Associado:

John Comerford

Editora Associada:

Adriana Vianna

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2021
  • Aceito
    04 Jan 2023
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS-Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Quinta da Boa Vista s/n - São Cristóvão, 20940-040 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 2568-9642, Fax: +55 21 2254-6695 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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