Acessibilidade / Reportar erro

Thrips tabaci Lind.: é realmente uma praga do algodoeiro no Brasil?

Thrips tabaci Lind.: is it a real cotton pest in Brazil ?

Resumo

The occurence of Thrips tabaci Lind. on cotton (Gossypium hirsutum L.) was investigated. In the Brazilian literature T. tabaci has been mentioned as a common early season phytophagous pest of cotton. However, there are no references to collections (voucher specimens) or to identification methods that can clarify these records. In contrast, among many samples of thrips collected between 1992 and 1996 (mostly in 1995) on cotton, in 30 counties from five states and four geographic regions, not a single specimen was found. If T. tabaci occurs commonly on this crop in Brazil, even at relatively low populations, then at least some individuals should have been collected in this survey. Most of the thrips specimens taken from cotton were Frankliniella schultzei (Trybom), although Caliothrips phaseoli (Hood) and unidentified Frankliniella spp. were also found in low numbers in few samples.

Insecta; Thysanoptera; onion thrips; Frankliniella schultzei; survey


Insecta; Thysanoptera; onion thrips; Frankliniella schultzei; survey

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

Thrips tabaci Lind.: é realmente uma praga do algodoeiro no Brasil?

Thrips tabaci Lind.: is it a real cotton pest in Brazil ?

Renata C. MonteiroI; Roberto A. ZucchiI; Laurence A. MoundII

IDepartamento de Entomologia, ESALQ/USP, Caixa postal 9, 13418-900, Piracicaba, SP

IIDivision of Entomology, C.S.I.R.O., G.P.O. Box 1700, Canberra ACT 2601, Austrália

ABSTRACT

The occurence of Thrips tabaci Lind. on cotton (Gossypium hirsutum L.) was investigated. In the Brazilian literature T. tabaci has been mentioned as a common early season phytophagous pest of cotton. However, there are no references to collections (voucher specimens) or to identification methods that can clarify these records. In contrast, among many samples of thrips collected between 1992 and 1996 (mostly in 1995) on cotton, in 30 counties from five states and four geographic regions, not a single specimen was found. If T. tabaci occurs commonly on this crop in Brazil, even at relatively low populations, then at least some individuals should have been collected in this survey. Most of the thrips specimens taken from cotton were Frankliniella schultzei (Trybom), although Caliothrips phaseoli (Hood) and unidentified Frankliniella spp. were also found in low numbers in few samples.

Key words: Insecta, Thysanoptera, onion thrips, Frankliniella schultzei, survey.

Os tripes (Thysanoptera) são insetos comumente encontrados nos estágios iniciais do desenvolvimento do algodoeiro (Gossypium hirsutum). Tradicionalmente, na literatura agrícola brasileira, a espécie de tripes fitófaga referida como praga no algodoeiro é Thrips tabaci Lind., razão pela qual também é conhecida como "tripes do algodoeiro". Entretanto, na maioria dos trabalhos de cunho aplicado, não é feito um acompanhamento taxonômico, sendo os nomes científicos empregados em função apenas da citação na literatura, da época de ocorrência do inseto e da cultura em questão. Por isso, de modo geral, os dados publicados têm sido atribuídos a T. tabaci, uma vez que a comunicação dos resultados obtidos está, em última análise, condicionada aos nomes específico ou genérico.

A necessidade de se verificar a ocorrência de T. tabaci e conhecer as espécies de tripes associadas ao algodoeiro, aliada a dificuldade do controle químico, levaram à realização deste estudo. Assim, o objetivo foi determinar a(s) espécie(s) associada(s) aos danos no início do desenvolvimento do algodoeiro e, por conseqüência, verificar a presença de T. tabaci nessa cultura. Um segundo objetivo foi questionar se a dificuldade de controle químico estaria relacionada a uma possível resistência apresentada por esses insetos ou ao desconhecimento da espécie visada.

Foram estudados tripes coletados em 30 localidades, pertencentes a cinco Estados (Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Paraná), representando quatro regiões geográficas brasileiras (Tabela 1).

Para se proceder à identificação, alguns exemplares (fêmeas) foram montados em lâminas de microscopia, após preparo ("maceração" e desidratação) (Lewis 1973, Palmer et al. 1989).

Nenhum exemplar de T. tabaci foi encontrado. A espécie comumente encontrada foi Frankliniella schultzei (Trybom). Caliothrips phaseoli (Hood) e Frankliniella spp. foram encontrados em um número reduzido de amostras.

Esses resultados contradizem os registros na literatura brasileira. Se T. tabaci fosse uma espécie comum, deveria estar presente em algumas coletas. A possibilidade de confusão em identificações supostamente realizadas é difícil, pois T. tabaci e F. schultzei são espécies distintas morfologicamente, o mesmo ocorrendo em relação aos respectivos gêneros.

Ambas as espécies são vetoras de viroses, notadamente o TSWV ("Tomato Spotted Wilt Virus"). T. tabaci é uma praga cosmopolita, embora seja menos danosa nos trópicos que em áreas temperadas, e rara nos trópicos úmidos (Mound & Marullo 1996). Embora apresente uma ampla gama de hospedeiros, parece preferir liliáceas, particularmente as cebolas. F. schultzei é polífaga, freqüentemente ataca sorgo (Sorgum spp.), amendoinzeiro (Arachis hypogea L.), ervilha (Pisum sativum L.), feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.), algodoeiro, cebola (Allium cepa L.), tomateiro (Lycopersicon spp.) e compostas (Palmer et al. 1989).

O gênero Thrips caracteriza-se por apresentar dois pares de cerdas ocelares, sete (quase sempre) antenômeros, 1ª nervura da asa anterior incompleta (quase sempre) e ctenídeo do 8° tergito abdominal situado póstero-medianamente em relação ao espiráculo (Nakahara 1994). O gênero Frankliniella caracteriza-se por apresentar três pares de cerdas ocelares, oito antenômeros, 1ª nervura da asa anterior completa e ctenídeo do 8° tergito abdominal situado ântero-lateralmente em relação ao espiráculo (Sakimura & O'Neill 1979).

A fêmea de T. tabaci apresenta antena com sete segmentos; o 3° par de cerdas ocelares situado dentro do triângulo ocelar; cerdas ocelares pequenas e de mesmo comprimento, exceto um par menor; dois pares de cerdas póstero-angulares desenvolvidas no pronoto; metanoto com esculturação reticulada (retículos poligonais) medianamente, sem sensilo campaniforme; asa anterior com 3-7 cerdas distais; pleurotergitos abdominais com fileiras de microtríquias; e pente póstero-marginal do 8° tergito completo, com dentes longos e finos (Fig. 1). Segundo Nakahara (1991) distingüe-se das demais espécies do gênero por apresentar crescente ocelar (coloração em forma crescente, que circunda cada ocelo) com pigmentação acinzentada.


A fêmea de F. schultzei apresenta antena com oito segmentos; o 3° par de cerdas ocelares com inserções próximas e dentro do triângulo ocelar; cerdas pós-oculares pouco desenvolvidas, exceto um par; cinco pares de cerdas desenvolvidas (um ântero-marginal, dois ântero-angulares e dois póstero-marginais) e um par de cerdas medianamente desenvolvidas (póstero-angulares) no pronoto; metanoto com esculturação mediana reticulada, sem sensilo campaniforme; pente póstero-marginal do oitavo tergito ausente ou incompleto (interrompido medianamente), pouco desenvolvido, com dentes curtos e de base larga (Fig. 2). A presença de um sensilo no segmento antenal VI com base bastante ampla, juntamente com a proximidade da inserção das cerdas ocelares III e a quase ausência de dentes no pente póstero-marginal faz dessa uma espécie incomum no gênero (Mound & Marullo 1996).


Portanto, os dados da literatura sobre T. tabaci em algodoeiro no Brasil devem ser interpretados como duvidosos. Por outro lado, não há voucher specimens para confirmar os registros citados na literatura. Isso alerta para o fato de que a taxonomia, de um modo geral, tem sido negligenciada nos trabalhos envolvendo Thysanoptera no Brasil.

A identificação correta de uma espécie, além de ser base para todo e qualquer estudo, é essencial para as ciências aplicadas. No caso de espécies-pragas, a eficácia das medidas de controle depende de um acompanhamento taxonômico adequado. Convém ressaltar que as identificações devem ser feitas para todo estudo, mesmo que se trate de hospedeiro único, pois as populações de insetos podem variar no tempo (época) e no espaço (local). Além disso, é conveniente a manutenção de voucher specimens em coleções para que dúvidas ou mudanças na nomenclatura possam ser esclarecidas.

Desse modo, muitos dos relatos sobre a dificuldade em se controlar T. tabaci em algodoeiro, com a utilização de produtos específicos, pode ser explicada pelo fato do inseto-alvo não se tratar definitivamente de T. tabaci, mas sim de F. schultzei.

Agradecimentos

Às pessoas que colaboraram com o envio de amostras, especialmente ao Eng. Agr. Johann W. Reichembach (Bayer S.A).

Literatura Citada

Recebido em 03/10/97. Aceito em 23/06/98.

  • Lewis, T. 1973. Thrips - their biology, ecology and economic importance. London, Academic Press, 349p.
  • Mound, L.A. & R. Marullo. 1996. The thrips of Central and South America: an introduction (Insecta: Thysanoptera). Mem. Entomol. Int. 6, 487p.
  • Nakahara, S. 1991. Systematics of Thysanoptera, pear thrips and other economic species, p.41-59. In: B.L. Parker, M. Skinner, T. Lewis (eds.), Towards understanding Thysanoptera. U.S.D.A., General Tech. Rep. NE-147. Radnor, USDA/Forest Service/Northeastern Forest Exp. Sta., 464 p.
  • Nakahara, S. 1994. The genus Thrips Linnaeus (Thysanoptera: Thripidae) of the New World. U.S.D.A., Tech. Bull.1822, 183p.
  • Palmer, J.M., L.A. Mound & G.J. DuHeaume. 1989. Guides to insects of importance to man. In: C.R. Betts (ed.), 2. Thysanoptera. London, CAB Int. Inst. Entomol., and British Mus. Nat. Hist., 74p.
  • Sakimura, K. & K. O'Neill. 1979.Frankliniella, redefinition of genus and revision of minuta group species (Thysanoptera: Thripidae). U.S.D.A., Tech. Bull.1572, 49p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Set 1998

Histórico

  • Recebido
    03 Out 1997
  • Aceito
    23 Jun 1998
Sociedade Entomológica do Brasil Caixa postal 481 - CEP 86001-970, Londrina - PR - Brasil, Fone:(43) 3376 2262, Fax: (43) 3342 3987 - Londrina - PR - Brazil
E-mail: suemart@sercomtel.com.br