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Exigências térmicas e estimativa do número de gerações de Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) em regiões produtoras de maçã do Sul do Brasil

Thermal requirements of Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) and estimation of the number of generations in apple growing regions in the South of Brazil

Resumos

As exigências térmicas da lagarta-enroladeira da macieira Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) foi determinada em laboratório, criando-se o inseto em dieta artificial nas temperaturas de 14, 18, 22 e 26ºC, umidade relativa 70±10% e fotofase de 14 horas. A temperatura base e a constante térmica para as fases de ovo, lagarta, pupa e ciclo-biológico (ovo-adulto) foram de 7,2 e 140; 7,1 e 410; 6,4 e 183; e 6,8ºC e 745 GD, respectivamente. Com base nas exigências térmicas, foi estimado que a praga completa de três a quatro gerações anuais. Nas três regiões, uma geração se desenvolve no inverno.

Insecta; temperatura base; constante térmica; lagarta enroladeira


The thermal requirements of the apple leafroller Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) were estimated at four constant temperatures (14, 18, 22 e 26ºC) in laboratory (70±10% R.H. and 14:10L:D). Artificial diet was fed to the insects. The low threshold temperature and thermal requirement for eggs, larvae, pupae and biological cycle (egg to adult) were 7,2 e 140; 7,1 e 410; 6,4 e 183 e 6,8ºC and 745 GD, respectively. It was estimated that this species complete three to four annual generations. In the three regions, one generation occurs during the winter.

Insecta; ecology; behaviour; threshold temperature; apple leafroller


ECOLOGIA, COMPORTAMENTO E BIONOMIA

Exigências térmicas e estimativa do número de gerações de Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) em regiões produtoras de maçã do Sul do Brasil

Thermal requirements of Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) and estimation of the number of generations in apple growing regions in the South of Brazil

Marcos BottonI; Octávio NakanoII; Adalécio KovaleskiI

IEmbrapa Uva e Vinho, Caixa postal 130, 95.700-000, Bento Gonçalves, RS

IIEsalq-USP, Departamento de Entomologia, Caixa postal 9, 13.418-900, Piracicaba, SP

RESUMO

As exigências térmicas da lagarta-enroladeira da macieira Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) foi determinada em laboratório, criando-se o inseto em dieta artificial nas temperaturas de 14, 18, 22 e 26ºC, umidade relativa 70±10% e fotofase de 14 horas. A temperatura base e a constante térmica para as fases de ovo, lagarta, pupa e ciclo-biológico (ovo-adulto) foram de 7,2 e 140; 7,1 e 410; 6,4 e 183; e 6,8ºC e 745 GD, respectivamente. Com base nas exigências térmicas, foi estimado que a praga completa de três a quatro gerações anuais. Nas três regiões, uma geração se desenvolve no inverno.

Palavras-chave: Insecta, temperatura base, constante térmica, lagarta enroladeira

ABSTRACT

The thermal requirements of the apple leafroller Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) were estimated at four constant temperatures (14, 18, 22 e 26ºC) in laboratory (70±10% R.H. and 14:10L:D). Artificial diet was fed to the insects. The low threshold temperature and thermal requirement for eggs, larvae, pupae and biological cycle (egg to adult) were 7,2 e 140; 7,1 e 410; 6,4 e 183 e 6,8ºC and 745 GD, respectively. It was estimated that this species complete three to four annual generations. In the three regions, one generation occurs during the winter.

Key words: Insecta, ecology, behaviour, threshold temperature, apple leafroller

A lagarta-enroladeira Bonagota cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) é uma espécie nativa da América do Sul e, nos últimos anos, tem-se tornado uma das principais pragas da cultura da macieira no Brasil. Em duas das principais regiões produtoras (Fraiburgo, SC e Vacaria, RS), anualmente são realizadas até oito pulverizações com inseticidas fosforados visando ao controle desta praga; mesmo assim, as perdas na produção têm-se situado entre 3 e 5%, principalmente na cultivar Fuji, cuja produção é mais tardia (Kovaleski et al. 1998). O grande número de aplicações deve-se, possivelmente, ao hábito do inseto de se proteger no interior da folhagem, reduzindo a eficiência dos inseticidas (Lorenzato 1984, Kovaleski 1994).

Estudos visando conhecer a biologia de B. cranaodes realizados em laboratório demonstraram que o inseto completa uma geração a cada 39-45 dias, na temperatura de 24 a 26ºC (Eiras et al. 1994, Parra et al. 1995). O conhecimento das exigências térmicas das fases de desenvolvimento é um importante parâmetro para se estabelecer o número de gerações que uma espécie realiza ao longo do ano e, consequentemente, permite auxiliar na adoção de medidas de monitoramento e controle. Este trabalho teve como objetivo conhecer a temperatura base inferior e a constante térmica das fases de desenvolvimento de B. cranaodes, estimando o número de gerações que a praga realiza nas principais regiões produtoras de maçã do Sul do Brasil.

Material e Métodos

A biologia de B. cranaodes foi estudada utilizando lagartas e pupas coletadas em pomares de macieira de Vacaria, RS (28º30 'S/50º54W) em janeiro de 1997 e criados por um ano em dieta artificial (Parra et al. 1995). O trabalho foi conduzido em quatro temperaturas (14, 18, 22 e 26ºC), no interior de câmaras climatizadas com umidade relativa (UR) de 70±10% e fotofase de 14 h. Em cada temperatura, a fase de ovo foi acompanhada em 25 posturas (repetições), as quais foram colocadas no dia da oviposição no interior de tubos de ensaio (8,5 cm x 2,5 cm), tampados com algodão. A data de eclosão foi considerada aquela em que, no mínimo 80% das lagartas eclodiram. A estimativa da temperatura base inferior (Tb) e da constante térmica (K) foi realizada pelo método da hipérbole (Haddad & Parra 1984). A significância das diferenças do período de incubação nas diferentes temperaturas foi comparada através do teste de Duncan (P< 0,05).

A determinação da Tb e da K das fases de lagarta e pupa foi realizada individualizando-se 120 lagartas recém-eclodidas no interior de tubos de ensaio, previamente esterilizados, contendo dieta artificial (Parra et al. 1995) e tamponados com algodão. O preparo da dieta, transferência de lagartas e cuidados assépticos foram realizados de acordo com Parra (1992). As lagartas foram criadas nas mesmas condições da fase de ovo, até a emergência dos adultos, avaliando-se diariamente o desenvolvimento das fases. A estimativa da Tb, K e a comparação das diferenças de duração para as fases de lagarta e pupa foi idêntica à da fase de ovo. O número provável de gerações anuais que o inseto realiza em Fraiburgo e São Joaquim (SC) foi calculada através de normais térmicas de 30 anos (Silveira Neto et al. 1976) e em Vacaria (RS), através da temperatura média mensal no período de 1986 a 1996. O número de gerações durante o ciclo da cultura da macieira foi estimado utilizando-se os dados de temperatura do período de outubro a abril.

Resultados e Discussão

O tempo para o desenvolvimento de B. cranaodes da fase de ovo à adulta foi dependente da temperatura, ocorrendo diferenças significativas (P<0,05) entre a duração de todas as fases (Tabela 1). No intervalo de temperatura avaliado, o inseto levou de 40 (26ºC) a 115,7 (14ºC) dias para se desenvolver da fase de ovo à adulta. O período de 40 dias para a lagarta-enroladeira completar o ciclo biológico verificado na temperatura de 26ºC, é próximo aos 39 dias obtidos por Parra et al. (1995) criando o inseto na mesma dieta artificial a 25ºC.

Foi observada uma diferença marcante na duração do ciclo biológico entre as temperaturas de 14 e 18ºc, sendo que neste intervalo, o tempo para completar o desenvolvimento do inseto praticamente dobrou (Tabela 1). O alongamento do ciclo biológico em função de baixas temperaturas, é comum em espécies de clima temperado sendo uma das estratégias utilizadas pelos insetos para passarem o inverno (Leather et al. 1993).

A temperatura base inferior do ciclo biológico foi de 6,8ºC e a constante térmica de 745 GD (Tabela 2). A fase de pupa, por possuir a menor Tb, parece ser a fase de desenvolvimento do inseto mais tolerante a baixas temperaturas. A Tb inferior de B. cranaodes apresentou diferenças significativas em relação aos 9ºC verificados para Grapholita molesta, outro tortricídeo praga da macieira (Grellmann et al. 1992).

Os valores de Tb e da constante térmica obtidos no presente trabalho, diferem significativamente dos citados por Núñez et al. (1998) no Uruguai, que relatam uma Tb de 5,2ºC e uma constante térmica de 894 GD para a mesma espécie. Tais diferenças podem ser atribuídas ao alimento (Mihsfeldt 1998) ou à adaptação do inseto a distintas regiões climáticas (Bleicher & Parra 1990).

Com base na temperatura média mensal das diferentes regiões produtoras de maçã do Sul do Brasil e nas exigências térmicas de B. cranaodes, verificou-se que o inseto pode desenvolver de três (São Joaquim) a quatro gerações (Fraiburgo e Vacaria) ao longo do ano e de 2,4 a três durante o ciclo da cultura (Tabela 3). No período de repouso vegetativo da macieira, a lagarta-enroladeira encontra disponível, nas três regiões produtoras, condições térmicas para completar uma geração. Nesse período, entretanto, como não existem folhas de macieira, acredita-se que as lagartas se alimentam de hospedeiros alternativos presentes no interior do pomar. O maior número de gerações que a praga pode desenvolver em Fraiburgo e Vacaria possibilita a ocorrência de populações mais altas no campo. Esses dados corroboram as informações obtidas junto aos pomicultores de que nestas regiões as macieiras são mais afetadas pelo ataque da lagarta-enroladeira. Em São Joaquim, embora o inseto esteja presente nos pomares comerciais (Orth et al. 1986), as condições térmicas da região reduzem o número de gerações do inseto e consequentemente sua população, de modo a reduzir a importância econômica da espécie.

No Uruguai, através da análise dos padrões de vôo do inseto, foi observado que a espécie completa cinco gerações ao longo do ano: junho-julho, outubro, dezembro, janeiro-fevereiro e março-maio (Nuñez et al. 1998). Caso seja empregada a Tb (5,2ºC) e a K (894 GD) relatadas por esses mesmos autores para a espécie no Uruguai com a temperatura das regiões analisadas no Brasil, obtém-se o igual número de gerações deste trabalho. Por isso, trabalhos complementares devem ser conduzidos visando associar os dados de flutuação populacional dos adultos em armadilhas de feromônio sexual com as exigências térmicas, visto que ao se considerar somente a flutuação populacional, podem ocorrer erros de avaliação devido à sobreposição de gerações. O emprego de graus-dia associado a informações da flutuação populacional da praga podem auxiliar os produtores na tomada de decisão sobre o momento da aplicação de inseticidas, independente da fase de desenvolvimento fenológico das plantas. No caso de B. cranaodes, estas aplicações deveriam ser direcionadas para controlar os adultos e os ínstares iniciais de desenvolvimento, visto serem estas as fases mais sensíveis aos inseticidas. Entretanto, estes modelos ainda necessitam ser desenvolvidos para as condições brasileiras.

Literatura Citada

Aceito em 10/09/2000.

  • Bleicher, E. & J.R.P. Parra. 1990. Espécies de Trichogramma parasitóides de Alabama argilacea III. Determinação das exigências térmicas de três populações. Pesq. Agropec. Bras. 5: 215-219.
  • Eiras, A.E., L.R.K. Delmore, J.R.P. Parra, M.P.R. Pique, E.F. Vilela & A. Kovaleski. 1994. Biologia comparada da lagarta-enroladeira Phtheochroa cranaodes (Meyrick) (Lepidoptera: Tortricidae) em duas dietas artificiais. An. Soc. Entomol. Brasil. 23: 251-257.
  • Grellmann, E.O., Loeck, A.E., Salles, L.B. & Fachinello, J.C. 1991. Necessidades térmicas e estimativa do número de gerações de Grapholita molesta (Busck, 1916) (Le.: Olethreutidae) em Pelotas, RS. Pesq. Agropec. Bras. 27: 999-1004.
  • Haddad, M.L. & J.R.P. Parra. 1984. Métodos para estimar as exigências térmicas e os limites de desenvolvimento dos insetos. FEALQ, 45 p.
  • Kovaleski, A. 1994. Eficiência de inseticidas no controle da lagarta-enroladeira (Phtheocroa cranaodes) em condições de laboratório. Horti Sul 3:30-32.
  • Kovaleski, A., M. Botton, A.E. Eiras & E. Vilela. 1998. Lagarta-enroladeira da macieira: bioecologia e controle. Embrapa-CNPUV, Bento Gonçalves, RS, Circular Técnica, 24, 22 p.
  • Leather, S.R., K.F.A. Walters & J.S. Bale. 1993. The ecology of insect overwintering. Cambridge University Press, 255 p.
  • Lorenzato, D. 1984. Ensaio laboratorial de controle da "traça-da-maçã" Phtheochroa cranaodes Meyrick, 1937 com Bacillus thuringiensis Berliner e inseticidas químicos. Agron. Sulriogr. 20: 157-163.
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  • Orth, A.I., L.G. Ribeiro & W. Reis Filho. 1986. Manejo de pragas. p. 341-379. In: Empresa Catararinense de Pesquisa Agropecuaria (Ed.). Manual da cultura da macieira. Florianópolis, 580 p.
  • Parra, J.R.P 1992 Técnicas de criação de insetos para programas de controle biológico. FEALQ, 96p.
  • Parra, J.R.P., A.E. Eiras, M.L. Haddad, E.F. Vilela & A. Kovaleski. 1995 Técnica de criação de Phtheochroa cranaodes Meyrick (Lepidoptera: Tortricidae) em dieta artificial. Rev. Bras. Biol. 55: 537-543.
  • Silveira Neto, S., O. Nakano, D. Barbin & N.A. Villa Nova. 1976 Manual de ecologia dos insetos. São Paulo, Ceres, 419 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2000

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2000
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