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Por que os motociclistas profissionais se acidentam?: riscos de acidentes e estratégias de prevenção

Why do professional motorcyclists have accidents?: accidents risks and prevention strategies

Resumos

O trabalho dos motociclistas profissionais constitui o foco investigativo do presente estudo, que fornece elementos para subsidiar os atores sociais nas negociações relativas à melhoria das condições de trabalho da categoria. Adotando-se a abordagem teórico-metodológica da escola da ergonomia da atividade, foi possível conhecer os constrangimentos vivenciados e as estratégias construídas pelos motociclistas profissionais em face dos principais fatores socioeconômicos que geram pressão temporal no desenvolvimento da atividade.Os resultados obtidos foram analisados considerando-se o modo de funcionamento das unidades de produção em suas articulações com as instituições da cidade e a rede de serviços que garantem a meta de produzir mais em menor tempo. Finalmente, o estudo permitiu descrever os fatores acidentogênicos, ligando o plano macroeconômico e suas leis de mercado à rede técnico-organizacional que sustenta as unidades produtivas, gerando o comportamento do tempo zero. É nesta encruzilhada que o motociclista profissional elabora as suas estratégias para garantir as metas de produção, a satisfação do cliente e a sua autoproteção, nem sempre bem-sucedida, contra os acidentes no trânsito.

Motociclistas profissionais; motoboy; acidentes de trânsito; acidente de trabalho; Análise Ergonômica do Trabalho


Professional motorcyclists' jobs are the focus of this study that provides elements that may help social actors when they negotiate improvements in working conditions for their professional category. By adopting the methods proposed by the Activity Ergonomics Approach, it was possible to learn the strategies developed by professionals in dealing with time constraint factors. The results were analyzed taking into consideration the working conditions of the production units regarding their association with their town organizations and the network of services that helps reaching the goals of producing more in less time. Finally, the study describes accident-borne factors, associating the macroeconomic level and its market laws to the technical-organizational network that maintains the productive units and generates the time zero behavior. The intersection of these two aspects is the point at which professional motorcyclists must develop strategies to reach production goals, their client satisfaction and their own protection, not always successful, against traffic accidents.

professional motorcyclists; motorboy; labor accidents; traffic accidents; Ergonomics Analysis of Labor


Por que os motociclistas profissionais se acidentam? Riscos de acidentes e estratégias de prevenção

Why do professional motorcyclists have accidents? Accidents risks and prevention strategies

Eugênio Paceli Hatem DinizI; Ada Ávila AssunçãoII; Francisco de Paula Antunes LimaII

IPesquisador da Fundacentro - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho

IIProfessores da Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

O trabalho dos motociclistas profissionais constitui o foco investigativo do presente estudo, que fornece elementos para subsidiar os atores sociais nas negociações relativas à melhoria das condições de trabalho da categoria. Adotando-se a abordagem teórico-metodológica da escola da ergonomia da atividade, foi possível conhecer os constrangimentos vivenciados e as estratégias construídas pelos motociclistas profissionais em face dos principais fatores socioeconômicos que geram pressão temporal no desenvolvimento da atividade.Os resultados obtidos foram analisados considerando-se o modo de funcionamento das unidades de produção em suas articulações com as instituições da cidade e a rede de serviços que garantem a meta de produzir mais em menor tempo. Finalmente, o estudo permitiu descrever os fatores acidentogênicos, ligando o plano macroeconômico e suas leis de mercado à rede técnico-organizacional que sustenta as unidades produtivas, gerando o comportamento do tempo zero. É nesta encruzilhada que o motociclista profissional elabora as suas estratégias para garantir as metas de produção, a satisfação do cliente e a sua autoproteção, nem sempre bem-sucedida, contra os acidentes no trânsito.

Palavras-chave: Motociclistas profissionais, motoboy, acidentes de trânsito, acidente de trabalho, Análise Ergonômica do Trabalho.

ABSTRACT

Professional motorcyclists' jobs are the focus of this study that provides elements that may help social actors when they negotiate improvements in working conditions for their professional category.

By adopting the methods proposed by the Activity Ergonomics Approach, it was possible to learn the strategies developed by professionals in dealing with time constraint factors.

The results were analyzed taking into consideration the working conditions of the production units regarding their association with their town organizations and the network of services that helps reaching the goals of producing more in less time. Finally, the study describes accident-borne factors, associating the macroeconomic level and its market laws to the technical-organizational network that maintains the productive units and generates the time zero behavior. The intersection of these two aspects is the point at which professional motorcyclists must develop strategies to reach production goals, their client satisfaction and their own protection, not always successful, against traffic accidents.

Keywords: professional motorcyclists, motorboy, labor accidents, traffic accidents, Ergonomics Analysis of Labor.

Introdução

"Produção enxuta", logística de transporte e acidentes

O objetivo deste artigo é apresentar as características do trabalho do motociclista profissional no contexto de sua realização em uma grande concentração urbana. Os resultados obtidos orientaram, dentre outras recomendações, a elaboração de uma convenção coletiva de trabalho (Diniz et al., 2005).

A tendência recente de aumento dos acidentes de trabalho fatais em espaços urbanos pode ser analisada tendo em vista os elementos explicativos dos acidentes que acometem motoristas e motociclistas profissionais, trabalhadores que ocupam posições estratégicas nos sistemas produtivos atuais.

Em Belo Horizonte, a ocorrência de acidentes envolvendo motociclistas no universo de acidentes de trânsito registrados passou de 10,3%, em 1994, para 30,5%, em 2003. Com relação ao tipo de veículo envolvido no acidente, a motocicleta passou de 21,7% dos casos, em 1994, para 46%, em 2003. Nesse mesmo período, a frota de motocicletas em Belo Horizonte quase dobrou, passando de 42.812 para 70.679 (Secretaria Municipal de Saúde e BHTRANS, 2005).

A ocorrência de acidentes de trabalho fatais típicos não predomina no espaço intramuros das empresas: um em cada cinco casos fatais envolve motorista em situação de trabalho (Waldvogel, 2002).

Uma análise do fenômeno urbano que seria determinado pelas características do trânsito, pelo estado de conservação das vias públicas ou pelo tipo de direção dos motoristas não seria suficiente para entender a inversão espacial dos acidentes de trabalho fatais.

Este artigo expõe os determinantes socioeconômicos oriundos do processo de reorganização da produção que se caracteriza por um "enxugamento" das empresas em diversos aspectos: da redução da mão-de-obra empregada à redução dos estoques de produtos e de materiais em processo.

A busca incessante pela redução cada vez maior do tempo de giro da produção (Harvey, 1989) passa a se configurar como uma das estratégias centrais para grande parte das atividades produtivas, gerando uma reação em cascata da grande empresa até o pequeno fornecedor, conforme será analisado a seguir. Ou seja, para sobreviver no mercado, as empresas vêem-se obrigadas a reduzir o tempo de giro na produção e são levadas continuamente a responder, com rapidez cada vez maior, à demanda de bens e serviços.

Com efeito, expandiu-se o serviço prestado pela categoria não apenas como alternativa de emprego, como se verá, mas, sobretudo, como resposta a uma necessidade estabelecida na sociedade contemporânea. Cada toque no mouse que fecha um negócio via internet, cada telefonema do cliente que demanda um produto ao fornecedor aciona a ignição de um exército de motocicletas que transportam uma infinidade de materiais e produtos: remédios, passagens, alimentos, materiais de escritório, fotocópias, cilindros de gás de cozinha, garrafões de água mineral, talões de cheques, malotes de empresas etc. Eles realizam também serviços de cunho burocrático: efetuam pagamentos e depósitos; obtêm certidões negativas e "nada consta" em repartições públicas e privadas. Assim, a logística de transporte passa a desempenhar um papel estratégico de mediação entre diversos agentes econômicos. No entanto, se as empresas adotam sistemas de organização adaptados às exigências de flexibilidade e agilidade de resposta, o espaço urbano ainda está moldado pelo modelo de produção em grande escala, criando obstáculos à mobilidade dos produtos. A deficiência gerada na teia do contraste entre a flexibilização da produção e o espaço urbano rígido é suprida, em parte, pelos motociclistas profissionais.

Ademais, com o crescimento dos serviços, tende-se a inverter a relação de deslocamento consumidor-produto. Se antes era o consumidor que se deslocava para um ou vários pontos do espaço urbano em busca de produtos e serviços, agora são os produtos e serviços que se deslocam até seu escritório ou casa.

O desenvolvimento e a implantação das tecnologias de informação e comunicação nos mais variados processos produtivos colocaram em evidência a falácia dos postulados da sociedade pós-industrial: o mito da fábrica sem homens e a substituição da indústria pelos serviços. Ao contrário, os processos em marcha, para alcançar êxito ao invés de ruptura, estabelecem necessariamente relações de reciprocidade entre pesquisa científica, desenvolvimento, métodos, fabricação e marketing (Lojkine, 1995), ou seja, verifica-se que as atividades materiais e as imateriais se interpenetram.

As atividades imateriais dependem, em seu conteúdo e forma, das atividades materiais, entre elas o transporte de produtos, documentos e formulários por uma via física - no caso, a motocicleta. A qualidade (rapidez, pontualidade...) da venda na loja virtual depende do apoio logístico de uma rede de distribuição que existe no tempo (duração) e no espaço. A obviedade de que o motociclista se desloca no espaço e no tempo reais é, às vezes, obscurecida diante do instantâneo do mundo virtual e da lógica do tempo zero que orientam a organização da produção just in time.

Com os novos padrões de competitividade, o tempo de entrega torna-se um valor importante, ao lado de critérios tradicionais como custo, estética, funcionalidade e durabilidade dos produtos e serviços. Assim como a produção se rege, hoje, pelo princípio de "produzir certo da primeira vez" ou "produzir na quantidade certa", procura-se "produzir no momento certo", o que envolve desde o tempo de resposta da empresa para desenvolver e fabricar produtos até sua entrega no momento em que é declarada a necessidade do cliente. Por isso, a logística assume uma função estratégica ao servir de mediação entre fornecedor e cliente, que pode ser um outro produtor ou o consumidor final, organizando simultaneamente o fluxo de informações e o fluxo de deslocamento espacial dos produtos.

Com a produção just in time, parte do estoque foi eliminada e parte transformada em estoque móvel, verdadeiro almoxarifado sobre as rodas dos veículos. Atualmente, no setor automobilístico, as empresas fornecedoras de autopeças fazem entregas de duas em duas horas, devendo manter uma infra-estrutura robusta de transporte e um sistema de monitoramento permanente para resolver, em tempo real, as eventuais falhas, de modo a manter um fluxo contínuo. Isso só se torna possível porque dois fluxos, paralelos e em sentido opostos, combinam-se para sincronizar produção, transporte e consumo: de um lado as informações que se movimentam de jusante à montante; de outro, o fluxo material propriamente dito, que responde ao fluxo de informações. Teoricamente, o fluxo material deveria ser organizado de modo a se ajustar ao fluxo instantâneo de informações. Na prática, surge uma série de contradições e fricções na passagem do virtual ao material, cujas conseqüências se fazem sentir, entre outras coisas, na saúde dos trabalhadores inseridos nesse fluxo.

Nesse cenário, os desempregados e os jovens inexperientes que compõem o mercado informal da economia encontram, nas demandas crescentes de serviços que estabeleçam a conexão fornecedor-cliente, uma alternativa à restrição do emprego noutras áreas.

Métodos e Procedimentos

Para entender como a relação entre esta nova realidade virtual e o mundo físico, em sua densidade espaço-temporal própria, determina o comportamento dos motociclistas profissionais, realizou-se um estudo ergonômico (Diniz, 2003) cujos princípios teóricos e metodológicos consideram a distinção entre "o que" foi estabelecido para os trabalhadores executarem e "como" eles respondem às exigências do trabalho. A Análise Ergonômica do Trabalho (AET) é definida como a descrição das atividades de trabalho ou dos trabalhadores a partir da observação de todos os comportamentos - perceptivo, motor ou de comunicação (Guérin et al., 2001).

Uma vez que a atividade não pôde ser reduzida ao que se consegue observar (Assunção e Lima, 2003), utilizou-se da autoconfrontação dos resultados de observações sistemáticas a fim de aceder aos aspectos não-objetiváveis do trabalho. A autoconfrontação é uma estratégia que busca na palavra livre do trabalhador compreender os sentidos que ele próprio imprime aos resultados obtidos pelo pesquisador.

À luz desses princípios ergonômicos que nortearam a pesquisa, adotaram-se basicamente dois procedimentos, a saber: reuniões com representantes do sindicato de trabalhadores com o intuito de se obter um conhecimento mais aprofundado da demanda e informações gerais sobre a categoria e entrevistas abertas com motociclistas profissionais.

As entrevistas gravadas, posteriormente transcritas e analisadas, tinham como objetivo obter uma visão geral da organização do trabalho, dos problemas enfrentados pela categoria, da percepção do risco e das respectivas estratégias de defesa utilizadas para a prevenção de acidentes. Foram analisados os dados obtidos através de filmagens nas ruas e avenidas da cidade, documentando os gestos de motociclistas profissionais escolhidos aleatoriamente, ora acompanhados pelo pesquisador, em um automóvel, ora filmados por uma câmera localizada em passarelas e viadutos.

As filmagens buscavam identificar os gestos de ação (modo de pilotar o veículo), gestos de observação (movimentos da cabeça e, em parte, dos olhos) e os gestos de comunicação (expressões verbais e corporais). As cenas do filme foram confrontadas com os motociclistas profissionais em um restaurante popular indicado pelo representante do sindicato de trabalhadores por ser um local onde eles costumam ser reunir para almoçar. Esse procedimento buscava eliciar dos motociclistas o significado dos gestos de seus pares documentados em vídeo, tanto do ponto de vista da produção quanto do ponto de vista da carga de trabalho, explicitando "o que faz", "com que finalidade - para quê" e "por quê".

Foram estudadas e autoconfrontadas as rotas elaboradas em mapas que foram fornecidos aos motociclistas. A autoconfrontação das rotas visava conhecer as estratégias e os modos operatórios implementados pelos trabalhadores para planejar e executar os deslocamentos no trânsito. As entrevistas (gravadas, transcritas e depois analisadas) com motociclistas e organizadores da produção das empresas tinham o propósito de identificar a organização do trabalho, e as observações abertas da tarefa foram realizadas na expedição das duas empresas selecionadas - local estrategicamente escolhido, já que é ali onde se fazem o acompanhamento e o controle dos serviços de deslocamento dos motociclistas e onde eles têm a rara oportunidade de encontrar seus pares por alguns instantes.

As observações e a posterior autoconfrontação dos fatos observados na expedição tinham como propósito obter elementos para a compreensão do trabalho realizado e de como o trabalhador coloca em prática sua demanda. As ações e as comunicações diretas entre os motociclistas, a itineralista (operadora de rádio e encarregada de repassar e receber as ordens de serviço) e o coordenador foram registradas por escrito para posterior autoconfrontação.

Estudou-se uma empresa em Belo Horizonte especializada em serviços de moto-frete (empresa A) e que conta com cento e sessenta motociclistas profissionais. Do total de motociclistas, cento e quarenta prestam serviços por hora como terceirizados nas empresas contratantes. Os demais atendem ao setor de expedição da empresa A, executando serviços de deslocamento. A empresa A, indicada pelo representante do sindicato de trabalhadores, foi escolhida por se tratar de uma prestadora de serviço de moto-frete com um número significativo de trabalhadores que atendem diversos tipos de demandas, tanto de pessoas jurídicas quanto de pessoas físicas. Buscando identificar diferenças e similitudes nos problemas enfrentados pela categoria e nas regulações elaboradas pelos motociclistas profissionais, a pesquisa foi realizada também em uma empresa de Uberlândia (empresa B), em razão do número expressivo de motociclistas na cidade e da constatação in loco de alguns acidentes nas vias públicas envolvendo motocicleta. A empresa B conta com um efetivo de cento e quinze motociclistas.

Em resumo, foram observados e autoconfrontados oitenta e cinco motociclistas, totalizando sessenta horas de observações e entrevistas. Além dos motociclistas, foram entrevistados dez organizadores de produção - entre eles quatro empresários e dois diretores - a esposa de um motociclista. Foram realizadas quatro horas de filmagens em situações reais de trabalho (também analisadas) e vinte e quatro rotas foram traçadas e autoconfrontadas com os trabalhadores.

Resultados

Contratação e remuneração

Nesse tipo de prestação de serviço, há duas modalidades básicas de contratação: as empresas contratam motociclistas de uma prestadora de serviços de moto-frete (contrato indireto) ou contratam diretamente o profissional para prestar seus serviços, como é o caso das próprias empresas de moto-frete, visando atender a serviços pontuais tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, como copiadoras, lojas de autopeças, escritórios de contabilidade e farmácias, estabelecendo diferentes formas de vínculo e remuneração.

Na modalidade contratação indireta, adotada pelas médias e grandes empresas, contrata-se uma prestadora de serviço de motociclista profissional, que fornecerá a mão-de-obra terceirizada; esse é o caso, por exemplo, de drogarias, lanchonetes, restaurantes e pizzarias.

Com relação às formas de remuneração, existem pelo menos dois tipos: pagamento por hora e pagamento por deslocamento ou comissão. Na empresa A, os motociclistas que trabalham por hora possuem registro em carteira de R$1,14 por hora. Além desse valor, o trabalhador recebe um adicional de R$1,66 por hora, a título de aluguel da motocicleta, num total mínimo de R$2,80 para cada hora disponível no cliente. O salário total recebido no final do mês varia de R$400,00 a R$800,00 dependendo do número de horas disponíveis no cliente e da quantidade de deslocamentos realizados. A manutenção da moto, o combustível e os equipamentos de segurança são custeados pelo próprio trabalhador.

Na empresa B, os motociclistas que trabalham por hora possuem registro em carteira de R$347,00 por mês. Eles recebem ainda 2,5 litros de combustível por dia, sem desconto na remuneração. Considerando-se a jornada de 44 horas semanais e o valor recebido pelo combustível, o motociclista recebe R$2,44 por hora disponível no cliente.

Na empresa A, o valor mínimo cobrado pelo deslocamento corresponde a R$2,80. Mas o registro em carteira é de R$1,14, da mesma forma que os motociclistas remunerados por hora. Os deslocamentos executados são lançados e convertidos pelo sistema informatizado em hora ou fração de hora e creditados na folha de pagamento.

Na empresa B, o serviço cobrado por deslocamento é denominado "serviço por comissão". Ele é oferecido às empresas-cliente apenas para a entrega de mala-direta, de fatura bancária de seguro-saúde, de jornais corporativos e encartes.

Os motociclistas remunerados por comissão têm registrado em carteira o valor de R$347,00. A produção diária individual é registrada numa planilha.

O motociclista recebe R$0,05 para cada entrega simples, R$0,07 para cada entrega de encartes e R$0,09 quando se trata de envelope protocolado. Para entrega de pacotes, o motociclista recebe R$1,00.

Cada entrega efetivada é somada até atingir o valor fixo registrado em carteira. O valor excedente, à semelhança da empresa A, é pago ao motociclista a título de produtividade.

Os motociclistas que trabalham por comissão recebem um vale combustível de 3,5 litros de gasolina por dia, cujo valor é descontado de seu salário no final do mês.

Para compensar a precária remuneração, os motociclistas praticam horas extras. Muitos entrevistados relataram jornadas de trabalho diárias de 13 a 15 horas durante os dias úteis e de mais 4 horas nos finais de semana e feriados. A situação é confirmada pelos organizadores da produção:

"A questão salarial constitui a principal queixa dos trabalhadores, pois, para alcançar um valor maior de salário, eles têm que trabalhar um volume de horas muito alto."

Organização da produção

No caso do contrato por hora, o fluxo de atendimento tem início quando uma empresa-cliente telefona para a empresa contratante e solicita um motociclista para ficar à sua disposição para, por exemplo, realizar depósitos e pagamentos em bancos. Outras empresas utilizam os serviços dos motociclistas para a entrega de produtos e serviços negociados com os consumidores em geral.

Na empresa A, o atendimento de demandas eventuais são denominadas de serviços por deslocamento e têm início no momento em que o cliente, pessoa física ou jurídica, entra em contato com a central de telemarketing da prestadora de serviço de moto-fete.

Estabelecido o acordo entre as partes, um período de 60 minutos é solicitado ao cliente para que o motociclista inicie o atendimento. A recepcionista, após "salvar" a ordem de serviço (OS) numa tela de pendências, transfere a mesma, via sistema informatizado ligado em rede, para o setor de expedição. A partir daí começa a contagem do tempo. O motociclista desloca-se até o local indicado pelo cliente a fim de executar o serviço. Ao terminar, ele entra em contato com a recepcionista através do rádio e verifica se há outra OS pendente e, em caso positivo, ao invés de retornar à empresa, inicia outra missão.

A entrega de malas-diretas e jornais é a tarefa predominante na prestação de serviço por deslocamento da empresa B. O material chega diariamente à expedição em grandes quantidades. As malas-diretas são separadas por ordem de bairro e região da cidade e, em seguida, colocadas nos escaninhos dos motociclistas.

Os motociclistas que fazem a distribuição das malas-diretas chegam à expedição por volta de 7 horas. Eles pegam as malas-diretas em seus escaninhos e, sobre as bancadas do setor, fazem a separação do material, colocando-o em ordem de acordo com a rota. Em seguida, registram numa planilha a quantidade e o tipo de correspondência (envelope simples, protocolado ou encarte), que é encaminhada ao supervisor para que este faça a conferência quantitativa e qualitativa. Terminada esta etapa inicial, eles saem para fazer as entregas. Como pudemos evidenciar, é comum o motociclista, ao longo do dia, prestar serviços na condição de terceirizado para mais de uma empresa, totalizando 16 horas de jornada diária.

Hierarquia, controle direto e controle pelos clientes

Existe um rígido controle da hierarquia sobre as atividades desempenhadas pelos motociclistas. As chefias não se restringem a passar as demandas e estabelecer as urgências. A empresa B registra num mapa afixado na expedição a produção dos motociclistas que distribuem jornais. Nele constam os números dos setores de distribuição e o número de reclamações dos assinantes por dia do mês. Elabora-se ainda uma planilha com o registro de todas as malas-diretas de entrega simples, possibilitando o controle direto via telefonema de cerca de 5% dos destinatários para confirmar o recebimento e o nível de satisfação do cliente.

Se o motociclista presta serviço como terceirizado em uma empresa-cliente, o controle é ainda mais rigoroso, pois o cliente pressiona a empresa contratante do motociclista, que não hesita em exercer pressão sobre o trabalho desempenhado. Nos dizeres da hierarquia:

"Tem clientes maiores que realmente exigem mais do motociclista. Então, o cliente fica naquela pressão: 'Olha, se você não fizer bem, eu troco, eu ligo para empresa e peço outro'."

O rádio e o telefone celular também são utilizados pelas chefias para controlar, a distância, o ritmo de cada trabalhador. Um dos organizadores da produção explica:

"A expedição controla as tarefas e o tempo dos motociclistas através de uma central de rádio, mantendo contato permanente com eles."

Os motociclistas comentam que as demandas de serviço e as exigências temporais são intensas:

"Eles me dão lá na faixa de umas vinte a trinta empresas para visitar, levar documentos de contabilidade."

"A norma da empresa é que no máximo em trinta minutos seja entregue uma peça. Só que não é possível, porque o acúmulo é muito. Os clientes pedem muitas peças no mesmo momento."

Um motociclista explica como é o controle do fluxo de produção numa drogaria onde trabalha como terceirizado:

"É um serviço com um fluxo muito grande de entrega e não dispõe de tempo para os intervalos que todo trabalhador deve ter: o horário de almoço e de lanche. As entregas são com hora marcada e com um número muito reduzido de motociclistas. E se colocar uma quantidade maior de pessoas, eles dizem que trabalham no vermelho, pois são muitos motociclistas e muitas horas a pagar."

Tentando estabelecer um limite de tarefas nos contratos por hora, o diretor diz como procede: "Ele tem uma média de seis entregas por hora".Mas, na prática, esse limite não é acatado pelo cliente, demandando do motociclista habilidade para negociar ou então aceitar e acelerar o veículo.

O controle difuso do cliente

Os motociclistas que prestam serviço por deslocamento também ficam sob o comando dos clientes. O setor de telemarketing da empresa continua a negociar com os clientes, assumindo o compromisso de atendê-los em 60 minutos, mesmo não dispondo de motociclista na expedição. O motociclista chega ao setor e encontra várias OS pendentes, mas dispõe de tempo real menor que o tempo prescrito para executá-las.

A possibilidade de o motociclista vir a repassar a urgência para o modo de pilotar é reconhecida pelo diretor da empresa:

"Aí é que a gente se expõe às vezes, ao tentar resolver um problema e confundir a agilidade com velocidade."

Para ele, a solução é o motociclista procurar ser ágil nos estabelecimentos - como fórum, prefeitura, bancos - não no trânsito: "A pessoa tem que chegar e demonstrar interesse, ser rapidamente atendida". Mas como proceder com agilidade dentro dos estabelecimentos se a empresa contratante permanece monitorando pelo rádio: "Agiliza aí, que o seu prazo de chegar no cliente já está estourado", como se fosse possível responder aos prazos estipulados apenas apressando o fluxo nas instituições, desconsiderando que, de todo jeito, a demanda de serviço é incompatível com o tempo disponível?

Quando o tempo real não é cumprido, a empresa informa que renegocia com o cliente outro prazo. Mas, na prática, o motociclista que recebeu o alerta pelo rádio confessa ser obrigado a implementar o modo operatório de risco: "Aí, é hora de sair acelerando igual a um doido mesmo". Outro motociclista procede de modo idêntico:

"Arriscando a própria vida para garantir o emprego meu. Eu não posso andar devagarzinho no trânsito, não posso obedecer às leis do trânsito."

A busca pela satisfação do cliente é imperativa na organização do trabalho, conforme explica a direção: "Quando o movimento é grande, nós fazemos o possível para encaixar todo o serviço sem causar transtorno para o cliente". Isso implica repassar ao motociclista mais de uma OS ao mesmo tempo; foi observado, por exemplo, o caso de um motociclista recebendo quatro OS de uma só vez. A recepcionista mostrava as OS pendentes e perguntava ao motociclista quais ele poderia executar. Ele analisava, escolhia algumas e recusava outras. Perguntado por que a recepcionista concordou com a sua decisão, ele responde: "Aceitou numa boa, porque pode prejudicar a empresa, eu posso atrasar o serviço e a empresa não vai ficar satisfeita com isso". Existe, então, um reconhecimento da incompatibilidade dos tempos alocados, porém, a dilatação dos prazos não é a regra.

O cliente, por sua vez - seja a empresa onde o motociclista trabalha como terceirizado ou o consumidor final -, quando utiliza esse serviço, está em busca também de um atendimento rápido. Essa necessidade coloca a presteza no atendimento como o segundo objetivo fundamental do setor. Um motociclista entrevistado no Restaurante Popular confirma:

"O cliente, na hora que ele compra a peça, ele quer ser atendido o mais rápido possível. Então, a empresa te dá várias entregas e quer que seja entregue em tempo recorde."

Os clientes chegam a comparar o serviço de motociclista com serviços aéreos. Nos dizeres de um motociclista entrevistado:

"Eles[clientes] sempre falam o seguinte: 'A mercadoria sai da China, aqui ela gasta 24 horas'. Às vezes eu gasto um dia para fazer a entrega. Eles questionam essa parte. Por quê?"

Os atrasos não são compreendidos pelos clientes até mesmo para tarefas que envolvam transações em mais de uma repartição, locais tradicionalmente caracterizados por filas extensas e atendimento demorado. O coordenador de uma empresa exemplifica:

"O cliente passa quatro serviços para ele. Se ele parar em dois bancos em dia de pico, o cliente acha que ele está enrolando com o serviço."

Sob a perspectiva do tempo, os motociclistas reconhecem a dificuldade em tolerar os atrasos provocados pelo cliente que demora em atendê-los ou para providenciar o produto. Para não ferir a meta de prestar um bom atendimento ao cliente, mesmo que a espera implique em compensar a perda de tempo através do aumento de velocidade nas ruas e, conseqüentemente, em uma maior probabilidade de acidente, o motociclista permanece impotente diante do cliente atrasado, como explica um entrevistado:

"Se você me solicita para que eu faça o serviço, eu desloco da sua empresa até o local para fazer a entrega. Porém, quando eu chegar neste local, eu já vou ter outro serviço para fazer. Então, se você atrasar a entrega, já vai me prejudicar, porque se você atrasar quinze minutos, seria o tempo de eu estar lá entregando, e eu vou estar lá esperando você. Então, no meu tempo de percurso eu vou pôr em risco a minha vida e o meu serviço também, porque se eu tiver de andar a vinte[Km/h]para fazer esse serviço, eu vou ter que andar a quarenta[Km/h]ou sessenta [Km/h]."

Além tempo, o dispêndio de combustível é outro importante fator para o motociclista profissional. Juntos, constituem os elementos determinantes no momento em que ele planeja e executa o trabalho; em suas próprias palavras: "Tenho que olhar o tempo que eu gasto, o petróleo que eu queimo".

Pode-se afirmar que os objetivos do setor são determinados pelos clientes, que solicitam um atendimento com pontualidade, presteza e confiabilidade sem ponderar os constrangimentos do espaço que os motociclistas profissionais enfrentam na esfera da produção material.

Situações acidentogênicas e estratégias de prevenção

As entrevistas mostraram que a atividade dos motociclistas profissionais está sujeita à ocorrência de inúmeros determinantes não controláveis que geralmente não são levados em conta pela empresa e pelo cliente. São exemplos as filas nas repartições, o trânsito lento, o documento mal preenchido, com endereço incompleto ou errado, as ruas com numeração imprecisa ou sem identificação, os sistemas informatizados das repartições temporariamente fora de uso, o pneu da motocicleta que precisa de reparo urgente, mas o tempo falta...

As oscilações da demanda são também ocorrências freqüentes. O volume de serviço aumenta nos dias do mês múltiplos de cinco, datas em que as empresas fazem pagamentos. No meio e no final do mês, a quantidade de malas-diretas triplica, sem que o efetivo seja ajustado, chegando a 500 unidades entregues por dia pelo motociclista. Somente no final de ano, quando a demanda acentua-se bem acima do tolerado, a empresa contrata temporariamente outros motociclistas. Eles comentam:

"Os bancos ficam superlotados, trânsito e bancos lotados, todo mundo quer resolver os problemas. Patrão te enche de serviço."

No entanto, acelerar a motocicleta para superar as imposições do setor não constitui o único modo operatório dos motociclistas profissionais. As situações paradoxais contribuem para o desenvolvimento de estratégias refinadas para garantir os prazos e proteger a vida, cuja descrição detalhada não cabe no espaço deste artigo.

Por ocasião da distribuição de mala-direta, os motociclistas afirmam, como no exemplo abaixo, que cometem infrações de trânsito:

"Quando não tem nada em cima do passeio, você sobe em cima do passeio e coloca[a mala direta]na caixa do correio".

Em frente à empresa A, foi observado que um motociclista, após ter recebido a OS, empurrava sua motocicleta desligada, beirando o meio-fio, na contramão do trânsito. Autoconfrontado, ele esclarece:

"Como empurrar moto sem capacete é igual à bicicleta, aí, eu passo de um quarteirão para o outro empurrando ela no cantinho, no passeio, e economizo de cinco a seis quilômetros."

E enumera as vantagens:

"Evito fazer um deslocamento maior, economizo gasolina, ganho muito mais no fim do mês e economizo tempo. Por isso que eu sou rápido."

Nas repartições, quando se depararam com longas filas, os motociclistas procuram identificar algum conhecido a quem possam solicitar o favor de efetuar o serviço ou que lhes possa conceder um lugar na fila, imprimindo, assim, maior agilidade à sua atividade. Para vencer as demoradas filas dos cartórios, os motociclistas fazem uso do prestígio da empresa onde trabalham como terceirizados:

"A empresa em que eu trabalho é muito influente. Aí, eu chego e falo: 'Eu trabalho para ...' Aí, o próprio cartório me passa na frente."

Os motociclistas são claros quando atribuem os riscos às metas da produção:

"A gente já sai de casa correndo risco, e a empresa exigindo agilidade na chegada da coleta. O risco se torna mais dobrado."

Em suma, diante dos prazos exíguos estabelecidos pelo cliente, que não pode ser contrariado, as empresas adotam uma organização da produção que submete os motociclistas a um ritmo de trabalho cada vez mais intenso.

Discussão

Viu-se a prática comum de horas extras com o objetivo de compensar a insuficiente remuneração. O estatuto precário leva à utilização da mão-de-obra pela empresa segundo os interesses dos clientes, contando com a flexibilização dos direitos trabalhistas que permite relações de trabalho frágeis (Antunes, 1999 e 2000; Pochmann, 1999; Weller, 1998), contribuindo para que o motociclista intensifique seu trabalho de modo a compensar a baixa remuneração.

A pesquisa realizada evidenciou que o "modo de andar a vida", nos termos de Tambellini (1978), dos motociclistas constitui uma reação construída e moldada em função das peculiaridades e dos estímulos sobre os quais a atividade se estruturou: a pressão dos clientes por serviços rápidos, pontuais e de confiabilidade, a elevada demanda de serviços, as precárias relações de trabalho, a ocorrência de grande número de determinantes não controláveis que se contrapõem aos objetivos do setor, o uso da motocicleta como meio de deslocamento rápido no trânsito e num espaço urbano rígido.

Os meios pelos quais as empresas controlam a atividade e, por conseguinte, o motociclista agravam a pressão temporal. Os determinantes não controláveis colocam em relevo o paradoxo da organização do trabalho dos motociclistas profissionais. De um lado, os objetivos da produção exigem pontualidade, presteza e confiabilidade. De outro, há as precárias relações de trabalho, a elevada densidade de trabalho, o tempo real menor que o prescrito, a pressão das chefias e a estreita margem de liberdade para mobilizar as competências desenvolvidas e implementar modos operatórios que preservem a saúde e evitem a nocividade das situações de risco (Assunção e Lima, 2003).

A impaciência manifestada pelos clientes comprova uma tolerância social exacerbada face aos riscos a que a própria sociedade, no seu conjunto, se submete. A atividade imaterial não exclui, embora desejasse, a produção realizada pelos corpos e mentes humanas. De certa forma, somos todos nós, quando pedimos uma pizza, um remédio ou a entrega urgente de um documento, que contribuímos para gerar condições adversas para os motociclistas profissionais.

A exigência de um atendimento com pontualidade, presteza e confiabilidade, no interior de um espaço urbano moldado pelo modelo de produção em grande escala, leva o motociclista a adotar procedimentos de risco no trânsito. A pressão das empresas e dos clientes para que os motociclistas cumpram as tarefas de acordo com os objetivos do setor parece explicar os modos operatórios evidenciados. Nesse caso, a remuneração por deslocamento seria um determinante menor da atividade.

Os resultados descritos permitem afirmar que o modo operatório de risco implementado no trânsito pelos motociclistas profissionais constitui o último recurso da categoria, caracterizando não um procedimento de rotina, mas uma forma de ação diante de circunstâncias especiais relacionadas à organização do trabalho.

Quando a margem de liberdade deixada pela organização do trabalho é estreita, não levando em consideração as exigências de tempo e os constrangimentos do espaço, os motociclistas profissionais alteram o modo operatório de pilotar com vistas a aumentar a agilidade e ganhar tempo.

A adoção de procedimentos que potencializam os riscos de acidentes é reconhecida pela categoria como efeito da organização do trabalho, e não como necessidade particular na busca de fortes emoções, como imagina o senso comum. Em recente reportagem na Folha de São Paulo (2003). o assessor técnico da presidência da Companhia de Engenharia de Tráfego paulistana afirmou: "Os motoqueiros se sentem donos desse espaço". Na mesma reportagem, segundo o depoimento de uma médica que participou da pesquisa do IPEA sobre custos de acidentes de trânsito, o gosto dos motoboys pelo risco decorrente da alta velocidade se compara à prática do rapel pela classe média.

Ora, as abordagens centradas na mudança de comportamento dos trabalhadores prejudicam o desenvolvimento de políticas preventivas e a melhoria das condições de trabalho. Vilela et al. (2004) analisaram as conclusões de 71 laudos de acidentes ocorridos em 1998, 1999 e 2000, que foram realizados pelo Instituto de Criminalística da Regional de Piracicaba. Os referidos laudos concluem que 80% dos acidentes são causados por atos inseguros cometidos pelos trabalhadores. Utilizando-se de outro modelo de análise, contrariamente ao disposto nos laudos, viu-se que 52% dos acidentes ocorreram em situações de risco evidente, facilmente identificados por meio de simples inspeção, e que 25,5% estariam relacionados a um conjunto de fatores que não ocorrem de modo habitual. Por falta de dados disponíveis, 22,5% da amostra não puderam ser analisados pela classificação proposta. Torna-se evidente, como no caso dos motociclistas, a atribuição de culpa ao acidentado por decisões e comportamentos que não estariam na sua esfera de controle.

Quando a margem de organização do trabalho permite, os motociclistas profissionais tentam cumprir os objetivos estabelecidos pelo setor, sustentando-se nas redes sociais solidárias, no planejamento das rotas, no controle temporal das tarefas, nas negociações das demandas de serviço com chefias e clientes.

A realidade vivida pela categoria constitui uma exigência social passível de transformação, não determinada pela característica intrínseca da profissão ou do perfil do trabalhador. Tal fato contradiz a percepção negativa da sociedade e dos expertsem segurança a respeito dos motociclistas profissionais.

Conclusão

A rede de prestação de serviços que conecta as unidades fabris, as instituições públicas e de serviços e o cliente, que traduz em seu comportamento apressado a lógica de produzir mais em menor tempo em um mercado competitivo, são fatores explicativos das condições geradoras de acidentes que envolvem motociclistas profissionais.

A existência de bolsões de desempregados facilita a implementação da lógica de reduzir tempo e encurtar espaços, pois, uma vez fragilizados pela política desfavorável de emprego, submetem-se a margens estreitas para cumprir as metas almejadas, restando como um dos domínios possíveis a capacidade de driblar sobre duas rodas as intempéries meteorológicas e organizacionais da vida nas cidades.

O número crescente de motociclistas profissionais, os riscos de acidentes que eles vivenciam rotineiramente e os dados aqui apresentados colocam em xeque as tradicionais políticas públicas praticadas e as propostas de intervenção formuladas pelos atores sociais envolvidos com a questão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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