Introdução
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo já tiveram contato com o vírus da hepatite B (VHB), das quais 325 milhões já são consideradas pacientes crônicos. As taxas de prevalência da hepatite B, em âmbito mundial, variam de 0,1% a taxas superiores a 30% (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006).
No Brasil, em inquérito parcial realizado nas capitais de algumas regiões do país, o percentual de prevalência para hepatite B em população não vacinada foi de 0,19% para região Nordeste, de 0,47% na região Centro-Oeste e de 0,60% no Distrito Federal (PEREIRA et al., 2009).
Diante desses dados, tem-se como ponto de partida que qualquer pessoa está sujeita a contrair o VHB, porém alguns grupos estão mais expostos ao vírus devido a circunstâncias, comportamentos e atividades profissionais que exercem. De acordo com Soriano et al. (2008), os profissionais de saúde estão incluídos nos grupos de risco, devido ao inter-relacionamento frequente entre os pacientes, bem como à manipulação de sangue e outros fluidos corporais contaminados com o vírus que representam acentuados fatores de risco de contágio.
De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010), anualmente ocorrem aproximadamente 3 milhões de exposições percutâneas entre os 35 milhões de profissionais da saúde de todo o mundo. Estima-se que esses acidentes resultem em 15 mil infecções pelo vírus da hepatite C (VHC), 70 mil pelo vírus da hepatite B (VHB) e 500 pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Entre as categorias profissionais mais susceptíveis estão, entre outros, os profissionais de Enfermagem, de hemodiálise, de endoscopia digestiva, de análises clínicas, Cirurgiões e Dentistas.
Dentro dessa perspectiva, uma das formas de prevenção mais utilizadas contra o VHB é a vacina, que foi considerada o maior avanço no controle da doença, eficaz na redução da sua incidência e do carcinoma hepatocelular. Sua utilização data desde o início do ano de 1980 (ATKINSON et al., 2002).
Outras medidas de precaução padrão no ambiente hospitalar incluem o uso de Equipamento de Proteção Coletiva (EPC), os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), lavagem das mãos e o manejo adequado de resíduos sólidos. Os EPCs visam a proteção de forma coletiva, eles estão relacionados ao ambiente físico do trabalho, que pode compreender uma ação, dispositivo, sinalização, imagem, som, instrumento ou maquinário destinado a proteção de uma ou mais pessoas. Quando essas medidas coletivas não são suficientes para a segurança adequada do trabalhador, o empregador deve oferecer outras formas de segurança, que incluem os EPIs (BRASIL, 2004).
Estudo aponta que são inúmeros os benefícios da utilização adequada dos dispositivos de segurança no ambiente hospitalar tais como: maior produtividade, diminuição do absenteísmo, redução dos gastos hospitalares (BALSAMO; FELLI, 2006). Entretanto, a utilização inadequada dos EPIs não colabora no processo de prevenção da exposição ocupacional a material biológico (BERTI; MOIMAZ; AYRES, 2003).
O interesse pelo tema surgiu pela vivência em uma instituição hospitalar da rede pública do estado do Piauí na qual profissionais de Enfermagem, diante de uma exposição acidental, recusaram-se a procurar os serviços de vigilância da instituição muitas vezes por medo ou por não dimensionarem as consequências negativas dos acidentes ocupacionais.
Diante da magnitude da hepatite B e da complexidade que envolve a saúde do trabalhador de saúde, os objetivos deste trabalho foram analisar a ocorrência de acidentes perfurocortantes e as medidas preventivas associadas à exposição ao vírus da hepatite B entre profissionais de Enfermagem nos serviços de urgência e emergência em Teresina, Piauí.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal analítico, realizado nos cinco hospitais da Fundação Municipal de Saúde (FMS), situados nas zonas sul, sudeste, norte e leste de Teresina, PI, os quais prestam serviços de urgência e emergência no atendimento à população. A pesquisa foi composta pelo universo de profissionais de Enfermagem apenas dos serviços de urgência e emergência (n = 360), distribuídos em três categorias: Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares. Os critérios de exclusão foram o não consentimento na participação no estudo, encontrar-se de férias ou licença no período da coleta. Obteve-se o total de 317 profissionais de Enfermagem.
Após a autorização da Fundação Municipal de Saúde e do Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade Federal do Piauí – UFPI (CAAE nº. 0163.0.045.000-08), foi realizada a coleta de dados nos cinco hospitais, no período de março a maio de 2010. Aplicou-se uma entrevista verbal, realizada por uma mesma pessoa, em sala reservada de cada hospital, nos períodos matutino e noturno, respeitando-se a escala de plantão e as atividades laborais dos sujeitos do estudo. Foi aplicado um formulário com questões predominantemente fechadas relacionadas às características sócio-epidemiológicas dos participantes da pesquisa, riscos relacionados à exposição pelo trabalho ao vírus da hepatite B e a situação vacinal. Os sujeitos convidados a participar da pesquisa foram informados sobre o tema e, após a explanação, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido com os objetivos da pesquisa e as garantias de sigilo acerca das informações prestadas.
As variáveis levantadas foram: idade, sexo, situação conjugal, categoria profissional, tempo de profissão e de atividade nos serviços de urgência e emergência, já haver sofrido acidente ocupacional perfurocortante, tipo de instrumento envolvido no acidente ocupacional, notificação do acidente ocupacional, medidas profiláticas pós-exposição, uso de EPI, número de doses de vacina recebida contra hepatite B.
Para a análise dos dados, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Science (SPSS) 17.0, o qual foi empregado para gerar análises univariadas e bivariadas. A análise univariada foi realizada por meio do cálculo de estatísticas descritivas das variáveis relacionadas à descrição da amostra, ocorrência de acidentes ocupacionais, respectivas medidas profiláticas, uso de EPIs e estado vacinal.
Para a realização das análises bivariadas calculou-se o Qui-quadrado de Pearson (χ2), com o propósito de identificar possíveis associações entre a ocorrência dos acidentes ocupacionais com cada variável independente. A hipótese nula foi rejeitada quando o valor de p foi menor ou igual a 0,05. Os modelos de regressão logística foram empregados para determinar o risco de sofrer ou não um acidente ocupacional relacionado às variáveis categoria profissional, tempo de profissão e tempo de atividade no setor de urgência e emergência através do cálculo da RC (Razão de Chances) em um Intervalo de Confiança (IC) de 95%.
Como o teste de Qui-quadrado não relaciona o tamanho do efeito da associação, utilizou-se o coeficiente V de Cramer, que é uma medida do grau de associação entre duas variáveis categóricas, no qual o efeito da associação é considerado pequeno quando r = 0,1, médio quando r = 0,3 e grande quando r = 0,5 (FIELD, 2009).
Resultados
Dos 317 profissionais que participaram do estudo, 121 (38,2%) estavam na faixa etária de 41 a 50 anos, com uma idade média de 43,5 anos (desvio padrão: 10,2) e amplitude variando de 20 a 68 anos. Quanto ao sexo, predominou o feminino, com 229 (72,2%), e, em relação à situação conjugal, 173 (54,6%) eram casados. Na variável categoria profissional, os Técnicos de Enfermagem eram 190 (59,9%), seguido dos Auxiliares de Enfermagem, 83 (26,2%), e Enfermeiros, 44 (13,9%). Com relação ao tempo de trabalho no serviço de urgência e emergência, 80,8% tinham até 20 anos no setor, sendo a média de 11 anos.
Quanto à ocorrência de acidentes de trabalho, identificou-se que, dos 317 profissionais envolvidos na pesquisa, 152 (47,9%) relataram haver sofrido algum tipo de acidente ocupacional com perfurocortantes. Dentre os tipos de instrumentos causadores de acidentes, o acidente com agulha foi o que mais se destacou (77,0%) e, dentre as categorias profissionais estudadas, a de Técnico de Enfermagem foi a que teve a maior proporção de acidentes com esse instrumento (81,0%). Observou-se, ainda, que Técnicos, Auxiliares e Enfermeiros apresentaram resultados expressivos quanto a não notificação do acidente (67,0%, 70,0% e 75,0%, respectivamente), o que também foi observado em relação à não adoção de medidas profiláticas pós-exposição ao acidente perfurocoartante (85,0%, 85,0% e 83,0%, respectivamente) (Tabela 1).
Tabela 1 Instrumento causador, notificação do acidente e medidas profiláticas pós-exposição entre profissionais de Enfermagem acidentados com perfurocortantes em serviços de urgência e emergência, Teresina, PI, 2010
Variáveis | Categoria profissional | |||
---|---|---|---|---|
Auxiliar de Enfermagem n (%) | Técnico em Enfermagem n (%) | Enfermeiro n (%) | Total n (%) | |
Instrumento causador do acidente (N = 152) | ||||
Agulha | 27 (67,5) | 81 (81,0) | 9 (75,0) | 117 (77,0) |
Jelco | 2 (5,0) | 6 (6,0) | 0 (0,0) | 8 (5,2) |
Scalp | 6 (15,0) | 10 (10,0) | 3 (25,0) | 19 (12,5) |
Bisturi | 5 (12,5) | 3 (3,0) | 0 (0,0) | 8 (5,3) |
Notificação do acidente (N = 152) | ||||
Sim | 12 (30,0) | 33 (33,0) | 3 (25,0) | 48 (31,6) |
Não | 28 (70,0) | 67 (67,0) | 9 (75,0) | 104 (68,4) |
Medidas profiláticas
pós-exposição (N = 152) |
||||
Sem profilaxia | 34 (85,0) | 85 (85,0) | 10 (83,3) | 129 (84,9) |
Lavou o local | 5 (12,5) | 6 (6,0) | 1 (8,3) | 12 (7,9) |
Exame | 0 (0,0) | 2 (2,0) | 0 (0,0) | 2 (1,3) |
Vacina | 1 (2,5) | 4 (4,0) | 1 (8,3) | 6 (3,9) |
AZT | 0 (0,0) | 2 (2,0) | 0 (0,0) | 2 (1,3) |
Antibiótico |
0 (0,0) |
1 (1,0) |
0 (0,0) |
1 (0,7) |
|
|
|
|
|
Total | 40 (100,0) | 100 (100,0) | 12 (100,0) | 152 (100,0) |
Quando foram questionados sobre quais EPIs eram mais utilizados como medida de proteção contra acidentes ocupacionais perfurocortantes, os profissionais referiram o uso de luvas: Enfermeiros, 97,7%; Técnicos, 87,9%; e Auxiliares, 88,0%. Os óculos foram os menos utilizados em todas as categorias (Tabela 2).
Tabela 2 Utilização de EPIs por profissionais de Enfermagem de serviços de urgência e emergência, Teresina, PI, 2010
Categoria profissional | |||
---|---|---|---|
EPI* | Auxiliar de Enfermagem (n = 83) | Técnico em Enfermagem (n = 190) | Enfermeiro (n = 44) |
n (%) | n (%) | n (%) | |
Óculos | 21 (25,3) | 21 (11,1) | 8 (18,2) |
Luvas | 73 (88,0) | 167 (87,9) | 43 (97,7) |
Jaleco | 50 (60,2) | 132 (69,5) | 39 (88,6) |
Gorro | 37 (44,6) | 71 (37,4) | 16 (36,4) |
Propés | 25 (30,1) | 44 (23,2) | 11 (25,0) |
Máscara | 69 (83,1) | 155 (81,6) | 42 (95,5) |
*Resposta múltipla
Foi realizada uma análise multivariada entre a ocorrência de acidentes perfurocortantes e as variáveis categoria profissional, tempo de profissão e tempo de profissão e atividade no setor de urgência e emergência (Tabela 3). Observou-se que houve associação estatisticamente significativa (p = 0,01) entre a ocorrência dos acidentes perfurocortantes e a variável categoria profissional e com tempo de profissão. Os profissionais de nível médio foram os que mais sofreram acidentes de trabalho, 48,2% do total dos Auxiliares e 52,6% dos Técnicos de Enfermagem, enquanto que, dentre os Enfermeiros apenas 27,3% sofreram algum tipo de acidente. Em relação ao tempo de profissão houve predominância de acidentes entre os profissionais com mais de 20 anos de profissão (55,3%). Calculado a RC em um IC de 95%, verificou-se que a chance de um profissional de nível médio (Auxiliares e Técnicos de Enfermagem) sofrer um acidente ocupacional perfurocortante é de 2,8 (1,38-5,67) vezes maior que um profissional de nível superior (Enfermeiros) e os profissionais com tempo de profissão até 20 anos apresentaram uma RC de 0,58 (0,37-0,91) de sofrer uma exposição ocupacional em relação aos com mais de 20 anos. Não houve associação estatisticamente significativa entre a ocorrência de acidentes ocupacionais com o tempo de trabalho no setor de urgência e emergência e a razão de chances de ocorrer um acidente nesses locais de trabalho foi de 0,86 (0,49-1,51).
Tabela 3 Associação entre a ocorrência de acidente perfurocortante e as variáveis categoria profissional, tempo de profissão e de atividade no setor de urgência e emergência, Teresina, PI, 2010
Acidente perfurocortante | ||||||||
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Variáveis | Sofreu | Não sofreu | χ2 | p-valor | RC* (IC 95%)** | |||
n (%) | n (%) | |||||||
Categoria profissional (N = 317) | ||||||||
Auxiliar de Enfermagem* | 40 (48,2) | 43 (51,8) | 9,208 | 0,01 | 2,80 (1,38-5,67) | |||
Técnico em Enfermagem* | 100 (52,6) | 90 (47,4) | ||||||
Enfermeiro | 12 (27,3) | 32 (72,7) | 1,00 | |||||
Tempo de profissão (N = 317) | ||||||||
Até 20 anos | 74 (42,0) | 102 (58,0) | 5,526 | 0,01 | 0,58 (0,37-0,91) | |||
21 a 42 anos | 78 (55,3) | 63 (44,7) | 1,00 | |||||
Tempo de trabalho em urgência e emergência (N = 317) | ||||||||
Até 20 anos | 121 (47,3) | 135 (52,7) | 0,249 | 0,61 | 0,86 (0,49-1,51) | |||
21 a 42 anos | 31 (50,8) | 30 (49,2) | 1,00 |
*Para o cálculo da Razão de Chances agruparam-se as categorias por nível de escolaridade, no caso, nível médio
**IC: Intervalo de confiança
A situação vacinal da população do estudo contra hepatite B, segundo a categoria profissional, demonstrou que os Enfermeiros apresentaram o maior percentual de esquema vacinal completo (70,5%), seguidos dos Técnicos (48,4%) e Auxiliares (47,0%). A associação estatisticamente significativa entre a variável número de doses da vacina e categoria profissional (p = 0,04) mostrou uma maior frequência de imunizados nos profissionais de nível superior completo e um grau da associação de efeito moderado (r = 0,32) (Tabela 4).
Tabela 4 Situação vacinal contra hepatite B entre profissionais de Enfermagem de serviços de urgência e emergência,Teresina, PI, 2010
Categoria profissional | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
N° de doses | Auxiliar de Enfermagem | Técnico em Enfermagem | Enfermeiro | Total | p-valor | V de Cramer |
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |||
Não foi vacinado | 5 (6,0) | 17 (8,9) | 1 (2,3) | 23 (7,3) | 0,04 | 0,32 |
1 dose | 10 (12,0) | 24 (12,6) | 3 (6,8) | 37 (11,7) | ||
2 doses | 16 (19,3) | 41 (21,6) | 9 (20,4) | 66 (20,8) | ||
3 doses | 39 (47,0) | 92 (48,4) | 31 (70,5) | 162 (51,1) | ||
Não lembra |
13 (15,7) |
16 (8,4) |
- |
29 (9,1) |
|
|
Total | 83 (100,0) | 190 (100,0) | 44 (100,0) | 317 (100,0) |
Discussão
Para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a), os ferimentos com agulhas e outros materiais perfurocortantes, em geral, são considerados extremamente perigosos por serem potencialmente capazes de transmitir mais de 20 tipos de patógenos diferentes, sendo o vírus da imunodeficiência humana (HIV), o da hepatite B e o da hepatite C os agentes infecciosos mais comumente envolvidos.
Os profissionais da área da saúde possuem um risco maior de adquirir infecção por hepatite B, hepatite C e HIV quando comparados à população geral (MONTEIRO; BENATTI; RODRIGUES, 2009; MANETTI et al., 2006; SCHNEIDER, 1994). De acordo com pesquisa realizada por Mast et al. (2006), em acidentes perfurocortantes envolvendo pacientes infectados pelo VHB e com presença do HBeAg (marcador que indica replicação do vírus), o risco de contrair hepatite B varia de 22,0% a 31,0%.
Os resultados encontrados neste estudo sobre os acidentes ocupacionais (47,9%) são semelhantes aos encontrados em pesquisa realizada por Rosato e Ferreira (2012) em hospitais da cidade de Santa Rosa, RS, no qual se identificou um percentual de (40,5%) de profissionais de saúde que sofreram algum tipo de acidente ocupacional perfurocortante.
Os acidentes de trabalho que ocorrem com os profissionais de saúde derivam de fatores complexos e têm sido objeto de muitos estudos na área da Enfermagem, não apenas de forma isolada, casual, ou como um evento particular, mas através da análise do contexto do trabalho em que esses sujeitos estão inseridos, das condições de vida e da estreita relação profissional-paciente-equipe (SÊCCO; GUTIERREZ; MATSUO, 2003). Quando comparada às outras categorias profissionais, Ribeiro e Shimizu (2007), Balsamo e Felli (2006), Pinho, Rodrigues e Gomes (2007) são unânimes em afirmar que a equipe de Enfermagem sofre acidentes com maior frequência no ambiente hospitalar.
Segundo Pinheiro e Zeitoune (2008), a formação do profissional de saúde ainda é voltada para o tecnicismo, persistindo uma lacuna entre o cuidado do paciente e o autocuidado do cuidador, dificultando a promoção da saúde do trabalhador de saúde.
Outro agravante é a falta de notificação dos acidentes ocupacionais, pois a subnotificação tornou-se uma prática comum nas instituições de saúde e o número de casos ocorridos é muito superior aos que são notificados (HENNINGTON; MONTEIRO, 2006). Nesta pesquisa, os dados das três categorias, Técnicos, Auxiliares e Enfermeiros, reforçam resultados semelhantes quanto à não notificação dos acidentes (67,0%, 70,0% e 75,0%, respectivamente). Os fatores referidos pelos investigados para justificar a subnotificação foram a falta de tempo, o desconhecimento sobre a que profissional recorrer, o desconhecimento sobre a ficha de notificação e o medo de notificar.
A subnotificação também é encontrada no cenário mundial. Uma pesquisa de Bilski (2005) demonstrou que, da maioria das exposições sofridas com agulhas por trabalhadores de Enfermagem, (50,1%) foram relatadas verbalmente a um profissional de nível superior (Médico ou Enfermeiro). Para reafirmar essa situação, aponta-se o estudo de Ayranci e Kosgeroglu (2004), o qual demonstrou que dos 988 profissionais de saúde estudados em um hospital da Turquia, 634 haviam sido expostos a sangue e fluidos corporais pelo menos uma vez na sua vida profissional. Desses, 144 não foram notificados e não procuraram dar seguimento à investigação dos acidentes ocupacionais.
Além da notificação, medidas de profilaxia devem ser adotadas, a fim de evitar danos futuros ao profissional. Nesta pesquisa, verificou-se que a maioria dos entrevistados (84,9%) não adotou nenhuma medida profilática pós-exposição diante da ocorrência de um acidente. Segundo o Ministério da Saúde, a adoção de medidas frente a um acidente biológico e com risco para hepatite B vai depender do status sorológico do paciente fonte e dos níveis de Anti-HBs do profissional acidentado. Essas medidas são: cuidados com a área exposta, avaliação e notificação do acidente, orientações e aconselhamento do acidentado, quando necessário, imunoprofilaxia e acompanhamento (BRASIL, 2006a).
Outra forma na prevenção contra os acidentes biológicos entre profissionais de saúde é o uso de EPIs nas atividades laborais. Os resultados aqui encontrados sobre os equipamentos mais utilizados foram semelhantes aos do estudo de Nishide, Benatti e Alexandre (2004) sobre os riscos ocupacionais entre trabalhadores de Enfermagem de uma UTI, em que se constatou que os EPIs utilizados com maior frequência pelos trabalhadores de Enfermagem são as luvas, as máscaras e os aventais. Entretanto, os óculos de proteção nem sempre são utilizados. Neste estudo, os profissionais mencionaram não utilizar os EPIs devido aos seguintes fatores: a instituição de saúde não os oferece ou o faz em quantidade insuficiente (principalmente óculos e gorros), alergia ao látex, maior habilidade das mãos sem luvas, temperatura elevada nas enfermarias e no posto de enfermagem (para justificar especificamente o não uso das máscaras e jalecos) e falta de ar (máscaras).
No que se refere aos serviços de urgência e emergência, os profissionais de Enfermagem que atuam diariamente nesses setores deparam-se com situações que exigem condutas rápidas, o que pode contribuir para a ocorrência de acidentes ocupacionais. De acordo com Pereira (2007), os setores com maior percentual de acidentes ocupacionais com material biológico são as Unidades de Urgência/Emergência (UE), com 28,4%; seguidas do Centro Cirúrgico (CC) e da Central de Material Esterilizado (CME), com 25,5%; das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), com 18,9%; das unidades de internação de adulto, com 14,5%; pediátricas, com 9,18%; e laboratórios, com 3,3%.
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) recomenda a vacinação de todos os profissionais da saúde com risco iminente de contrair a doença. Neste estudo, observou-se que pouco mais da metade (51,1%) dos investigados relatou ter recebido o esquema vacinal completo, muito aquém do recomendado.
De acordo com a OMS, a vacina contra hepatite B passou a ser oferecida pelo SUS a partir da década de 1990 (ARAÚJO, 2005). Entretanto, a vacina produzida pelo Instituto Butantan, encontrada nas Unidades Básicas de Saúde, até o ano de 2008, não tinha indicação para pessoas maiores de 30 anos, em função de produzir menor imunogenicidade (BRASIL, 2006b). Esse fato, provavelmente, dificultou o acesso dos profissionais participantes deste estudo à vacina destinada a sua faixa etária (41 a 50 anos), pois ela só era oferecida no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE).
Entretanto, é importante ressaltar que, desde 2009, a vacina contra hepatite B produzida pelo Instituto Butantan é a utilizada em larga escala nos serviços de atenção básica de saúde e já pode ser indicada para pessoas de qualquer idade, desde que pertencente a algum grupo vulnerável. Ressalta-se que essa vacina tem boa imunogenicidade, com proteção em mais de 90% dos adultos jovens sadios e em mais de 95% em lactentes, crianças e adolescentes (BRASIL, 2006b).
É incontestável a eficácia da vacina quando administrada nas doses recomendadas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI). De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006b), a vacina contra a hepatite B, quando administrada nas três doses (0, 1 e 6 meses), confere imunidade de 90% em adultos, com títulos protetores ≥ 10 mUI/ml. Mas encontrou-se neste estudo uma considerável parcela de profissionais (39,8%) com esquema vacinal incompleto e, ainda, outros que responderam não lembrar de terem recebido alguma dose de vacina (9,1%). Estudos de Silva et al. (2011) e Soriano et al. (2008) reforçam a importância do esquema vacinal completo contra a hepatite B em profissionais de saúde.
Carvalho (2008) enfatiza que a vacina vem sendo utilizada como um meio para interromper a cadeia de transmissão das doenças imunopreveníveis. O ato de vacinar, na sua dimensão individual, resulta em proteção contra determinadas doenças não só do indivíduo vacinado, mas também em proteção da coletividade. Essa atitude, mesmo quando realizada no âmbito das unidades de saúde, toma uma dimensão coletiva, visto ser voltada para indivíduos inseridos em determinado contexto social e em uma realidade epidemiológica específica (ARAÚJO, 2005).
Pesquisa em um hospital universitário em Karachi, no Paquistão, constatou que no universo de 393 profissionais de saúde de todas as categorias, 86,0% de profissionais de saúde estavam completamente vacinados, 12,0% com vacinação incompleta e 2,0% sem nenhuma dose (ALI; JAMAL; QURESHI, 2005).
Kosgeroglu et al. (2004), em pesquisa realizada entre Enfermeiras da Turquia acerca da exposição ocupacional e vacinação contra a hepatite B, revelaram que, das 452 (76%) Enfermeiras que enfrentavam perigos de exposição à infecção, 27,7% (125/452) não eram vacinadas contra o VHB. Pode-se inferir que o Enfermeiro, profissional com maior escolaridade que o Técnico e o Auxiliar de Enfermagem, detém possivelmente, um maior conhecimento sobre a transmissão da doença e, consequentemente, busca a imunização. Os dados dessa pesquisa, porém, divergem dos resultados encontrados por Silva et al. (2003), que revelaram um percentual semelhante de esquema vacinal completo para hepatite B entre Enfermeiros (85,7%) e Técnicos (83,7%).
Como limitação deste estudo destaca-se o fato de alguns profissionais encontrarem-se de férias ou afastados por licença e de outros se recusarem a participar da pesquisa. Entretanto, a perda não comprometeu o seu desenvolvimento, pois foi prevista dentro dos critérios de exclusão.
O trabalho poderá servir de subsídio para outros estudos dentro da vigilância de acidentes ocupacionais em profissionais de Enfermagem, uma vez que esse grupo é o mais vulnerável a acidentes perfurocortantes no ambiente hospitalar. Dessa forma, o desenvolvimento de pesquisas específicas para o grupo populacional estudado contribui para o diagnóstico situacional e a implementação de medidas preventivas para a promoção da saúde do trabalhador.
A hepatite B é uma doença ocupacional de rápida soroconversão, por isso o estado vacinal adequado e a compreensão sobre os riscos no ambiente hospitalar constituem meios para redução das incapacidades oriundas dos acidentes ocupacionais.
Conclusões
A hepatite B é uma doença ocupacional relevante no ambiente de saúde e os profissionais de Enfermagem estão susceptíveis a adquiri-la se medidas de precaução, tanto coletivas quanto individuais, não forem implementadas. Assim, no decorrer da investigação desse tema, constatou-se que os acidentes de trabalho com perfurocortantes atingem quase a metade dos profissionais participantes, cerca de dois terços dos acidentes investigados não são notificados e a maioria dos profissionais estudados não realiza nenhuma medida de profilaxia pós-exposição ocupacional. Sobre o instrumento causador do acidentes, as agulhas são mais frequentes entre as categorias profissionais de Enfermagem e as luvas, o EPI mais referido para uso nas atividades laborais. Quanto à imunoprevenção de acidentes ocupacionais, das três categorias profissionais estudadas, os Auxiliares de Enfermagem apresentaram o maior percentual de esquema vacinal incompleto para hepatite B. Nesse sentido, recomenda-se a ampliação de estratégias de educação continuada, bem como o desenvolvimento de pesquisas dentro da saúde do trabalhador.