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Influência da organização do trabalho sobre a prevalência de transtornos mentais comuns dos agentes comunitários de saúde de Belo Horizonte

Resumo

Introdução:

à medida que se reconhece o papel dos agentes comunitários de saúde (ACS) para os objetivos do sistema de saúde, é evidente a preocupação com a prevalência de sintomas psíquicos entre esses trabalhadores, conclamando a identificação de indicadores passíveis de serem modificados em favor da saúde mental dos ACS.

Objetivo:

examinar associações entre a prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) e condições de trabalho entre ACS inseridos nos serviços de atenção básica de Belo Horizonte, MG.

Método:

a amostra aleatória e representativa incluiu 196 sujeitos. Utilizou-se o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e questionário autopreenchível que continha blocos relacionados às questões sociodemográficas, ocupacionais e hábitos de vida. A análise multivariável adotou entrada hierárquica das variáveis e regressão de Poisson com estimativa da variância robusta.

Resultados:

a prevalência de TMC de 26,5% foi associada à alta demanda psicológica, relato de agressões contra o trabalhador e insatisfação com as relações pessoais.

Conclusão:

a significância da associação no tocante à demanda psicológica no trabalho é preocupante, pois seria possível projetar o trabalho dos ACS sem ultrapassar os seus próprios limites. Adequações do modelo organizacional e redesenho das tarefas podem contribuir favoravelmente para a saúde mental dos ACS.

Palavras-chave:
saúde do trabalhador; saúde mental; agentes comunitários de saúde; transtornos mentais; SRQ-20

Abstract

Introduction:

as the role of community health workers (CHW) is recognized to health system objectives it is clear the concern about prevalence of psychological symptoms among these workers, urging the identification of indicators that can be modified in favor of CHWs' mental health.

Objective:

to examine associations between the prevalence of common mental disorders (CMD) and work conditions among CHWs inserted into the primary health care of the city of Belo Horizonte, state of Minas Gerais, Brazil.

Method:

random and representative sample that included 196 individuals. Data was collected through a Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) and a self-administered questionnaire containing blocks related to sociodemographic questions, occupational and lifestyle habits. Multivariate analysis adopted hierarchical input of variables and Poisson regression with robust variance estimate.

Results:

the prevalence of CMD was 26.5% and it was associated with high job demands, reports of aggression against workers and dissatisfaction with personal relationships.

Conclusion:

the association of significance regarding job demands at work is worrisome because it would be possible to design CHWs' work without having them exceeding their limits. Adequacy of the organizational model and redesign of tasks can contribute positively to CHWs' mental health.

Keywords:
worker's health; mental health; community health workers; mental disorders; SRQ-20

Introdução

Considerável percentual da carga global de doenças (14%) tem sido atribuído aos transtornos neuropsiquiátricos, principalmente aqueles relacionados aos diagnósticos de depressão, transtornos mentais comuns (TMC), ansiedade, uso de substâncias e psicoses11. Prince M, Patel V, Saxena S, Maj M, Maselko J, Phillips MR, et al. No health without mental health. Lancet. 2007;370(9590):859-77.. A prevalência de TMC no grupo dos trabalhadores da área da saúde é alta, conclamando medidas de intervenção22. Dilélio AS, Facchini LA, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Piccini RX, et al. Prevalence of minor psychiatric disorders among primary healthcare workers in the South and Northeast regions of Brazil. Cad Saúde Pública. 2012;28(3):503-14.. Sabe-se, também, dos riscos para os pacientes e usuários dos serviços quando esses trabalhadores apresentam sintomas psicológicos33. Gärtner FR, Nieuwenhuijsen K, van Dijk FJH, Sluiter JK. Impaired work functioning due to common mental disorders in nurses and allied health professionals: the Nurses Work Functioning Questionnaire. Int Arch Occup Environ Health. 2012;85(2):125-38..

TMC são morbidades depressivas ou ansiogênicas que podem englobar sintomas somatoformes44. Goldberg DP, Huxley P. Common mental disorders: a bio-social model. Cambridge: Tavistock/ Routledge; 1992. triados por escalas padronizadas (Self-Reporting Questionnaire, SRQ-20; ou General Health Questionnaire, GHQ)33. Gärtner FR, Nieuwenhuijsen K, van Dijk FJH, Sluiter JK. Impaired work functioning due to common mental disorders in nurses and allied health professionals: the Nurses Work Functioning Questionnaire. Int Arch Occup Environ Health. 2012;85(2):125-38. aplicadas a populações atendidas nos serviços de atenção básica à saúde. Recentemente, tais escalas têm sido utilizadas em inquéritos ocupacionais interessados em aprofundar a interpretação de resultados de estudos sobre os determinantes sociais da saúde mental55. Lahelma E, Laaksonen M, Martikainen P, Rahkonen O, Sarlio-Lähteenkorva S. Multiple measures of socioeconomic circumstances and common mental disorders. Soc Sci Med. 2006;63(5):1383-99.. Elas não servem ao diagnóstico clínico individual, mas aumentam a confiabilidade para a detecção de casos potenciais66. Andreoli SB, Almeida Filho N, Coutinho ESF, Mari JJ. Identificação de casos psiquiátricos em estudos epidemiológicos multifásicos: métodos, problemas e aplicabilidade. Rev Saúde Pública. 2000;34(5):475-483..

Os resultados dos estudos populacionais que utilizaram as escalas estruturadas citadas trouxeram evidências sobre a relação entre as características do trabalho e a ocorrência de transtornos mentais77. Bilsker D. Mental Health Care and the Workplace. Can J Psychiatry. 2006;51(2):61-2.. No âmbito da saúde pública, a detecção de tais relações pode guiar a elaboração de estratégias para melhorar os sistemas de trabalho e facilitar a abordagem dos problemas de saúde mental que lhes são subjacentes33. Gärtner FR, Nieuwenhuijsen K, van Dijk FJH, Sluiter JK. Impaired work functioning due to common mental disorders in nurses and allied health professionals: the Nurses Work Functioning Questionnaire. Int Arch Occup Environ Health. 2012;85(2):125-38..

Está reconhecida a associação positiva entre desemprego e prevalência de TMC88. Butterworth P, Leach LS, Mcmanus S, Stansfeld SA. Common mental disorders, unemployment and psychosocial job quality: is a poor job better than no job at all? Psychol Med. 2013;43(8):1763-72.. Contudo, pesquisas recentes levantaram dados sobre o peso do emprego nas morbidades psiquiátricas: o trabalho pode, de um lado, abrir possibilidades para o desenvolvimento de habilidades e reconhecimento social; por outro, pode gerar estressores substanciais para os trabalhadores99. Marklund S, Bolin M, Von Essen J. Can individual health differences be explained by workplace characteristics? - A multilevel analysis. Soc Sci Med. 2008;66(3):650-62.. Nesse último caso, a precária qualidade do trabalho foi considerada tão prejudicial para a saúde mental quanto o desemprego88. Butterworth P, Leach LS, Mcmanus S, Stansfeld SA. Common mental disorders, unemployment and psychosocial job quality: is a poor job better than no job at all? Psychol Med. 2013;43(8):1763-72..

Em Belo Horizonte, com uma população estimada de 2,5 milhões de habitantes em 20151010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades: Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015 [citado em 2016 abr 8]. Disponível em: Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil. php?lang=&codmun=310620 .
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil....
, o modelo da Estratégia da Saúde da Família (ESF) é fortemente dependente do trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), cuja missão foi ampliada com a implantação do referido modelo. Anteriormente focada no cuidado materno-infantil, a missão encontra-se expandida para os âmbitos da família e da comunidade1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. O trabalho do agente comunitário de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.. A implantação dessa nova prática assistencial cobriu 70% da população, com resultados positivos, principalmente nas áreas mais vulneráveis de Belo Horizonte1212. Mendonça CS, Harzheim E, Duncan BB, Nunes LN, Leyh W. Trends in hospitalizations for primary care sensitive conditions following the implementation of Family Health Teams in Belo Horizonte, Brazil. Health Policy Plan.2012;27(4):348-55..

A missão dos ACS requer autonomia, pois demanda competências técnicas para resolver localmente os problemas encontrados e refletir sobre o contexto no qual são produzidos. São aspectos positivos para a construção da experiência profissional. Soma-se, ainda, a necessidade de conhecimentos arraigados a sua cultura que frequentemente entram em choque com o saber científico1313. Nunes MDO, Trad LB, Almeida BDA, Homem CR, Melo MCIC. Community-based health workers: building the identity of this hybrid, polyphonic character. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1639-46.. Em suma, o trabalho do ACS nessa posição "híbrida" e "mediadora", sem o suporte necessário (definição e recursos) para a realização dos procedimentos, pode gerar estressores substanciais para os sujeitos.

As tarefas são desenvolvidas prioritariamente naqueles domicílios de áreas de maior risco social, marcadas por situações de miséria intensa. Não seria incorreto supor a existência de tensões cotidianas com possíveis efeitos sobre a saúde mental dos agentes. Eles relatam que temem represálias dos usuários descontentes com o atendimento oferecido e que há ambivalência diante da aproximação de uma residência habitada por cidadãos envolvidos com crimes e drogas, por exemplo. Os riscos ocupacionais foram anteriormente descritos: constantes deslocamentos a pé, exposição às intempéries e às condições de higiene precárias das áreas e domicílios e contato frequente com doenças infecciosas (tuberculose, AIDS, hepatite C)1414. Trindade LL, Gonzales RMB, Beck CLC, Lautert L. Cargas de trabalho entre os agentes comunitários de saúde. Rev Gaúcha Enf. 2007;28(4):473-9..

Vale a pena ressaltar que o ACS habita no território de sua atuação, sendo essa característica um critério para a seleção desse profissional. Assim constituída a missão dos ACS, eles enfrentam situações nas quais as fronteiras trabalho/vida pessoal se tornam tênues, constituindo estressores com os quais terão de lidar na sua vida1414. Trindade LL, Gonzales RMB, Beck CLC, Lautert L. Cargas de trabalho entre os agentes comunitários de saúde. Rev Gaúcha Enf. 2007;28(4):473-9.)-(1515. Lancman S, Ghirardi MIG, Castro ED, Tuacek TA. Repercussões da violência na saúde mental de trabalhadores do Programa Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2009;43(4):682-8.)-(1616. Murofuse NT, Rizzotto MLF, Muzzolon ABF, Nicola AL. Diagnóstico da situação dos trabalhadores em saúde e o processo de formação no polo regional de educação permanente em saúde. Rev latinoam enferm. 2009;17(3):314-20..

Considerando o ambiente ocupacional no qual os ACS desenvolvem suas atividades, assumiu-se a hipótese sobre prevalência aumentada de TMC no referido grupo. Para aprofundar a discussão, investigaram-se associações entre a prevalência de TMC e as condições de trabalho em uma amostra de ACS inseridos nos serviços de atenção básica de Belo Horizonte.

Método

Desenho e amostra do estudo

Este estudo foi baseado nos dados de um inquérito epidemiológico que teve por objetivo identificar as dimensões que envolvem o trabalho e a saúde dos trabalhadores da saúde nos diferentes níveis da atenção de Belo Horizonte (MG), em 2009. A amostra aleatória foi calculada levando-se em conta o número e a proporção dos sujeitos elegíveis de acordo com o distrito sanitário e com a prevalência dos desfechos de interesse, e foi estratificada segundo cada segmento (profissionais de unidades básicas de saúde, de unidades de referência e urgência, gerências distritais e agentes sanitários), respeitando a composição original.

Com base na estimativa de 26,0% para a prevalência de TMC1717. Braga LC, Carvalho LR, Binder MCP. Working conditions and common mental disorder among primary health care workers from Botucatu, São Paulo State. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1585-96., um intervalo de 95% de confiança e precisão de 5%, selecionou-se uma amostra de 247 ACS de um universo de 1.495 trabalhadores. Aqueles que não estavam em exercício por motivo de doença, férias, transferência, aposentadoria ou morte foram substituídos, respeitando-se a área geográfica da unidade de saúde.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, parecer nº 542/07). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi requerido a todos os participantes.

Variáveis estudadas

Empregou-se um questionário autopreenchível, não identificado, composto por quatro blocos: informações sociodemográficas, questões sobre hábitos e estilo de vida, saúde mental e características do trabalho.

Para a avaliação da prevalência de TMC, foi usado o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) na versão adaptada para a língua portuguesa, cujas propriedades psicométricas são adequadas1818. Mari JJ, Willians P. A validity study of a Psychiatric Screening Questionnaire (SRQ-20) in Primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry. 1986;148:23-6.. Os escores variam de zero a vinte somados a partir das respostas afirmativas em cada questão. Definiu-se como ponto de corte, para suspeita de TMC para ambos os sexos, sete ou mais respostas positivas1919. Araújo TM, Aquino E, Menezes G, Santos CO, Aguiar L. Work psychosocial aspects and psychological distress among nurses. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33..

As variáveis explicativas consideradas na análise dos dados foram as seguintes: (1) informações sociodemográficas (sexo, idade, situação conjugal, escolaridade e local de residência); (2) hábitos e estilo de vida (frequência da atividade física, hábitos de fumar e beber, realização de atividades de lazer); (3) características do trabalho (demanda física, aspectos psicossociais do trabalho, apoio social dos colegas e da chefia, treinamento e tempo de trabalho); (4) relato de vivência de agressões sofridas nos últimos 12 meses tanto pelo trabalhador quanto pelo usuário e satisfação com as relações pessoais.

A variável "atividade física" foi construída diante das respostas à pergunta: "Com que frequência por semana você realiza atividades físicas (caminhadas, exercícios, prática de esportes)?", categorizada conforme a escala: 0 = três ou mais vezes, 1 = uma a duas vezes, 2 = nunca.

Quanto ao hábito de fumar, a variável baseou-se na pergunta "considerando como fumante quem já fumou pelo menos 100 cigarros, ou cinco maços, como você se classifica?", com opções de resposta 0 = não fumante, 1 = ex-fumante e 2 = fumante atual2020. Souza RA, Oliveira CL, Lima-Costa MF, Proietti FA. A satisfação com o entorno físico e social e o hábito de fumar cigarros na região metropolitana de Belo Horizonte. Rev bras epidemiol. 2014;17(3):775-86..

O hábito de beber foi avaliado de forma indireta pelo CAGE (acrônimo referente às suas quatro perguntas - cutdown, annoyed by criticism, guilty e eye-opener), instrumento de triagem para detecção do uso problemático de álcool, validado no Brasil2121. Masur J, Monteiro MG. Validation of the "CAGE" alcoholism screening test in a Brazilian psychiatric inpatient hospital setting. Braz J Med Biol Res. 1983;16(3):215-8.. Duas ou mais respostas afirmativas foram adotadas como ponto de corte para definição de caso suspeito de uso problemático de álcool2222. Amaral RAD, Malbergier A. Evaluation of a screening test for alcohol-related problems (CAGE) among employees of the Campus of the University of São Paulo. Rev Bras Psiq. 2004;26(3):156-63..

A demanda física do trabalho foi mensurada por sete perguntas que avaliavam a opinião do trabalhador quanto às características físicas das tarefas. As questões abordavam a adoção de posturas inadequadas, manutenção da postura ortostática ou sentada por longos períodos, necessidade de andar longas distâncias, mobilização de pacientes e ausência de pausa. Todas as perguntas tinham como possíveis respostas 0 = nunca, 1 = raramente, 2 = às vezes e 3 = sempre. Portanto, quanto maior o escore, maior a carga física no trabalho. A variável demanda física foi operacionalizada a partir do somatório dos itens supracitados que foram, em seguida, categorizados pela mediana em baixa demanda física (valores iguais ou abaixo da mediana) e alta demanda física (valores acima da mediana).

Os aspectos psicossociais do trabalho foram aferidos por meio do job content questionnaire (JCQ). O instrumento avalia os domínios de demanda psicológica (exigências psicológicas do trabalho, tais como pressão de tempo, nível de concentração requerida, interrupção das tarefas e necessidade de esperar pelas atividades realizadas por outros trabalhadores), controle sobre o trabalho (uso e desenvolvimento de habilidades e a autoridade para tomada de decisão) e apoio social no trabalho (relações com colegas e chefes)2323. Araújo TMD, Graça CC, Araújo E. Occupational stress and health: contributions of the Demand-Control Model. Ciênc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003.. Os domínios foram analisados separadamente a partir do cálculo das medianas para formar duas categorias para demanda psicológica (alta/baixa), controle sobre o trabalho (alto/baixo) e apoio social no trabalho (alto/baixo).

Estudou-se a ocorrência de agressões sofridas nos últimos 12 meses, tanto pelo trabalhador, quanto pelo usuário. No primeiro caso, a pergunta foi: "Você sofreu alguma agressão nos últimos 12 meses?". Em relação à agressão ao usuário, procedeu-se com a pergunta: "Nos últimos doze meses, houve algum episódio de agressão ou ameaça praticado por seus chefes ou colegas de trabalho a usuários dos serviços?".

Para ambas as questões, as opções de resposta eram 0 = nunca; 1 = uma vez; 2 = algumas vezes; 3 = com frequência. Em caso afirmativo para a primeira pergunta, o respondente foi questionado sobre qual o tipo de agressão (física, psicológica, sexual, verbal/xingamentos, negligência, atos de destruição, outros) e quem praticou a agressão (paciente usuário, esposo, amigo/amiga, pai, mãe, irmão/irmã, vizinho, desconhecido, outros). Para as análises, as respostas foram dicotomizadas em 0 = não e 1 = sim.

Para avaliar a satisfação do trabalhador com suas relações pessoais, questionou-se "o quão o trabalhador estava satisfeito com suas relações pessoais (amigos, parentes, colegas)". Foram dadas cinco opções de resposta, variando de muito insatisfeito a muito satisfeito. Posteriormente, essa variável foi dicotomizada em 0 = satisfeito (satisfeito ou muito satisfeito) e 1 = insatisfeito (abaixo de satisfeito).

Estrutura teórica para a análise dos dados

As premissas descritas embasaram a elaboração do modelo hierárquico apresentado na Figura 1, considerando TMC como variável dependente.

Figura 1
Modelo para análise hierarquizada de TMC e variáveis independentes em agentes comunitários de saúde (ACS) do serviço de atenção básica de Belo Horizonte, MG, 2009

Na primeira etapa, foram incluídas as informações sociodemográficas, as quais dizem respeito às características mais estáveis do indivíduo. Sabe-se que gênero, idade e escolaridade influenciam a posição de cada um na sociedade, conferindo-lhe mais ou menos potencialidades para enfrentar os fatores do ambiente externo2424. Muntaner C, Borrell C, Vanroelen C, Chung H, Benach J, Kim H, et al. Employment relations, social class and health: a review and analysis of conceptual and measurement alternatives. Soc Sci Med. 2010;71(12):2130-40..

Na segunda etapa, foram inseridas as informações sobre os hábitos de vida. Essa estratégia está orientada pelos esclarecimentos de que características sociodemográficas articulam-se aos comportamentos do indivíduo ou de seus grupos no tocante à maneira de interagir com o meio (utilizando substâncias para enfrentar os estressores externos, por exemplo), de escolher ou de adotar práticas específicas (atividade física durante o lazer e alimentação saudável, por exemplo) (22. Dilélio AS, Facchini LA, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Piccini RX, et al. Prevalence of minor psychiatric disorders among primary healthcare workers in the South and Northeast regions of Brazil. Cad Saúde Pública. 2012;28(3):503-14..

Na terceira etapa, foram incluídas as informações sobre trabalho. Estão bem esclarecidas as influências das demandas físicas, psicossociais e organizacionais sobre as morbidades identificadas em grupos de trabalhadores da atenção básica à saúde2525. Garcia LP, Höfelmann DA, Facchini LA. Self-rated health and working conditions among workers from primary health care centers in Brazil. Cad Saúde Pública. 2010;26:971-80.. Os diferenciais de saúde de grupos específicos têm origem nas especificidades relacionadas às condições que os indivíduos encontram para trabalhar2626. Lahelma E, Laaksonen M, Aittomäki A. Occupational class inequalities in health across employment sectors: the contribution of working conditions. Int Arch Occup Environ Health. 2009;82(2):185-90.. Tais condições consistem nas circunstâncias em que o trabalho é realizado e dizem respeito à exposição aos riscos físicos, químicos, mecânicos (que provocam acidentes e demandam esforços musculoesqueléticos intensos) e biológicos. Citam-se como agravantes os danos da hipersolicitação das capacidades humanas no trabalho - efeitos oriundos do sistema técnico-organizacional e conhecidos como fatores ligados à organização do trabalho2727. Telles SH, Pimenta AMC. Síndrome de Burnout em ACS e estratégias de enfrentamento. Saúde Soc. 2009;18(3):467-78..

O relato de vivência de agressões e satisfação com relações pessoais compuseram a quarta etapa da construção do modelo hierárquico. A associação entre TMC e eventos violentos, entre eles as agressões, foi descrita em estudos que abordaram tanto a população em geral2828. Santos EG, Siqueira MM. Prevalência dos transtornos mentais na população adulta brasileira: uma revisão sistemática de 1997 a 2009. J Bras Psiquiatr. 2010;59(3):238-46. quanto grupos ocupacionais de ACS2929. Silva ATC, Menezes PR. Burnout syndrome and common mental disorders among community-based health agents. Rev Saúde Pública. 2008;42(5):921-9..

Análise dos dados

Para análise estatística foi utilizado o software Stata 12.0. Inicialmente foi feita análise descritiva das distribuições, verificação da consistência dos dados e categorização de variáveis contínuas ou discretas. Para examinar os fatores associados aos relatos compatíveis com TMC, realizou-se análise univariável com estimativas de razões de prevalência com cálculo dos respectivos intervalos de confiança. Empregou-se a regressão de Poisson com variância robusta, sendo inseridas no modelo multivariável as variáveis que apresentaram significância estatística de 20% (p<0,20).

Para a estatística multivariável, foi adotada a entrada hierárquica das variáveis. Nesse modelo, cada bloco de variáveis independentes entra na equação de regressão em passos separados, ou seja, o modelo teórico determina a ordem temporal da inclusão das variáveis. As variáveis dos blocos mais distais permaneceram como fatores de ajuste para as os blocos hierarquicamente inferiores. Assim, a contribuição específica de um bloco de variáveis ou uma variável em particular pode ser determinada em relação aos efeitos das variáveis introduzidas anteriormente3030. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7.. As variáveis que não estavam significativamente associadas ao TMC eram excluídas antes da entrada do próximo bloco de variáveis e o modelo final contém apenas os fatores que permaneceram associados em nível de α=0,05.

Testes de multicolinearidade foram realizados entre as variáveis independentes que permaneceram no modelo final. Considerou-se multicolinearidade elevada quando, simultaneamente, se observasse um condition index maior que 30, se um componente contribuísse em 90,0% ou mais para a variância de duas ou mais variáveis e se verificasse uma tolerância inferior a 0,1 (variance inflation factor - VIF), menor do que 103131. Martins, AMEB, Barreto SM, Pordeus IA. Objective and subjective factors related to self-rated oral health among the elderly. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):421-35..

Resultados

Preencheram adequadamente as questões do SRQ-20 um total de 196 ACS pertencentes ao conjunto de 247 sorteados após o cálculo amostral (taxa de resposta igual a 79,4%). Encontrou-se prevalência de TMC de 26,5%.

A Tabela 1 apresenta a descrição completa da amostra.

Tabela 1
Número de observações e frequências segundo as variáveis analisadas em Agentes Comunitários de Saúde (ACS) do serviço de atenção básica de Belo Horizonte, MG, 2009

A maioria dos participantes era do sexo feminino (89,3%), com média de idade de 38 anos (desvio padrão [DP] = 10,1 anos), faixa etária inferior a 30 anos (29,6%), união estável (52,1%), escolaridade do ensino médio ou superior (90,3%), com um a três filhos (88,4%). A renda individual mensal foi de R$ 496,57 (DP = R$ 18,7) em média, equivalente a um salário mínimo na época. Cerca de 44,4% dos ACS moravam na microrregião de trabalho (Tabela 1).

Em relação aos comportamentos saudáveis, 28,1% praticavam atividade física uma ou duas vezes por semana, enquanto 20,4% afirmaram adotar tal prática três ou mais vezes por semana. A maioria dos ACS se declarou não fumante (67,9%). De acordo com o CAGE, a maioria (95,9%) não faz uso problemático de álcool. Predominaram os trabalhadores com relato de atividades de lazer em seu horário de folga (65,8%) (Tabela 1).

As atividades dos ACS demandaram esforços físicos, com destaque para os deslocamentos a pé por longas distâncias (98,1%). As posturas inadequadas foram informadas por 82,3% dos entrevistados.

A proporção de ACS no extrato de alta demanda psicológica foi elevada (32,7%), contrastando com o percentual igualmente elevado de trabalhadores com baixo controle (62,7%) e baixo apoio social no trabalho (41,8%). Quanto ao tempo de trabalho na função de ACS, encontrou-se média de 70,0 meses, sendo que 83,7% foram treinados para a função exercida. Quanto às agressões vivenciadas, 14,8% dos respondentes relataram sofrer agressão durante o trabalho, sendo episódios de xingamentos (80,0%) proferidos pelo paciente/usuário do sistema (60%) em sua maioria. Um total de 16,8% dos ACS relatou agressões contra usuários do serviço. Aproximadamente 16,3% dos ACS estavam insatisfeitos com as relações pessoais no trabalho (Tabela 1).

A Tabela 2 mostra a frequência e análise univariável da prevalência de TMC de acordo com as variáveis explicativas. Observaram-se maiores prevalências de TMC entre os respondentes do sexo feminino, que referiram insatisfação com as relações pessoais, e aqueles que relataram experiências com agressões e alta demanda psicológica na realização das tarefas.

Tabela 2
Prevalência de Transtornos Mentais Comuns (TMC) segundo as variáveis analisadas em agentes comunitários de saúde (ACS) do serviço de atenção básica de Belo Horizonte, MG, 2009

Os fatores significativamente associados com TMC (p<0,20) na análise univariável foram incluídos na análise multivariável (Tabela 2). A prevalência de TMC foi associada a sexo, idade, estado civil e hábito de fumar. Quanto às variáveis relacionadas às condições de trabalho, TMC se associou à demanda psicológica no trabalho e ausência de treinamento. Vivência de agressões contra o trabalhador e usuários e insatisfação com as relações pessoais também se associaram ao desfecho.

Na análise multivariável, utilizando regressão de Poisson com estimação de variância robusta (Tabela 3), nenhuma variável relacionada às características individuais e estilos de vida permaneceu no modelo. Quanto às condições de trabalho, a única variável que se manteve significativamente associada ao desfecho foi a demanda psicológica. Vivência de agressões contra o trabalhador e insatisfação com as relações pessoais também permaneceram no modelo (p<0,05). Por fim, a suposição de multicolinearidade entre as variáveis independentes foi testada e não houve violação desse pressuposto.

Tabela 3
Análise multivariável dos fatores associados ao transtorno mental comum (TMC) em agentes comunitários de saúde (ACS) do serviço de atenção básica de Belo Horizonte, MG, 2009

Discussão

Esta pesquisa focou a prevalência de TMC, de acordo com os resultados do SRQ-20, no grupo de ACS dos serviços de atenção básica de Belo Horizonte (MG). Chama atenção a associação significativa com demanda psicológica das tarefas, vivência de agressões e insatisfação com as relações pessoais. Contrariamente ao esperado, nenhuma variável sociodemográfica ou estilo de vida se manteve no modelo final.

A prevalência de TMC foi superior aos resultados obtidos no grupo de ACS estudados nas regiões Sul e Nordeste22. Dilélio AS, Facchini LA, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Piccini RX, et al. Prevalence of minor psychiatric disorders among primary healthcare workers in the South and Northeast regions of Brazil. Cad Saúde Pública. 2012;28(3):503-14., mas inferior à prevalência observada em Botucatu1717. Braga LC, Carvalho LR, Binder MCP. Working conditions and common mental disorder among primary health care workers from Botucatu, São Paulo State. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1585-96. e em São Paulo2929. Silva ATC, Menezes PR. Burnout syndrome and common mental disorders among community-based health agents. Rev Saúde Pública. 2008;42(5):921-9.. Opções metodológicas dos autores22. Dilélio AS, Facchini LA, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Piccini RX, et al. Prevalence of minor psychiatric disorders among primary healthcare workers in the South and Northeast regions of Brazil. Cad Saúde Pública. 2012;28(3):503-14.),(3131. Martins, AMEB, Barreto SM, Pordeus IA. Objective and subjective factors related to self-rated oral health among the elderly. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):421-35. explicam, ao menos em parte, os resultados díspares, pois somente o último estudo usou ponto de corte idêntico ao nosso para interpretar o SRQ-20.

A constatação de que a maioria dos profissionais estava exposta a altas demandas psicológicas no trabalho converge para a literatura específica1717. Braga LC, Carvalho LR, Binder MCP. Working conditions and common mental disorder among primary health care workers from Botucatu, São Paulo State. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1585-96.. Sabe-se que o exercício da profissão nos serviços de saúde é caracterizado por demandas psíquicas das tarefas que exigem responsabilidade, decisão sob pressão temporal e contato com situações agudas de estresse3232. Tomasi E, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DSD, Siqueira FV, et al. Epidemiological and socio-demographic profile of primary care workers in the South and Northeast of Brazil. Cad Saúde Pública. 2008;24 Suppl 1:s193-s201.. É convergente também com investigações que demonstraram o efeito de altas demandas psicológicas sobre sofrimento psíquico e sintomas depressivos1919. Araújo TM, Aquino E, Menezes G, Santos CO, Aguiar L. Work psychosocial aspects and psychological distress among nurses. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33., ambos processos captados pelo SRQ-20. Tal efeito se manifesta por sentimentos de insatisfação e desânimo que, somados ao estado de cansaço ou fadiga, tornam-se importantes fatores de desgaste mental1414. Trindade LL, Gonzales RMB, Beck CLC, Lautert L. Cargas de trabalho entre os agentes comunitários de saúde. Rev Gaúcha Enf. 2007;28(4):473-9.. Em suma, é possível que a demanda psicológica no trabalho dos ACS seja fator de risco para TMC33. Gärtner FR, Nieuwenhuijsen K, van Dijk FJH, Sluiter JK. Impaired work functioning due to common mental disorders in nurses and allied health professionals: the Nurses Work Functioning Questionnaire. Int Arch Occup Environ Health. 2012;85(2):125-38.),(77. Bilsker D. Mental Health Care and the Workplace. Can J Psychiatry. 2006;51(2):61-2..

A associação significativamente positiva entre vivência de agressões e TMC é consistente1313. Nunes MDO, Trad LB, Almeida BDA, Homem CR, Melo MCIC. Community-based health workers: building the identity of this hybrid, polyphonic character. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1639-46.),(3333. Resende MCD, Azevedo EGS, Lourenço LR, Faria LDS, Alves NF, Farina NP, et al. Mental health and anxiety in community health agents in Uberlândia (MG, Brazil). Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(4):2115-22.. A existência de tais atos violentos é uma dimensão do estresse ocupacional e perturba a necessária colaboração que o trabalho em saúde requer, principalmente no âmbito da atenção básica1717. Braga LC, Carvalho LR, Binder MCP. Working conditions and common mental disorder among primary health care workers from Botucatu, São Paulo State. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1585-96.. Efeitos psicológicos negativos, como é o caso dos TMC, são preditores de pior situação de saúde dos sujeitos3434. Herrman H, Saxena S, Moodie R. Promoting mental health: concepts, emerging evidence, practice: a report of the World Health Organization, Department of Mental Health and Substance Abuse in collaboration with the Victorian Health Promotion Foundation and the University of Melbourne. Geneva: World Health Organization; 2005..

O fato de o ACS morar ou não na microrregião onde trabalha não influenciou, de forma inesperada, a prevalência de TMC. Estudos futuros poderão subsidiar informações relevantes a respeito dessa temática.

Controle e apoio social no trabalho não se associaram à ocorrência de TMC, divergindo da literatura. Possivelmente, variáveis latentes não capturadas pelo inquérito expliquem tal resultado. Autonomia está associada à saúde dos sujeitos3535. Kaikkonen R, Rahkonen O, Lallukka T, Lahelma E. Physical and psychosocial working conditions as explanations for occupational class inequalities in self-rated health. Eur J Public Health. 2009;19(5):458-63., mas não foi associada aos efeitos negativos de alta demanda sobre a saúde mental dos ACS da rede básica de saúde de São Paulo1717. Braga LC, Carvalho LR, Binder MCP. Working conditions and common mental disorder among primary health care workers from Botucatu, São Paulo State. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1585-96..

O papel do ACS no contexto da ESF merece destaque. A dinâmica laboral dos ACS é fundamental para o acompanhamento dos usuários do serviço à saúde, uma vez que age como elo entre as equipes de saúde e a população3636. Barros MMM, Chagas MIO, Dias MSA. Knowledge and practices of the community health agent in the universe of mental disorder. Ciên Saúde Coletiva. 2009;14(1):227-32.. O campo de atuação desse profissional focaliza um hiato entre o saber científico e o construído pela experiência, reduzindo as fronteiras entre o usuário e a equipe de saúde.

Entretanto, pode haver exigência paradoxal para o ACS à medida que a comunidade o inscreve em uma relação predominantemente pessoal, e a equipe de saúde espera dele uma prática mais técnica e pedagógica. A responsabilidade exigida pode, por exemplo, gerar ansiedade quando os ACS comparam o seu conhecimento e rendimentos com o de outros profissionais da equipe. É possível que tais contradições sejam de fato uma expressão do processo de construção da identidade profissional desse grupo, refletindo em insegurança ou dificuldades de tomada de decisão pelo ACS diante dos dilemas da comunidade e da própria equipe1313. Nunes MDO, Trad LB, Almeida BDA, Homem CR, Melo MCIC. Community-based health workers: building the identity of this hybrid, polyphonic character. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1639-46..

Nenhuma característica sociodemográfica ou estilo de vida se associou a ocorrência de TMC. Resultados similares constam da literatura1717. Braga LC, Carvalho LR, Binder MCP. Working conditions and common mental disorder among primary health care workers from Botucatu, São Paulo State. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1585-96.),(2929. Silva ATC, Menezes PR. Burnout syndrome and common mental disorders among community-based health agents. Rev Saúde Pública. 2008;42(5):921-9.. Ainda assim, chama atenção a ausência de associação com o sexo feminino no modelo para análise hierarquizada de TMC adotado neste estudo. Não será possível explicar tal resultado, pois está reconhecido que as mulheres são desproporcionalmente vulneráveis aos problemas de saúde mental3737. Bekker MH, Rutte CG, van Rijswijk K. Sickness absence: A gender-focused review. Psychol Health Med. 2009;14(4):405-18..

Sob qualquer ângulo, os resultados indicam necessidade de elaboração de medidas de transformação da organização do trabalho. Embora não surpreendente, a significância da associação no tocante à demanda psicológica no trabalho é preocupante, porque seria possível projetar os serviços e tarefas de maneira a fortalecer os ACS na realização da missão sem ultrapassar os seus próprios limites.

Se a natureza da tarefa não pode ser modificada, é possível prover os serviços de recursos, tanto materiais quanto organizacionais, de maneira a facilitar o desenvolvimento dos modos operatórios executados pelos ACS. O modelo organizacional pode prover os agentes de mais tempo para abordar os casos, garantir mecanismos de formação continuada e ampliar o espaço para a fala sobre os estressores vivenciados.

É reconhecido que a consolidação do SUS e o desenvolvimento da atenção básica nos anos recentes trouxeram êxito para vários dos objetivos da reforma sanitária: ampliação da oferta, acesso e uso de serviços; redução da mortalidade infantil; redução de internações. Apesar do reconhecimento do papel fundamental dos recursos humanos para os objetivos dos sistemas de saúde produzidos no seio das reformas sanitárias no mundo todo3838. Fritzen AS. Strategic management of the health workforce in developing countries: what have we learned? Hum Resour Health. 2007;5(4). doi:10.1186/1478-4491-5-4.
https://doi.org/10.1186/1478-4491-5-4...
, permanecem desafios para a gestão do trabalho.

O modelo atual de gestão do trabalho na atenção básica pode estar criando barreiras para a atividade dos ACS, pois o planejamento do número de domicílios por equipe tende a criar incongruências entre a meta numérica e os princípios do SUS que norteiam a atividade3939. Vilela RAG, Silva RC, Jackson Filho JM. Poder de agir e sofrimento: estudo de caso sobre Agentes Comunitários de Saúde. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(122):289-302..

Vantagens e limitações do presente estudo devem ser discutidas. Estudos transversais produzem uma imagem instantânea da exposição de uma população ou amostra ao efeito estudado. Portanto, assumem o ônus de identificar apenas associações entre as variáveis estudadas.

Esta pesquisa focou a saúde de ACS na cidade de Belo Horizonte (MG). Sendo assim, comparações com outras populações merecem cautela. Entretanto, o presente estudo ganha em relevância por se tratar de uma amostra aleatória e representativa, o que sugere validade interna. Além disso, a prevalência de TMC encontrada é coerente com a literatura sobre o assunto e corrobora os resultados descritos.

O efeito do trabalhador sadio deve ser considerado porque é possível ter havido subestimação dos resultados, uma vez que não foram entrevistados os sujeitos afastados do trabalho por motivos de saúde4040. Shah D. Healthy worker effect phenomenon. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):77-9.. A essa limitação soma-se o desconhecimento do número de sujeitos aposentados precocemente ou que não puderam manter-se em seus postos por conta dos sintomas de saúde mental.

Em suma, cuidar da própria saúde não é fruto exclusivo do livre arbítrio ou de decisões na esfera individual. O desenvolvimento das ações no SUS estimula a produção de conhecimentos e saberes sobre a promoção da saúde. Esta depende de decisões no espectro da gestão. No caso dos ACS, os resultados sobre a prevalência de TMC e fatores associados (demanda psicológica das tarefas, vivência de agressões e insatisfação com as relações pessoais) sugerem redesenho das tarefas e do modelo organizacional a fim de apoiar o desenvolvimento do trabalho na atenção básica em saúde de Belo Horizonte.

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  • Estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG - APQ-03641-12)
  • 4
    O trabalho não se baseia em tese ou dissertação e não foi apresentado em reunião científica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2014
  • Revisado
    10 Set 2015
  • Aceito
    14 Set 2015
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