Introdução
Desde o começo dos anos 2000, o Brasil começou a vivenciar um crescimento econômico acelerado. A partir de 2007, com o aumento das taxas de crescimento econômico, a ideologia desenvolvimentista voltou repaginada à cena, com a emergência de um novo modelo de governo, denominado "neodesenvolvimentista"1), (2. As principais estratégias "neodesenvolvimentistas" privilegiam, por meio dos investimentos estrangeiros diretos, a exportação de commodities e a atração de grandes empresas transnacionais e de capital financeiro1), (3.
Todavia, esse modelo de crescimento está marcado pela injustiça ambiental, isto é, investimentos e negócios que se apropriam de recursos dos territórios e concentram renda e poder enquanto o ônus do desenvolvimento recai sobre grupos populacionais mais vulneráveis, afetando a saúde e a integridade de ecossistemas, habitantes e trabalhadores, que muitas vezes ficam sujeitos a acidentes4.
O acidente de trabalho é um evento previsível e pode ser evitado. O trabalho tem sido cenário frequente de acidentes que implicam gastos com serviços de saúde, indenizações e previdência, além de todas as consequências sociais sobre o trabalhador acidentado5. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ocorrem anualmente 2,34 milhões de mortes por acidentes e doenças relacionadas ao trabalho no mundo, provocando perdas de 2,8 bilhões de dólares por ano6. Ainda que existam medidas de segurança para impedir a ocorrência de acidentes, elas não são suficientes, visto que muitas vezes suas exigências não são cumpridas7.
A recente instalação de diversas indústrias em Pernambuco (uma refinaria de petróleo; uma unidade de beneficiamento de coque; um polo petroquímico; estaleiros; várias empresas nacionais e multinacionais dos ramos alimentício, automobilístico e farmacêutico; e outros empreendimentos de grande potencial poluidor) indica a migração de indústrias "sujas" para o estado, representando também a introdução de novos riscos e novas formas de adoecer e morrer no território, em especial para os trabalhadores8.
Considerando que a ocorrência de acidentes de trabalho constitui um problema de saúde pública, surge a necessidade de monitorar sua ocorrência e implementar medidas preventivas. Desde 2004, o acidente de trabalho grave é de notificação compulsória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), e compreende os acidentes ocorridos que causem óbito ou mutilações em indivíduos de qualquer faixa etária, além dos acidentes ocorridos com menores de dezoito anos, independentemente da gravidade da lesão9.
Embora as informações presentes no Sinan sejam importantes para compreender as características dos acidentes relacionados ao trabalho, é preciso incluir outras análises que considerem os aspectos associados ao desenvolvimento socioeconômico ocorrido no território ao longo dos anos. Ao englobar situações variadas e complexas, o fenômeno do acidente pode ser compreendido em suas várias dimensões, permitindo uma interpretação mais completa e limitando a ocorrência de análises descontextualizadas e equivocadas10.
Nesse sentido, a identificação de aglomerados produtivos locais constitui uma importante ferramenta de análise, pois possibilita a identificação de concentrações locais de sistemas de produção industrial e indica se um território em particular possui especialização em uma determinada atividade produtiva11), (12. Essas concentrações são determinadas a partir do cálculo do Quociente Locacional (QL)11), (12, que possibilita a identificação de aglomerados locais especializados em uma determinada atividade produtiva, podendo auxiliar na compreensão das mudanças e diferenças do perfil de morbidade e de mortalidade de trabalhadores em diferentes territórios. Essa identificação de arranjos produtivos locais é fundamental para a construção de uma rede de saúde voltada para os trabalhadores que disponibilize serviços de acordo com o perfil econômico da região.
Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivo analisar a ocorrência de acidentes de trabalho graves segundo os aglomerados produtivos estabelecidos nas regiões administrativas de saúde, no período de 2011 a 2013, a fim de verificar como a concentração produtiva interfere no perfil e na distribuição de acidentes de trabalho graves no estado.
Método
Foi realizado um estudo descritivo, do tipo transversal. Foram coletados dados de acidentes de trabalho graves registrados no Sinan, que constitui o principal sistema de informação da saúde para registro de doenças e agravos de notificação compulsória; e dados referentes ao emprego no setor formal, por meio da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para a coleta de dados foram considerados os registros do período de 2011 a 2013.
Para caracterizar a população de trabalhadores que sofreram acidentes graves, foram selecionadas variáveis para a identificação das características: a) sociodemográficas (faixa etária, escolaridade, sexo, raça); b) do trabalho (ocupação, situação no mercado de trabalho); e c) do acidente (tipo de acidente, partes do corpo atingidas, evolução do caso e emissão de comunicação de acidente de trabalho - CAT). As ocupações foram classificadas segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) de 2002 do Ministério do Trabalho e Emprego13.
A análise da concentração de setores produtivos e a respectiva identificação das aglomerações de atividades produtivas locais foi feita por meio da determinação do Quociente Locacional (QL)14), (15. O QL permite mensurar a concentração de certa atividade econômica em determinada área, tomando como referência a distribuição dessa atividade em um espaço geográfico mais abrangente, comparando duas estruturas setoriais-espaciais. Neste estudo, a referência geográfica para calcular o QL foi baseada na divisão estadual segundo as doze Regiões de Saúde definidas no Plano Diretor de Regionalização (PDR) vigente no estado de Pernambuco16. Tal critério foi escolhido a fim de permitir identificar aglomerados produtivos nos conjuntos de municípios limítrofes, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde voltados ao trabalhador.
A partir do cálculo do QL, é possível evidenciar a especialização de uma região em uma determinada atividade produtiva quando o resultado é maior que 1 (um), apontando que nesse território um determinado setor produtivo é mais importante do que no contexto regional de todos os setores. O cálculo para obtenção do QL está descrito a seguir:
Onde:
Ei j = emprego na atividade produtiva i na região j;
Ej = emprego total na região j;
Ei PE = emprego da atividade produtiva i em Pernambuco;
EPE = emprego total em Pernambuco.
O cálculo do QL é baseado no número de empregados em cada setor como variável-base, devido à maior disponibilidade de informações e ao grau de uniformidade para medir e comparar a distribuição dos setores ou atividades no espaço, assim como pela representatividade para medir o crescimento econômico17. Os dados referentes ao quantitativo de empregados foram obtidos segundo os oito setores produtivos existentes (extrativa mineral; indústria da transformação; serviços industriais de utilidade pública; construção civil; comércio; serviços; administração pública; agropecuária, extração vegetal, caça e pesca). Para a análise locacional dos setores produtivos, foi utilizada a desagregação dos subsetores de atividade econômica do IBGE, totalizando 25 áreas.
Apesar de ser possível identificar a especialização de uma dada região em um setor produtivo quando o QL se encontra acima de 1, é necessário considerar as disparidades regionais quando um elevado número de subsetores se encontra acima desse valor em diferentes regiões. Dada essa desigualdade regional de distribuição da estrutura produtiva, o valor de corte a ser assumido pelo QL deve ser significativamente acima desse número11), (12. Para assegurar o agrupamento de municípios com elevada especialização e com índices de concentração produtiva altos, conformando, assim, um sistema local de produção, este estudo adotou como ponto de corte QL≥411.
Ao final, foram comparadas as regiões que possuíam especialização produtiva (QL≥4) com as principais ocupações onde houve registro de acidentes de trabalho graves nessa mesma região.
Os dados foram sistematizados com auxílio de planilhas no Microsoft Excel (versão 2010), permitindo a identificação dos aglomerados produtivos e sua análise com as notificações dos acidentes de trabalho graves nesse mesmo território, segundo o município notificador.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Complexo Hospitalar HUOC/PROCAPE, sob o CAAE 41093415.8.0000.5192.
Resultados
No período analisado, em Pernambuco, 64,3% dos registros de acidentes graves foram de acidentes típicos. Desses, 39,7% ocorreram com trabalhadores com carteira assinada, seguidos por 12,3% de autônomos, sendo que em 18,9% das fichas essa variável foi preenchida como "ignorado". O mesmo acontece com a emissão de CAT, em que o campo correspondente foi preenchido como "ignorado" em 39,9% das fichas. Em 37,1% dos casos não foi emitida a CAT.
A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos trabalhadores acidentados gravemente no período de 2011 a 2013. Houve um total de 3.444 registros de acidentes de trabalho graves no Sinan, em Pernambuco, no período estudado, sendo 29,3% em 2011; 33,7% em 2012 e 37,0% em 2013. Para todos os anos estudados, a maioria dos trabalhadores acidentados encontrava-se na faixa etária de 30 a 44 anos, seguida pelos adultos jovens (18 a 29 anos). Em 1,13% dos casos notificados, a data de nascimento foi preenchida igual à data de notificação, o que evidencia falha no registro da informação. Esses casos foram excluídos do estudo para a análise da faixa etária, mas considerados na análise das outras variáveis. Em relação ao sexo, os homens representaram 89,7% dos trabalhadores que sofreram acidentes de trabalho graves. A maioria dos registros deu-se na raça parda nos anos analisados, mas houve elevado preenchimento do campo "ignorado", que representou 19,5% do total de notificações no período estudado, chegando a atingir 26% em 2011. Quanto à escolaridade, observou-se predominância do ensino fundamental incompleto. Para essa variável foi observada a incompletude do preenchimento em mais de 60% dos casos.
Tabela 1 Características sociodemográficas dos trabalhadores que sofreram acidentes de trabalho graves. Pernambuco (2011-2013)
Ano | ||||
---|---|---|---|---|
Variáveis | 2011 | 2012 | 2013 | Total |
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |
Faixa etária | ||||
Menor de idade (<18) | 35 (3,5) | 38 (3,3) | 27 (2,1) | 100 (2,9) |
Adulto jovem (18 a 29) | 358 (35,5) | 383 (33,0) | 478 (37,5) | 1.219 (35,4) |
Maturidade (30 a 44) | 371 (36,8) | 465 (40,1) | 500 (39,2) | 1.336 (38,8) |
Idade de transição (45 a 59) | 173 (17,1) | 218 (18,8) | 210 (16,5) | 601 (17,5) |
Idoso (≥60) | 64 (6,3) | 39 (3,4) | 46 (3,6) | 149 (4,3) |
Excluídos por erro | 8 (0,8) | 16 (1,4) | 15 (1,2) | 39 (1,1) |
Sexo | ||||
Masculino | 919 (91,1) | 1.031 (89,0) | 1.138 (89,2) | 3.088 (89,7) |
Feminino | 90 (8,9) | 128 (11,0) | 138 (10,8) | 356 (10,3) |
Raça | ||||
Branca | 124 (12,3) | 80 (6,9) | 102 (8,0) | 306 (8,9) |
Preta | 49 (4,9) | 38 (3,3) | 67 (5,2) | 154 (4,5) |
Amarela | 3 (0,3) | 12 (1,0) | 7 (0,5) | 22 (0,6) |
Parda | 504 (49,9) | 670 (57,8) | 923 (72,3) | 2.097 (60,9) |
Indígena | 2 (0,2) | 3 (0,3) | 6 (0,5) | 11 (0,3) |
Ignorado* | 262 (26,0) | 253 (21,8) | 158 (12,4) | 673 (19,5) |
Não preenchido** | 65 (6,4) | 103 (8,9) | 13 (1,0) | 181 (5,3) |
Escolaridade | ||||
Analfabeto | 23 (2,3) | 21 (1,8) | 33 (2,6) | 77 (2,2) |
Ensino fundamental incompleto | 211 (20,9) | 129 (11,1) | 232 (18,2) | 572 (16,6) |
Ensino fundamental completo | 20 (2,0) | 22 (1,9) | 18 (1,4) | 60 (1,7) |
Ensino médio incompleto | 27 (2,7) | 21 (1,8) | 24 (1,9) | 72 (2,1) |
Ensino médio completo | 64 (6,3) | 60 (5,2) | 120 (9,4) | 244 (7,1) |
Ensino superior incompleto | 6 (0,6) | 4 (0,3) | 6 (0,5) | 16 (0,5) |
Ensino superior completo | 13 (1,3) | 9 (0,8) | 12 (0,9) | 34 (1,0) |
Ignorado* | 389 (38,5) | 635 (54,8) | 695 (54,5) | 1.719 (49,9) |
Não se aplica*** | 12 (1,2) | 17 (1,5) | 15 (1,2) | 44 (1,3) |
Não preenchido** | 244 (24,2) | 241 (20,8) | 121 (9,5) | 606 (17,6) |
Total por ano(s) | 1.009 (100,0) | 1.159 (100,0) | 1.276 (100,0) | 3.444 (100,0) |
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan-PE).
* Ignorado: Opção assinalada no preenchimento da ficha quando não se pode obter a informação.
** Não preenchido: Nenhuma opção assinalada na ficha - em branco.
*** Não se aplica: Indica provável erro de preenchimento da ficha.
A Tabela 2 apresenta as principais ocupações em que houve registro de acidentes de trabalho graves no período estudado, de acordo com a evolução do caso. Observou-se uma predominância dos trabalhadores da agricultura e da construção civil em todos os três anos analisados. Ao considerar o somatório desses anos, a ocupação em que houve maior número de notificações foi a de trabalhador agropecuário (15,4%), seguida por pedreiro (8,7%) e servente de obras (4,0%). Considerando o total de casos de acidentes graves registrados no período estudado, a maioria evoluiu para incapacidade temporária (46,9%) ou cura (26,5%). Os óbitos corresponderam a 2,6% do total de casos, com importante participação dos trabalhadores volantes da agricultura (8,9% dos óbitos).
Tabela 2 Evolução do acidente de trabalho grave nas ocupações em que mais houve registro desse tipo de acidente. Pernambuco (2011-2013)
Evolução do acidente | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Ocupação (CBO) | Cura n (%) | Incapacidade temporárian (%) | Incapacidade permanente n (%) | Óbito decorrente do acidenten (%) | Outras evoluções* n (%) | Acidente n (%) |
2011 (n=1.009) | ||||||
Trabalhador agropecuário em geral | 154 (70,6) | 51 (23,4) | 5 (2,3) | 2 (0,9) | 6 (2,7) | 218 (100,0) |
Pedreiro | 23 (31,9) | 38 (52,8) | 3 (4,2) | 2 (2,8) | 6 (8,3) | 72 (100,0) |
Servente de obras | 7 (26,9) | 12 (46,1) | - | 1 (3,8) | 6 (23,1) | 26 (100,0) |
Cozinheiro-geral | 1 (5,3) | 14 (73,7) | 1 (5,3) | - | 3 (15,8) | 19 (100,0) |
Auxiliar-geral de conservação de vias permanentes | 1 (5,3) | 12 (63,2) | - | 1 (5,3) | 5 (26,3) | 19 (100,0) |
Mecânico de manutenção de automóveis, motocicletas e similares | 5 (27,8) | 12 (66,7) | - | - | 1 (5,6) | 18 (100,0) |
Trabalhador volante da agricultura | 2 (11,8) | 6 (35,3) | - | 4 (23,5) | 5 (29,4) | 17 (100,0) |
Eletricista | 1 (7,1) | 10 (71,4) | 1 (7,1) | 1 (7,1) | 1 (7,1) | 14 (100,0) |
Motorista | 2 (16,7) | 9 (75,0) | - | 1 (8,3) | - | 12 (100,0) |
Trabalhador da cultura de cana-de-açúcar | 3 (42,9) | 4 (57,1) | - | - | - | 7 (100,0) |
Vendedor ambulante | 1 (20,0) | 2 (40,0) | 1 (20,0) | - | 1 (20,0) | 5 (100,0) |
Contínuo | - | - | - | - | - | - |
Demais ocupações | 171 (29,4) | 284 (48,8) | 36 (6,2) | 22 (3,8) | 69 (11,8) | 582 (100,0) |
Total | 371 (36,8) | 454 (45,0) | 47 (4,7) | 34 (3,4) | 103 (10,2) | 1.009 (100,0) |
2012 (n=1.159) | ||||||
Trabalhador agropecuário em geral | 73 (46,8) | 44 (28,2) | 1 (0,6) | - | 38 (24,4) | 156 (100,0) |
Pedreiro | 18 (17,5) | 38 (36,9) | 7 (6,8) | 2 (1,9) | 38 (36,9) | 103 (100,0) |
Servente de obras | 6 (13,0) | 19 (41,3) | 1 (2,2) | 2 (4,3) | 18 (39,1) | 46 (100,0) |
Vendedor ambulante | 1 (2,3) | 5 (11,4) | 1 (2,3) | 1 (2,3) | 36 (81,8) | 44 (100,0) |
Trabalhador volante da agricultura | 4 (9,3) | 14 (32,6) | 1 (2,3) | - | 24 (55,8) | 43 (100,0) |
Cozinheiro-geral | 5 (14,3) | 26 (74,3) | - | - | 4 (11,4) | 35 (100,0) |
Trabalhador da cultura de cana-de-açúcar | 16 (80,0) | 4 (20,0) | - | - | - | 20 (100,0) |
Eletricista | 3 (15,8) | 6 (31,6) | 1 (5,3) | 4 (21,0) | 5 (26,3) | 19 (100,0) |
Motorista | - | 4 (22,2) | 1 (5,5) | - | 13 (72,2) | 18 (100,0) |
Mecânico de manutenção de automóveis, motocicletas e similares | 4 (36,4) | 7 (63,6) | - | - | - | 11 (100,0) |
Auxiliar-geral de conservação de vias permanentes | 2 (28,6) | 5 (71,4) | - | - | - | 7 (100,0) |
Contínuo | - | 1 (25,0) | - | - | 3 (75,0) | 4 (100,0) |
Demais ocupações | 131 (20,1) | 309 (47,3) | 37 (5,7) | 14 (2,1) | 162 (24,8) | 653 (100,0) |
Total | 263 (22,7) | 482 (41,6) | 50 (4,3) | 23 (2,0) | 341 (29,4) | 1.159 (100,0) |
2013 (n=1.276) | ||||||
Trabalhador agropecuário em geral | 45 (28,5) | 72 (45,6) | 11 (7,0) | 1 (0,6) | 29 (18,3) | 158 (100,0) |
Pedreiro | 28 (22,4) | 70 (56,0) | 2 (1,6) | 2 (1,6) | 23 (18,4) | 125 (100,0) |
Servente de obras | 14 (21,5) | 43 (66,1) | 1 (1,5) | - | 7 (10,8) | 65 (100,0) |
Trabalhador volante da agricultura | 3 (7,1) | 32 (76,2) | - | 4 (9,5) | 3 (7,1) | 42 (100,0) |
Cozinheiro-geral | 3 (7,3) | 34 (82,9) | - | - | 4 (9,7) | 41 (100,0) |
Vendedor ambulante | 2 (7,1) | 12 (42,9) | - | 3 (10,7) | 11 (39,3) | 28 (100,0) |
Contínuo | - | 13 (52,0) | - | - | 12 (48,0) | 25 (100,0) |
Eletricista | 6 (25,0) | 10 (41,7) | 1 (4,2) | 1 (4,2) | 6 (25,0) | 24 (100,0) |
Motorista | 4 (16,7) | 11 (45,8) | 2 (8,3) | - | 7 (29,2) | 24 (100,0) |
Trabalhador da cultura de cana-de-açúcar | 14 (73,7) | 3 (15,8) | 1 (5,3) | 1 (5,3) | - | 19 (100,0) |
Mecânico de manutenção de automóveis, motocicletas e similares | 8 (50,0) | 8 (50,0) | - | - | - | 16 (100,0) |
Auxiliar-geral de conservação de vias permanentes | 1 (16,7) | 2 (33,3) | 1 (16,7) | - | 2 (33,3) | 6 (100,0) |
Demais ocupações | 151 (21,5) | 371 (52,8) | 22 (3,1) | 21 (3,0) | 138 (19,6) | 703 (100,0) |
Total | 279 (21,9) | 681 (53,4) | 41 (3,2) | 33 (2,6) | 242 (19,0) | 1.276 (100,0) |
2011-2013 (n = 3.444) | ||||||
Trabalhador agropecuário em geral | 272 (51,1) | 167 (31,4) | 17 (3,2) | 3 (0,6) | 73 (13,7) | 532 (100,0) |
Pedreiro | 69 (23,0) | 146 (48,6) | 12 (4,0) | 6 (2,0) | 67 (22,3) | 300 (100,0) |
Servente de obras | 27 (19,7) | 74 (54,0) | 2 (1,5) | 3 (2,2) | 31 (22,6) | 137 (100,0) |
Trabalhador volante da agricultura | 9 (8,8) | 52 (51,0) | 1 (1,0) | 8 (7,8) | 32 (31,4) | 102 (100,0) |
Cozinheiro-geral | 9 (9,5) | 74 (77,9) | 1 (1,0) | - | 11 (11,6) | 95 (100,0) |
Vendedor ambulante | 4 (5,2) | 19 (24,7) | 2 (2,6) | 4 (5,2) | 48 (62,3) | 77 (100,0) |
Eletricista | 10 (17,5) | 26 (45,6) | 3 (5,3) | 6 (10,5) | 12 (21,0) | 57 (100,0) |
Motorista | 6 (11,1) | 24 (44,4) | 3 (5,5) | - | 21 (38,9) | 54 (100,0) |
Trabalhador da cultura de cana-de-açúcar | 33 (71,7) | 11 (23,9) | 1 (2,2) | 1 (2,2) | - | 46 (100,0) |
Mecânico de manutenção de automóveis, motocicletas e similares | 17 (37,8) | 27 (60,0) | - | - | 1 (2,2) | 45 (100,0) |
Auxiliar-geral de conservação de vias permanentes | 5 (15,6) | 19 (59,4) | 1 (3,1) | 1 (3,1) | 6 (18,7) | 32 (100,0) |
Contínuo | - | 14 (48,3) | - | - | 15 (51,7) | 29 (100,0) |
Demais ocupações | 452 (23,3) | 964 (49,7) | 95 (4,9) | 58 (3,0) | 369 (19,0) | 1.938 (100,0) |
Total | 913 (26,5) | 1.617 (46,9) | 138 (4,0) | 90 (2,6) | 686 (19,9) | 3.444 (100,0) |
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan-PE).
* Inclui o óbito por outras causas, ignorado e em branco.
Considerando o total de casos nos três anos (dados não apresentados em tabela), as principais partes do corpo atingidas nos acidentes graves registrados foram: mão (24,7%), membro superior (22,0%), membro inferior e cabeça (ambos com 20,7%).
Ao longo dos anos estudados, a I Região de Saúde, que concentra municípios da região metropolitana, possuía 3.491.690 trabalhadores cadastrados na Rais, representando 68,4% de toda a mão de obra empregada no setor formal em Pernambuco. Essa região caracteriza-se por ser a que mais gera empregos no estado e possui grande diversificação produtiva, apresentando QL acima de 1 em mais da metade dos setores produtivos.
A análise da distribuição geográfica das atividades econômicas mostrou que os setores produtivos não se distribuem homogeneamente em Pernambuco. Como pode ser observado na Tabela 3, há grande concentração regional (QL≥4) para os subsetores de extração mineral, de produção de mineral não metálico, de indústria de calçados, de agricultura, de indústria têxtil e de indústria de alimentos e bebidas. A Tabela 3 também apresenta as Regiões de Saúde onde esses setores produtivos estão inseridos e as três ocupações que mais sofreram acidentes nessas regiões. A concentração produtiva para os demais setores encontrou-se abaixo do ponto de corte adotado por este estudo (QL<4), ao considerar a distribuição por Regiões de Saúde.
Tabela 3 Especialização produtiva por subsetor, segundo Região de Saúde, Quociente Locacional (QL)* e ocupações em que houve maior registro de acidentes de trabalho graves. Pernambuco (2011-2013)
Subsetor | Região de Saúde | QL | Acidente de trabalho grave | |
---|---|---|---|---|
Ocupação | n (%)** | |||
Extração de minerais | IX | 19,32 | Trabalhador agropecuário em geral | 128 (44%) |
Pedreiro | 17 (5,8%) | |||
Motoristas | 4 (1,4%) | |||
Indústria de produção de minerais não metálicos | IX | 12,57 | Trabalhador agropecuário em geral | 128 (44%) |
Pedreiro | 17 (5,8%) | |||
Motoristas | 4 (1,4%) | |||
Indústria de calçados | II | 12,48 | Trabalhador volante da agricultura | 3 (15%) |
Pedreiro | 2 (10%) | |||
Cozinheiro | 1 (5%) | |||
Agricultura | VIII | 6,71 | Trabalhador agropecuário em geral | 5 (7,3%) |
Pedreiro | 5 (7,3%) | |||
Trabalhador volante da agricultura | 4 (5,9%) | |||
Indústria têxtil | IV | 6,18 | Trabalhador agropecuário em geral | 83 (25,7%) |
Pedreiro | 27 (8,4%) | |||
Servente de obras | 6 (1,9%) | |||
Indústria de alimentos e bebidas | III | 5,35 | Trabalhador da cultura de cana-de-açúcar | 5 (16,1%) |
Pedreiro | 3 (9,7%) | |||
Trabalhador agropecuário em geral | 2 (6,4%) | |||
XII | 4,92 | Pedreiro | 22 (8%) | |
Servente de obras | 18 (6,5%) | |||
Trabalhador da cultura de cana-de-açúcar | 16 (5,8%) |
Fontes: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan-PE) e Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
* QL: Quociente Locacional concentração produtiva calculada a partir da quantidade de trabalhadores em cada atividade.
** Considerou-se o somatório dos acidentes de trabalho graves nas ocupações destacadas, em relação ao total de acidentes de trabalho graves ocorridos nas regiões de saúde.
A Tabela 3 evidencia que a única Região de Saúde onde as ocupações que sofreram acidentes foram compatíveis com a atividade produtiva especializada no território foi a VIII Região de Saúde, que é destaque na agricultura. Nas demais regiões houve divergência entre a principal atividade produtiva desenvolvida na localidade e o grupo de trabalhadores acometidos pelo acidente grave.
Discussão
Pernambuco tem sido palco de grandes empreendimentos industriais ao longo dos últimos anos. A criação de complexos industriais e a implantação de grandes fábricas atraíram muita mão de obra, ocasionando uma diversificação das atividades produtivas nas diferentes regiões do estado, o que influencia o comportamento e a distribuição dos agravos à saúde relacionados ao trabalho.
Quanto ao perfil dos acidentados, observou-se neste estudo que os acidentes de trabalho graves predominaram em indivíduos do sexo masculino, sobretudo entre os adultos e jovens adultos, estando de acordo com os resultados encontrados em outros estudos18), (19. Leigh20 destaca que os acidentes em indivíduos jovens acarretam maiores custos financeiros indiretos, a partir da perspectiva social (perda de rendimentos, benefícios e limitação nas tarefas domésticas), ocasionando um custo tão alto quanto o do câncer. Da mesma forma, tem-se que mais de 50% dos acidentes analisados neste estudo evoluíram para algum tipo de incapacidade, seja ela temporária ou permanente (parcial ou total), o que evidencia o elevado custo social e econômico destes.
Neste estudo observou-se que as principais partes do corpo atingidas nos acidentes foram as mãos e membros superior e inferior, assim como identificado em outros trabalhos19), (21. As partes do corpo afetadas apresentam relação com as partes mais expostas durante a execução da atividade desenvolvida pelo trabalhador, como no caso das mãos e membros inferiores de trabalhadores rurais; cabeça e mãos no caso de pedreiros; mãos em carpinteiros e membro superior em cozinheiros.
Em um estudo desenvolvido na Bahia, 78% dos óbitos decorrentes de acidentes de trabalho relacionados à violência urbana ocorreram em indivíduos que eram os principais responsáveis pelo sustento da família22. Isso ratifica o grande impacto que um acidente de trabalho grave acarreta, levando a interferências na saúde pública e no âmbito familiar − no qual as pessoas mais próximas ao trabalhador sofrem as principais consequências do acidente23.
Há de se considerar que o acidente grave é um evento extremo, que gera visibilidade e repercussão, e que, de modo geral, podem ocorrer vários acidentes de menor gravidade ou "quase acidentes" que não recebem a mesma evidência. Outrossim, convém destacar que as doenças e agravos relacionados ao trabalho são, em sua maioria, eventos crônicos, nos quais decorre muito tempo entre a exposição ao risco e o aparecimento dos primeiros sintomas, dificultando o diagnóstico24. Ainda, em algumas atividades produtivas o registro de doenças crônicas é significativamente mais frequente do que a ocorrência de eventos agudos como o acidente de trabalho grave21, tal como as LER/DORT em atividades administrativas.
Embora venha ocorrendo um grande incremento nos acidentes de trajeto, de forma geral, os acidentes típicos ainda compõem a maior parte dos registros dos acidentes de trabalho, aspecto encontrado nesse e em outros estudos22), (25. Pode-se conjecturar que a caracterização do acidente de trânsito como um acidente de trabalho (acidente de trajeto) é menos comum do que aquele que ocorre no exercício laboral propriamente dito (acidente típico), o que levaria a uma maior subnotificação19.
Apesar de ser esperada uma maior ocorrência de acidentes de trabalho nas atividades produtivas que concentram grande parte dos trabalhadores de uma localidade, essa expectativa não se confirmou com os achados desse estudo em relação aos acidentes graves. Em Pernambuco, as principais ocupações em que foram registrados os acidentes de trabalho graves não estão diretamente relacionadas com a atividade especializada da Região de Saúde. O estudo evidenciou que a maior ocorrência de acidentes de trabalho graves foi predominante nas ocupações "trabalhador agropecuário em geral" e "trabalhador volante da agricultura" para 75% das Regiões de Saúde de Pernambuco, independente de haver concentração produtiva do subsetor da agricultura. Exceção foi observada na VIII Região de Saúde onde se destaca o subsetor da agricultura e foi aquela em que houve maior concentração de registros de acidentes de trabalho graves em trabalhadores rurais (trabalhadores volantes da agricultura e trabalhador agropecuário). O perfil do trabalhador acidentado neste subsetor é formado por indivíduos de baixa escolaridade e vínculo informal, achados esses que foram corroborados em outros estudos26), (27. Tais resultados apontam que esse deve ser um grupo prioritário para intervenções de saúde nesse território, com destaque para ações de cunho preventivo.
Diferentemente, ao se considerar a concentração produtiva por municípios, observa-se que existem municípios mais especializados em determinadas atividades que outros, dentro de uma mesma Região de Saúde. Isso demonstra que as atividades produtivas não se distribuem homogeneamente nos territórios analisados. Ao contrário, a análise dos registros de acidentes de trabalho graves se deu segundo município da unidade notificadora (onde o trabalhador foi atendido), por apresentar dados do Sinan melhor preenchidos. Devido a isso, os casos tendem a se concentrar nas sedes das Regiões de Saúde, que contam com as unidades assistenciais de maior complexidade tecnológica, para onde os eventos agudos de maior gravidade são encaminhados, tais como os acidentes de trabalho graves.
A partir desses resultados, é possível formular algumas hipóteses sobre a incompatibilidade de registro de acidentes de trabalho graves e as principais atividades produtivas nos territórios: a) como a determinação da concentração produtiva envolve apenas o setor formal, não é possível correlacioná-la com o registro de acidentes graves de trabalhadores informais; b) o setor produtivo que se destaca na Região pode não estar relacionado à ocorrência de acidentes de trabalho graves e sim com outros eventos agudos e ou crônicos; c) os trabalhadores acometidos pelo acidente podem ter se declarado trabalhadores rurais, apesar dessa atividade não ter sido a causadora do acidente ou mesmo dele não desenvolver atividades rurais; e/ou d) o trabalho na agricultura de fato é mais perigoso e os acidentes graves frequentemente acometem os trabalhadores desse setor produtivo, seja pela exposição a agrotóxicos ou pela utilização de ferramentas perigosas como instrumentos básicos de trabalho28), (29.
Em relação aos acidentes em ocupações agrícolas, há alguns indicativos de que nem sempre os trabalhadores acidentados desempenhavam atividades relacionadas ao setor agropecuário. Apesar de não haver estudos publicados corroborando essa hipótese, relatos dos profissionais de saúde que trabalham nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), localizados no sertão pernambucano, apontam que essa situação é frequentemente evidenciada nos serviços de saúde no estado, o que mascararia as reais ocupações em que a ocorrência de acidentes de trabalho graves se destaca. Além disso, existem alguns registros nas observações da ficha de notificação que evidenciam essa hipótese ao apresentar dados de acidentes em trabalhadores rurais relacionados com outra atividade, como "lacerações em máquina de sorvete", por exemplo.
Há que se considerar ainda que, apesar de o estado vir se especializando em outras atividades produtivas, com a instalação de diversas indústrias que diversificaram a mão de obra da região ao longo das últimas três décadas,30 a herança econômica histórica da agricultura, sobretudo na produção de cana-de-açúcar, ainda está presente entre as atividades produtivas desenvolvidas em algumas regiões de Pernambuco.
Nesse estudo, os serventes de obras e os pedreiros também se destacaram entre as principais categorias acidentadas, realidade também encontrada em diversos estudos desenvolvidos em diferentes locais e períodos22), (25), (31), (32. Gürcanli e Müngen33 afirmam que o trabalhador da construção civil corre de 3 a 6 vezes mais riscos de se acidentar quando comparado com outras indústrias. Os achados desse estudo corroboram esses argumentos, sugerindo que a construção civil oferece riscos elevados e apresenta altos índices de acidentes, ainda que não seja evidenciada a formação de aglomerados produtivos nesse setor.
Também em outras atividades que são reconhecidamente destaques na produção nacional, como as desenvolvidas no polo de confecções do agreste, especializado na indústria têxtil, as principais ocupações em que houve notificação de acidentes graves não estão relacionadas com a atividade especializada da região. Essas atividades estão intimamente relacionadas com doenças osteomusculares crônicas decorrentes de movimentos repetitivos e doenças do aparelho respiratório decorrentes da inalação do particulado de algodão (bissinose), eventos crônicos que podem ser mais frequentes nessas Regiões de Saúde quando comparados aos acidentes de trabalho graves. Por outro lado, segundo relatório apresentado pela UFPE ao Sebrae em 2003, nos municípios de Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe - que são parte do polo de confecções da IV Região de Saúde −, 83,2% das empresas não tinham funcionários treinados34. Logo, havia maior risco de acidentes com esses trabalhadores que não foram capacitados para a função, tendo em vista o uso de maquinário de estamparias e corte de tecido que podem causar lesões graves, podendo evidenciar sub-registro na ocorrência de acidentes.
Da mesma forma, os trabalhadores do polo gesseiro, especializado na indústria de extração de minérios, não se destacaram entre os casos de acidentes graves que ocorreram na IX Região de Saúde, ainda que esse polo seja responsável por 90% da produção de gipsita do país, que inclui o processo de produção do gesso - que não só resulta em doenças respiratórias (como pneumoconioses), mas também possibilita a ocorrência de acidentes como queimaduras, mutilações, quedas de placas etc35), (36. Os achados deste estudo também podem levar a suposições quanto ao sub-registro de casos graves e/ou a predominância de agravos crônicos nesse setor.
A identificação de aglomerados, da maneira aqui proposta, contribui para o entendimento da natureza e do padrão de desenvolvimento dessa forma de organização da produção, bem como de sua dimensão eminentemente espacial. Do ponto de vista da elaboração de políticas de desenvolvimento econômico e regional, a metodologia proposta abre novo caminho para a seleção de setores produtivos a serem apoiados com implantação de estruturas e políticas públicas de promoção à saúde e proteção ao trabalhador, entre outras. O aspecto espacial das aglomerações impõe uma dinâmica bastante diferenciada em relação aos tradicionais instrumentos de gestão, podendo auxiliar na proposição, desenvolvimento e consolidação de políticas públicas nas diferentes esferas do poder público12. Não obstante, é preciso ponderar que, no planejamento das ações em Saúde do Trabalhador, nem sempre o principal setor produtivo de um território concentrará os acidentes graves, sendo importante levar em consideração as vulnerabilidades socioinstitucionais relacionadas aos processos produtivos, sobretudo em setores historicamente perigosos.
Uma vez que haja a formação de aglomerados produtivos que evidenciem a especialização de uma determinada região, espera-se que também ocorram alterações no perfil epidemiológico dos agravos relacionados ao trabalho daquela região. Sendo o acidente um evento de grande complexidade, produto da interação entre aspectos individuais do trabalhador, do ambiente e processo de trabalho, do contexto social e da atividade produtiva desenvolvida, é necessário considerar e intervir nos principais fatores de morte e de adoecimento de trabalhadores. Estudos que explorem a territorialização das atividades produtivas podem servir de instrumento para planejar ações de vigilância e a estruturação de redes de saúde adequadas ao perfil das atividades produtivas nesses territórios. Além disso, é importante considerar atividades de maior risco, como a agricultura e construção civil, devido à frequência e à gravidade dos acidentes a elas associados; além de priorizar atividades produtivas capazes de levar à ocorrência de acidentes ampliados, ou seja, com grande potencial de trazer consequências não só aos trabalhadores, mas também às comunidades vizinhas, às indústrias e ao ambiente37), (38.
Este estudo apresentou algumas limitações de análise que precisam ser levadas em consideração. Os dados da Rais consideram apenas o setor formal, o que dificulta o destaque de aglomerados em atividades em que há outras formas de inserção no mercado de trabalho. Por outro lado, o trabalho formal possui grande capacidade de representar a existência da concentração espacial, uma vez que as atividades desenvolvidas pelo setor informal estão vinculadas às tendências econômicas representadas pelo setor formal. Além disso, o indicador apresenta limitações relacionadas ao seu uso em regiões pequenas, com estrutura produtiva pouco diversificada, o que pode resultar em um quociente que sobrevaloriza o peso de um determinado setor para a região. O quociente também tende a subvalorizar a importância de certos setores em regiões com uma estrutura produtiva bem diversificada, mesmo que tal setor possua peso significativo no contexto regional, como é o caso da I Região de Saúde. Ademais, o estudo fez uso de uma metodologia descritiva, não podendo fazer inferências analíticas que evidenciassem diferenças estatisticamente significativas entre as regiões de saúde.
Ainda que o acidente de trabalho grave possua grande visibilidade em decorrência da magnitude e repercussão que apresenta, o elevado sub-registro de informações relacionadas a esse evento, associado à baixa qualidade dos registros, constituiu um grande limitador para análise da real situação dos trabalhadores acidentados. Somado a isso, existem as limitações do sistema de informações utilizado, que impossibilitou o conhecimento dos agravos segundo ocorrência e limitou as análises com o perfil produtivo das regiões. Dessa forma, as informações sobre as ocupações afetadas tiveram pouco destaque ao considerar os setores mais representativos em um dado território, e diferentes regiões tenderam a apresentar o mesmo perfil de trabalhadores acidentados, ainda que possuíssem características produtivas distintas. A recente transformação produtiva ocorrida em boa parte do estado pode fazer que as atividades econômicas historicamente desenvolvidas naqueles territórios, ainda que em declínio ou em um platô, assumam um peso relativo próximo ao daqueles setores que agora se estruturam nas diferentes regiões ao se considerar a ocorrência de acidentes de trabalho.
Partindo dessa reflexão, é fundamental estimular análises que considerem os impactos de grandes empreendimentos sobre o perfil de morbimortalidade da população trabalhadora, visando a antever eventos previsíveis e passíveis de prevenção presentes nos ambientes de trabalho e nos processos de produção, a fim de promover melhorias nas condições de trabalho e qualidade de vida dos trabalhadores. Estudos como este podem incentivar a criação de serviços de saúde especializados, treinados para receber casos de acidentes de acordo com o perfil produtivo de cada região de saúde.