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Percepção dos usuários a respeito de um serviço de reabilitação profissional

Users’ perception of a professional rehabilitation service

Resumo

Introdução:

a Reabilitação Profissional (RP) é um programa de intervenção estruturado para desenvolver atividades terapêuticas e de profissionalização, buscando a recuperação do potencial laborativo.

Objetivo:

identificar a percepção e os sentimentos de trabalhadores reabilitados ou em reabilitação a respeito do processo de RP, bem como descrever o perfil de saúde e afastamento desses trabalhadores.

Métodos:

estudo qualitativo, descritivo, realizado em uma autarquia municipal de saneamento básico com os funcionários participantes do Programa de Reabilitação Profissional (PRP). Foram realizadas onze entrevistas utilizando um instrumento semiestruturado. Para o tratamento dos dados utilizou-se a técnica de análise temática ou categorial.

Resultados:

identificaram-se nas entrevistas núcleos de sentido que, ao serem agrupados por suas similaridades, permitiram a formação de quatro categorias de análise: Impacto da doença e do afastamento do trabalho; Inefetividade do Programa de Reabilitação Profissional; Percepção quanto ao retorno ao trabalho; e Relacionamento com chefias e colegas.

Conclusão:

na perspectiva dos participantes, o processo de reabilitação evidencia os impactos da doença e do afastamento do trabalho, e revela a inefetividade do PRP. As dificuldades no retorno ao trabalho e no relacionamento com chefias e colegas foram apontados como fatores que influenciam a readaptação laboral.

Palavras-chave:
seguridade social; reabilitação profissional; saúde do trabalhador; reintegração profissional; capacidade laboral

Abstract

Introduction:

Vocational Rehabilitation (VR) is an intervention program structured to develop therapeutic and professionalization activities aiming at recoverying work ability.

Objective:

to identify the perceptions and feelings of rehabilitated or in rehabilitation workers about the VR process, as well as to describe their health and sick leave profiles.

Methods:

qualitative and descriptive study carried out with workers of a municipal basic sanitation public service, who had taken part in the Vocational Rehabilitation Program (VRP). Eleven interviews were conducted using a semi-structured instrument. The thematic or categorical analysis technique was used for data treatment.

Results:

we identified 4 categories of analysis: Disease and sick leave impact; Ineffectiveness of the Vocational Rehabilitation Program; Workers’ perception regarding return to work; Relationship with heads and co-workers.

Conclusion:

in the participants’ perspective, the rehabilitation process highlights the disease and sick leave impacts, and disclose the VRP ineffectiveness. Difficulties in returning to work and in the relationship with heads and co-workers were pointed out as factors that influence work rehabilitation.

Keywords:
social security; vocational rehabilitation; occupational health; professional reintegration; work capacity

Introdução

A Reabilitação Profissional (RP) é definida como um programa de intervenção estruturado para desenvolver atividades terapêuticas e de profissionalização que abrangem a totalidade dos indivíduos e os fortalece para lidar e superar as dificuldades impostas por suas incapacidades. Seus objetivos visam tanto à estabilização física e psicossocial quanto à reintegração nas relações sociais, cotidianas e de trabalho. O objetivo de um Programa de Reabilitação Profissional (PRP) só é alcançado quando seu resultado é a reinserção da pessoa em um trabalho que permita a integração social plena11. Cheres JEC, et al. Reabilitação profissional na agência da previdência social do município de Timóteo: uma prática possível? Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas. 2013;1(4).. A RP faz parte das conquistas na trajetória da construção de um estado de bem-estar social, o que exige diretrizes claras por parte do condutor desse processo, o Estado, com definições conceituais, legais e intersetoriais11. Cheres JEC, et al. Reabilitação profissional na agência da previdência social do município de Timóteo: uma prática possível? Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas. 2013;1(4)..

Trata-se de uma importante ferramenta multidimensional em um processo que vai além da recuperação funcional perdida ou reduzida do segurado. Deve contar com uma equipe multiprofissional especializada em saúde e reabilitação ocupacional e também com a família ou pessoas próximas ao segurado. Nesse esforço é preciso almejar o “como viver”, e não apenas “o viver”22. Ziliotto DM, Berti AR. Vocational rehabilitation for disabled workers: reflections from the state of the art. Saúde Soc. 2013;22(3):736-50..

A RP é compreendida como área de “produção de conhecimento e desenvolvimento de proposições e ações que se remetem aos processos de retorno ao trabalho de indivíduos” que necessitam de intervenções para a retomada de sua vida profissional, seja nas atividades de trabalho habituais, seja com a preparação para o exercício de uma nova atividade profissional33. Bregalda MM, Lopes RE. A reabilitação profissional no INSS: caminhos da terapia ocupacional. Saúde Soc. 2016;25(2):479-93..

É um campo na interface da Previdência Social, saúde, educação, além de políticas e ações de trabalho e emprego, dada a articulação necessária para a preparação dos segurados para retorno ao mercado de trabalho33. Bregalda MM, Lopes RE. A reabilitação profissional no INSS: caminhos da terapia ocupacional. Saúde Soc. 2016;25(2):479-93.. O PRP se inicia a partir da incapacidade física definida e estabilizada, e, segundo o Decreto nº 3.048/1999, deve pautar-se pelo trabalho multiprofissional e articulação com a comunidade, tanto para a programação de cursos profissionais a serem ofertados dentro das tendências e particularidades locais, como para o treinamento das competências técnicas, comportamentais e sociais dos reabilitados em instituições ou empresas, com vista à sua efetiva reintegração social e laboral. A legislação prevê ainda o acompanhamento e pesquisa de fixação no mercado de trabalho dos sujeitos reabilitados, o que tem como finalidade a comprovação da efetividade do processo de RP44. Brasil. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 1991..

Constatada a incapacidade, o segurado tem direito a um benefício que visa garantir sua renda. Esse benefício por incapacidade pode ser de causalidade relacionada ao trabalho (acidentário) ou não (previdenciário)55. Melo MPP. Government of the public: physician-patient relationship within medical expert advice for social security. Interface Comun. Saúde Educ. 2014;18(48):23-36.. Os auxílios recebem uma classificação alfanumérica pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS): B31, ou beneficio previdenciário comum, é um auxílio-doença prestado ao trabalhador que se afasta da empresa por motivo de saúde não relacionado à sua atividade laboral. Para sua concessão, o empregado deve ter feito doze contribuições para a Previdência Social, e não há qualquer garantia de emprego quando retornar; B91 é o benefício previdenciário acidentário, concedido ao trabalhador que sofrer um acidente ou for acometido por uma doença considerada ocupacional. Sua concessão não prevê qualquer período de carência, o indivíduo terá garantida a sua permanência na empresa pelo período de 12 meses após voltar ao trabalho. Em ambas as situações, a concessão dos benefícios se aplica após o 15º dia de afastamento66. Brasil. Ministério da Previdência Social. Informe de previdência social: receitas e despesas. 2015;27(12):17-26..

Para entender o impacto previdenciário da incapacidade para o trabalho, entre janeiro de 2014 e o mês correspondente de 2015, o auxílio-doença - previdenciário e acidentário - aumentou 5,2% (mais de 82,7 mil benefícios)66. Brasil. Ministério da Previdência Social. Informe de previdência social: receitas e despesas. 2015;27(12):17-26.. Isso retrata um quadro preocupante, uma vez que o aumento na concessão de benefícios sem o devido acréscimo no custeio gera um déficit orçamentário. Além do impacto previdenciário, trata-se de um problema que possui implicações sociais (rearranjo familiar, necessidade de adaptação), econômicas (efeito negativo sobre as empresas, redução da força de trabalho e aumento do custo de produção) e para a saúde pública (aumento dos gastos)77. Jakobi HR, et al. Inability to work: analysis of sickness benefits granted in the State of Rondônia. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(11):3157-68..

Sendo assim, a prestação dos serviços de RP articulada aos sistemas de previdência social tem um duplo papel: por um lado, são formas de intervenção para a redução e superação das desvantagens produzidas por incapacidades, e, por outro, estratégias de regulação econômica dos sistemas com a finalidade de reduzir o tempo de concessão de benefícios previdenciários.

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi identificar a percepção e os sentimentos dos trabalhadores que foram ou serão reabilitados sobre o processo de RP, bem como traçar o perfil dos reabilitados em relação a dados biopsicossociais, tempo de afastamento e reabilitação, função anterior e posterior ao afastamento, e patologia e diagnóstico médico.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado em uma autarquia municipal de saneamento básico em um município do sul do estado de Minas Gerais, que, no período da investigação (abril a agosto de 2015), contava com 405 funcionários concursados, 24 estagiários e 26 jovens do programa “menor aprendiz”.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 36597514.7.0000.5137) e pela diretoria da autarquia municipal.

A coleta dos dados foi realizada em duas etapas: na primeira, foi feita a identificação do perfil dos trabalhadores afastados e registrados no banco de dados do setor de medicina do trabalho da autarquia municipal, constavam nesse banco 11 trabalhadores que constituíram a amostra da pesquisa. Na segunda etapa, os integrantes foram entrevistados na própria empresa em datas e horários agendados. Todos os entrevistados foram previamente esclarecidos sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Realizou-se a coleta de dados utilizando dois instrumentos do tipo questionário semiestruturado, com perguntas fechadas e abertas, construídos pelas autoras. O primeiro era dirigido aos segurados que já haviam sido reinseridos no mercado de trabalho e o segundo àqueles que estavam em processo de RP.

Esses instrumentos de coleta de dados foram previamente validados por especialistas da área de saúde do trabalhador em relação à forma, conteúdo, clareza semântica e objetividade das questões.

Foram incluídos todos os reabilitandos e reabilitados, maiores de 18 anos, que faziam parte do PRP da Previdência Social e consentiram em participar.

Para esta pesquisa, utilizaram-se as definições de segurado, reabilitando e reabilitado contidas na Lei 8.213/199144. Brasil. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 1991..

Para o tratamento dos dados utilizou-se a técnica de análise temática ou categorial que, de acordo com Bardin88. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2005., busca descobrir diferentes núcleos de sentido da comunicação para, posteriormente, realizar seu agrupamento em classes ou categorias. O autor aponta a descrição ou preparação do material, a inferência ou dedução e a interpretação como pilares do método. Após a pré-análise, ou seja, a leitura “flutuante” do material, realizou-se sua codificação por meio de recortes em “unidades de contexto” e “registro”. Em sequência, a fase da categorização foi desenvolvida, considerando como critérios para sua formulação a exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade, fidelidade e consistência dos dados. Ao final, o tratamento das informações permitiu que a inferência e a interpretação dos conteúdos coletados se constituíssem em análises reflexivas88. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2005..

Resultados

Foram entrevistados 11 trabalhadores cujas características estão apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Características dos trabalhadores que faziam parte do Programa de Reabilitação Profissional da Previdência Social em autarquia municipal de saneamento básico de Minas Gerais, 2015

Todos eram do gênero masculino, na maioria casados e com, em média, 45 anos de idade. Identificou-se que os trabalhadores foram afastados e encaminhados para o PRP com base no auxílio-doença previdenciário B31 - originado de doença sem relação com o trabalho -, embora apresentassem patologias osteomusculares agravadas com a realização de atividades laborais que exigiam maior esforço físico.

Em relação às atividades realizadas pelos trabalhadores na ocasião do afastamento, nota-se que são, em sua maioria, braçais, exigindo esforço físico e manutenção de postura muitas vezes inadequada.

Ficou claro que as atividades ocupacionais que exigem maior esforço físico são as que podem ocasionar maior agravo no decorrer laborativo e causar lesões físicas graves ou irreversíveis. Após a RP, a maioria dos trabalhadores passou a exercer funções de menor ou quase nenhum esforço físico, como vigilantes patrimoniais, por exemplo.

Os longos períodos de afastamento dos trabalhadores (3 a 14 meses) dificultaram o retorno ao trabalho. Já os curtos períodos de reabilitação (7 a 24 dias) mostraram que, muitas vezes, não são consideradas todas as habilidades do trabalhador, como exposto na fala dos entrevistados.

Em relação aos grupos diagnósticos (capítulos CID-10) que deram origem aos benefícios, oito foram doenças osteomusculares (Capítulo XIII - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo), dois do aparelho circulatório (Capítulo IX - Doenças do aparelho circulatório) e um do aparelho auditivo (Capítulo VIII - Doenças do ouvido e da apófise mastoide) como apresentado no Quadro 2.

Quadro 2
Diagnósticos dos trabalhadores afastados segundo a Classificação Internacional de Doenças e Agravos (CID-10). Minas Gerais, 2015

É importante ressaltar que, apesar de todos os benefícios terem sido considerados de origem comum (B31), ou seja, não acidentários, o conjunto das patologias desses trabalhadores tem grande relação com a sua atividade ocupacional, havendo demasiada necessidade de prevenção.

A partir do procedimento analítico, identificaram-se nas entrevistas núcleos de sentido que, ao serem agrupados por suas similaridades, permitiram a formação de categorias de análise. Foram identificadas quatro: Impacto da doença e do afastamento do trabalho; Inefetividade do Programa de Reabilitação Profissional; Percepção quanto ao retorno ao trabalho; Relacionamento com chefias e colegas, sendo as duas últimas somente entre os já reabilitados.

Impacto da doença e do afastamento do trabalho

O trabalhador doente e afastado do trabalho vivencia intensamente culpa, fracasso e exclusão. Culpa e fracasso por não ter dado conta de atender à demanda do trabalho a contento porque adoeceu; e exclusão por, ao estar afastado do trabalho, ficar em uma situação social marginal, não podendo corresponder ao lugar ou desempenhar seu papel esperado.

Eu fiquei mal… queria continuar de qualquer jeito, porque você sabe, né? Homem, pai de família tem que dar seus pulos… E aí eu fiquei assim, sabe? Sem canto, sem lugar, a gente fica transtornado, não tinha o que fazer, minha rotina era vir trabalhar, depois eu não tinha mais rotina, tentei voltar pro mesmo serviço, não consegui… Não aceitei fácil não… Fora que os outros [colegas] ficavam me olhando como se fosse corpo mole. (E3)

Quem vê de fora acha que é fingimento… Que não quer trabalhar por preguiça… Ficava em casa, ia para a fisioterapia, ia no médico e voltava para casa. (E7)

Fazer o quê, né?… Uns olham assim, como se eu fosse vagabundo que finge dor… Os outros olham como coitadinho… Depois tem as cobranças, né?… Que estou fazendo corpo mole… Que quero ficar à toa, como se doente fosse ficar à toa… (E5)

Ah, ficar doente nunca é bom, mas ficar sem trabalhar, sem saber o que vai ser da gente é pior ainda… (E9)

O fato de ter que ficar afastado, fazendo um tratamento ou realizando atividades que contribuem para restabelecer a saúde, como fisioterapia e medicamentação, também é um sentimento novo e de difícil entendimento para trabalhadores que alegam nunca terem adoecido ou mesmo necessitado tomar medicamentos.

O afastamento em si te causa o desequilíbrio emocional porque você está com problema na saúde, você está sentindo dor, você está tomando medicamento, você deixa de fazer uma série de coisas que você faria se tivesse trabalhando normal. Então isso deixa debilitado de alguma maneira, deixa a pessoa no nível de estresse mais elevado, você tem que, infelizmente, controlar a situação, não que você não passa isso pros outros, e acaba passando, viu? (E1)

Eu não aguentava mais ficar em casa assistindo TV até dar a hora da fisioterapia… Quando acabava era outro tormento: voltar para casa e não poder fazer nada se não quisesse ter dor. (E3)

Eu não entendi para quê… Ficar fazendo aquilo tudo repetido, todo dia, depois 3 vezes por semana… Se não dá mais para trabalhar, aposenta de vez, que adianta fisioterapia se não vou voltar pro meu lugar? (E7)

Aquilo não é vida, coisa de gente doente mesmo, só me deixava para baixo. (E4)

Inefetividade do Programa de Reabilitação Profissional

Nos casos estudados, o Programa de Reabilitação Profissional vigente demonstrou falta de efetividade. Os trabalhadores não tiveram a experiência de realização de cursos para (re)capacitação profissional, tampouco, ocorreram negociações ou intermediações do INSS com a empresa para sua reintegração. Houve apenas o envio de ofícios do instituto para a empresa, relatando a incapacidade e solicitando readaptação. Entretanto, não houve ações efetivas para tal, apenas informações escritas.

Só que teve mais coisas que tinha que aprender no treinamento do dia a dia que eu não aprendi… Estou aprendendo agora, sabe?… Depois que eu reabilitei de vez que eu estou aprendendo, e o treinamento tinha que exigir… A gente, assim, teria que ter mais suporte, teria que ter tido mais cursos, mais treinamentos, negócio de sala de aula, treinar… Apesar de eu ter feito muitos cursos antes nas empresas que eu trabalhava… Só que eu precisava de uma reciclagem… Eu acho que o treinamento eles teriam que ter focado mais para os próximos reabilitados que eles vão ter com certeza… Levar em sala de aula, treinar mais a pessoa. (E6)

Foi assim, ó: “Você vai trabalhar agora aqui, no mesmo horário, mas agora você vai cobrir o turno do seu colega nas folgas dele”. (E6)

Olha, foi difícil, tentaram me colocar em outro setor, depois outro e agora eu tô aqui… Nem sei se vou ficar… Só me mandam as ordem de serviço e eu sigo. (E2)

Não tem treinamento não… Só manda a gente trocar de setor. (E3)

Percepção quanto ao retorno ao trabalho

Muitos trabalhadores manifestaram receio em retornar ao trabalho que provocou a doença ou seu agravo, além de incerteza e ansiedade devido à dificuldade em aceitar mudanças nas perspectivas de vida. Revelaram sofrimento, tanto físico quanto psíquico, gerado pelas condições e relações no trabalho e pela incapacidade para trabalhar decorrente de doenças e sequelas.

Estou tentando me adaptar, porque eu… [Não gosto de] ficar parado, né?… [Agora, ficar trancado em] 4 paredes assim, né?… Aí tem dia que passa rápido, tem dia que tem movimento, tem dia que não tem… Tem dia que eu sinto dor, tem dia que eu não sinto… Então é no constante, entendeu? (E6)

Na primeira readaptação eu fiquei na limpeza. Mas do pátio […] E nós é quem tomávamos conta dos galões de água do setor. Mas não era minha função trocar os galões quando a água acabava. Aí me pediram pra trocar e eu não troquei. Até briguei com um lá. Aí pedi para mudar de setor de novo. (E2)

Acabei de voltar, não sei como vai ser… Estou preocupado, sabe?… Não sei se o serviço vai me dar dor de novo, se vou conseguir trabalhar direito, tenho medo da chefia… (E8)

Não sei o que fazer, se tomo a frente ou espero os mais velhos de setor… Esses dias eu falei que fazia e um deles ficou me olhando feio, como seu eu quisesse aparecer, me olham estranho.. Às vezes me deixam de lado. (E4)

As falas revelam sentimentos tipicamente encontrados na situação de primeiro emprego, como adaptações e negociações sobre as funções a serem ou não exercidas. Esse momento nem sempre é tranquilo, e algumas vezes o trabalhador tem que ser realocado.

Relacionamento com chefias e colegas

Os participantes afirmaram que o relacionamento com chefias e colegas não chegou a ser um problema no retorno ao trabalho, pelo contrário, foi um elemento facilitador de seu processo de reingresso à empresa.

Me senti bem… Sim… Sem problema algum… É, você tem que conviver, é lógico que tem as brincadeiras, o pessoal… Isso tem para todo lado, né? (E3)

Aqui até que foi tranquilo, com as chefias e os colegas, eles me explicaram direitinho o serviço… Deixaram o mais leve pra mim… Mas tem gente que não aceita nós não. (E6)

Eles entenderam que não posso fazer serviço pesado, nem me pedem. (E7)

Tem setor que é pior, mas aqui nem foi tão difícil. (E9)

Quanto ao sentimento dos segurados, pode-se identificar que aqueles que ainda estão em processo de reabilitação expressam incapacidade e medo, entre outros.

Um dos sentimentos que emergiram das falas dos trabalhadores foi a (não) aceitação da redução de capacidade para o trabalho, com sentimentos de incapacidade, visto que eram trabalhadores ativos e dinâmicos:

É muito ruim ficar em casa, esperando o INSS ligar. Não consigo ficar sem fazer nada! (E01)

Fico ocioso em casa. Isto é ruim. Causa ansiedade e frustração. Quero voltar a trabalhar logo… Me sinto inútil. (E11)

Trabalho desde os meus 12 anos, não sei ficar parado, olhando para o teto, fiz uns bicos, mas aí fiquei ruim. (E10)

Ah, sou um zero a esquerda lá em casa e aqui, não posso pegar peso, não consigo ficar muito tempo sentado, nem em pé. (E4)

Discussão

Variações de prevalência de afastamentos do trabalho estão associadas às características da população estudada, sexo, ramos e atividade ocupacional99. Picoloto D, Silveira E. Prevalência de sintomas osteomusculares e fatores associados em trabalhadores de uma indústria metalúrgica de Canoas - RS. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(2):507-16.. Nesta pesquisa, identificou-se uma população masculina, devido ao local de estudo - a autarquia municipal - ter em seu quadro efetivo de funcionários aproximadamente 75% homens e 25% mulheres. O serviço operacional, setor que mais adoece (sobretudo por doenças osteomusculares), é somente realizado por homens. Em outra pesquisa não se demonstra a diferença entre gênero por afastamento1010. Alcântara MA, Nunes GS, Ferreira BCMS. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: o perfil dos trabalhadores em benefício previdenciário em Diamantina (MG, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(8):3427-36..

As atividades de origem predominantes entre os trabalhadores deste estudo eram relacionadas ao esforço físico e repetição de movimentos, fato compreensível, visto que o uso do aparelho osteomuscular de maneira repetitiva, com carregamento de peso e sem orientação ergonômica, pode ocasionar formas graves de adoecimento 1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22..

Em estudo realizado com segurados atendidos nas agências da Previdência Social de Uberlândia e Araguari (MG), constatou-se que 85,71% estavam enquadrados no auxílio-doença previdenciário (B31) e 14,29% no auxílio-doença acidentário (B91), prevalecendo como motivo de afastamento doenças de qualquer natureza (comum, sem origem no trabalho), seguindo a terminologia adotada pela Previdência1212. Maywald CG, Rodrigues L. As perspectivas dos segurados atendidos pelo Programa de Reabilitação Profissional quanto à re-inserção ao mercado de trabalho. Anais do 1º Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca; 2010; Franca, SP. Franca: Unesp; 2010. [online] [citado em 2017 jun 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000112010000100023
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. Uma análise realizada na agência da Previdência de Diamantina (MG) apontou que o benefício mais concedido foi o auxílio-doença previdenciário (B31). O diagnóstico mais comum foi dorsalgia, com tempo médio do benefício de 10 meses. Observou-se tendência crescente de acometimento por Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho (DORT) e evolução dos afastamentos para aposentadoria por invalidez ao longo dos anos1010. Alcântara MA, Nunes GS, Ferreira BCMS. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: o perfil dos trabalhadores em benefício previdenciário em Diamantina (MG, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(8):3427-36..

A análise do perfil dos trabalhadores dos Correios que receberam auxílio-doença também mostrou que o benefício previdenciário (B31) foi predominante1313. Mascarenhas FAN, Barbosa-Branco A. Work-related disability among postal employees: incidence, duration, and social security costs in 2008. Cad Saúde Pública. 2014;30(6):1315-26..

Assim, tanto na literatura como nesta pesquisa, a maioria dos benefícios foi caracterizada como comum. Apesar de não ter sido estabelecido o nexo causal, doenças de qualquer natureza se sobrepõem e podem ser reflexo do desgaste físico e mental dos trabalhadores submetidos à nova lógica do mercado e suas exigências1212. Maywald CG, Rodrigues L. As perspectivas dos segurados atendidos pelo Programa de Reabilitação Profissional quanto à re-inserção ao mercado de trabalho. Anais do 1º Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca; 2010; Franca, SP. Franca: Unesp; 2010. [online] [citado em 2017 jun 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000112010000100023
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Atividades relacionadas a trabalhos manuais e tarefas que exigem esforço físico elevado, repetição de movimentos e manutenção de posturas antinaturais podem dificultar ou inviabilizar uma jornada de trabalho de seis horas ou mais22. Ziliotto DM, Berti AR. Vocational rehabilitation for disabled workers: reflections from the state of the art. Saúde Soc. 2013;22(3):736-50., caso de todos os participantes do estudo que trabalhavam 8 ou mais horas.

Ao ser constatada a incapacidade para exercício da função em que se encontra, o segurado é encaminhado para a RP. Inicialmente, a empresa é consultada sobre a possibilidade de oferecer uma nova função ao segurado. Existem muitas empresas de pequeno porte que estão desobrigadas pela Lei 8.213/91 a cumprir a meta de número mínimo de empregados com deficiência ou provenientes da RP. Depois, busca-se preparar o trabalhador para que passe a contar com novas habilidades por meio de cursos oferecidos pelo INSS. Esgotadas essas possibilidades, se o segurado não puder ser mantido na profissão que lhe dava sustento, será, então, considerado inválido e a legislação prevê que seja aposentado1414. Vacaro JE, Pedroso FS. Performance of insured workers in the rehabilitation service at the National Institute for Social Security. Acta Fisiátrica. 2011;18(4):200-5..

Um dos problemas relatados pelo INSS e pela maioria das empresas conveniadas, como neste estudo, é a dificuldade de recolocação do segurado reabilitado, por suas características: baixa escolaridade, idade avançada para o mercado de trabalho - mas insuficiente para aposentadoria - e falta de qualificação técnica1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22..

A baixa escolaridade é uma condição frequente entre trabalhadores, sobretudo aqueles que desenvolvem atividades que envolvem esforço físico, e é um dos fatores que determina em qual função ou setor o trabalhador será reabilitado22. Ziliotto DM, Berti AR. Vocational rehabilitation for disabled workers: reflections from the state of the art. Saúde Soc. 2013;22(3):736-50.. O nível baixo de escolaridade impacta negativamente sua reinserção em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, exigente e seletivo11. Cheres JEC, et al. Reabilitação profissional na agência da previdência social do município de Timóteo: uma prática possível? Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas. 2013;1(4)..

O próprio trabalhador manifesta sua preocupação quanto aos empecilhos na volta ao mercado. O estudo realizado com segurados atendidos nas agências da Previdência Social de Uberlândia e Araguari (MG), constatou que os trabalhadores indicaram como fatores para não acreditar em sua reinserção as sequelas adquiridas, falta de mercado para atuar, idade, exigências das empresas, insegurança frente ao mercado e à concorrência, dentre outros1212. Maywald CG, Rodrigues L. As perspectivas dos segurados atendidos pelo Programa de Reabilitação Profissional quanto à re-inserção ao mercado de trabalho. Anais do 1º Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca; 2010; Franca, SP. Franca: Unesp; 2010. [online] [citado em 2017 jun 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000112010000100023
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O perfil socioeconômico e ocupacional dos trabalhadores participantes do PRP condiz ao segmento mais pauperizado da população, com baixos salários, baixo nível de escolaridade, que desenvolvem atividades que exigem força física no desempenho da função, além da necessidade de complementação da renda através de “bicos” que acabam por desrespeitar a própria saúde. Em geral, são afastados por auxílio-doença decorrentes de estresse, estafa, bem como doenças relacionadas à coluna lombar e suas adjacências1212. Maywald CG, Rodrigues L. As perspectivas dos segurados atendidos pelo Programa de Reabilitação Profissional quanto à re-inserção ao mercado de trabalho. Anais do 1º Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca; 2010; Franca, SP. Franca: Unesp; 2010. [online] [citado em 2017 jun 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000112010000100023
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Em estudo sobre afastamentos laborais, o tempo médio foi de 45,8 meses, configurando-se em mais um aspecto para a falta de resolutividade dos casos1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22.. Em outro estudo, o longo período de afastamento e tratamento, além da demora no encaminhamento para a Reabilitação Profissional - e até o não encaminhamento em outros casos - denotam uma falha de interlocução e de diretrizes entre serviços, sistemas e políticas da previdência social, configurando-se como barreiras ao processo de reabilitação1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22.. Pesquisa mostra que 70,6% dos segurados que participaram de um programa longo, recebendo benefício durante todo o tempo, mantiveram-se fora do mercado de trabalho um ano após o término da reabilitação1414. Vacaro JE, Pedroso FS. Performance of insured workers in the rehabilitation service at the National Institute for Social Security. Acta Fisiátrica. 2011;18(4):200-5.. Os motivos apontados para tão alto índice foram, entre outros: aposentadoria por invalidez (judicial ou não); aposentadoria por tempo de contribuição; manutenção do benefício auxílio-doença ou acidente de trabalho concedido pelo INSS ou pleiteado judicialmente; demissão; recusa da empresa em aceitar o retorno do segurado; desinteresse por parte do segurado e o abandono do programa1414. Vacaro JE, Pedroso FS. Performance of insured workers in the rehabilitation service at the National Institute for Social Security. Acta Fisiátrica. 2011;18(4):200-5..

Um dos grandes desafios enfrentados pelos profissionais envolvidos com intervenções em reabilitação profissional está na contradição entre a necessidade de colocação de pessoas com incapacidade e as demandas das organizações empregadoras1515. Canal P, Cruz RM. Psychological aspects and vocational rehabilitation: a literature review. Estud Psicol (Campinas). 2013;30(4):593-601.. A meta deve buscar minimizar as barreiras para um retorno precoce ao trabalho, quer sejam estas de ordem diagnóstico-assistencial, quer seja de políticas previdenciárias ou, ainda, de gestão de recursos humanos das empresas. Essas ações devem favorecer o retorno terapêutico e precoce ao trabalho1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22..

Há ainda outros percalços para o trabalhador reabilitado que muitas vezes dificultam seu retorno e provocam lentidão na realização das negociações com o PRP, como a rejeição da própria empresa, gerando angústia e deixando o segurado inseguro para voltar ao trabalho1616. Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115..

A predominância de curtos períodos de reabilitação mostra que esse processo não considera realmente todas as habilidades do trabalhador, nem o vê de forma integral1717. Simonelli AP, et al. Proposta de articulação entre abordagens metodológicas para melhoria do processo de reabilitação profissional. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):64-73..

Por fim, a dificuldade maior de alguns setores é a ausência de desejo ou motivação dos trabalhadores para o retorno, seja devido ao medo de serem demitidos ao voltarem à empresa, seja por “preferirem” a aposentadoria1818. Coelho MP, Guedes LU, Machado RD. Reabilitação profissional Habilitá: ressignificação do trabalho e resgate da capacidade laboral. Revista Laborativa. 2012;1(1):52-66..

A prevalência de DORT como causa de afastamento, demonstrada na literatura e estatísticas oficiais, tem aumentado ao longo dos anos, acompanhando a tendência mundial de crescimento no acometimento por doenças do trabalho1919. Varekamp I, et al. Facilitating Empowerment in Employees with Chronic Disease: Qualitative Analysis of the Process of Change. J Occup Rehabil. 2009;19(4):398-408.), (2020. Varekamp I, van Dijk FJ, Kroll LE. Workers with a chronic disease and work disability: problems and solutions. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung Gesundheitsschutz. 2013;56(3):4-14.. Esses distúrbios representam o principal grupo de agravos à saúde entre as doenças ocupacionais em nosso país, não apenas pelo seu alto índice de prevalência, mas também por causa de sua complexidade, dificultando uma atuação mais efetiva por parte das equipes de saúde e instituições previdenciárias1010. Alcântara MA, Nunes GS, Ferreira BCMS. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: o perfil dos trabalhadores em benefício previdenciário em Diamantina (MG, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(8):3427-36..

Em um estudo sobre incapacidade para o trabalho com segurados do INSS, analisando os benefícios auxílio-doença, identificou-se que as maiores prevalências foram observadas nos grupos de lesões, envenenamento, outras consequências de causas externas (lesões), doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo (doenças osteomusculares), e doenças do aparelho digestivo77. Jakobi HR, et al. Inability to work: analysis of sickness benefits granted in the State of Rondônia. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(11):3157-68..

Trabalhadores com DORT são menos propensos a retornar ao antigo ambiente laboral, principalmente se houver condições extremas de risco ou alta carga de trabalho2121. Wiemer A, et al. Effectiveness of medical rehabilitation on return-to-work depends on the interplay of occupation characteristics and disease. J Occup Rehabil. 2017;27(1):59-69.. Uma pesquisa realizada com segurados do INSS no estado de Rondônia, identificou que as lesões, as doenças osteomusculares e as doenças do aparelho digestivo predominaram entre os benefícios acidentários77. Jakobi HR, et al. Inability to work: analysis of sickness benefits granted in the State of Rondônia. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(11):3157-68..

Diante dessa situação, a atuação, tanto na prevenção de acidentes e doenças e na promoção da saúde do trabalhador quanto na reabilitação, deve ser realizada por profissionais habilitados (médicos do trabalho, enfermeiros do trabalho etc.). Além de adequar o ambiente, as condições e a organização do trabalho, deve-se também elaborar e executar programas e campanhas voltados ao preparo físico dos trabalhadores, a fim de evitar o aparecimento de problemas de saúde, principalmente dos empregados que realizam atividades de grande esforço físico e com carga horária prolongada2222. Alves EF. Programas e ações em qualidade de vida no trabalho. Rev InterfacEHS. 2011;6(1):60-78..

Doenças vasculares relacionadas à postura são descritas na literatura. Trabalhadores, como no presente estudo, que encontram-se expostos a vários fatores de risco no exercício de suas atividades, como más condições de pavimentação e preservação das ruas e calçadas da cidade, condições de luminosidade natural e exposição ao ruído urbano, bem como condições climáticas e variação de temperaturas e ventos, estão mais sujeitos ao adoecimento por estas patologias2323. Brito APNP, et al. Investigaçãao de edema postural de membros inferiores em agentes de trânsito. J Vasc Bras. 2013;12(4):289-95..

Ressalta-se que a caracterização da etiologia do quadro é elaborada pela perícia médica a partir do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP). O NTEP é uma metodologia que objetiva identificar quais doenças e acidentes estão relacionados com a prática de uma determinada atividade profissional ao relacionar o CID com a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE). Tem como pressuposto fundamental minimizar a subnotificação dos agravos à saúde relacionados ao trabalho. Porém, o que se viu depois do período de adaptação do NTEP foi uma descaracterização frequente da espécie acidentária nos requerimentos, isso pode minimizar a justiça social ao trabalhador lesionado em decorrência do exercício do seu trabalho2424. Silva-Júnior JS, et al. Caracterização do nexo técnico epidemiológico pela perícia médica previdenciária nos benefícios auxílio-doença. Rev Bras Saúde Ocup. 2014;39(130):239-46..

Sendo assim, expectativa, frustração e medo se retroalimentam, uma vez que há desejo de cura e melhora a cada nova tentativa terapêutica e perspectiva de uma nova função. Frustração quando o resultado não é positivo; medo ou temor em relação à própria condição de limitação e à exclusão do trabalho sem possibilidade de retorno; e a consequente desvalorização pela perda do status de trabalhador muitas vezes buscando entender o porquê da doença ter surgido1010. Alcântara MA, Nunes GS, Ferreira BCMS. Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho: o perfil dos trabalhadores em benefício previdenciário em Diamantina (MG, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(8):3427-36..

Um estudo com um grupo de bancários de agências de um banco estatal e com um grupo de teleatendentes de um call center de uma empresa privada de telecomunicações, no estado do Ceará, evidenciou que o processo de reabilitação não recupera a capacidade laborativa dos trabalhadores2525. Borsoi ICF, Santos AOR, Acário SHA. Trabalhadores amedrontados, envergonhados e (in)válidos: violência e humilhação nas políticas de reabilitação por LER/DORT. Revista Psicologia Política. 2006;6(12)..

Muitas empresas reinserem o funcionário acidentado apenas para cumprir exigências legais e evitar multas e indenizações. De um modo geral, não proporcionam ao empregado a possibilidade de reorientação profissional e recolocação em funções mais adequadas aos limites impostos por sua condição de saúde que atendam também ao desejo do trabalhador1616. Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115..

Há ainda a insatisfação com o trabalho oferecido pela empresa de vínculo, demonstrando que, muitas vezes, as empresas não têm a preocupação em levar em consideração as habilidades e aptidões para readaptar um funcionário. Não oferecem cursos de aperfeiçoamento que proporcionem exercer outra tarefa com satisfação e não propiciam a possibilidade de participação no seu processo de reabilitação1616. Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115..

É importante considerar o impacto do afastamento e da não efetividade da reabilitação não só na vida profissional do trabalhador, mas também na família e na sociedade. As atividades da rotina de vida doméstica, familiar, trabalho e lazer são influenciadas pelas alterações nas estruturas e funções do corpo, levando a restrições. A inter-relação entre as áreas principais da vida (educação, trabalho e emprego) e a vida econômica, com os aspectos pessoais, baixa escolaridade e falta de preparo profissional da maioria dos trabalhadores, somada às limitações funcionais decorrentes da doença, impõem uma realidade não promissora para o retorno ao trabalho e, consequentemente, para a autossuficiência econômica1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22..

A Reabilitação Profissional desenvolvida no contexto empresarial por equipe multiprofissional é entendida pelos responsáveis como um processo gratificante para o reabilitado, empresa e funcionários. Além da recuperação física, os trabalhadores podem ter sua autoestima recuperada devido ao apoio recebido da empresa e dos colegas e pela certeza de um posto de trabalho compatível com sua capacidade laborativa, permitindo-lhes trabalhar normalmente de acordo com suas possibilidades, ritmo e sem dor ou esforço, conforme identificado em estudo de revisão22. Ziliotto DM, Berti AR. Vocational rehabilitation for disabled workers: reflections from the state of the art. Saúde Soc. 2013;22(3):736-50..

Entretanto, uma pesquisa com setor de terapia ocupacional no serviço de Reabilitação Profissional do INSS no estado de São Paulo identificou uma série de fatores que implicariam em uma avaliação da efetividade do serviço mais negativa do que positiva33. Bregalda MM, Lopes RE. A reabilitação profissional no INSS: caminhos da terapia ocupacional. Saúde Soc. 2016;25(2):479-93..

Os dilemas resultantes do processo de adoecimento, entretanto, não terminam quando se conclui o diagnóstico e se definem tratamento e prognóstico. Um processo de reabilitação que possa permitir o retorno do trabalhador às suas atividades laborais sofre influências da efetividade do sistema de previdência, bem como das políticas adotadas nas empresas2525. Borsoi ICF, Santos AOR, Acário SHA. Trabalhadores amedrontados, envergonhados e (in)válidos: violência e humilhação nas políticas de reabilitação por LER/DORT. Revista Psicologia Política. 2006;6(12)..

Assim, a incapacidade transcende o aspecto corporal e individual, e afeta a dimensão social, relacional e psíquica. Além de ter de enfrentar o medo, percebe-se que alguns fatores dificultam a adaptação ao novo trabalho, tais como exercer uma função com a qual não se identifica, reorganização de horários para refeições, formação de vínculo com colegas novos, acomodação por ficar muito tempo em casa, receio do retorno após tanto tempo de afastamento, recolocação em setores onde precisa trabalhar sozinho sem comunicação com outros trabalhadores, aceitação dos limites impostos em função da doença ou acidente no trabalho. Enfim, o segurado precisa construir uma nova identidade profissional a partir do momento em que retornam para a empresa1616. Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115..

Portanto, há um duplo processo de adaptação ao novo trabalho, grupo, chefia e a uma nova identidade profissional. Em tal circunstância, o trabalhador necessita buscar seu espaço e retomar o projeto profissional interrompido1616. Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115..

Em um estudo sobre facilitadores e barreiras para a reabilitação, as condições de trabalho referentes aos produtos e às tecnologias para o trabalho, além dos apoios e relacionamentos (especialmente relativos aos profissionais do INSS), foram classificadas como barreiras. Já os facilitadores foram o apoio e o relacionamento de profissionais da saúde1111. Toldrá RC, et al. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):10-22.. Isso mostra lacunas no processo que devem ser sanadas a fim de melhorar a efetividade do programa. Um estudo chinês demonstrou que a efetividade da reabilitação funcional está relacionada, também, à participação da família e comunidade2626. Chung EY, Packer TL. Outcomes and impact of community-based rehabilitation programmes in Chinese communities. Disabil Rehabil. 2017;39(8):817-21..

O trabalho da Reabilitação Profissional é uma ação que deve ser realizada por equipe interdisciplinar e multiprofissional, que visa à ampliação da percepção do trabalhador e sociedade, que considera o trabalho um dos fundamentos essenciais para a construção do ser social. Deve também fortalecer e aprimorar a prevenção de riscos ocupacionais e minimizar os efeitos da incapacidade laboral, reconhecendo as incapacidades e potencialidades de cada trabalhador, valorizando a escuta, empatia e apoio. Sendo o reabilitando um sujeito ativo do seu PRP com vontades e capacidade de encontrar soluções para suas circunstâncias enquanto portador de alguma limitação ou incapacidade1616. Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115..

Como limitações da pesquisa destacam-se: a dificuldade de contato com a agência do INSS da localidade (devido a greve durante a coleta de dados); o fato do estudo ter sido realizado em uma única empresa da cidade, não incluindo os atendimentos feitos pela agência da Previdência Social; aos participantes, trabalhadores de uma região específica do sul de Minas Gerais, cujas características de trabalho e organizações podem ser diferentes de outras regiões e contextos. Outra limitação é a impossibilidade inerente às próprias características da metodologia adotada de generalizar resultados.

Conclusão

Na perspectiva dos participantes desta pesquisa, o processo de reabilitação revela os impactos da doença e do afastamento do trabalho, a inefetividade do Programa de Reabilitação Profissional, as dificuldades no retorno ao trabalho e o relacionamento com chefias e colegas influenciando a readaptação laboral.

Este estudo possibilitou mostrar a importância do PRP no que se refere à saúde do trabalhador em seu contexto geral: físico, psíquico, social e, principalmente, pessoal.

Recomenda-se, para evitar afastamentos do trabalho, que sejam implementadas adequações nas práticas laborais e equipamentos dentro de parâmetros ergonômicos, pausas regulares de modo a evitar a permanência em uma postura específica e esforços repetitivos por períodos de trabalhos ininterruptos, além de outras medidas de prevenção a adoecimentos laborais.

Novas pesquisas com outras abordagens metodológicas são necessárias para entender, discutir e propor melhorias e maior eficiência, sobretudo envolvendo parcerias de diversas áreas de saúde para assistir o trabalhador em sua totalidade e integridade, compondo o Programa de Reabilitação Profissional da Previdência Social conforme proposto em seu projeto original para assegurar aos trabalhadores uma vida laboral satisfatória.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2016
  • Revisado
    29 Dez 2016
  • Aceito
    09 Jan 2017
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