Introdução
O Brasil se destaca como o maior exportador mundial de tabaco e o segundo maior produtor de fumo. A região Sul é responsável por 98% da produção do país e emprega mais de 150 mil famílias na fumicultura, enquanto o estado do Rio Grande do Sul é responsável por 49% da produção. Em 2016, o setor arrecadou cerca de R$ 30 bilhões em relação à renda e tributação e gerou mais de 650 mil empregos diretos na agricultura, mostrando a importância econômica dessa atividade para o país1.
A dor nas costas relacionada ao trabalho aumentou nas últimas décadas, com muitos estudos focando na dor lombar devido à sua alta prevalência e efeitos limitantes no trabalho2)-(4. Estudos demográficos na Suécia encontraram prevalência de dor na coluna torácica de 10,2% e 15,0%5),(6.
Outro estudo realizado com trabalhadores brasileiros avaliou a associação entre dor em diferentes locais do corpo e fatores relacionados à dor musculoesquelética7, sugerindo que apresentar dor em um local do corpo está associado a dor em outro. Entre os que relataram dor torácica, por exemplo, 50% também relataram dor lombar simultânea. Estar altamente exposto ao trabalho manual e à má postura no local de trabalho aumentou em 1,5 vezes a prevalência de dor em mais de um local do corpo. Embora os dados epidemiológicos sobre dor na coluna torácica sejam escassos, este estudo7 incentiva a avaliação da dor na coluna torácica a partir de dados concretos sobre as dores lombares em trabalhadores2), (3), (7), (8.
O trabalho agrícola requer práticas diárias intensas com suscetibilidade às condições climáticas e exposição a diversos fatores associados como carregar cargas pesadas, movimentos corporais repetidos ou contínuos9 e movimentos repetitivos dos membros superiores10. Todos esses fatores se apresentam no trabalho cotidiano da fumicultura - trabalho basicamente manual envolvendo a agricultura familiar com clara divisão sexual das tarefas. Ao longo de mais de um século de fumicultura no Brasil, muitas tecnologias foram aprimoradas e implementadas, mas mesmo assim os fumicultores ainda têm cargas de trabalho intensas, como usar pulverizadores de mochila para aplicação de agrotóxicos, colher o baixeiro (folhas inferiores) e passar varas com folhas de tabaco, muitas vezes agravadas por longos dias de trabalho, especialmente durante a colheita8.
Considerando esta realidade e a relevância da fumicultura no Brasil, este estudo visa identificar a prevalência de dores na coluna torácica e seus fatores associados em fumicultores no sul do Brasil.
Métodos
Este é um estudo transversal com amostra aleatória de fumicultores do município de São Lourenço do Sul, Rio Grande do Sul, durante a safra de 2011 (janeiro a março). O Projeto sobre a Fumicultura estudou 2.469 trabalhadores11 com mais de 18 anos. Para estudar a prevalência de dor na coluna torácica e fatores associados no último ano, a amostra foi estratificada por sexo e o estudo teve poder estatístico de 80% para estimar riscos superiores a 1,7 para as variáveis investigadas, usando um nível de confiança de 95%.
A amostra foi selecionada a partir de 3.851 notas fiscais fornecidas pela Secretaria Municipal da Fazenda, referentes à venda de tabaco e emitidas em 2009. Estimou-se cerca de três trabalhadores por propriedade agrícola e obteve-se uma amostra aleatória simples de 1.100 notas fiscais. Fumicultores que trabalhavam pelo menos quinze horas por semana eram elegíveis. Se os indivíduos selecionados não trabalhavam mais na fumicultura quando a entrevista foi realizada, foram substituídos pelo vizinho fumicultor mais próximo. Trabalhadores residentes na área urbana ou que não mais residiam no município em estudo, bem como os casos em que a nota fiscal fora emitida por um indivíduo que não trabalhava com fumicultura ou em cuja propriedade ninguém trabalhava com cultivo de tabaco eram inelegíveis.
Com relação à coleta de dados, utilizou-se dois instrumentos pré-codificados em formato eletrônico com PDA (personal digital assistant). Um instrumento avaliou aspectos da propriedade rural e foi respondido pelo administrador agrícola; o outro se concentrou em aspectos individuais, coletando dados sobre questões sociodemográficas e comportamentais, atividades de trabalho, cargas de trabalho, doença da folha verde do tabaco (DFV), intoxicação por agrotóxicos, sintomas respiratórios, transtornos psiquiátricos menores e dor na coluna vertebral. Fumantes eram os trabalhadores que fumavam um ou mais cigarros por dia durante o último mês, enquanto os ex-fumantes eram aqueles que relataram ter parado de fumar há mais de um mês.
A presença de dor na coluna torácica foi avaliada pelo Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares12, validado no Brasil13, e já utilizado em outros estudos2),(14. Para avaliar o desfecho, cada participante foi perguntado sobre a presença de dor nas costas nos 12 meses anteriores à entrevista. Se os trabalhadores relatavam dor, lhes era apresentado um desenho do corpo humano em ortostase com as regiões da coluna vertebral (cervical, torácica e lombar) destacadas em cores diferentes. Se apontassem para a região torácica, eram considerados com dor na coluna torácica.
A doença da folha verde no ano anterior foi definida como a ocorrência de tontura ou dor de cabeça e náuseas ou vômito dois dias após a colheita do tabaco15. Os transtornos psiquiátricos menores foram medidos de acordo com o questionário autoaplicável (SRQ-20), um teste de triagem voltado principalmente para ansiedade e sintomas depressivos, usando escores ≥ 8 para mulheres e ≥ 6 para homens16.
A análise dos dados foi realizada usando o Stata 12.0®. A frequência das variáveis foi verificada por meio da análise da tendência central e das medidas de proporções. Em seguida realizou-se uma análise bivariada, testando a associação entre o desfecho e as variáveis independentes pelo Teste de Wald para Heterogeneidade e Tendência Linear. A análise multivariável foi realizada utilizando-se a Regressão de Poisson com variância robusta e seleção para trás para estimar as razões de prevalência (RP) e os intervalos de confiança (IC95%). O nível de significância adotado para a seleção das variáveis foi de 20% para controlar fatores de confusão. A análise multivariada seguiu um modelo hierárquico17 composto por quatro níveis: 1 - condições socioeconômicas, demográficas e comportamentais; 2 - atividades de trabalho e cargas de trabalho; 3 - comorbidades; 4 - saúde mental. Foram examinadas interações entre sexo, escolaridade e dor na coluna torácica, sendo o sexo um fator de modificação do efeito. Como as tarefas desempenhadas diferem para homens e mulheres, a análise foi estratificada por sexo. Para a qualidade de ajuste do modelo utilizou-se as estatísticas Cp de Mallows, R2 ajustado, Critério de Informação bayesiano, Critério de Informação de Akaike e Critério de Informação de Akaike Corrigido.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (Parecer nº 11/2010) e todos os participantes do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
A amostra foi composta por 2.469 trabalhadores de ambos os sexos de 912 propriedades agrícolas. As perdas e recusas representaram 5,9%. Quanto à população estudada, 59% eram do sexo masculino e metade tinha entre 18 e 39 anos; 7,2% dos homens e 4,8% das mulheres tinham mais de 60 anos e 44% de ambos os sexos tinham até 4 anos de estudo (Tabela 1).
Tabela 1 Descrição da amostra estratificada de 2.469 fumicultores, segundo o sexo. São Lourenço do Sul, RS, Brasil, 2011
Variável | Mulheres | Homens | p* | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % (IC95%) | n | % (IC95%) | |||
1º nível - Condições Socioeconômicas, Demográficas e Comportamentais | ||||||
Idade | ||||||
18-39 anos | 522 | 51,9 (48,8-55,0) | 746 | 51,0 (48,4-53,5) | 0,045 | |
40-59 anos | 435 | 43,3 (40,2-46,3) | 612 | 41,8 (39,3-44,3) | ||
60 anos ou mais | 48 | 4,8 (3,4-6,1) | 106 | 7,2 (5,9-8,6) | ||
Escolaridade | ||||||
0-4 anos | 442 | 44,0 (41,0-47,0) | 644 | 44,0 (41,4-46,5) | 0,016 | |
5-8 anos | 473 | 47,0 (44,0-50,1) | 732 | 50,0 (47,4-52,6) | ||
9 anos ou mais | 90 | 9,0 (7,2-10,7) | 88 | 6,0 (4,8-7,2) | ||
Tempo trabalhando com tabaco | ||||||
Até 9 anos | 311 | 31,0 (28,1-33,9) | 457 | 31,2 (28,9-33,6) | 0,136 | |
10-19 anos | 347 | 34,6 (31,6-37,5) | 455 | 31,1 (28,7-33,5) | ||
20 anos ou mais | 345 | 34,4 (31,4-37,3) | 551 | 37,7 (35,2-40,1) | ||
Quantidade de tabaco produzido (Kg) | ||||||
1-5.000Kg | 359 | 36,0 (33,0-38,9) | 487 | 33,5 (31,0-36,0) | 0,242 | |
5.001-10.000Kg | 438 | 44,0 (41,0-47,0) | 638 | 43,8 (41,3-46,4) | ||
10.001-36.000Kg | 201 | 20,0 (17,6-22,6) | 330 | 22,7 (20,5-24,8) | ||
Fuma | ||||||
Não | 929 | 92,4 (91,0-94,1) | 730 | 49,9 (47,3-52,4) | <0,001 | |
Ex-fumante | 44 | 4,4 (3,1-5,6) | 278 | 19,0 (17,0-21,0) | ||
Fumante | 32 | 3,2 (2,1-4,3) | 456 | 31,1 (28,8-33,5) | ||
2º nível - Atividades de trabalho e Carga de trabalho | ||||||
Passar varas com folhas de tabaco | ||||||
Não | 270 | 26,9 (24,1-30,0) | 943 | 64,5 (62,0-67,0) | <0,001 | |
Sim | 735 | 73,1 (70,4-75,9) | 520 | 35,5 (33,1-38,0) | ||
Amarrar manocas de fumo | ||||||
Não / às vezes | 135 | 13,4 (11,3-15,5) | 210 | 14,4 (12,5-16,1) | 0,517 | |
Frequentemente / sempre | 870 | 86,6 (84,4-88,7) | 1,253 | 85,6 (83,8-87,4) | ||
Limpar equipamentos para aplicação de agrotóxicos | ||||||
Não | 764 | 76,3 (73,7-79,0) | 356 | 24,3 (22,1-26,5) | <0,001 | |
Sim | 237 | 23,7 (21,0-26,3) | 1,108 | 75,7 (73,5-77,9) | ||
Horas de trabalho durante a colheita | ||||||
13-18 horas/dia | 252 | 25,1 (22,4-27,8) | 530 | 36,3 (33,8-38,8) | <0,001 | |
9-12 horas/dia | 556 | 55,5 (52,3-58,5) | 805 | 55,2 (52,6-57,7) | ||
Até 8 horas/dia | 195 | 19,4 (17,0-21,9) | 124 | 8,5 (7,1-9,9) | ||
Trabalhar em ritmo intenso ou acelerado | ||||||
Até 3 meses de ritmo pesado | 434 | 43,3 (40,2-46,4) | 600 | 41,1 (38,6-43,7) | 0,284 | |
4-7 meses de ritmo pesado | 469 | 46,8 (43,7-49,9) | 687 | 47,2 (44,5-49,7) | ||
8 meses ou mais | 99 | 9,9 (8,0-11,7) | 171 | 11,7 (10,1-13,4) | ||
Trabalhar curvado | ||||||
Não | 78 | 7,8 (6,1-9,4) | 94 | 6,4 (5,2-7,7) | 0,194 | |
Sim | 925 | 92,2 (90,6-93,9) | 1,370 | 93,6 (92,3-94,8) | ||
Trabalhar longos períodos sentado no chão | ||||||
Não | 486 | 48,4 (45,3-51,5) | 770 | 52,6 (50,0-55,1) | 0,041 | |
Sim | 518 | 51,6 (48,5-54,7) | 694 | 47,4 (44,8-50,0) | ||
3º nível - Comorbidades | ||||||
Intoxicação por agrotóxicos (vida) | ||||||
Não | 953 | 94,9 (93,5-96,3) | 1,326 | 90,6 (89,1-92,1) | <0,001 | |
Sim | 51 | 5,1 (3,7-6,4) | 138 | 9,4 (7,9-10,9) | ||
Episódios de doença da folha verde do tabaco (ano anterior) | ||||||
Nunca | 846 | 85,1 (82,8-87,2) | 1,324 | 91,2 (89,7-92,6) | <0,001 | |
Até 3 vezes | 73 | 7,3 (5,7-8,9) | 88 | 6,1 (4,8-7,3) | ||
4 vezes ou mais | 76 | 7,6 (6,0-9,3) | 40 | 2,7 (1,9-3,6) | ||
Chiado com dispneia (ano anterior) | ||||||
Não | 960 | 95,6 (94,3-96,9) | 1,412 | 96,5 (95,5-97,4) | 0,297 | |
Sim | 44 | 4,4 (3,1-5,6) | 52 | 3,5 (2,6-4,5) | ||
4º nível - Saúde mental | ||||||
Transtornos Psiquiátricos Menores** | ||||||
Não | 837 | 85,7 (83,5-87,9) | 1,274 | 89,6 (88,0-91,2) | 0,004 | |
Sim | 140 | 14,3 (12,1-16,5) | 148 | 10,4 (8,8-12,0) | ||
Desfecho | ||||||
Dor na coluna torácica | ||||||
Não | 792 | 78,9 (76,3-81,4) | 1,151 | 78,7 (76,6-80,8) | 0,900 | |
Sim | 212 | 21,1 (18,6-23,6) | 312 | 21,3 (19,2-23,4) |
IC95% = Intervalo de Confiança de 95%
*Teste qui-quadrado para heterogeneidade
**Faltam 70 observações
Metade dos homens e 7,6% das mulheres eram fumantes ou ex-fumantes. Cerca de 73% das mulheres passavam varas com folhas de tabaco, enquanto a poda de árvores (62,3%) e limpeza de equipamentos para aplicação de agrotóxicos (75,7%) foram atividades predominantemente realizadas por homens. Mais da metade da amostra trabalhou entre 9 e 12 horas por dia durante a safra e 52% das mulheres trabalharam por longos períodos sentadas no chão. Cinco por cento das mulheres relataram intoxicação por agrotóxicos em algum momento e 7,6% das mulheres e 2,7% dos homens tiveram quatro ou mais episódios de DFV no ano anterior. Aproximadamente 4% de ambos os sexos relataram chiado no peito com dispneia no ano anterior, enquanto 14,3% das mulheres e 10,4% dos homens apresentaram transtornos psiquiátricos menores. A prevalência de dor na coluna torácica no ano anterior entre fumicultores foi de 21,2%, sem diferença entre os sexos (Tabela 1).
Houve interação significativa entre sexo, escolaridade e dor na coluna torácica, sendo o sexo um modificador de efeito para essa associação.
Para as mulheres, na análise ajustada, ser fumante ou ex-fumante aumentou o risco de dor na coluna torácica em 70% (IC95% 1,22-2,39), limpar equipamentos para aplicação de agrotóxicos aumentou o risco em 40% (IC95% 1,09-1,81), ter apresentado intoxicação por agrotóxico em algum momento de suas vidas aumentou o risco em 82% (IC95% 1,32-2,50). O número de episódios de DFV mostrou associação linear positiva com dor na coluna torácica. Chiado no peito com dispneia no ano anterior aumentou o risco do desfecho em 61% (IC95% 1,05-2,45), enquanto transtornos psiquiátricos menores aumentaram o risco em 71% (IC95% 1,31-2,22%). Trabalhar de 9 a 12 horas por dia durante a colheita e trabalhar sentado por longos períodos no chão foram associados à redução do risco de dor na coluna torácica, com razão de prevalência de 0,62 (IC95% 0,48-0,81) e 0,75 (IC95% 0,59-0,95), respectivamente (Tabela 2).
Tabela 2 Dor na coluna torácica no ano anterior: prevalência e fatores associados entre as mulheres fumicultoras. São Lourenço do Sul, RS, Brasil, 2011 (n=1.005)
Variável | % | Bruta | Ajustada | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RP | IC95% | p | RP | IC95% | p | |||
1º nível - Condições Socioeconômicas, Demográficas e Comportamentais | ||||||||
Fumar | 0,002* | 0,002* | ||||||
Não | 20,0 | 1 | - | 1 | - | |||
Fumante / Ex-fumante | 34,2 | 1,71 | 1,22 - 2,39 | 1,71 | 1,22 - 2,39 | |||
2º nível - Atividades de trabalho e Carga de trabalho | ||||||||
Amarrar manocas de fumo | 0,101* | 0,140* | ||||||
Não / às vezes | 15,6 | 1 | - | 1 | - | |||
Frequentemente / sempre | 22,0 | 1,41 | 0,93 - 2,13 | 1,37 | 0,90 - 2,09 | |||
Limpar equipamentos para aplicação de agrotóxicos | 0,006* | 0,009* | ||||||
Não | 19,2 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 27,4 | 1,42 | 1,11 - 1,83 | 1,40 | 1,09 - 1,81 | |||
Horas de trabalho durante a colheita | <0,001* | 0,002* | ||||||
13 - 18 horas/dia | 29,4 | 1 | - | 1 | - | |||
9 - 12 horas/dia | 17,4 | 0,59 | 0,46 - 0,77 | 0,62 | 0,48 - 0,81 | |||
Até 8 horas/dia | 20,1 | 0,68 | 0,49 - 0,96 | 0,76 | 0,54 - 1,08 | |||
Trabalhar em ritmo intenso ou acelerado | 0,035** | 0,139** | ||||||
Até 3 meses de ritmo pesado | 18,9 | 1 | - | 1 | - | |||
4-7 meses de ritmo pesado | 21,5 | 1,14 | 0,88 - 1,47 | 1,10 | 0,84 - 1,43 | |||
8 meses ou mais | 29,3 | 1,55 | 1,07 - 2,22 | 1,35 | 0,94 - 1,94 | |||
Trabalhar longos períodos sentado no chão | 0,039* | 0,019* | ||||||
Não | 23,9 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 18,5 | 0,78 | 0,61 - 0,99 | 0,75 | 0,59 - 0,95 | |||
3º nível - Comorbidades | ||||||||
Intoxicação por agrotóxicos (vida) | <0,001* | <0,001* | ||||||
Não | 19,9 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 43,1 | 2,16 | 1,54 - 3,04 | 1,82 | 1,32 - 2,50 | |||
Episódios de doença da folha verde do tabaco (ano anterior) | 0,001** | 0,024** | ||||||
Nunca | 19,7 | 1 | - | 1 | - | |||
Até 3 vezes | 23,3 | 1,18 | 0,76 - 1,83 | 1,16 | 0,75 - 1,78 | |||
4 vezes ou mais | 35,5 | 1,80 | 1,29 - 2,51 | 1,42 | 1,05 - 1,92 | |||
Chiado com dispneia (ano anterior) | 0,021* | 0,028* | ||||||
Não | 20,5 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 34,1 | 1,66 | 1,08 - 2,55 | 1,61 | 1,05 - 2,45 | |||
4º nível - Saúde mental | ||||||||
Transtornos Psiquiátricos Menores | <0,001* | <0,001* | ||||||
Não | 18,2 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 38,6 | 2,12 | 1,65 - 2,74 | 1,71 | 1,31 - 2,22 |
RP = razão de prevalência
IC95% = Intervalo de Confiança de 95%
*Teste de Wald para heterogeneidade
**Teste de Wald para tendência linear
Para os homens, na análise ajustada, a associação entre o tempo de trabalho e a dor na coluna torácica apresentou heterogeneidade entre categorias, mas sem tendência linear. Passar varas com folhas de tabaco aumentou o risco em 52% (IC95% 1,25-1,84) e limpar equipamentos para aplicação de agrotóxicos aumentaram o risco de dor na coluna torácica em 61% (IC95% 1,22-2,13). Ter apresentado chiado no peito com dispneia no ano anterior revelou uma razão de prevalência de 1,73 (IC95% 1,17-2,54), enquanto ter apresentado transtornos psiquiátricos menores aumentou o risco em 52% (IC95% 1,15-2,00). Trabalhar de 9 a 12 horas por dia durante a colheita foi associado à redução do risco (RP 0,75 - IC95% 0,61-0,93). A escolaridade e o número de episódios de DFV no ano anterior mostraram associação linear positiva com o desfecho (Tabela 3).
Tabela 3 Dor na coluna torácica no ano anterior: prevalência e fatores associados entre os homens fumicultores. São Lourenço do Sul, RS, Brasil, 2011 (n=1.464)
Variável | % | Bruta | Ajustada | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RP | IC95% | p | RP | IC95% | p | |||
1º nível - Condições Socioeconômicas, Demográficas e Comportamentais | ||||||||
Escolaridade | <0,001** | <0,001** | ||||||
0-4 anos | 16,6 | 1 | - | 1 | - | |||
5-8 anos | 24,7 | 1,48 | 1,20 - 1,84 | 1,56 | 1,26 - 1,93 | |||
9 anos ou mais | 27,3 | 1,64 | 1,12 - 2,40 | 1,76 | 1,18 - 2,62 | |||
Tempo trabalhando com tabaco | 0,149* | 0,044* | ||||||
Até 9 anos | 23,2 | 1 | - | 1 | - | |||
10-19 anos | 18,2 | 0,78 | 0,61 - 1,01 | 0,82 | 0,64 - 1,06 | |||
20 anos ou mais | 22,3 | 0,96 | 0,76 - 1,21 | 1,13 | 0,89 - 1,43 | |||
2º nível - Atividades de trabalho e Carga de trabalho | ||||||||
Podar árvores | 0,008* | 0,115* | ||||||
Não / às vezes | 17,6 | 1 | - | 1 | - | |||
Frequentemente / sempre | 23,6 | 1,34 | 1,08 - 1,66 | 1,19 | 0,96 - 1,48 | |||
Passar varas com folhas de tabaco | <0,001* | <0,001* | ||||||
Não | 18,6 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 26,4 | 1,42 | 1,17 - 1,73 | 1,52 | 1,25 - 1,84 | |||
Limpar equipamentos para aplicação de agrotóxicos | <0,001* | 0,001* | ||||||
Não | 14,4 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 23,6 | 1,64 | 1,24 - 2,16 | 1,61 | 1,22 - 2,13 | |||
Horas de trabalho durante a colheita | 0,042* | 0,011* | ||||||
13 - 18 horas/dia | 24,5 | 1 | - | 1 | - | |||
9 - 12 horas/dia | 18,9 | 0,77 | 0,63 - 0,95 | 0,75 | 0,61 - 0,93 | |||
Até 8 horas/dia | 23,4 | 0,95 | 0,67 - 1,35 | 1,08 | 0,76 - 1,53 | |||
Trabalhar curvado | 0,049* | 0,184* | ||||||
Não | 12,8 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 21,9 | 1,72 | 1,00 - 2,94 | 1,44 | 0,84 - 2,45 | |||
3º nível - Comorbidades | ||||||||
Episódios de doença da folha verde do tabaco (ano anterior) | <0,001* | 0,013** | ||||||
Nunca | 20,1 | 1 | - | 1 | - | |||
Até 3 vezes | 35,2 | 1,75 | 1,29 - 2,37 | 1,42 | 1,06 - 1,91 | |||
4 vezes ou mais | 30,0 | 1,49 | 0,92 - 2,42 | 1,47 | 0,90 - 2,39 | |||
Chiado com dispneia (ano anterior) | <0,001* | 0,005* | ||||||
Não | 20,5 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 44,2 | 2,16 | 1,56 - 2,98 | 1,73 | 1,17 - 2,54 | |||
4º nível - Saúde mental | ||||||||
Transtornos Psiquiátricos Menores | <0,001* | 0,003* | ||||||
Não | 19,3 | 1 | - | 1 | - | |||
Sim | 37,2 | 1,92 | 1,52 - 2,44 | 1,52 | 1,15 - 2,00 |
RP = razão de prevalência
IC95% = Intervalo de Confiança de 95%
*Teste de Wald para heterogeneidade
**Teste de Wald para tendência linear
Discussão
Este estudo apresenta uma alta prevalência de dor na coluna torácica no ano anterior, nesta população. Limpeza de equipamentos para aplicação de agrotóxicos, número de episódios de DFV, chiado com dispneia e transtornos psiquiátricos menores foram positivamente associados ao desfecho em ambos os sexos. Fumar e ter apresentado intoxicação por agrotóxicos durante a vida foram fatores associados nas mulheres; escolaridade e passar varas com folhas de tabaco foram positivamente associados à dor na coluna torácica nos homens.
A prevalência de dor na coluna torácica no ano anterior foi semelhante à encontrada entre os trabalhadores rurais na Grécia (21%)18, embora tenha sido quase o dobro do encontrado na população geral da Suécia5),(6. Em nosso estudo, a avaliação da dor em outras partes do corpo indica que a prevalência de dor na coluna torácica é maior do que a prevalência de dor lombar crônica (8,4%), mas inferior à prevalência de dor lombar aguda (30,8%) e dor lombar no último mês (36,0%)3),(19. A comparabilidade dos dados de prevalência foi comprometida porque muitos estudos agrupam segmentos distintos da coluna vertebral20),(21. Ademais, estudos sobre dor na coluna torácica em trabalhadores rurais são escassos. Dores musculoesqueléticas na coluna torácica podem causar restrição total ao trabalho dos fumicultores, ou restrições parciais que levam à evasão de certas tarefas, tendo impacto significativo na qualidade de vida e na situação financeira familiar. No entanto, não encontramos estudos sobre restrições ao trabalho decorrentes de dor na coluna torácica.
A idade não foi associada ao desfecho entre mulheres ou homens, sugerindo que fatores intrínsecos a este trabalho22)-(24 são mais importantes para determinar dor na coluna torácica do que processos degenerativos inerentes à idade. Fatores ocupacionais associados à dor na coluna torácica são distintos entre os sexos e podem estar relacionados à divisão sexual do trabalho na fumicultura. Como o cultivo do fumo ocorre em um contexto de agricultura familiar, os jovens adultos, que na zona rural são precisamente aqueles com maior escolaridade, tendem a realizar trabalhos mais extenuantes envolvendo maior intensidade e maior risco, o que pode explicar a associação positiva entre a escolaridade e a dor na coluna torácica nos homens.
A associação entre limpar equipamentos para aplicação de agrotóxicos e dor musculoesquelética na coluna torácica em ambos os sexos pode estar relacionada a períodos prolongados em pé, curvando-se sobre o tanque de lavagem e pode ser agravada quando a altura do tanque é inadequada, bem como o peso do equipamento a ser manipulado durante a lavagem. Outra atividade associada ao risco de dor na coluna torácica em homens é passar varas com folhas de tabaco. Alguns trabalhadores são designados para trabalhar em andaimes, onde ficam em pé em vigas de madeira, enquanto outros permanecem no chão passando, uma a uma, as varas com folhas de tabaco verdes atadas, para serem penduradas em celeiros convencionais para cura8. Essa tarefa requer agilidade, equilíbrio e força, bem como movimento constante da coluna vertebral, tanto para o trabalhador no alto das vigas, que se inclina para pegar as varas, quanto para aqueles no chão, que esticam suas colunas levantando-as. A literatura sugere que a maioria das queixas de dor musculoesquelética estão relacionadas às atividades de trabalho realizadas com má postura, com sobrecarga, ou mesmo uma combinação desses fatores24.
O aumento linear da dor na coluna torácica de acordo com o número de episódios de DFV no ano anterior, em ambos os sexos, pode resultar da absorção de altos níveis de nicotina pela pele e inalação de poeira orgânica, especialmente poeira da folha de tabaco à qual esses trabalhadores estão expostos, principalmente durante a colheita25. Análises anteriores também encontraram associação entre DFV e dor lombar crônica nesta população de fumicultores19. Os efeitos químicos da nicotina no corpo humano podem afetar o sistema musculoesquelético, uma vez que a nicotina afeta o sistema circulatório e prejudica a nutrição dos discos intervertebrais26.
A intoxicação por agrotóxicos no ano anterior foi um importante fator associado à dor na coluna torácica entre as mulheres. Estudos mostram que a intoxicação por agrotóxicos pode estar associada a transtornos musculoesqueléticos19),(27, pois a velocidade de condução nervosa relacionada à percepção da dor pode ser alterada pelos efeitos neurotóxicos dos agrotóxicos28),(29. Além disso, os neonicotinóides são absorvidos pela mesma rota que a nicotina e podem ter toxicidade semelhante30.
A associação positiva entre chiado no peito com dispneia e dor na coluna torácica é consistente com estudos que demostram a relação entre disfunções respiratórias e dores musculoesqueléticas. Há evidências de que certos sintomas respiratórios afetam a região adjacente aos pulmões, causando dor nos músculos torácicos devido ao esforço necessário para respirar ou remover secreções31)-(34.
Transtornos psiquiátricos menores podem causar tensão muscular prolongada resultando em dor musculoesquelética, pois alteram estímulos nociceptivos, intensificando a percepção da dor35. Pode, no entanto, haver causalidade reversa, uma vez que problemas musculoesqueléticos causam desconforto e restringem a capacidade de trabalho, o que pode afetar negativamente a saúde mental36)-(38.
No setor agropecuário, uma jornada de trabalho média de oito horas e meia foi um fator associado aos transtornos musculoesqueléticos39. Em nosso estudo, trabalhar entre 9 e 12 horas por dia e trabalhar longos períodos sentado no chão foram fatores protetores para dor na coluna torácica comparados à categoria de referência. Essas associações podem refletir um viés do trabalhador sadio, já que para realizar um trabalho agrícola por longos períodos ou permanecer sentada no chão por muitas horas, uma pessoa precisa apresentar saúde excelente.
Este estudo aprofunda o conhecimento sobre a dor na coluna torácica em fumicultores e discute as associações entre o resultado e a exposição ergonômica e química, especialmente à nicotina e aos agrotóxicos. Nossos resultados indicam que, mesmo entre os trabalhadores rurais, a prevalência de dor na coluna torácica é alta. Embora essa comunidade seja muito fechada, como os entrevistadores viviam na mesma região, obteve-se uma alta taxa de resposta. Os resultados podem ser aplicáveis a outras culturas agrícolas com características similares à fumicultura.
Estudos futuros devem fornecer uma compreensão mais aprofundada da associação entre exposição química e desfechos musculoesqueléticos, aumentando a caracterização de tipos de produtos químicos, formas de exposição, uso de equipamentos de proteção e avaliando os biomarcadores de tal exposição. Considerando a alta prevalência de dor na coluna torácica e que a fumicultura é uma atividade familiar, o grau de limitação do trabalho devido à dor na coluna torácica também precisa ser avaliado.
Os profissionais da saúde, especialmente aqueles que trabalham em áreas rurais, devem estar cientes dos riscos ocupacionais aos quais fumicultores estão expostos para proporcionar uma adequada educação em saúde . Eles precisam ter ciência de que, além de fatores ergonômicos relacionados à dor na coluna torácica, fatores químicos também podem desempenhar um papel importante no desfecho. Os fumicultores precisam desenvolver hábitos mais saudáveis. Do ponto de vista ergonômico, é importante implementar pausas regulares durante o dia, alongando e ajustando a postura para minimizar o impacto do trabalho na saúde. Quanto à exposição química, é importante reduzir o uso de agrotóxicos, reestruturar ergonomicamente as atividades de trabalho, particularmente a amarração de manocas de fumo, ou mecanizar processos de trabalho para evitar exposição a agrotóxicos e nicotina. Essas ações devem melhorar a qualidade de vida e a saúde dos fumicultores.