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Perspectivas da nova segurança

Cook e Woods11. Woods DD, Cook RI. Nine Steps to Move Forward from Error. Cogn Tech Work. 2002;4(2):137-44., em artigo seminal, apontam os caminhos para superar a noção de ‘erro humano’, utilizada como explicação nas investigações de incidentes e acidentes industriais. Nos nove passos propostos, as análises devem: (1) buscar ‘segundas histórias’ para explicar os acontecimentosb b De maneira geral, todo profissional que inicia investigação de acidente escuta, dos representantes da empresa, narrativas semelhantes, que associam o evento às caraterísticas individuais dos trabalhadores envolvidos ou ao seu comportamento. Trata-se de história com conteúdo similar que remete ao ato inseguro ou ao erro humano para explicar o acidente e influenciar o processo de investigação. Daí a importância de se buscar segundas histórias. ; (2) se proteger do viés retrospectivo portado pelos especialistas; (3) conhecer o trabalho dos operadores; (4) buscar as vulnerabilidades sistêmicas; (5) desvelar a produção da segurança pela prática; (6) buscar fatores distais ao evento; (7) examinar como os determinantes macro produzem novas vulnerabilidades; (8) usar tecnologias para suportar e favorecer o desempenho dos operadores; e (9) controlar a complexidade dos sistemas por novas formas de feedback.

A segurança, na concepção desses autores, não é inerente ao desenho e funcionamento dos sistemas de produção, ou seja, não é assegurada, apenas, pela escolha tecnológica, pela manutenção dos equipamentos, pela observância estrita de procedimentos e pelo controle do comportamento dos operadores. No caso dos sistemas complexos, a interrelação entre as diversas funções e variáveis de processo pode levar o sistema a um estado de funcionamento desconhecido para os operadores. Assim, em certas circunstâncias, a ocorrência de possíveis incidentes não detectados pelas equipes de operação passa a ser normal. A segurança, em contrapartida, é fabricada nas atividades dos trabalhadores e engenheiros, assim como em suas interações, que se encontram integradas à capacidade da organização de se ajustar às condições que enfrentam para controlar a complexidade do sistema de produção e assegurar funcionamento robusto e resiliente11. Woods DD, Cook RI. Nine Steps to Move Forward from Error. Cogn Tech Work. 2002;4(2):137-44..

Besnard e Hollnagel22. Besnard D, Hollnagel E. I want to believe: Some myths about the management of industrial safety. Cogn Tech Work. 2014;16(1):13-23., em outro texto capital, revelam os mitos fundantes do gerenciamento da segurança. Dentre eles, três merecem ser abordados: o primeiro trata do erro humano como a maior causa de acidentes e incidentes, o segundo sustenta a obediência aos procedimentos de segurança como garantia de operação segura e o terceiro afirma que a adoção de mais barreiras de segurança aumenta a proteção do sistema.

Após analisar esses mitos em detalhe, os autores mostram suas fragilidades e caminhos para superá-los. Resumidamente: sublinham a necessidade de se conhecer o trabalho dos operadores em situação, suas contradições e determinantes, a importância dos ajustes que realizam para enfrentar a variabilidade e a complexidade dos sistemas; mostram quais regras e procedimentos são referência para a ação dos operadores, não necessariamente cabíveis em todas as situações e aplicáveis segundo a compreensão das situações vivenciadas. E, enfim, apontam que a adoção de nova barreira de proteção pode levar a situações desconhecidas, imprevistas, que aumentam o risco e a complexidade do sistema sob controle.

Contrapondo-se ao foco no erro humano, esses autores11. Woods DD, Cook RI. Nine Steps to Move Forward from Error. Cogn Tech Work. 2002;4(2):137-44.),(22. Besnard D, Hollnagel E. I want to believe: Some myths about the management of industrial safety. Cogn Tech Work. 2014;16(1):13-23. sustentam a relevância do papel do trabalho e dos trabalhadores na produção da segurança, ao mesmo tempo em que ressaltam a fragilidade das práticas tradicionais dos especialistas da segurança, criticando conceitos, objetos da atuação e métodos/técnicas utilizados.

Ora, para a denominada segurança tradicionalc c Segurança definida como: “um estado no qual perigos e condições que podem causar danos físicos, psicológicos ou materiais são controlados a fim de se preservar a saúde e bem-estar dos indivíduos e da comunidade’. (p. 237; tradução livre)3. , ou segurança 1, para Hollnagel44. Hollnagel E. Safety-I and Safety-II: The past and future of safety management. Farnham: Ashgate; 2014., a ausência ou minimização de eventos adversos resulta do trabalho dos especialistas na investigação de eventos e/ou na avaliação prospectiva de riscos. Dentro dessa ótica, os trabalhadores são considerados problema ou fator de risco a ser controlado por meio de procedimentos e programas de gestão comportamental44. Hollnagel E. Safety-I and Safety-II: The past and future of safety management. Farnham: Ashgate; 2014.),(55. Dekker S. Employees: a problem to control or solution to harness. Prof safety. 2014;59(8):32-6.. Dessa forma, a segurança é abordada como instância externa à atividade dos operadores, pois os profissionais de segurança desconhecem o trabalho dos operadores, os determinantes e contradições da segurança. Esse tipo segurança se opera restringindo a performance dos trabalhadores e do sistema44. Hollnagel E. Safety-I and Safety-II: The past and future of safety management. Farnham: Ashgate; 2014..

Em caso de violação às regras e procedimentos de segurança, os fatores que explicam a ação dos operadores e conferem sentido a ela66. Ripamonnti SC, Sacaratti G. Safety learning, organizational contradictions and the dynamics of safety practice. J Workplace Learn. 2015;27(7):530-60., não são objeto de interesse dos especialistas, que julgam externamente o ‘comportamento desviante’ e punem os envolvidos. Pode se falar em falácia dos especialistas da segurançad d Em referência à falácia dos psicólogos, enunciada por Willian James, Woods e Cook a definem: “Essa falácia ocorre, nos dias de hoje, quando observadores bem-intencionados acham que sua distante visão do local de trabalho captura a experiência de fato daqueles que desempenham trabalho técnico em situação. Visões distantes podem perder aspectos importantes da situação de trabalho real e, portanto, perder os fatores críticos que determinam o desempenho humano no seu campo da prática”. (p. 139; tradução livre) (1. .

Embora se saiba que todo operador realiza gestão de riscos nas suas atividades operacionais, essa gestão é, de modo geral, desconhecida pelos serviços de segurança; os trabalhadores, quando consultados, são apenas informantes para alimentar os sistemas de gestão da segurança77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017.. Esses sistemas têm sido instituídos nas empresas, fazendo parte do fenômeno de burocratização da segurança vigente desde meados dos anos 2000. Se, para muitos atores das organizações e dos órgãos de inspeção, a existência de sistemas de gestão da segurança é garantia do funcionamento seguro, tais sistemas apresentam efeitos secundários, que podem prejudicar e colocar em risco o alcance de sua própria razão de ser, a segurança dos sistemas77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017..

A adoção de indicadores, baseados em métricas de frequência de incidentes ou seus efeitos (agravos decorrentes ou dias perdidos, por exemplo), associada à premiação por metas atingidas, tende a promover a subnotificação e ou a supressão de registros, ou seja, a quantificação do desempenho da segurança é dirigida para resultados desejados, aqueles que apontam para o que seria a ‘boa segurança’ (aquela cujos incidentes tendem a zero)e e Beltran e colaboradores apresentam e discutem criticamente a utilização de indicadores baseados em tais métricas na indústria do petróleo no Brasil8. . A catástrofe da British Petroleum (BP), no Texas (2005), a exemplo de outros acidentes, ocorreu em unidade com excelentes indicadores de segurança do trabalho99. Dekker S. The bureaucratization of safety. Saf Sci. 2014;70:348-57., o que conferia a sensação de clima de segurança positivo antes da catástrofe. Tais métricas não tem, assim, poder preditivo sobre a ocorrência de eventos de maior magnitude ou gravidade77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017.),(99. Dekker S. The bureaucratization of safety. Saf Sci. 2014;70:348-57..

Para Dekker, a necessidade de alimentar o sistema com informações, resultados de investigações, auditorias, procedimentos, medidas, registros dos treinamentos realizados, dentre outras tarefas - muitas delas exigidas pelos órgãos de controle e inspeção do trabalho -, tende a afastar, ainda mais, os especialistas da segurança do mundo da produção, das dificuldades e das contradições vividas pelos trabalhadores77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017.),(99. Dekker S. The bureaucratization of safety. Saf Sci. 2014;70:348-57.),(1010. Rae A, Provan D. Safety work versus the safety of work. Saf Sci. 2019;111: 119-27.),(1111. Dekker S, Tooma M. A capacity index to replace flawed incident-based metrics for worker safety. Int Labour Rev. 2021:161(3):375-93..

O foco excessivo em protocolos e burocracias, que desviam a atenção dos responsáveis pelo que se passa no campo, caracteriza a segurança tradicional e seu gerenciamento22. Besnard D, Hollnagel E. I want to believe: Some myths about the management of industrial safety. Cogn Tech Work. 2014;16(1):13-23.. Qualquer tentativa de uma nova segurança necessita voltar-se ao mundo da prática para conhecer a produção da segurança nas diversas situações e variabilidades que exigem das equipes respostas ajustadas a sua representação do funcionamento do sistema77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017.. Para Woods e Cook, incidentes ocorrem em situações que, geralmente, teriam resultados satisfatórios, daí a importância de se compreender os eventos incidentais e analisar situações caracterizadas por diversas exigências, dificuldades, pressões e contradições, nas quais as equipes conseguem chegar aos resultados esperados e com segurança. Na origem, tanto do sucesso, quanto da falha, encontram-se os mesmos fatores11. Woods DD, Cook RI. Nine Steps to Move Forward from Error. Cogn Tech Work. 2002;4(2):137-44..

Na nova visão da segurança, seja na segurança 2 (safety 2) de Hollnagel, seja na segurança diferente (safety differently) de Dekker, os operadores e equipes são a solução para os problemas e para o aumento da confiabilidade da operação1212. KeiserV. L'erreur humaine. Recherche. 1989;216:1455.. Entender a diferença entre o que lhes cabe fazer, trabalho prescrito - ou work as imagined -, e o que eles fazem em situação, trabalho real - ou work as done -, é a chave para que o pessoal da segurança possa contribuir com as atividades de produção e assegurar sua função77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017.. Segundo a premissa da segurança 2 de Hollnagel44. Hollnagel E. Safety-I and Safety-II: The past and future of safety management. Farnham: Ashgate; 2014., cabe aos profissionais da segurança apoiar os operadores no enfrentamento das situações cotidianas, a partir da compreensão sobre como as equipes lidam, sobretudo, com as situações inusitadas e problemáticas11. Woods DD, Cook RI. Nine Steps to Move Forward from Error. Cogn Tech Work. 2002;4(2):137-44..

Como a segurança não é algo intrínseco ao sistema de produção, mas emerge do seu funcionamento, para Hollnagel, a organização que opera de forma segura é aquela que prioriza o ajuste e articulação entre as diversas funções que a compõem. Em rápidas palavras, nos sistemas de produção robustos e resilientesf f Os sistemas atuais são sistemas sociotécnicos e complexos, em que a interrelação ou dependência entre as funções do sistema é, de modo geral, mais importante do que a confiabilidade de suas partes. A melhoria do desempenho de segurança deve, portanto, basear-se numa compreensão do que acontece no sistema, da natureza das suas interações e acoplamentos, e de como o seu desempenho global pode ser gerido e melhorado. (p. 996; tradução livre)13. , a segurança não é tratada de forma separada da operação.

Nas propostas recentes da nova segurança, feitas por Dekker e Hollnagel, encontram-se desenvolvimentos importantes, tais como: nova perspectiva e métodos participativos para a elaboração de procedimentos e regras, concepção inovadora da formação dos trabalhadores e desenho de novos indicadores para a gestão da segurança.

Fazer segurança diferente, como sugere Dekker77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017., implica em repensar o objetivo dos procedimentos e das regras tradicionais, assim como reorganizar o processo em que as normas são elaboradas. O núcleo desse tipo de segurança conta, necessariamente, com a participação dos operadores. Em resumo, preconiza-se nova ordem, com menos regras efetivas, ou seja, aplicáveis, que confere maior autonomia aos operadores. Fazer segurança diferente implica expandir o perímetro da ação dos trabalhadores77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017..

Nessa nova ordem, a experiência dos operadores é fundamental para explicitar as dificuldades e necessidades que podem levar à violação de certos procedimentos66. Ripamonnti SC, Sacaratti G. Safety learning, organizational contradictions and the dynamics of safety practice. J Workplace Learn. 2015;27(7):530-60.. Se a fala é impedida pela existência de cultura punitiva, os fatores determinantes e contradições que levam a tais violações não serão conhecidos, nem solução para eles poderá ser encontrada1414. Rocha R, Mollo V, Daniellou F. Work debate spaces: a tool for developing a participatory safety management. Appl Ergon. 2015;46:107-14.. A nova segurança implica, portanto, a engenharia das relações sociais1515. Detchessahar M, Gentil S, Grevin A, Stimec A. Quels modes d'intervention pour soutenir la discussion sur le travail dans les organisations?. @GRH. 2015;3(16):63-89., que busca desenvolver espaços de discussão entre os trabalhadores e quadros, para aproximá-los na busca de solução dos problemas que, por exemplo, levam as equipes de trabalho a descumprir determinados procedimentos1414. Rocha R, Mollo V, Daniellou F. Work debate spaces: a tool for developing a participatory safety management. Appl Ergon. 2015;46:107-14..

Outro aspecto importante a ser considerado é o da formação dos trabalhadores e quadros. No caso da segurança tradicional, os treinamentos abordam riscos existentes, comportamento dos operadores e procedimentos a serem seguidos. Para fazer uma segurança diferente, é preciso que os processos educativos propiciem as competências individuais e coletivas, para que a segurança seja fabricada em consonância com a capacidade de adaptação e reação do sistema de produção de forma integrada e articulada (‘tuning’)1313. Hollnagel E. Safer systems: people training or system tuning? Eur. J. Health Psychol Educ. 2021;11(3):990-8..

Um novo indicador para o gerenciamento da segurança, cujo desenho não é fundamentado apenas nos efeitos indesejados da falta de segurança (a serem evitadas e controladas, evidentemente), mas que traduzam a natureza e as capacidades necessárias à produção da segurança, foi sugerido por Dekker e Tooma99. Dekker S. The bureaucratization of safety. Saf Sci. 2014;70:348-57.. Seu desenho baseia-se nas seguintes capacidades: (1) a de produzir e manter o conhecimento de segurança; (2) de compreender a natureza das operações e de seus riscos; (3) de prover recursos para a segurança; (4) de reagir aos riscos e eventos adversos; e (5) de controlar as operações de forma segura.

Dessa forma, a nova segurança, ao fomentar o interesse pelas atividades de trabalho, individuais e coletivas, e a participação dos trabalhadores na busca de soluções, provoca revisão das relações sociais nas empresas, ao mesmo tempo em que promove uma nova cultura de segurança1616. Daniellou F, Simard M, Boissières I. Human and organizational factors of safety: state of the art. Les Cahiers de la Sécurité Industrielle 2011-01. Toulouse: FonCSI; 2010 [citado em 13 set 2022]. 1 video: 20 min, sound, color. Disponível em: https://www.foncsi.org/fr/publications/cahiers-securite-industrielle/human-organizational-factors-safety/CSI-HOFS.pdf
https://www.foncsi.org/fr/publications/c...
. Se as teorias do controle fundam as práticas da segurança tradicional, a partir da hierarquia nas relações sociais nas empresas55. Dekker S. Employees: a problem to control or solution to harness. Prof safety. 2014;59(8):32-6., as novas perspectivas dependem de relações sociais fundadas na confiança e na cooperação entre quadros e trabalhadores1717. Jacobsen M, diretor. Doing Safety differently [internet]. James N, Jacobsen M, producers. Queensland: Ride Free Media; 2020 [citado em 13 setembro 2022]. Disponível em: https://youtu.be/fDAzL4fJC2Y
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Evidentemente, há críticas a tais desenvolvimentos, tanto do ponto de vista conceitual, quanto prático1818. Cooper MD. The emperor has no clothes: A critique of Safety-II. Saf Sci. 2022;152:105047.),(1919. Le Coze JC. The 'new view' of human error. Origins, ambiguities, successes and critiques. Saf Sci. 2022;154:105853.. A nova visão rompe com os padrões e dimensões das práticas correntes da segurança tradicional1010. Rae A, Provan D. Safety work versus the safety of work. Saf Sci. 2019;111: 119-27.. Todavia, algumas experiências de utilização e implantação da nova segurança têm sido realizadas com sucesso em algumas empresas, como em uma rede de lojas77. Dekker S. The safety anarchist: relying on human expertise and innovation, reducing bureaucracy and compliance. London: Routledge; 2017. e em uma empresa de tratamento e distribuição de água na Austrália (1717. Jacobsen M, diretor. Doing Safety differently [internet]. James N, Jacobsen M, producers. Queensland: Ride Free Media; 2020 [citado em 13 setembro 2022]. Disponível em: https://youtu.be/fDAzL4fJC2Y
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Grupos de pesquisa no Brasil estão envolvidos na produção de conhecimentos em diversos temas sobre a nova segurança e a engenharia de resiliência, entre eles, engenharia de espaços de discussão e nova cultura de segurança1414. Rocha R, Mollo V, Daniellou F. Work debate spaces: a tool for developing a participatory safety management. Appl Ergon. 2015;46:107-14., critérios para o desenho de organizações resilientes2020. Disconzi CMDG, Saurin TA. Design for resilient performance: Concept and principles. Appl Ergon. 2022;101:103707., ações de saúde pública em situação de crise2121. Arcuri R, Bellas HC, Ferreira DS, Bulhões B, Vidal MCR, Carvalho PVR, et al. On the brink of disruption : Applying resilience engineering to antecipate system performance under crisis. Appl Ergon. 2022; 99:103632., entre outros. Além disso, há um movimento em curso que envolve profissionais e acadêmicos, voltado para a promoção dessa nova visão da segurança no país2222. Gomes P, Menezes G, Ribeiro H. Nova visão da segurança: um olhar brasileiro. São Paulo: Nelpa; 2022.. Entretanto, é mister se questionar se o redesenho das relações sociais, na base dessas novas formas de segurança, é possível no Brasil, considerando ainda os efeitos negativos da reforma trabalhista nas relações sociais e jurídicas no trabalho2323. Pina JA, Jackson Filho JM, Souza KR, Takahashi MAC, Silveira LB, organizadores. Saber operário, construção do conhecimento e a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo: Hucitec, 2021..

A despeito da importância da participação dos trabalhadores na produção de conhecimentos2323. Pina JA, Jackson Filho JM, Souza KR, Takahashi MAC, Silveira LB, organizadores. Saber operário, construção do conhecimento e a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo: Hucitec, 2021., a experiência brasileira no campo da Segurança do Trabalho revela as inúmeras resistências à compreensão das atividades de trabalho e à participação dos trabalhadores para sustentar os programas e políticas de prevenção nas empresas localizadas em nosso país2424. Jackson Filho JM, Lima FPA. Análise Ergonômica do Trabalho no Brasil: transferência tecnológica bem-sucedida? Rev Bras Saude Ocup. 2015;40(131):12-7.. Ter a democracia como princípio na Segurança e Saúde no Trabalho (SST) não é apenas projeto utópico da comunidade brasileira de SST, mas se constitui também em condição fundamental para a prática efetiva2525. Jackson Filho JM, Pina JA, Vilela RAG, Reis KS. Desafios para a intervenção em saúde do trabalhador. Rev Bras Saude Ocup. 2018;43(supl 1):e13s., como demonstrado por essa nova visão da segurança.

Enfim, o propósito deste editorial foi delinear as perspectivas dessa nova visão da segurança, baseada na premissa de que no trabalho e nos trabalhadores e trabalhadoras se encontram os meios para a solução das questões de segurança no trabalho55. Dekker S. Employees: a problem to control or solution to harness. Prof safety. 2014;59(8):32-6.), (2525. Jackson Filho JM, Pina JA, Vilela RAG, Reis KS. Desafios para a intervenção em saúde do trabalhador. Rev Bras Saude Ocup. 2018;43(supl 1):e13s. para, quem sabe, atrair profissionais e empresas a experimentar novos caminhos para a promoção da segurança, em sistemas de produção mais robustos e resilientes.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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