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Prevalência de possíveis exposições cancerígenas ocupacionais em trabalhadores brasileiros: o que mostra a Pesquisa Nacional de Saúde?

Resumo

Objetivo:

estimar a prevalência de possíveis exposições cancerígenas em trabalhadores brasileiros.

Métodos:

estudo transversal, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. Calcularam-se prevalências e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para possível exposição a seis carcinógenos ocupacionais: radiação solar, substâncias químicas, poeiras minerais, material radioativo, trabalho noturno e tabagismo passivo no trabalho, segundo ocupação e sexo, considerando o desenho complexo da amostra.

Resultados:

foram incluídos 44.822 trabalhadores, 56,33% do sexo masculino. Referiram exposição a pelo menos um agente cancerígeno do grupo 1, segundo classificação da International Agency for Research on Cancer, 49,0% (IC95% 47,8;50,2) dos trabalhadores do sexo masculino e 16,9% (IC95% 16,0;17,9) do feminino. Trabalhadores do sexo masculino, em comparação ao feminino, apresentaram maiores prevalências de exposição à radiação solar (38,1% [IC95% 37,0;39,3] vs 6,6% [IC95% 6,0;7,2]), agentes químicos (19,4% [IC95% 18,5;20,5] vs 8,3% [IC95% 7,6;9,1]), poeiras minerais (18,9% [IC95% 17,9;20,0] vs 3,3% [IC95% 2,9;3,8]), trabalho noturno (15,5% [IC95% 14,7;16,5] vs 9,4% [IC95% 8,6;10,2) e tabagismo passivo (14,3% [IC95% 13,3;15,4] vs 8,2% [IC95% 7,6;9,0]).

Conclusão:

a prevalência da exposição a possíveis carcinógenos ocupacionais é elevada e desigualmente distribuída por sexo e ocupação. Ações de redução, substituição e eliminação desses carcinógenos devem ser priorizadas.

Palavras-chave:
inquérito de saúde; prevalência; saúde do trabalhador; exposição ocupacional; câncer

Abstract

Objective:

to estimate the prevalence of possible carcinogenic exposures in Brazilian workers.

Methods:

cross-sectional study, with data from the 2019 National Health Survey. We calculated the prevalences and respective 95% confidence intervals (95%CI) for possible exposure to six occupational carcinogens: solar radiation, chemical substances, mineral dust, radioactive material, night work, and passive smoking at work, according to occupation and sex, considering the complex sample design.

Results:

44,822 workers were included, 56.33% were male. Reported exposure to at least one carcinogenic agent from group 1, according to the classification of the International Agency for Research on Cancer, 49.0% (95%CI 47.8;50.2) of male workers and 16.9% (95%CI 16.0;17.9) of female workers. Male workers, compared with female workers, had a higher prevalence of exposure to solar radiation (38.1% [95%CI 37.0;39.3] vs 6.6% [95%CI 6.0;7.2]), chemical agents (19.4% [95%CI 18.5;20.5] vs 8.3% [95%CI 7.6;9.1]), mineral dust (18.9% [95%CI 17.9;20.0] vs 3.3% [95%CI 2.9;3.8]), night work (15.5% [95%CI 14.7;16.5] vs 9.4% [95%CI 8.6;10.2]), and passive smoking (14.3% [95%CI 13.3;15.4] vs 8.2% [95%CI 7.6;9.0]).

Conclusion:

the prevalence of exposure to possible occupational carcinogens is high and unequally distributed by sex and occupation. Actions to reduce, replace, and eliminate these carcinogens should be prioritized.

Keywords:
health survey; prevalence; occupational health; occupational exposure; cancer

Introdução

O câncer é a segunda maior causa de morte no mundo, além de importante fator de óbitos prematuros em pessoas com idade de 30 a 69 anos, representando uma grave situação para a saúde pública global. Dados apontam que o maior número de óbitos por câncer ocorre principalmente nos países de média e baixa renda, que enfrentam outras dificuldades sanitárias, agravando suas desigualdades sociais e desafiando as políticas públicas para enfrentamento dos problemas sanitários, incluindo medidas de redução da exposição aos fatores de risco para o câncer11. Wild CP, Weiderpass E, Stewart BW, editors. World cancer report: cancer research for cancer prevention.. Lyon: World Health Organization; 2020..

Entre os fatores de risco para o câncer, as exposições a carcinógenos ocupacionais, como radiações ionizantes e não ionizantes, amianto, sílica, agrotóxicos, benzeno, formaldeído, metais, entre outros, são reconhecidas internacionalmente como determinantes do adoecimento e mortes por câncer relacionado ao trabalho, tendo seus efeitos potencializados pela exposição individual a outros fatores de risco, como: tabagismo, consumo de álcool em excesso, dietas ricas em gorduras saturadas, carnes vermelhas e embutidos e sedentarismo22. Cogliano VJ. Identifying carcinogenic agents in the workplace and environment. Lancet Oncol. 2010;11(6):P602..

Estudos internacionais revelaram que 4% a 20% dos casos de câncer são atribuídos à exposição aos carcinógenos ocupacionais, sendo esses percentuais variáveis segundo o tipo de câncer, de agente cancerígeno, sexo e área geográfica. Ressalta-se que a maioria das exposições ocupacionais é evitável, caso sejam empregadas tecnologias limpas que eliminem o uso desses carcinógenos nos processos produtivos33. Lißner L, Kuhl K, Kauppinen T, Uuksulainen S. Exposure to carcinogens and work-related cancer: A review of assessment methods -related cancer: Luxembourg: European Agency for Safty and Health at Work; 2014.. Considera-se uma substância, combinação ou mistura de substâncias com potencial carcinogênico ocupacional, quando a exposição a elas pode causar aumento da incidência de tumores malignos, bem como redução importante do período de latência entre a exposição e o aparecimento do câncer44. Brasil. Atlas do câncer relacionado ao trabalho no Brasil: análise regionalizada e subsídios para a vigilância em saúde do trabalhador. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 2018..

Segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), há 525 agentes (químicos, físicos ou biológicos) carcinogênicos para humanos atualmente. Destes, 79 estão presentes nos processos ocupacionais, tendo sido identificados 38 tipologias de câncer relacionado ao trabalho55. International Agency for Research on Cancer - IARC. Monographs on the Identification of Carcinogenic Hazards to Humans. Agents Classified by the IARC Monographs, [Internet]. Lyon: IARC; 2020. Volumes 1-127.[acesso em 2022 jun 12]. Disponível em: https://monographs.iarc.who.int/agents-classified-by-the-iarc/2021/
https://monographs.iarc.who.int/agents-c...
.

O Ministério da Saúde do Brasil define câncer relacionado ao trabalho como aquele que decorre da exposição a agentes carcinogênicos presentes nos ambientes de trabalho, mesmo após a cessação da exposição, caracterizada por situações de troca de função, emprego ou aposentadoria44. Brasil. Atlas do câncer relacionado ao trabalho no Brasil: análise regionalizada e subsídios para a vigilância em saúde do trabalhador. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 2018..

Em 2018, a Organização Mundial de Saúde estimou um total de 9,6 milhões de óbitos por câncer no mundo e, destes, mais de 472 mil foram atribuídos ao câncer relacionado ao trabalho. Nesse mesmo ano, a exposição à carcinógenos ocupacionais resultou em quase 11 milhões de anos de vida saudáveis perdidos por incapacidades66. World Health Organization. Cancer - Key Factors [Internet]. 2022 [acessado em 3 Mar 2021]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/cancer
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
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No Brasil, a estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para cada ano do triênio 2020-2022 aponta que 625 mil casos novos de câncer acometerão a população brasileira e, destes, cerca de 4% a 17% poderão ser atribuídos ao trabalho, ou seja, entre 25 e 100 mil casos de câncer estarão relacionados ao trabalho durante esse período77. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativas 2020: Incidência do Câncer no Brasil. Brasília, DF; 2020..

Considerando esse cenário, este estudo teve por objetivo analisar a prevalência de possíveis exposições carcinogênicas ocupacionais em trabalhadores brasileiros, em 2019.

Métodos

Delineamento do estudo

Estudo transversal, de prevalência, com dados da edição de 2019 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), inquérito de âmbito nacional e base domiciliar, conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Plano amostral e população do estudo

A PNS compõe o Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE e utiliza uma subamostra da Amostra Mestre do IBGE, com a mesma estratificação das unidades primárias de seleção (UPAs), formadas por um ou mais setores censitários. Empregou-se uma amostra por conglomerados em três estágios. No primeiro, foi realizada a seleção das UPAs em cada estrato. No segundo estágio, foi selecionado aleatoriamente um número fixo de domicílios para cada UPA. E, no terceiro estágio, foi selecionado aleatoriamente um morador com 15 anos de idade ou mais em cada domicílio. Áreas com população pequena, como aldeias indígenas, quartéis, bases militares, alojamentos, entre outros, foram excluídas. No total, foram visitados 108.525 domicílios, sendo entrevistados 90.846 moradores. A proporção de não resposta foi de 6,4%88. Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):207-16..

A população ocupada da PNS, acima de 18 anos de idade, na semana de referência para a coleta dos dados (21 a 27 de julho de 2019), contabilizou 52.582 indivíduos.

Variáveis e mensuração

A PNS utilizou três questionários: a) domiciliar (informações sobre o domicílio); b) todos os moradores do domicílio, com características gerais; e c) individual, contendo informações sobre o morador selecionado.

A ocupação foi definida pela pergunta “Qual era a ocupação (cargo ou função) que tinha nesse trabalho principal?”. A PNS considera trabalho principal aquele com maior número de horas, maior rendimento mensal ou maior tempo de trabalho. Na resposta, é identificado o código da ocupação a ser preenchido, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). A CBO descreve e ordena as ocupações dentro de uma estrutura hierarquizada, que possibilita reunir as informações sobre a força de trabalho, discriminando as funções, os conhecimentos, habilidades, atributos pessoais e outros requisitos necessários para o exercício da ocupação. A CBO apresenta quatro níveis hierárquicos: os grupos de base ou famílias ocupacionais (GB), os subgrupos (SG), os subgrupos principais (SGP) e os grandes grupos ocupacionais (GG)99. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações - Códigos, Títulos e Descrições. Brasília, DF; 2010. Livro 2.. Estes formam o nível mais agregado da classificação, comportam dez categorias reunidas por nível de competência e similaridade nas atividades executadas. Os GG ocupacionais contemplam quarenta e três subgrupos principais. Neste trabalho, foram considerados todos os SGP com uma amostra mínima de 400 trabalhadores, com vistas a tornar as análises mais robustas. O número mínimo de 400 pessoas foi estabelecido como critério pressupondo uma prevalência (P) de 50% com IC de 95%, totalizando 44.852 participantes.

Para a avaliação das possíveis exposições ocupacionais cancerígenas, utilizou-se a pergunta: “No(s) seu(s) trabalho(s), o(a) Sr(a) está(estava) exposto(a) a algum destes fatores que podem afetar a sua saúde?”. Nas opções de resposta, considerou-se apenas as exposições ocupacionais classificadas pela International Agency for Ressearch on Cancer (IARC)1010. Loomis D, Guha N, Hall AL, Straif K. Identifying occupational carcinogens: an update from the IARC Monographs. Occup Env Med. 2018;75(8):593-603. como cancerígenas para humanos, com evidência científica suficiente e limitada, a saber: a) manuseio de substâncias químicas, como: agrotóxicos, gasolina, diesel, formol, chumbo, mercúrio, cromo, fitoterápicos, etc (sim/não); b) exposição longa à radiação solar (sim/não); c) manuseio de material radioativo durante o transporte, recebimento, armazenagem e trabalho com raio-X (sim/não) e d) exposição à poeira mineral, como pó de mármore, de areia, de brita, de vidro (sílica), de amianto, de ferro ou aço (sim/não).

As informações sobre o trabalho noturno, classificado pela IARC como provável carcinógeno ocupacional, foram coletadas pela questão: “No(s) seu(s) trabalho(s), habitualmente, o(a) Sr(a) trabalha(va) algum período de tempo entre as 8 horas da noite e às 5 horas da manhã (sim/não)?”.

O tabagismo passivo no trabalho foi avaliado pela pergunta: “Nos últimos 30 dias, alguém fumou no mesmo ambiente fechado onde o (a) Sr(a) trabalha(va) (sim/não)?”.

Agruparam-se em uma única categoria as exposições à radiação solar, tabagismo passivo, material radioativo e poeiras minerais, (grupo 1), considerando-as como “exposições cancerígenas com evidência científica suficiente”. E as exposições às substâncias químicas e trabalho noturno foram reagrupadas em grupo 2, reconhecendo-as como “possíveis exposições cancerígenas”, segundo a classificação da IARC1010. Loomis D, Guha N, Hall AL, Straif K. Identifying occupational carcinogens: an update from the IARC Monographs. Occup Env Med. 2018;75(8):593-603..

Para a descrição da amostra de trabalhadores ocupados, foram consideradas as seguintes variáveis sociodemográficas: sexo (masculino, feminino), faixa etária (18 a 39 anos; 40 a 59 anos; 60 anos ou mais), raça/cor da pele (brancos, pretos e pardos), escolaridade (sem instrução ou fundamental incompleto; fundamental completo ou médio incompleto; médio completo ou superior incompleto; superior completo), renda (menor que um salário-mínimo, de um a dois salários mínimos, maior que dois salários mínimos) e situação do domicílio (rural, urbano).

Análise estatística

Estimou-se a distribuição proporcional da amostra segundo as variáveis sociodemográficas, calculando-se as proporções e os respectivos intervalos de confiança.

O percentual de trabalhadores expostos ao grupo 1 e ao grupo 2 foi estimado segundo a classificação da IARC, em cada subgrupo principal, classificando-os em: nenhuma exposição, pelo menos uma exposição cancerígena do grupo 1 e pelo menos uma exposição cancerígena do grupo 2. Foi estabelecido um ranking de classificação de exposição (posto) para os subgrupos principais, considerando a proporção na categoria “nenhuma exposição” como critério. Quanto maior a proporção nesta categoria, maior a parcela de não expostos a carcinógenos ocupacionais, e maior o posto (ranking) em “nenhuma exposição”.

Utilizou-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21. As prevalências nos respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) das exposições ocupacionais foram analisadas segundo os subgrupos principais (SGP) e estratificadas por sexo. Todas as análises consideraram o desenho complexo da amostragem por meio do comando estatístico complex sample.

Questões éticas

A pesquisa foi aprovada em 23 de agosto 2019 pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), sob parecer nº 3.529.376. O trabalho de campo ocorreu entre agosto de 2019 e março de 2020. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a sua participação na pesquisa.

Resultados

Foram incluídos no estudo 44.822 indivíduos, sendo 56,3% do sexo masculino (n=25.247) e 43,7% do feminino (n=19.575). A maioria residia em área urbana (83,4% no sexo masculino e 91,4% no feminino), 49,4% de ambos os sexos tinham entre 18 e 39 anos; 36,8% dos trabalhadores do sexo masculino e 42,5% do feminino relataram possuir ensino médio completo; 44,8% e 47,0% ganham entre um e dois salários mínimos mensais, respectivamente. Em relação à raça/cor da pele, 45,6% dos trabalhadores do sexo masculino autodeclaram-se pardos, contra 42,8% do sexo feminino (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas e socioeconômicas dos trabalhadores, segundo sexo, Brasil, 2019.

A Tabela 2 e a Tabela 3 mostram a prevalência dos tipos de exposições cancerígenas ocupacionais em trabalhadores dos sexos masculino e feminino, respectivamente. Observou-se que, entre trabalhadores do sexo masculino, 49% estavam expostos a pelo menos um agente cancerígeno do grupo 1 e 31,9% a pelo menos um agente cancerígeno do grupo 2, contra 16,9% e 16,5% no sexo feminino, respectivamente. No masculino, destacaram-se os subgrupos “trabalhadores elementares da agropecuária, da pesca e florestais”, “agricultores e trabalhadores qualificados da agropecuária” e “trabalhadores qualificados e operários da construção exclusive eletricistas” como os de maior exposição, visto as menores proporções na categoria “nenhuma exposição” (9,0%, 13,0% e 15,4% respectivamente).

Tabela 2
Prevalência (%) de exposições ocupacionais cancerígenas em trabalhadores do sexo masculino, por grupos de exposições e subgrupos principais da Classificação Brasileira de Ocupações, Brasil, 2019
Tabela 3
Prevalência (%) de exposições ocupacionais cancerígenas em trabalhadores do sexo feminino, por grupos de exposições e subgrupos principais da Classificação Brasileira de Ocupações, Brasil, 2019

No sexo feminino (Tabela 3), os SGP mais expostos foram: trabalhadoras da agropecuária, florestais da caça e da pesca, profissionais de nível médio da saúde e profissionais de saúde, com prevalências de 30,1%, 34,9% e 57% de nenhuma exposição aos carcinógenos ocupacionais, respectivamente.

A prevalência de exposições ocupacionais cancerígenas segundo o sexo por SGP ocupacionais é apontada na Tabela 4 e Tabela 5. Trabalhadores do sexo masculino, em comparação aos do feminino, apresentaram maiores prevalências de exposição à radiação solar (38,1% [IC95% 37,0;39,3] vs 6,6% [IC95% 6,0;7,2]), tabagismo passivo no trabalho (14,3% [IC95% 13,3;15,4] vs 8,2%[IC95% 7,6;9,0]), poeiras minerais (18,9%[IC95% 17,9;20,0] vs 3,3%[IC95% 2,9;3,8]), agentes químicos (19,4%[IC95% 18,5;20,5] vs 8,3%[IC95% 7,6;9,1]) e trabalho noturno (15,5%[IC95% 14,7;16,5] vs 9,4%[IC95% 8,6-10,2]). Ao analisarmos os SGP, os trabalhadores do sexo masculino apresentaram prevalências mais elevadas de exposição a: a) radiação solar, naqueles que são elementares para a agropecuária, pesca e florestais (87,0%); agricultores e trabalhadores qualificados da agropecuária (82,6%) e trabalhadores qualificados e operários da construção exclusive eletricistas (65,2%); b) tabagismo passivo no trabalho atingiu 31,6% dos trabalhadores qualificados e operários da construção exclusive eletricistas e 26,4% trabalhadores em eletricidade eletrônica; c) poeiras minerais em trabalhadores qualificados e operários da construção exclusive eletricistas (53,3%) e trabalhadores elementares da mineração, da construção, da indústria de transformação e do transporte (39,8%); d) agentes químicos entre trabalhadores qualificados e operários da metalurgia, da construção mecânica e afins (52,1%); técnicos e profissionais de nível médio (36,2%) e agricultores e trabalhadores qualificados da agropecuária (34,3%); d) trabalho noturno em 52,3% dos trabalhadores dos serviços de proteção e segurança e 33,3% dos trabalhadores dos serviços pessoais; e e) material radioativo com 3,9% de trabalhadores qualificados e operários da metalurgia, da construção mecânica e afins e 3,3% de técnicos e profissionais de nível médio.

Tabela 4
Prevalência (%) de exposições ocupacionais cancerígenas em trabalhadores do sexo masculino, por tipos de exposições e subgrupos principais da Classificação Brasileira de Ocupações, Brasil, 2019
Tabela 5
Prevalência (%) de exposições ocupacionais cancerígenas em trabalhadores do sexo feminino, por tipos de exposições e subgrupos principais da Classificação Brasileira de Ocupações, Brasil, 2019

No sexo feminino (Tabela 5), as maiores prevalências foram: a) exposição à radiação solar entre agricultoras e trabalhadoras qualificadas da agropecuária (65,7%) e profissionais de nível médio de saúde e afins (17,5%); b) tabagismo passivo em trabalhadoras domésticas e outras trabalhadoras de limpeza de interior de edifícios (11,8%) e trabalhadoras dos serviços pessoais (11,5%); c) poeiras minerais em agricultoras e trabalhadoras qualificados da agropecuária (7,4%); d) manuseio de agentes químicos em profissionais de nível médio da saúde e afins (24,2%) e profissionais de saúde (22,0%); e) trabalho noturno em profissionais de nível médio da saúde e afins (25,8%) e profissionais de saúde (18,1%); e f) material radioativo em profissionais de nível médio da saúde e afins (17,8%) e profissionais de saúde (17,5%).

Discussão

Este estudo revelou que quase dois terços dos trabalhadores do sexo masculino e um terço do feminino referiram exposição a algum agente cancerígeno, seja do grupo 1 ou do grupo 2, conforme a classificação da IARC. Ressalta-se que foram observados padrões de exposição aos carcinógenos ocupacionais distintos, entre os sexos, tanto em relação aos tipos de exposições quanto ao agente cancerígeno por ocupação. Os trabalhadores do sexo masculino foram acentuadamente mais expostos do que aqueles do sexo feminino para todos os agentes avaliados, exceto para material radioativo.

A prevalência da exposição a carcinógenos ocupacionais em amostra representativa da população de trabalhadores do Brasil não tinha sido divulgada previamente. Podem ser citadas tentativas de estimação da prevalência em pesquisas específicas, utilizando-se uma Matriz de Exposição Ocupacional - MEO. Esse método foi utilizado para estimar a população exposta ao benzeno1111. Corrêa MJM, Santana VS. Exposição ocupacional ao benzeno no Brasil: estimativas baseadas em uma matriz de exposição ocupacional. Cad Saude Publica. 2016;32(12):e00129415. e à sílica1212. Ribeiro FSN, Camargo EA, Algranti E, Wünsch Filho V. Exposição ocupacional à sílica no Brasil no ano de 2001. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):89-96.. Para outros agentes cancerígenos, existe um esforço do Instituto Nacional do Câncer (INCA, do Ministério da Saúde) e da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro, do Ministério do Trabalho e Emprego) e universidades para estimar a população exposta a alguns agentes, seguindo metodologia internacional Carex (CARcinogen Exposure), implantada em países da Europa, da América do Norte e, mais recentemente, na América Latina e Caribe, incluindo o Brasil44. Brasil. Atlas do câncer relacionado ao trabalho no Brasil: análise regionalizada e subsídios para a vigilância em saúde do trabalhador. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 2018..

A prevalência nacional de fatores de risco ocupacionais para o câncer, como radiação solar, manuseio de agentes químicos, poeiras minerais, material radioativo, trabalho noturno e tabagismo passivo no trabalho pode ser calculada a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde que, desde 2013, inseriu questões sobre essas exposições em seus instrumentos de coleta1313. Stopa SR, Szwarcwald LC, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFPontes, Freitas MPS et al. National Health Survey 2019: history, methods and perspectives. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(5):e2020315.. Cumpre ressaltar que a exposição aos carcinógenos ocupacionais é decorrente do processo de trabalho e, na maioria das vezes, não são facultadas ou oferecidas ao trabalhador opções ou meios para reduzi-la ou evitá-la1414. Olsson A, Kromhout H. Occupational cancer burden: the contribution of exposure to process-generated substances at the workplace. Mol Oncol. 2021;15(3):753-63..

Percebe-se que as desigualdades de gênero no mercado de trabalho brasileiro afetam a inserção feminina em alguns setores econômicos (como da construção civil e mecânica, indústria de transformação, metalurgia e mineração), havendo maior participação no setor de serviços. Como consequência, os trabalhadores do sexo masculino estão mais suscetíveis à exposição a agentes perigosos e potencialmente carcinogênicos, principalmente em atividades relacionadas à agropecuária e às indústrias da construção civil, mecânica e de transformação, enquanto as mulheres são maioria em ocupações assistenciais e de prestação de serviços1515. Scarselli A, Corfiati M, Di Marzio D, Marinaccio A, Iavicoli S. Gender differences in occupational exposure to carcinogens among Italian workers. BMC Public Health. 2018;18(1):413.. Estudos internacionais revelaram maiores prevalências de carcinógenos ocupacionais em homens em comparação às mulheres1616. Biswas A, Harbin S, Irvin E, Johnston H, Begum M, Tiong M, et al. Sex and Gender Differences in Occupational Hazard Exposures: a Scoping Review of the Recent Literature. Curr Environ Health Rep. 2021;8(4):267-80., principalmente para: fumos de solda, herbicidas, poeiras de madeira, solventes e trabalho noturno1717. Eng A, 't Mannetje A, McLean D, Ellison-Loschmann L, Cheng S, Pearc N. Gender differences in occupational exposure patterns. Occup Environ Med. 2011;68(12):888-94..

Quanto à exposição ocupacional à radiação solar, as prevalências mais expressivas ocorreram nos trabalhadores de setores da agropecuária e pesca - para ambos os sexos -, e da construção - para homens. Ou seja, ocupações caracterizadas pela execução de atividades ao ar livre e, consequentemente, com maior exposição à radiação solar. Observaram-se prevalências semelhantes no estudo de Peters et al1818. Peters CE, Nicol AM, Demers PA. Prevalence of exposure to solar ultraviolet radiation (UVR) on the job in Canada. Can J Public Health. 2012;103(3):223-6., no Canadá, para homens do setor agrícola (80%) e ligeiramente maior para os trabalhadores da construção civil (75%). Na Austrália, país com maior incidência de câncer de pele no mundo, Carey et al.1919. Carey RN, Glass DC, Peters S, Reid A, Benke G, Driscoll TR, et al. Occupational exposure to solar radiation in Australia: who is exposed and what protection do they use? Aust N Z J Public Health. 2014;38(1):54-9. detectaram porcentagem de 87,6% de homens e 12,4% de mulheres expostos ocupacionalmente à radiação solar. Valores próximos aos nossos resultados. Os grupos de trabalhadores mais expostos foram: agricultores, pintores, encanadores, motoristas de veículos pesados, trabalhadores da horticultura, cuidadores de animais, trabalhadores da construção civil e artesãos. A exposição à radiação solar é mundialmente reconhecida como o principal fator de risco para o câncer de pele melanoma e não melanoma, câncer de lábio e olho. No Brasil, o câncer de pele não melanoma é o mais incidente na população adulta, com estimativa de 650 mil casos novos para o triênio de 2020 a 202277. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativas 2020: Incidência do Câncer no Brasil. Brasília, DF; 2020..

Em relação à exposição a agentes químicos, a informação na PNS encontra-se agregada, não sendo possível investigar cada substância química de forma individualizada. Porém, cabe destacar que, na maioria das vezes, os trabalhadores estão ocupacionalmente expostos a uma diversidade de agentes químicos com potencial carcinogênico, nos processos de trabalho, e que são de difícil mensuração nos inquéritos de saúde . O crescimento acentuado das indústrias químicas na economia mundial introduziu novos agentes tóxicos, resultando em novas exposições no trabalho, sem que se consiga, no mesmo ritmo, estabelecer mecanismos satisfatórios de regulação dessa exposição e de proteção à saúde dos trabalhadores. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT)2020. International Labour Organization. Exposure to hazardous chemicals at work and resulting health impacts: a global review. Geneva; 2021., apenas um número limitado de exposições químicas é considerado e monitorado com a devida regulamentação para os ambientes laborais, o que nos faz pensar que os dados sobre a carga global de doenças atribuídas às substâncias químicas sejam frequentemente ausentes ou severamente subestimados.

Neste estudo, observamos maior exposição às substâncias químicas no sexo masculino, em trabalhadores qualificados e operários da metalurgia, da construção mecânica e afins (52,1%), em técnicos e profissionais de nível médio (36,2%) e do setor agropecuário (34,3%). Cogliano et al.22. Cogliano VJ. Identifying carcinogenic agents in the workplace and environment. Lancet Oncol. 2010;11(6):P602. demostraram uma diversidade de carcinógenos ocupacionais empregados em atividades da construção civil, mecânica, metalúrgica, do setor elétrico e eletrônicos, como: benzeno, benzidina, 1-3 butadieno, 2, 3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina, Éter bis clorometil, cloreto de metila, gasolina diesel, entre outros, que estão fortemente associados à ocorrência de leucemias, linfomas, mielomas múltiplos, câncer de pulmão e bexiga. Já nos trabalhadores da agropecuária, a maior exposição aos compostos químicos decorre do uso de agrotóxicos com potencial carcinogênico no Brasil, tais como: glifosato, diazinona, malation, 2,4 D, e clorotalonil2121. Friedrich K, Da Silveira GR, Amazonas JC, Do Monte Gurgel A, De Almeida VES, Sarpa M. International regulatory situation of pesticides authorized for use in Brazil: Potential for damage to health and environmental impacts. Cad Saude Publica. 2021;37(4):e00061820.. A exposição a estes agentes aumenta o risco de linfoma não Hodgkin, leucemias, câncer de pulmão, fígado e ductos biliares, de testículo, próstata e outros tumores sólidos não especifiados2222. Nogueira F de AM, Szwarcwald CL, Damacena GN. Exposição a agrotóxicos e agravos à saúde em trabalhadores agrícolas: o que revela a literatura? Rev Bras Saúde Ocup. 2020;(45):e36.),(2323. Alavanja MCR, Bonner MR. Occupational pesticide exposures and cancer risk. a review. J Toxicol Env Heal B Crit Rev. 2012;15(4):238-63..

No sexo feminino, as proporções mais elevadas de exposição às substâncias químicas foram para profissionais de nível médio da saúde e afins, bem como para profissionais da saúde, alcançando quase um quarto dos trabalhadores nesses grupos ocupacionais. É provável que a administração e o manuseio de fármacos e medicamentos sejam as principais atividades que contribuem para a maior exposição nesses subgrupos. No entanto, ressalta-se que a maioria dos fármacos não são cancerígenos, com exceção dos agentes antineoplásicos. Organismos internacionais recomendam priorizar ações de vigilância e monitoramento da exposição ocupacional aos seguintes agentes químicos: metais pesados, solventes, corantes e agrotóxicos2020. International Labour Organization. Exposure to hazardous chemicals at work and resulting health impacts: a global review. Geneva; 2021..

Quanto à exposição às poeiras minerais, a análise dos dados da PNS não nos permite fazer a distinção entre os tipos de poeiras minerais aos quais os trabalhadores estão expostos. Identificamos entre o sexo masculino, como mais expostos, os trabalhadores qualificados e operários da construção exclusive eletricistas (53,3%), trabalhadores elementares da mineração, da construção, da indústria de transformação e do transporte (39,8%) e, para o feminino, agricultoras e trabalhadoras qualificadas da agropecuária (7,4%). Estudo prévio no Brasil em 2001 mostrou prevalências maiores que as nossas de exposição à poeira mineral à sílica em trabalhadores formais, na ordem de 65% do setor da construção civil, 59% da extração de pedras, 55%, da indústria de mineral não metálico e 24% da indústria metalúrgica1212. Ribeiro FSN, Camargo EA, Algranti E, Wünsch Filho V. Exposição ocupacional à sílica no Brasil no ano de 2001. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):89-96.. Em pesquisa realizada na Costa Rica, a prevalência de exposição às poeiras minerais foi acentuadamente menor: 2,1% para a sílica, 0,5% para fibras de vidro e 0,02% para fibras de cerâmica na população ocupada2424. Chaves J, Partanen T, Wesseling C, Chaverri F, Monge P, Ruepert C, et al. TICAREX: Exposiciones laborales a agentes cancerígenos y plaguicidas en Costa Rica. Arch Prev Riesgos Labor. 2005;8(1):30-7.. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), em 2012, lista como grupos mais expostos às poeiras minerais: os agricultores, mineiros, trabalhadores da construção e de pedreiras, bem como os que usam ou manipulam areia ou outros produtos contendo sílica nos processos de fundição, instalação e reparo de fornos, jateamento abrasivo, produção de vidros, cerâmicas, abrasivos, cimento e mármores. As poeiras minerais de maior interesse para o câncer em humanos são a sílica e o amianto2525. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Ambiente, trabalho e câncer: aspectos epidemiológicos, toxicológicos e regulatórios. Brasília, DF; 2021., que são produzidos em atividades de perfuração, mineração e extração mineral, explosões, britagem de pedra e no setor da construção civil. A exposição ocupacional à sílica pode causar câncer de pulmão, e ao amianto mesotelioma, câncer de pulmão, laringe, ovário, cólon e reto, faringe e estômago11. Wild CP, Weiderpass E, Stewart BW, editors. World cancer report: cancer research for cancer prevention.. Lyon: World Health Organization; 2020..

O trabalho noturno foi classificado pela IARC2626. International Agency for Research on Cancer. Night Shif Work. IARC Monographs on on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Lyon; 2020. Vol 124. como provável carcinógeno em humanos, sendo associado ao câncer de mama, próstata, cólon e reto. Alterações na melatonina sérica e na expressão dos genes circadianos centrais parecem ser os mecanismos de carcinogênese presentes em populações expostas2727. Wegrzyn LR, Tamimi RM, Rosner BA, Brown SB, Stevens RG, Eliassen AH, et al. Original Contribution Rotating Night-Shift Work and the Risk of Breast Cancer in the Nurses' Health Studies. Am J Epidemiol. 2017;186(5):532-40.. Em nosso estudo, encontramos as prevalências de trabalho noturno em 15,5% dos homens e 9,4% das mulheres, com maior predomínio nos setores de prestação de serviços, atingindo 52,3% dos trabalhadores dos serviços de proteção e segurança no sexo masculino e 25,8% das profissionais de nível médio da saúde, no sexo feminino. O inquérito populacional sobre trabalho e renda conduzido no Canadá em 20112828. Rydz E, Hall AL, Peters CE. Prevalence and Recent Trends in Exposure to Night Shiftwork in Canada. Ann Work Expo Heal. 2020;64(3):270-81. mostrou que 12% da população ocupada estava exposta ao trabalho noturno, sendo 45% mulheres. Nesse mesmo estudo, as maiores prevalências ocorreram entre categorias profissionais similares aos nossos resultados: profissionais de segurança (37%), de saúde (35%) e operadores de máquinas e montadores (24%). Na China, dados da linha de base de uma coorte com 3.871 trabalhadores de diferentes setores econômicos (usina nuclear, indústria de semicondutores, de aço, fábrica de cerveja e gráfica) evidenciaram 45,4% de expostos ao trabalho noturno. Prevalência muito maior que a encontrada em nossa pesquisa2929. Sun M, Feng W, Wang F, Zhang L, Wu Z, Li Z, et al. Night shift work exposure profile and obesity: Baseline results from a Chinese night shift worker cohort. PLoS One. 2018;13(5):e0196989.. Tais divergências podem ocorrer devido a diferentes critérios de definição da exposição ao trabalho noturno e das categorias de ocupação incluídas na análise.

Em relação à exposição a material radioativo, de um modo geral, as prevalências foram relativamente baixas, porém mais acentuadas no sexo feminino (1,9%) que no masculino (1,0%). Destacaram-se as profissionais de nível médio da saúde e afins (17,8%) e profissionais da saúde (17,5%), com prevalências muito acima da média para o sexo feminino. O estudo realizado por Piwowarska-Bilska et al.3030. Piwowarska-Bilska H, Birkenfeld B, Gwardy A, Supiska A, Listewnik MH, Elbl B, et al. Occupational exposure at the Department of Nuclear Medicine as a work environment: a 19-year follow-up. Polish J Radiol. 2011;76(2):18-21. na Polônia, em um ambiente de Medicina Nuclear, demonstrou, igualmente, como mais expostos os profissionais de nível técnico em relação aos demais membros da equipe hospitalar. As principais fontes ocupacionais de radiação ionizante incluem hospitais e consultórios, centrais de energia nuclear e suas instalações de apoio; produção de armas nucleares; operações industriais; laboratórios de pesquisa; viagens aéreas e espaciais e operações de transporte, bem como locais de trabalho com altos níveis de materiais radioativos de ocorrência natural, como o radônio3131. International Atomic Energy Agency. Radiation protection and safety of radiation sources : international basic safety standards. Vienna; 2014.. Há diversas localizações tumorais relacionadas à exposição à radiação ionizante: câncer de pulmão, fígado, pâncreas, mama, útero, bexiga, ovário, cérebro, ossos, cavidade nasal e seios paranasais, tireoide e próstata, bem como leucemias e linfomas. No Brasil, existem normas de proteção radiológica estabelecendo limites e parâmetros para o monitoramento da população ocupacionalmente exposta, com atenção especial às mulheres grávidas e trabalhadores menores de 18 anos. A intenção é restringir o valor de dose efetiva recebido, considerando as incertezas e os efeitos prejudiciais à saúde, com atenção especial às mulheres grávidas e trabalhadores com idade menor a 18 anos3232. Comissão Nacional de Energia Nuclear (BR). Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Diretrizes básicas de proteção radiológica. Brasília, DF; 2014..

No Brasil, ações da Política Nacional de Controle do Tabaco, instituída em 2005, possibilitou a redução de 37% do percentual de tabagismo passivo no trabalho entre 2013 (13,4%) e 2019 (8, 4%)3333. Malta DC, Gomes CS, de Andrade FMD, Prates EJS, Alves FTA, de Oliveira PPV, et al. Tobacco use, cessation, secondhand smoke and exposure to media about tobacco in Brazil: results of the National Health Survey 2013 and 2019. Rev Bras Epidemiol. 2021;24(suppl. 2):1-16.. Porém, este estudo apontou prevalências acima da média nacional quando estratificadas pelos SGP. Para o sexo masculino, as maiores proporções foram registradas em trabalhadores qualificados e operários da construção exclusive eletricistas (31,6%) e trabalhadores em eletricidade eletrônica (26,4%). Para o sexo feminino, por sua vez, trabalhadores domésticos e outros trabalhadores de limpeza de interior de edifícios (11,8%) e trabalhadores dos serviços pessoais (11,5%) apresentaram maiores prevalências de exposição ao tabagismo passivo. Ruscitti et al3434. Enrico Ruscitti L, Castellani F, La Torre G, De Giusti M, Dominici F, Valente P. Smoking in the workplace in the Latium Region, Italy, after the smoking ban. Med Lav. 2021;112(4):44-57., ao avaliarem 6.996 trabalhadores italianos, observaram grupos de maior exposição ao fumo passivo no trabalho, diferentes dos nossos: artesãos, trabalhadores qualificados e agricultores. Dados do estudo de coorte europeu que seguiu 14.590 indivíduos em três períodos (1990-1995, 1998-2003 e 2010-2014) evidenciaram queda significativa de tabagismo passivo nos ambientes de trabalho, atingindo somente 2,5% da população ocupada no último ano3535. Olivieri M, Murgia N, Carsin A, Heinrich J, Benke G, Bono R et al. Effects of smoking bans on passive smoking exposure at work and at home. The European Community respiratory health survey. Indoor Air. 2019;29(4):670-9...Prevalência muito inferior à nossa. Tais achados sinalizam a necessidade de intensificar os esforços para a adoção de políticas institucionais de cessação de tabagismo nos locais de trabalho e de promoção de ambientes livres da fumaça do tabaco em ambientes fechados, conforme instituído pelo Decreto 8.262, de 31 maio de 20143636. Brasil. Decreto nº 8262, de 31 de maio de 2014. Altera o Decreto nº 2.018, de 1º de outubro de 1996, que regulamenta a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996. Diário Oficial da União [internet]. 2014 jun 2 [acesso em: 12 jun 2022];1:1. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8262.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
.

Este estudo estimou a prevalência da exposição a possíveis carcinógenos ocupacionais em uma amostra representativa da população brasileira com mais de 40 mil indivíduos. Primeiro passo para iniciar a vigilância da exposição aos carcinógenos ocupacionais na população ocupada: identificar as categorias ocupacionais de maior exposição e sugerir ações para a preveni-las, a fim de se evitar a ocorrência do câncer relacionado ao trabalho nesta população. Inquéritos de saúde, quando realizados periodicamente - como a Pesquisa Nacional de Saúde que inseriu módulos específicos sobre as condições de trabalho e as exposições ocupacionais -, possibilitam avaliar o sucesso alcançado pelas políticas e programas de saúde do trabalhador no país.

Como limitação, os dados analisados sobre as exposições ocupacionais referem-se ao autorrelato dos sujeitos, o que torna a informação coletada propensa a viés do respondente, resultando em sub ou superestimação das proporções. Além disso, a exposição ocupacional aos agentes químicos coletada pela PNS não informa a substância química manuseada durante as atividades laborais. Tal limitação também foi encontrada em outros inquéritos populacionais em países da América Latina e do Caribe3737. Benavides FG, Merino-Salazar P, Cornelio C, Assunção AA, Agudelo-Suárez AA, Amable M, et al. Cuestionario básico y criterios metodológicos para las Encuestas sobre Condiciones de Trabajo, Empleo y Salud en América Latina y el Caribe. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00210715.. Nesse sentido, não podemos afirmar que a prevalência encontrada de exposição ocupacional aos agentes químicos é, de fato, carcinogênica. Podemos apenas avaliar de forma qualitativa os possíveis agentes químicos carcinogênicos que estariam presentes nas categorias ocupacionais analisadas, segundo a literatura científica. Outra consideração a se fazer é sobre a ausência de informações sobre o tempo e a intensidade da exposição, bem como sobre o uso de equipamentos de proteção individual durante a rotina de trabalho. Fatores importantes na determinação da exposição aos carcinógenos ocupacionais. Inquéritos futuros específicos com a população trabalhadora que incorporassem essas informações fortaleceriam o campo de estudos em saúde do trabalhador no Brasil contribuindo para desvendar as relações entre saúde e trabalho.

  • Errata

    No Artigo “Prevalência de possíveis exposições cancerígenas ocupacionais em trabalhadores brasileiros: o que mostra a Pesquisa Nacional de Saúde?”, com número de DOI: https://doi.org/10.1590/2317-6369/34322pt2023v48edepi8, publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 48:edepi8, na página 1/13, corrige-se:
    No sobrenome da primeira autora
    Onde se lia:
    “Albuqueque”
    Leia-se:
    “Albuquerque”
    No sobrenome da autora deContato:
    Onde se lia:
    “Albuqueque”
    Leia-se:
    “Albuquerque”

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    As autoras informam que este estudo não foi apresentado em evento científico.
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    As autoras informam que o manuscrito é baseado no trabalho intitulado “Vigilância de fatores de risco ambientais e ocupacionais para o câncer na população ocupada brasileira - análise da variação temporal no período de 2013 a 2019” de pós-doutorado da autora Fernanda de Albuquerque Melo Nogueira, Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, em 2021, no Rio de Janeiro-RJ.
  • Disponibilidade de Dados

    Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível em: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Microdados PNS 2019. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/29540-2013-pesquisa-nacional-de-saude.html?edicao=9177&t=microdados. Acessado em 15/02/2022.

Editado por

Editor-Chefe responsável:

Eduardo Algranti

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível em: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Microdados PNS 2019. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/29540-2013-pesquisa-nacional-de-saude.html?edicao=9177&t=microdados. Acessado em 15/02/2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2022
  • Revisado
    28 Dez 2022
  • Aceito
    11 Jan 2023
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