Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública do Nordeste do Brasil: estudo transversal

Resumo

Objetivo:

investigar a associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública do Nordeste do Brasil.

Métodos:

estudo transversal realizado no estado da Bahia. Os sintomas depressivos foram avaliados pelo Patient Health Questionnaire-9 e o nível de atividade física pelo International Physical Activity Questionnaire. Foi realizada análise de regressão de Poisson e estimadas as razões de prevalência (RP) e seus respectivos IC95%.

Resultados:

301 servidores participaram do estudo, dos quais 71,1% do sexo feminino. A prevalência de sintomas depressivos foi de 25,7% e 52,0% dos servidores declararam ser fisicamente inativos. Sintomas depressivos e inatividade física se mostraram associados com os modificadores de efeito “tempo de trabalho na instituição ≤ 15 anos” (RP: 3,03; IC95%: 1,05;9,16) e “lotação em setores administrativos” (RP: 1,90; IC95%: 1,14;3,18).

Conclusão:

os resultados evidenciam a associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública do estado da Bahia, tendo como principais fatores associados o tempo de trabalho na instituição e a lotação do servidor.

Palavras-chave:
saúde do trabalhador; depressão; sistema musculoesquelético; comportamento sedentário; estudos transversais

Abstract

Objective:

to investigate the association between depressive symptoms and physical inactivity in technical-administrative workers from a public university in the Northeast of Brazil.

Methods:

cross-sectional study. We assessed depressive symptoms and physical activity using, respectively, the Patient Health Questionnaire-9, and the International Physical Activity Questionnaire. We used Poisson regression analysis, and estimated the prevalence ratios (PR) and their respective 95%CI.

Results:

301 workers participated, of which 71.1% were female. The prevalence of depressive symptoms was of 25.7%, and 52.0% of the workers declared being physically inactive. Depressive symptoms and physical inactivity were associated to the effect modifiers “time worked to the institution ≤ 15 years” (PR: 3.03; 95%CI: 1.05;9.16) e “work position at administrative sectors” (PR: 1.90; 95%CI: 1.14;3.18).

Conclusion:

the results evidence the association between depressive symptoms and physical inactivity in technical-administrative workers of a public university of the state of Bahia. The the main factor associated are time worked to the institution and work position at administrative sectors.

Keywords:
occupational health; depression; musculoskeletal system; sedentary behavior; cross-sectional studies

Introdução

A depressão é um transtorno psíquico derivado da combinação de fatores genéticos, biológicos, psicológicos e ambientais, caracterizado pela ocorrência de sintomas variados, como tristeza profunda, perda de interesse em atividades anteriormente prazerosas, isolamento, pessimismo, baixa autoestima, dificuldade de concentração, irritabilidade, sentimento de inutilidade e, muitas vezes, pensamentos recorrentes de morte que podem levar ao suicídio11. World Health Organization. International Classification of Diseases [Internet]. 11 ed. Geneva: WHO; 2018 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://icd.who.int/en
https://icd.who.int/en...
. Acompanhada de outros sintomas cognitivos, comportamentais e neurovegetativos, que afetam de forma significativa a capacidade funcional do indivíduo, a depressão está associada a uma alta incapacidade e perda de habilidades sociais, com elevados custos econômicos e emocionais, representando um dos mais graves problemas de saúde pública na atualidade para a sociedade mundial11. World Health Organization. International Classification of Diseases [Internet]. 11 ed. Geneva: WHO; 2018 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://icd.who.int/en
https://icd.who.int/en...
)-(33. Ferreira AP, Godinho MR, Oliveira BMC, Moura CCS, Paula CF, Martins NO, et al. The depressive symptomatology in workers of a public university: a cohort study of the associated factors. R Enferm UFJF. 2019;5(1):1-19..

Dados de 2017 da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o número total estimado de pessoas que vivem com depressão em todo o mundo é de mais de 322 milhões, evidenciando um aumento de 18,4% entre os anos de 2005 e 2015, reflexo do crescimento populacional global, assim como das faixas etárias em que a depressão é mais prevalente44. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
. No Brasil, segundo resultados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em 2019, 16,3 milhões de pessoas com mais de 18 anos sofriam da doença - com um aumento de 34,2%, entre os anos de 2013 e 2019. Os estados das Regiões Sul e Sudeste do país registraram as maiores prevalências de depressão (15,2% e 11,5%, respectivamente), seguidos pelas regiões Centro-Oeste (10,4%), Nordeste (6,9%) e Norte (5%)55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.. Entre os anos de 2012 e 2016, foram concedidos, no Brasil, 1.020.010 auxílios-doença, classificados como devidos a transtornos mentais e comportamentais. Destes, 37,6% foram classificados como episódios depressivos ou transtorno depressivo recorrente, sendo 5,2% relacionados ao trabalho66. Brasil. Tabelas - CID-10 [Internet]. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Previdência; 2022 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/acidente_trabalho_incapacidade/tabelas-cid-10
https://www.gov.br/previdencia/pt-br/ass...
.

No contexto do trabalho, o sofrimento psíquico pode estar diretamente relacionado às experiências vivenciadas com a sua gestão organizacional, com uma combinação de aspectos - elevada carga de trabalho, complexidade das tarefas, insatisfação profissional pela ausência de reconhecimento do desempenho por parte das chefias e colegas de trabalho, dificuldades de ascensão profissional, entre outros. Desta forma, as diversas situações presentes no ambiente laboral, associadas às constantes frustrações, constituem riscos potenciais de influência para a gênese do sofrimento e adoecimento mental, o que pode afetar a vida pessoal e profissional do trabalhador77. Seligmann-Silva E. Trabalhos e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez; 2011.)-(1010. Loureiro T. O prazer-sofrimento de técnicos de laboratório em uma instituição federal de ensino superior do sudeste brasileiro: a (in)viabilidade da remoção. Rev PGPU. 2018;2(1):138-76..

O tratamento tradicional para a depressão, que inclui a integração entre os fármacos e a psicoterapia, eficaz em muitas situações, sofre grandes desafios diante da alta complexidade diagnóstica representada pela variação dos seus sintomas, bem como pela presença de efeitos adversos e, muitas vezes, pelo seu difícil acesso22. Kandola A, Ashdown-Franks G, Hendrikse J, Sabiston CM, Stubss B. Physical activity and depression: towards understanding the antidepressant mechanisms of physical activity. Neurosci Biobehav Rev. 2019;107:525-39.), (1111. Harvey SB, Overland S, Hatch SL, Wessely S, Mykletun A, Hotopf M. Exercise and the prevention of depression: results of the HUNT cohort study. Am J Psychiatry. 2018;175(1):28-36.. Por conseguinte, a atividade física, definida como qualquer movimento corporal produzido pelo sistema musculoesquelético que demande gasto energético acima dos níveis de repouso, é apontada pela OMS com um importante promotor de ganhos individuais à saúde física e mental, constituindo-se como um dos principais coadjuvantes no combate e controle das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), dentre as quais está a depressão11. World Health Organization. International Classification of Diseases [Internet]. 11 ed. Geneva: WHO; 2018 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://icd.who.int/en
https://icd.who.int/en...
), (22. Kandola A, Ashdown-Franks G, Hendrikse J, Sabiston CM, Stubss B. Physical activity and depression: towards understanding the antidepressant mechanisms of physical activity. Neurosci Biobehav Rev. 2019;107:525-39.), (1111. Harvey SB, Overland S, Hatch SL, Wessely S, Mykletun A, Hotopf M. Exercise and the prevention of depression: results of the HUNT cohort study. Am J Psychiatry. 2018;175(1):28-36.), (1212. Souza F, Lins ICT, Silva DLA, Viana SEP, Silva FMA, Iser BPM. Níveis de atividade física e fatores associados entre professores de medicina. Cienc Saude (Porto Alegre). 2019;12(3):e33643..

Sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos apresentam grande magnitude e, isoladamente, já foram alvo de diversas publicações33. Ferreira AP, Godinho MR, Oliveira BMC, Moura CCS, Paula CF, Martins NO, et al. The depressive symptomatology in workers of a public university: a cohort study of the associated factors. R Enferm UFJF. 2019;5(1):1-19.), (77. Seligmann-Silva E. Trabalhos e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez; 2011.)-(99. Lopes SV, Silva MC. Estresse ocupacional e fatores associados em servidores públicos de uma universidade do sul do Brasil. Cienc Saude Colet. 2018;23(11):3869-80.), (1313. Oliveira LA, Baldaçara LR, Maia MZB. Afastamento por transtornos mentais entre servidores públicos federais no Tocantins. Rev Bras Saude Ocup. 2015;40(132):156-69.)-(1818. Santos TS, Lopes SV, Caputo EL, Jerônimo JS, Silva MC. Atividade física e fatores associados em técnico-administrativos de uma universidade pública do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2018;23:e0028.. Todavia, sua associação, considerando também a presença de doenças crônicas concomitantes e limitações físicas, não havia ainda sido reportada para essa específica população do Nordeste brasileiro. Assim, este estudo teve como objetivo investigar a associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública do Nordeste do Brasil.

Métodos

Desenho do estudo e contexto

Trata-se de um estudo epidemiológico analítico de cunho transversal, realizado com trabalhadores técnico-administrativos lotados em uma universidade pública do estado da Bahia.

Esta instituição foi criada em 1983 e se encontra estruturada no sistema multicampia. Possui 29 departamentos instalados em 24 campi distribuídos em 23 importantes municípios baianos de médio e grande porte, oferecendo mais de 150 cursos presenciais e à distância, com, aproximadamente, 22.500 alunos. O Campus I, maior e mais antigo, está localizado em Salvador, BA, e possui 4 departamentos, com 27 cursos de graduação e 8 de pós-graduação.

Participantes

Foram incluídos os servidores que tinham tempo mínimo de 1 ano de trabalho na função e aceitaram, voluntariamente, responder o instrumento de pesquisa, após ciência e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Foram excluídos aqueles que estavam de férias ou licença, estagiários, mulheres grávidas e os que não foram localizados em seus postos de trabalho ou recusaram por mais de 2 oportunidades a fazer o agendamento da entrevista.

Tamanho do estudo

Para o cálculo do tamanho da amostra foi considerado o número total de 715 servidores públicos ativos, efetivos e terceirizados, contratados como profissionais de apoio, técnicos e analistas universitários, lotados no Campus I, em Salvador, BA. Foi utilizado como parâmetro para o referido cálculo a prevalência de sintomas depressivos de 34,2%55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal. Rio de Janeiro: IBGE; 2020., poder do estudo de 80% e efeito do desenho de 1. Com estes parâmetros, o número amostral estimado foi de 233 trabalhadores. Em função de possíveis perdas e recusas, este quantitativo foi acrescido de 10%, totalizando 256 trabalhadores. Os cálculos foram realizados no pacote estatístico OpenEpi.

Coleta de dados

Dados primários foram coletados por meio de aplicação de questionários, em entrevistas presenciais, pelos pesquisadores participantes do estudo. As entrevistas foram agendadas em horário conveniente para o trabalhador, no período de novembro de 2018 a dezembro de 2019. Após esta etapa inicial, todos foram convidados a participar da avaliação antropométrica realizada por entrevistadores treinados especificamente para tal finalidade e coleta de material biológico para avaliação da glicemia de jejum. Um estudo piloto foi realizado com servidores técnico-administrativos de outra instituição de nível superior, tendo como objetivo testar a compreensão das perguntas do questionário, bem como treinar os pesquisadores para sua aplicação.

Variáveis e mensuração

No bloco de variáveis sociodemográficas, incluíram-se: sexo (feminino ou masculino), idade (18-39 anos ou ≥40 anos), cor - branca, preta ou parda, autodeclarada e classificada de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), escolaridade (pós-graduação stricto sensu, graduação ou ensino fundamental ou médio), se estuda atualmente (sim ou não), situação conjugal (com ou sem companheiro) e renda mensal - >R$ 2.800,00 ou ≤R$ 2.800,00, tendo como referência a média salarial da tabela de salários e vantagens estabelecida pela Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas da Universidade do Estado da Bahia (PGDP-Uneb) à época da coleta.

Como variáveis ocupacionais, incluíram-se: tempo de trabalho na instituição (>15 anos ou ≤15 anos, conforme estudos prévios sobre saúde de trabalhadores técnico-administrativos1717. Godinho MR, Ferreira AP, Santos ASP, Rocha FSA. Fatores associados à qualidade do sono dos trabalhadores técnico-administrativos em educação de uma universidade pública. Rev Med Saude Brasilia. 2017;6(3):301-20.), (1818. Santos TS, Lopes SV, Caputo EL, Jerônimo JS, Silva MC. Atividade física e fatores associados em técnico-administrativos de uma universidade pública do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2018;23:e0028.), vinculação profissional (efetivos ou terceirizados/comissionados), setor de lotação (administração central ou setores acadêmicos) e se exercia, durante o período da coleta de dados, cargo de chefia (sim ou não).

Para avaliação dos itens organização e condições de trabalho e as relações socioprofissionais dos trabalhadores, foram empregadas as seguintes variáveis da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT): existência de normas rígidas para execução das tarefas; insuficiência de pessoas para a realização das tarefas; existência de disputas profissionais no local de trabalho; ausência de tempo para realização de pausas de descanso; existência de divisão entre quem planeja e quem executa as tarefas; e distribuição injusta de tarefas de trabalho - todas elas analisadas dicotomicamente1919. Mendes AM, Ferreira MC, Cruz RM. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento-Itra: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: Mendes AM, organizadores. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. p. 111-26..

Com o objetivo de avaliar condições de saúde que pudessem estar relacionadas à presença de sintomas depressivos, incluiu-se a ocorrência de dor musculoesquelética, hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus. Para tanto, foi aplicado o Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ), não indicado como base para diagnóstico clínico, mas, sim, para identificação de sintomas musculoesqueléticos, constituindo, portanto, um importante instrumento de diagnóstico do ambiente de trabalho para elaboração de medidas preventivas, relatando a ocorrência de sintomas considerando os 12 meses e os 7 dias anteriores à entrevista, assim como afastamentos das atividades rotineiras no último ano. As regiões anatômicas questionadas foram: pescoço, ombros, costas (parte superior), cotovelos, punhos/mãos, costas (parte inferior), quadril/coxas, joelhos e tornozelos/pés2020. Kuorinka I, Jonsson B, Kilbom A, Vinterberg H, Biering-Sorensen F, Andersson G, et al. Standardised Nordic questionnaires for the analysis of musculoskeletal symptoms. Appl Ergon. 1987;18(3):233-7.. No presente estudo, considerou-se como presença de sintomas musculoesqueléticos a sua ocorrência nos últimos 12 meses (sim ou não).

Para a avaliação da pressão arterial, foram realizadas três medidas pelo mesmo pesquisador, todas no braço esquerdo, respeitando o intervalo de 1 minuto entre elas. Foram classificados como hipertensos aqueles cujas médias das medidas de pressão foram iguais ou superiores a 140 mmHg, para sistólica, e 90 mmHg, para diastólica2121. Barroso WKS, Rodrigues CIS, Bortolloto LA, Mota-Gomes MA, Brandão AA, Feitosa ADM, et al. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial - 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658.. Foram considerados diabéticos aqueles cujo exame apresentou valor de referência da glicemia em jejum ≥126 mg/dL2222. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: SBD; 2019 [citado em 4 mar 2020]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/up...
. Para a identificação da presença de transtorno alimentar, a compulsão alimentar foi avaliada por meio do questionário baseado no Structured Clinical Interview for DSM-IV-SCID-I/P para os diagnósticos de bulimia nervosa (BN) e transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) (2323. American Psychiatric Association (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002..

Para a investigação sobre a situação da saúde mental, empregou-se o instrumento Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9), que tem como finalidade avaliar a suspeição de sintomas depressivos, tais como humor, mudança de apetite ou peso, sentimento de culpa ou inutilidade, sensação de lentidão ou inquietude fora do normal, problemas de concentração e pensamentos suicidas. O PHQ-9 é composto por 9 itens, com resultados que podem variar de 0 a 27 pontos, no total. A frequência de cada sintoma nas últimas 2 semanas é avaliada em uma escala Likert de 0 a 3, correspondendo às respostas “nenhuma vez”, “vários dias”, “mais da metade dos dias” e “quase todos os dias”, respectivamente. A análise é feita considerando a pontuação total das respostas, e os participantes que tiveram pontuação ≥10 foram identificados com suspeição de sintomas depressivos. O questionário ainda inclui uma 10ª pergunta que avalia a interferência desses sintomas no desempenho de atividade diárias, como trabalhar e estudar. Este é um instrumento de aplicação rápida, que pode ser autoaplicável, caracterizando-se como uma vantagem em estudos do tipo epidemiológico graças a sua sensibilidade e especificidade2424. Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LSP, Silva NTB, Tams BD, et al. Sensitivity and specificity of the Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) among adults from the general population. Cad Saude Publica. 2013;29(8):1533-43.. Investigou-se ainda como o trabalhador avaliava sua qualidade de vida, bem como seu nível de saúde, com respostas categorizadas em “boa/muito boa” e “regular/ruim/muito ruim”.

Em relação aos hábitos de vida, foram incluídas as variáveis: tabagismo atual (sim ou não, considerando pelo menos um cigarro nos últimos 30 dias antecedentes à pesquisa), uso abusivo de bebidas alcoólicas - aferido por meio da aplicação do Alcohol Use Disorders Identification Test (Audit), instrumento elaborado pela OMS2525. Saunders JB, Aasland OG, Babor TF, de la Fuente JR, Grant M. Development of the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT): WHO Collaborative Project on Early Detection of Persons with Harmful Alcohol Consumption--II. Addiction. 1993 Jun;88(6):791-804., com os pontos de corte de <8 para abstinentes ou bebedores eventuais e ≥8 pontos para aqueles que bebiam de modo abusivo ou apresentavam consumo de risco -, e inatividade física - aferida por meio do instrumento International Physical Activity Questionnaire (Ipaq) (2626. Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2001;6(2):5-18..

A despeito das recomendações cientificamente validadas acerca da necessidade de realizar atividades regulares de intensidade moderada ou vigorosa como promoção de saúde cardiovascular e metabólica, categorizações distintas com redução expressiva do tempo de atividade física para benefícios agudos já são corroboradas por pesquisadores que enfatizam que a sua realização por, pelo menos, 10 minutos diários pode impactar positivamente para a diminuição do sofrimento físico e psíquico1111. Harvey SB, Overland S, Hatch SL, Wessely S, Mykletun A, Hotopf M. Exercise and the prevention of depression: results of the HUNT cohort study. Am J Psychiatry. 2018;175(1):28-36.), (1515. Kandola A, Lewis G, Osbom DPJ, Stubbs B, Hayes JF. Depressive symptoms and objectively measured physical activity and sedentary behaviour throughout adolescence: a prospective cohort study. Lancet Psychiatry. 2020;7(3):262-71.. Ganho de confiança, interação social e conscientização para a adoção de um modo de vida mais saudável e, portanto, repercussões no bem-estar e na qualidade de vida22. Kandola A, Ashdown-Franks G, Hendrikse J, Sabiston CM, Stubss B. Physical activity and depression: towards understanding the antidepressant mechanisms of physical activity. Neurosci Biobehav Rev. 2019;107:525-39.), (1616. Méndez-Giménez A, Cecchini JA, Fernández-Río J, Carriedo A. Physical activity and prevention of depressive symptoms in the Spanish population during confinement due to Covid-19. Psicothema. 2021;33(1):111-7. são efeitos esperados com tal prática. Assim, a variável inatividade física foi definida categoricamente, considerando como ativos aqueles que reportaram atividade física≥10 minutos diários. Vale salientar que todos os instrumentos empregados nesta investigação foram validados para utilização no contexto brasileiro.

Controle de viés

No intuito de reduzir a possibilidade de viés de informação, uma equipe multiprofissional e interdisciplinar foi treinada para a aplicação de instrumentos validados para o idioma português do Brasil. Ademais, após a realização do estudo piloto, a concordância entre entrevistadores foi avaliada por meio do cálculo do índice Kappa, com valor obtido de 0,78, indicando concordância substancial. Para evitar perdas no estudo, foram realizadas reuniões com representantes das pró-reitorias e demais setores institucionais e com os servidores em seus locais de trabalho, além da exposição de cartazes em cada local de entrevista, com indicação de salas reservadas para a coleta de dados primários e de material biológico, e novos agendamentos em caso de não comparecimento nas datas marcadas.

Análises estatísticas

Os dados foram tabulados no Microsoft Excel e as análises conduzidas no pacote estatístico Stata (v. 14.0), por meio do qual foram realizadas correções e eliminação de inconsistências. A análise descritiva identificou as características gerais e específicas da população estudada e permitiu a comparação das prevalências de sintomas depressivos e inatividade física segundo as características encontradas. Para comparação das variáveis dicotômicas, utilizou-se o teste qui-quadrado (χ2) de Pearson. Na análise estratificada, a magnitude da associação bruta e ajustada foi obtida pelo método de Mantel e Haenszel2727. Daniel WW. Biostatistics: a foundation for analysis in the health sciences. 6th ed. New York: Wiley; 1995., na qual estimou-se a razão de prevalência (RP), com o respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Na análise multivariável, empregou-se regressão de Poisson em função do evento em questão ser comum (>10%)2828. Coutinho L, Scazufca M, Menezes P. Métodos para estimar razão de prevalência em estudos de corte transversal. Rev. Saude Publica. 2008;42(6):992-8.. Utilizou-se o procedimento backwards, para entrada das variáveis. Iniciou-se a modelagem com todas as variáveis independentes que apresentaram valor p≤0,20 na análise bruta e os termos-produtos identificados na análise estratificada (p≤0,05). Avaliou-se o confundimento por meio da variação percentual (≥10%) na medida da associação principal.

Considerações éticas

Os dados deste estudo são provenientes do Projeto Condições de Saúde dos Trabalhadores Técnico-Administrativos de uma Universidade Pública do Estado da Bahia - Estudo COSTTA, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica do Salvador, CAAE 7498.5617.2.20000.5628, de 14 de setembro de 2017, parecer nº 2.274.916, tendo sido apreciados todos os preceitos éticos de acordo com as normas da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes foram informados sobre os riscos e benefícios da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Preencheram os critérios de elegibilidade 348 servidores, que foram convidados a participar do estudo. Dentre estes, 38 (10,9%), não compareceram às entrevistas marcadas e 9 (2,6%) desistiram de participar. Deste modo, a amostra estudada foi composta por 301 servidores, representando 17,5% a mais do número amostral calculado acrescido de 10% (256 servidores). Entre os participantes, 77 (25,7%) apresentaram sintomas depressivos e 156 (52,0%) declararam ser fisicamente inativos. Na análise bruta, não houve associação significativa entre sintomas depressivos e inatividade física (RP: 1,30; IC95%: 0,88;1,93; p=0,19).

As características sociodemográficas e ocupacionais e as prevalências de inatividade física em cada estrato estão descritas na Tabela 1. A população do estudo foi composta, em sua maioria, por servidores do sexo feminino (71,1%), jovens entre 18 a 39 anos (52,5%), com ensino superior - ou seja, com graduação e/ou pós-graduação - (59,6%), que não estudavam à época da coleta (66,8%) e que declararam cor preta ou parda (84,3%). Quanto às características ocupacionais, predominaram servidores com renda de até R$ 2.800,00 (72,8%); com vínculo de trabalho não efetivo (54,5%); até 15 anos de tempo de trabalho (70,8%); lotados na administração central (69,3%); que não ocupavam cargos de chefia (77,7%) e não encaravam situações de disputas profissionais no local de trabalho (82,4%) ou distribuição injusta de tarefas (81,4%); sem ritmo excessivo de trabalho (76,4%), insuficiência de material de consumo (52,2%) ou barulho no ambiente de trabalho (83,1%). Cada um desses estratos apresentou prevalências distintas de inatividade física, com frequências maiores e estatisticamente significativas observadas entre indivíduos do sexo masculino (64,4%, p<0,001). As diferenças nos outros estratos não apresentaram significância estatística.

Tabela 1
Características sociodemográficas e ocupacionais de trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública estadual, de acordo com a inatividade física, Salvador, BA, Brasil, 2018-2020 (n=348)

Na Tabela 2 são descritas as características clínicas e relativas aos hábitos de vida, bem como sua associação com a inatividade física entre servidores. Observou-se que a maior parte dos servidores não fumava (93,0%); não consumia bebidas alcoólicas de modo abusivo (82,1%); não tinha diagnóstico de diabete mellitus (93,0%), hipertensão arterial (76,7%), transtorno de compulsão alimentar (79,4%) ou sintomas depressivos (74,4%), mas apresentavam distúrbios musculoesqueléticos (87,0%); consideravam a qualidade de vida boa ou muito boa (52,5%) e tinham autopercepção de saúde boa ou muito boa (60,3%). As maiores prevalências de inatividade física foram observadas entre aqueles que consideravam sua qualidade de vida boa ou muito boa (56,3%, p<0,01) e os que se percebiam como saudáveis ou muito saudáveis (56,4%, p<0,001). Os outros estratos avaliados não apresentaram significância estatística.

Tabela 2
Características clínicas e relativas a hábitos de vida de trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública estadual, de acordo com a inatividade física, Salvador, BA, Brasil, 2018-2020 (n=348)

Considerando o teste de homogeneidade de Breslow-Day, as variáveis “tempo de trabalho na instituição” e “lotação” foram identificadas como modificadoras de efeito (p≤0,05). Enquanto na modelagem (Tabela 3), foram avaliados modelos distintos de regressão para cada estrato. No Modelo 1, estratificado por tempo de trabalho em anos e ajustado por sexo, renda, escolaridade e diabetes mellitus, observou-se que os profissionais com até 15 anos de trabalho apresentaram uma forte e positiva associação entre sintomas depressivos e inatividade física (RP: 3,03; IC95%: 1,05;9,16 - Modelo 1b). O Modelo 2 foi estratificado por lotação e ajustado por renda, escolaridade e idade. Detectou-se que, entre os profissionais lotados na administração central (Modelo 2b), a associação entre sintomas depressivos e inatividade física foi positiva e estatisticamente significante (RP: 1,90; IC 95%: 1,14;3,18), como demonstrado na Tabela 3.

Tabela 3
Modelo de regressão de Poisson da associação entre sintomas depressivos e inatividade física, entre trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública estadual, de acordo com a inatividade física, Salvador, BA, Brasil, 2018-2020 (n=348)

Discussão

No presente estudo, entre trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública da Região Nordeste do Brasil, embora não tenha sido observada associação bruta entre sintomas depressivos e inatividade física, as variáveis “tempo de trabalho na instituição” e “lotação” foram identificadas como modificadoras de efeito. Os resultados do estudo evidenciam a associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública do estado da Bahia, tendo como principais fatores associados o tempo de trabalho e a lotação do servidor. Entre profissionais com até 15 anos de trabalho, assim como entre aqueles lotados na administração central, observou-se uma forte e positiva associação entre sintomas depressivos e inatividade física. Este resultado pode ser justificado por diversos fatores, dentre eles, a intensa demanda dos serviços e a precarização das estruturas físicas e de gestão pública.

Investigações similares realizadas com trabalhadores desta categoria profissional corroboram o resultado aqui encontrado referente ao tempo de trabalho desenvolvido na instituição1717. Godinho MR, Ferreira AP, Santos ASP, Rocha FSA. Fatores associados à qualidade do sono dos trabalhadores técnico-administrativos em educação de uma universidade pública. Rev Med Saude Brasilia. 2017;6(3):301-20.), (1818. Santos TS, Lopes SV, Caputo EL, Jerônimo JS, Silva MC. Atividade física e fatores associados em técnico-administrativos de uma universidade pública do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2018;23:e0028.. Em avaliação da qualidade do sono dos trabalhadores técnico-administrativos em educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no estado de Minas Gerais, identificou-se que 56,9% dos servidores possuíam até 15 anos de trabalho na instituição, 42,1% eram inativos fisicamente e 8,9% tinham depressão1717. Godinho MR, Ferreira AP, Santos ASP, Rocha FSA. Fatores associados à qualidade do sono dos trabalhadores técnico-administrativos em educação de uma universidade pública. Rev Med Saude Brasilia. 2017;6(3):301-20.. Já em pesquisa com o objetivo de investigar a prevalência e os fatores associados à prática de atividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública da Região Sul do Brasil, observou-se que 53,1% de servidores tinham até 14 anos de tempo de trabalho na instituição de ensino e 17,5% eram fisicamente inativos1818. Santos TS, Lopes SV, Caputo EL, Jerônimo JS, Silva MC. Atividade física e fatores associados em técnico-administrativos de uma universidade pública do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2018;23:e0028.. Desta forma, pode-se ressaltar como aspectos relevantes a possibilidade da má adaptação dos novos servidores às rotinas e funções no serviço público, assim como as condições e as relações interpessoais do cotidiano de trabalho, principalmente para aqueles que se encontravam em estágio probatório. Tais fatores, associados aos hábitos comportamentais inadequados e às dificuldades de implementação de ações de promoção de saúde e segurança do trabalho, podem influenciar a saúde mental dos sujeitos e agir como desencadeadores dos transtornos mentais comuns1717. Godinho MR, Ferreira AP, Santos ASP, Rocha FSA. Fatores associados à qualidade do sono dos trabalhadores técnico-administrativos em educação de uma universidade pública. Rev Med Saude Brasilia. 2017;6(3):301-20.), (1818. Santos TS, Lopes SV, Caputo EL, Jerônimo JS, Silva MC. Atividade física e fatores associados em técnico-administrativos de uma universidade pública do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2018;23:e0028..

A despeito da associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores e o tempo de trabalho não apresentar explicações satisfatórias na literatura, o que impossibilita comparações mais robustas, a existência desse fenômeno no serviço público pode estar associada a outras variáveis intrínsecas e extrínsecas ao ambiente laboral, as quais precisam ser investigadas. Fatores como as intensas jornadas de trabalho, as tarefas repetitivas e sua distribuição, muitas vezes, injusta e inadequada, que impossibilitam a disposição dos trabalhadores para concretização de hábitos salutares à proteção da saúde, devem ser considerados. De modo semelhante, a boa convivência social, familiar e comunitária, assim como a diversão e a prática de atividade física regular, precisam ser incluídas como fatores de autocuidado em saúde.

No presente estudo, estar lotado nos setores da administração central também se associou a maior frequência de sintomas depressivos entre os que não praticavam atividade física. Apesar da escassez de estudos a respeito da associação entre sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores lotados em setores administrativos, o resultado obtido pode ser relativamente explicado pelo fato de que as funções exercidas por estes são marcadas pela pressão por cumprimento de metas, prazos, normas, regimentos institucionais rígidos e resultados de produção.

Em concordância com este achado, Campelo2929. Campelo GP. Condições de trabalho e saúde psíquica de servidores técnico-administrativos da UFRN [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2015. realizou uma investigação em 11 setores administrativos do campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com o objetivo de caracterizar as condições de trabalho e identificar a ocorrência de sofrimentos psíquicos entre servidores técnico-administrativos. A depressão despontou em primeiro lugar no período de 2011 a 2014. Ressalta-se que, a despeito da existência do Programa de Qualidade de Vida no Trabalho (PQVT) “Viver em Harmonia”, que tem como finalidade promover a adoção de um estilo de vida mais saudável entre seus servidores, apenas 18% dos entrevistados responderam que participavam de alguma das diversas atividades propostas pelo programa institucional2929. Campelo GP. Condições de trabalho e saúde psíquica de servidores técnico-administrativos da UFRN [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2015.. Da mesma forma, Fernandes1414. Fernandes EH. Qualidade de vida, estresse percebido, satisfação no trabalho e absenteísmo-doença de técnicos administrativos de uma universidade pública. [dissertação]. Canoas: Universidade La Salle; 2018., em estudo que teve como objetivo verificar a associação entre as taxas de absenteísmo-doença e as variáveis psicossociais de qualidade de vida, estresse percebido e satisfação no trabalho, estimou prevalências significativas de estresse (51,7%), sedentarismo (48,2%) e doenças crônicas (25,2%) entre trabalhadores técnico-administrativos lotados na Pró-reitoria de Gestão de Pessoas e de Planejamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1414. Fernandes EH. Qualidade de vida, estresse percebido, satisfação no trabalho e absenteísmo-doença de técnicos administrativos de uma universidade pública. [dissertação]. Canoas: Universidade La Salle; 2018., em 2019. Vale ressaltar que, à administração central, ainda cabem a coordenação, o acompanhamento e a avaliação permanente dos programas institucionais, contratos, convênios e denominações assemelhadas, em colaboração com os demais órgãos da administração superior e setorial, dentre outras competências. Já os servidores lotados nos setores acadêmicos, diferentemente, são responsáveis pela assessoria administrativa e pedagógica à direção da unidade, às coordenações de cursos, aos departamentos e aos docentes, assim como o atendimento aos discentes e ao público externo. Desta forma, os transtornos mentais e comportamentais podem ser considerados uma resposta às pressões do ambiente organizacional, os quais, além de impactarem as relações pessoais e profissionais dos trabalhadores, são importantes fatores de risco para as DCNT, constituindo-se uma das principais causas de afastamento das atividades laborais.

Nesse contexto, a prática de atividade física de forma regular configura-se como um relevante aliado à saúde diante dos fatores estressantes da rotina de trabalho, apresentando-se como um fator de proteção, promoção e recuperação da saúde, em virtude da sua relação com a qualidade de vida e bem-estar do indivíduo nos aspectos inerentes à saúde física, psíquica e cognitiva, proporcionando, consequentemente, o alívio do estresse e das tensões advindas da vida em todos os seus aspectos. Além das robustas evidências científicas relacionadas à prevenção de doenças crônicas, como as condições cardiovasculares, a prática de 150 a 300 minutos semanais de atividade física também promove redução dos níveis de colesterol total e frações e dos níveis glicêmicos, bem como aumento da demanda metabólica e do aporte de oxigênio. Assim, as recomendações universais reiteram a necessidade de realizar atividades regulares de intensidade moderada ou vigorosa equivalentes. Evidências sugerem que a prática regular da atividade física pode reduzir o risco de início, gravidade e recaída de sintomas depressivos. Há de se ponderar que, apesar dos indicadores científicos, o efeito protetor da atividade física - no que se refere à frequência, intensidade e duração da sua ocorrência - ainda se mostra inconsistente. Apesar das recomendações da OMS3030. World Health Organization. WHO guidelines on physical activity and sedentary behaviour: at a glance. Geneva: WHO; 2020. para a prática de atividade física visando à proteção cardiovascular, estudos apontam para o fato de que qualquer tipo de atividade física, incluindo atividade leve, principalmente entre adultos com baixa aptidão, realizada como parte do trabalho, esporte e lazer ou transporte por, no mínimo, 10 minutos diários, contribuem para a geração de benefícios e mitigação dos riscos à saúde dos indivíduos22. Kandola A, Ashdown-Franks G, Hendrikse J, Sabiston CM, Stubss B. Physical activity and depression: towards understanding the antidepressant mechanisms of physical activity. Neurosci Biobehav Rev. 2019;107:525-39.), (1111. Harvey SB, Overland S, Hatch SL, Wessely S, Mykletun A, Hotopf M. Exercise and the prevention of depression: results of the HUNT cohort study. Am J Psychiatry. 2018;175(1):28-36.), (1515. Kandola A, Lewis G, Osbom DPJ, Stubbs B, Hayes JF. Depressive symptoms and objectively measured physical activity and sedentary behaviour throughout adolescence: a prospective cohort study. Lancet Psychiatry. 2020;7(3):262-71.), (1616. Méndez-Giménez A, Cecchini JA, Fernández-Río J, Carriedo A. Physical activity and prevention of depressive symptoms in the Spanish population during confinement due to Covid-19. Psicothema. 2021;33(1):111-7.), (3030. World Health Organization. WHO guidelines on physical activity and sedentary behaviour: at a glance. Geneva: WHO; 2020..

O estudo atual apresenta pontos fortes e limitações. O número amostral relativamente grande e representativo pode ser apontado como um ponto forte desta investigação, assim como a valorização da prática de atividade física, mesmo com tempo reduzido, como rotina de autocuidado. Tais resultados apresentam implicações para a saúde pública e podem contribuir para a redução da inatividade física, cada vez mais presente em países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Considera-se como limitação do estudo a possibilidade de viés de seleção devido às perdas e recusas. Todavia, deve-se destacar que o tamanho amostral desta investigação ultrapassou os cálculos inicialmente realizados. Ressalta-se também que os dados relativos ao desconforto musculoesquelético nos últimos 12 meses podem ter sido subestimados pelo viés de recordatório. Ademais, o fato de se privilegiar a inclusão dos que estavam no exercício ativo da profissão pode caracterizar a ocorrência do viés do trabalhador sadio. No mesmo sentido, a seleção da amostra realizada unicamente no Campus I, em Salvador, BA, em virtude do embargo da continuidade da coleta dos dados pela pandemia de covid-19, deflagrada no Brasil a partir de março de 2020, pode ser também apontada como uma fragilidade do estudo. Desta forma, a ausência de dados de trabalhadores técnico-administrativos das demais sedes da universidade pode contribuir para não representar a magnitude do problema na instituição. Contudo, deve-se salientar que a sede localizada na capital do estado é a que abriga o maior número de trabalhadores, tanto na administração central, quanto em setores acadêmicos.

Ressalta-se também que, por este ser um estudo transversal, está sujeito a viés de causalidade reversa, não sendo possível estabelecer a temporalidade entre os eventos investigados, tais como inatividade física, sintomas depressivos e musculoesqueléticos, relativos a hábitos de vida e aspectos clínicos.

Conclusão

Os resultados do presente estudo evidenciam a associação entre os sintomas depressivos e inatividade física em trabalhadores técnico-administrativos de uma universidade pública do estado da Bahia, tendo como principais fatores associados o tempo de trabalho e a lotação do servidor. Tais achados apontam para a necessidade peremptória da criação de estratégias organizacionais de enfrentamento das questões relativas ao sofrimento psíquico e manifestações físico-psicopatológicas.

Ações baseadas em intervenções que direcionam a saúde física e mental do trabalhador - como adaptações na gestão organizacional e da criação de programas eficazes de incentivo à realização de atividades físicas no ambiente de trabalho - poderão ser determinantes na prevenção e controle dos fatores de risco para a ocorrência do sofrimento psíquico entre os trabalhadores.

Sugere-se a realização de novos estudos que proporcionem a padronização dos métodos de avaliação da exposição à sintomatologia depressiva e de suas repercussões sobre a qualidade de vida e de trabalho dos servidores, tendo como objetivo a adoção de medidas e procedimentos preventivos eficazes individuais e coletivos.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio e a colaboração da Reitoria da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), à Pró-Reitora de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (PGDP-Uneb), ao Departamento de Ciências da Vida (DCV-Uneb) e aos servidores técnico-administrativos que participaram da pesquisa.

Referências

  • 1
    World Health Organization. International Classification of Diseases [Internet]. 11 ed. Geneva: WHO; 2018 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://icd.who.int/en
    » https://icd.who.int/en
  • 2
    Kandola A, Ashdown-Franks G, Hendrikse J, Sabiston CM, Stubss B. Physical activity and depression: towards understanding the antidepressant mechanisms of physical activity. Neurosci Biobehav Rev. 2019;107:525-39.
  • 3
    Ferreira AP, Godinho MR, Oliveira BMC, Moura CCS, Paula CF, Martins NO, et al. The depressive symptomatology in workers of a public university: a cohort study of the associated factors. R Enferm UFJF. 2019;5(1):1-19.
  • 4
    World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf
    » https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf
  • 5
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.
  • 6
    Brasil. Tabelas - CID-10 [Internet]. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Previdência; 2022 [citado em 21 mar 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/acidente_trabalho_incapacidade/tabelas-cid-10
    » https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/acidente_trabalho_incapacidade/tabelas-cid-10
  • 7
    Seligmann-Silva E. Trabalhos e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez; 2011.
  • 8
    Bastos MLA, Silva GB Jr, Domingos ETC, Araújo RMO, Santos AL. Afastamentos do trabalho por transtornos mentais: um estudo de caso com servidores públicos em uma instituição de ensino no Ceará, Brasil. Rev Bras Med Trab. 2018;16(1):53-9.
  • 9
    Lopes SV, Silva MC. Estresse ocupacional e fatores associados em servidores públicos de uma universidade do sul do Brasil. Cienc Saude Colet. 2018;23(11):3869-80.
  • 10
    Loureiro T. O prazer-sofrimento de técnicos de laboratório em uma instituição federal de ensino superior do sudeste brasileiro: a (in)viabilidade da remoção. Rev PGPU. 2018;2(1):138-76.
  • 11
    Harvey SB, Overland S, Hatch SL, Wessely S, Mykletun A, Hotopf M. Exercise and the prevention of depression: results of the HUNT cohort study. Am J Psychiatry. 2018;175(1):28-36.
  • 12
    Souza F, Lins ICT, Silva DLA, Viana SEP, Silva FMA, Iser BPM. Níveis de atividade física e fatores associados entre professores de medicina. Cienc Saude (Porto Alegre). 2019;12(3):e33643.
  • 13
    Oliveira LA, Baldaçara LR, Maia MZB. Afastamento por transtornos mentais entre servidores públicos federais no Tocantins. Rev Bras Saude Ocup. 2015;40(132):156-69.
  • 14
    Fernandes EH. Qualidade de vida, estresse percebido, satisfação no trabalho e absenteísmo-doença de técnicos administrativos de uma universidade pública. [dissertação]. Canoas: Universidade La Salle; 2018.
  • 15
    Kandola A, Lewis G, Osbom DPJ, Stubbs B, Hayes JF. Depressive symptoms and objectively measured physical activity and sedentary behaviour throughout adolescence: a prospective cohort study. Lancet Psychiatry. 2020;7(3):262-71.
  • 16
    Méndez-Giménez A, Cecchini JA, Fernández-Río J, Carriedo A. Physical activity and prevention of depressive symptoms in the Spanish population during confinement due to Covid-19. Psicothema. 2021;33(1):111-7.
  • 17
    Godinho MR, Ferreira AP, Santos ASP, Rocha FSA. Fatores associados à qualidade do sono dos trabalhadores técnico-administrativos em educação de uma universidade pública. Rev Med Saude Brasilia. 2017;6(3):301-20.
  • 18
    Santos TS, Lopes SV, Caputo EL, Jerônimo JS, Silva MC. Atividade física e fatores associados em técnico-administrativos de uma universidade pública do sul do Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2018;23:e0028.
  • 19
    Mendes AM, Ferreira MC, Cruz RM. Inventário sobre trabalho e riscos de adoecimento-Itra: instrumento auxiliar de diagnóstico de indicadores críticos no trabalho. In: Mendes AM, organizadores. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. p. 111-26.
  • 20
    Kuorinka I, Jonsson B, Kilbom A, Vinterberg H, Biering-Sorensen F, Andersson G, et al. Standardised Nordic questionnaires for the analysis of musculoskeletal symptoms. Appl Ergon. 1987;18(3):233-7.
  • 21
    Barroso WKS, Rodrigues CIS, Bortolloto LA, Mota-Gomes MA, Brandão AA, Feitosa ADM, et al. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial - 2020. Arq Bras Cardiol. 2021;116(3):516-658.
  • 22
    Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020 [Internet]. São Paulo: SBD; 2019 [citado em 4 mar 2020]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
    » http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretrizes-Sociedade-Brasileira-de-Diabetes-2019-2020.pdf
  • 23
    American Psychiatric Association (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
  • 24
    Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LSP, Silva NTB, Tams BD, et al. Sensitivity and specificity of the Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) among adults from the general population. Cad Saude Publica. 2013;29(8):1533-43.
  • 25
    Saunders JB, Aasland OG, Babor TF, de la Fuente JR, Grant M. Development of the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT): WHO Collaborative Project on Early Detection of Persons with Harmful Alcohol Consumption--II. Addiction. 1993 Jun;88(6):791-804.
  • 26
    Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2001;6(2):5-18.
  • 27
    Daniel WW. Biostatistics: a foundation for analysis in the health sciences. 6th ed. New York: Wiley; 1995.
  • 28
    Coutinho L, Scazufca M, Menezes P. Métodos para estimar razão de prevalência em estudos de corte transversal. Rev. Saude Publica. 2008;42(6):992-8.
  • 29
    Campelo GP. Condições de trabalho e saúde psíquica de servidores técnico-administrativos da UFRN [dissertação]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2015.
  • 30
    World Health Organization. WHO guidelines on physical activity and sedentary behaviour: at a glance. Geneva: WHO; 2020.

Editado por

Editor-Chefe responsável: Eduardo Algranti

Disponibilidade de dados

Os autores declaram que todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível em: https://figshare.com/articles/dataset/Association_between_depressive_symptoms_and_physical_inactivity_in_technical-administrative_workers_at_a_public_university_in_Northeastern_Brazil/21865209

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2022
  • Revisado
    26 Dez 2022
  • Aceito
    30 Dez 2022
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO Rua Capote Valente, 710 , 05409 002 São Paulo/SP Brasil, Tel: (55 11) 3066-6076 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbso@fundacentro.gov.br