Acessibilidade / Reportar erro

Subsídios para o estudo histopatológico das lesões ungueais

Resumos

FUNDAMENTOS: Os autores apresentam ampla revisão sobre os fundamentos da biópsia da unidade ungueal, fornecendo bases teóricas sobre anatomia, histologia e histopatologia. Abordam, detalhadamente, as indicações e os objetivos da biópsia da unidade ungueal e as várias técnicas disponíveis. OBJETIVOS: Definir os locais adequados da biópsia do aparelho ungueal para as diferentes doenças da unha, comparar duas formas de amaciamento da lâmina ungueal, uma utilizando KOH a 20%, outra, solução aquosa de Tween 40 a 10%, e estabelecer uma rotina para o processamento do material de biópsia. MÉTODOS: O grupo de estudo constou de 11 pacientes com doença ungueal, que procuraram o ambulatório de Dermatologia do HUPE/UERJ para esclarecimento diagnóstico. Foi realizado o total de 12 biópsias. RESULTADOS: Não houve diferença na dificuldade técnica, em incluir ou cortar o material, consoante ao método de amaciamento utilizado, nem prejuízo citológico ou histológico ao exame histopatológico. CONCLUSÕES: Os autores concluíram que biópsia ungueal é procedimento seguro e eficaz para esclarecer o diagnóstico das doenças ungueais quando o exame clínico ou outras técnicas falharam. Também é importante, para quem deseja realizar o procedimento, o conhecimento adequado da anatomia dessa região.

biópsia; doenças da unha; patologia


BACKGROUND: In this paper a broad review of nail biopsy is presented, emphasizing its anatomy, embryology, histology and histopathology. The indication and purpose of nail biopsy as well as the techniques available are reviewed in detail. OBJECTIVE: Define the appropriate site for nail biopsy according to nail disorder, compare two different methods of nail specimen softening: soaking in 20% potassium hydroxide and in 10% aqueous solution of Tween 40 and establish a routine for the nail biopsy procedure. METHODS: Our group studied eleven patients with nail disease who presented at the Dermatology Department in Pedro Ernesto University Hospital for a definite diagnosis. Twelve biopsies were performed. RESULTS: There were no differences in the softness achieved with the two methods and none harmed the cytologic and histologic analysis. CONCLUSIONS: The authors concluded that nail biopsy is a safe and useful procedure for nail diseases when clinical and laboratory methods fail to reach a diagnosis. A complete and thorough understanding of the nail unit anatomy is necessary to perform the procedure

biopsy; nail diseases; pathology


INVESTIGAÇÃO CLÍNICA, LABORATORIAL E TERAPÊUTICA

Subsídios para o estudo histopatológico das lesões ungueais* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da UERJ - Hospital Universitário Pedro Ernesto como Monografia Final de Curso.

Geraldo Magela MagalhãesI; Isabel Cristina Brasil SucciII; Maria Auxiliadora Jeunon SousaIII

IEspecialista em Dermatologia pela SBD e aluno do Curso de Pós-Graduação em Dermatologia da UFRJ - Nível Doutorado

IIChefe do Serviço de Dermatologia da UERJ

IIIResponsável pelo Setor de Dermatopatologia da UERJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Geraldo Magela Magalhães Avenida do Contorno, 4747 sala 906 Belo Horizonte MG 11050-060 Tel./Fax: +55 (31) 3281-2030 E-mail: germagela@ig.com.br

RESUMO

FUNDAMENTOS: Os autores apresentam ampla revisão sobre os fundamentos da biópsia da unidade ungueal, fornecendo bases teóricas sobre anatomia, histologia e histopatologia. Abordam, detalhadamente, as indicações e os objetivos da biópsia da unidade ungueal e as várias técnicas disponíveis.

OBJETIVOS: Definir os locais adequados da biópsia do aparelho ungueal para as diferentes doenças da unha, comparar duas formas de amaciamento da lâmina ungueal, uma utilizando KOH a 20%, outra, solução aquosa de Tween 40 a 10%, e estabelecer uma rotina para o processamento do material de biópsia.

MÉTODOS: O grupo de estudo constou de 11 pacientes com doença ungueal, que procuraram o ambulatório de Dermatologia do HUPE/UERJ para esclarecimento diagnóstico. Foi realizado o total de 12 biópsias.

RESULTADOS: Não houve diferença na dificuldade técnica, em incluir ou cortar o material, consoante ao método de amaciamento utilizado, nem prejuízo citológico ou histológico ao exame histopatológico.

CONCLUSÕES: Os autores concluíram que biópsia ungueal é procedimento seguro e eficaz para esclarecer o diagnóstico das doenças ungueais quando o exame clínico ou outras técnicas falharam. Também é importante, para quem deseja realizar o procedimento, o conhecimento adequado da anatomia dessa região.

Palavras-chave: biópsia; doenças da unha; patologia.

INTRODUÇÃO

Os dermatologistas não hesitam em biopsiar a pele para confirmar diagnóstico ou excluir malignidade. O comportamento em relação à biópsia da unha é, entretanto, completamente diferente. As dúvidas e os medos são muitos. Quais são as indicações? Qual o local adequado da biópsia na unidade ungueal? Qual técnica é a mais segura e acessível, e menos traumática? Haverá seqüela definitiva? Como processar o material? Os autores tentaram buscar respostas para essas perguntas.

Unidade Ungueal

Anatomia Funcional

A unha (ou úngüis; úngües no plural) é anexo cutâneo que se superpõe à face dorsal das falanges distais. As unhas protegem as sensíveis extremidades digitais, prestam-se à função de arranhar, crescendo cerca de dois a 4,5mm por mês.1

Filogeneticamente, as unhas evoluíram das garras das aves e répteis e dos cascos dos mamíferos inferiores. Elas protegem a falange distal de impactos traumáticos, têm função de pinça, participam da função discriminativa e são usadas para arranhar. Não se pode esquecer também sua função cosmética.2

Os componentes da unidade ungueal são basicamente seis:2

- a matriz ungueal, que é a porção geradora;

- a lâmina ungueal, produto da ceratinização da matriz;

- o sistema cuticular, englobando o eponíquio ou cutícula visível, derivada da prega ungueal proximal, e o hiponíquio, derivado do epitélio do leito ungueal;

- a porção de suporte representada pelo leito ungueal e falange óssea;

- a porção de ancoragem representada pelo mesênquima especializado que existe proximalmente entre a falange e a matriz e distalmente entre a falange e a polpa digital lateral e distal;

- o arcabouço composto pelas pregas ungueais: proximal, lateral e distal.

A configuração da lâmina ungueal é definida por delicado balanço entre alguns parâmetros: forma, convexidade, contorno da extremidade distal, espessura e horizontalidade da silhueta da lâmina.2 Os primeiros quatro parâmetros são responsáveis pela morfologia da lâmina, e o quinto por sua posição.

O suprimento sangüíneo do leito e da matriz é composto por rica rede derivada das artérias digitais. Existem dois arcos arteriais principais (proximal e distal) formados por anastomoses dos ramos das artérias digitais e várias anastomoses arteriovenosas no leito ungueal (corpos glômicos), as quais se relacionam com a regulação térmica.3

A inervação faz-se por ramos dos nervos digitais. A unidade ungueal do quinto e da metade medial do quarto dedos recebem inervação sensitiva pelo ulnar. O restante se faz por meio do mediano.3

Histopatologia

Griffin em 1977,4 Omura em 19855 e Jerasutus em 19976 descreveram, com detalhes, a histopatologia das doenças ungueais.

O conhecimento da histopatologia das doenças da unha é muito mais limitado do que o das doenças da pele não só porque quantidade menor de biópsias é realizada, como também por suas estruturas anatômicas distintas e mais complexas do que a da pele.

O maior problema encontrado é a possibilidade de perda da orientação adequada à inclusão do material. Daí a importância de se marcarem os fragmentos obtidos, orientando o posicionamento para correta inclusão.

Num corte longitudinal encontram-se: a lâmina ungueal, a prega ungueal proximal, a matriz, o leito e o hiponíquio.

A prega ungueal proximal apresenta epitélio dorsal e ventral. A superfície dorsal contém glândulas sudoríparas, mas é desprovida de unidades pilossebáceas. A epiderme apresenta as quatro camadas habituais, e a relação cone/papila está preservada. O epitélio ventral é cornificado, também com as quatro camadas, porém é mais fino, retificado, sem quaisquer apêndices epidérmicos. A camada córnea originada desse epitélio constitui a cutícula, a qual, funcionando como selo, previne a entrada de bactérias e de umidade.

A matriz ungueal é um epitélio germinativo, espesso, sem interposição de camada granulosa, com cones largos que se voltam para baixo e para a porção proximal.

À medida que suas células progridem para as camadas superiores, o citoplasma torna-se intensamente eosinofílico e o núcleo torna-se picnótico, até desaparecer por completo e as células da lâmina ungueal se transformarem em onicócitos. A lúnula, parte visível da matriz, apresenta ainda as mesmas características, sendo zona queratógena.

Na matriz, os melanócitos estão presentes, mas são pobremente desenvolvidos e pouco numerosos. Apresentam localização tanto basal quanto suprabasal, e isso pode ser conseqüência da expressão de moléculas de adesão no epitélio ungueal. Nesta última localização, as integrinas a3 e b1, que provavelmente regulam a adesão de melanócito-queratinócito, são expressas tanto na camada basal quanto na suprabasal.7 A densidade é menor na matriz proximal, talvez pela proteção à exposição aos raios ultravioletas dada pela prega proximal. Células de Langerhans e de Merkel também têm sido identificadas nessa localização. A matriz é dividida em três zonas: a proximal, a intermediária e a distal, fazendo parte desta última, a lúnula.

A lâmina ungueal é constituída por células cornificadas, de arranjo lamelar, que se coram fracamente pela eosina e fortemente pelas colorações acidorresistentes. Sua origem persiste controversa. Zaias, em 1968,8 pesquisando a formação da lâmina ungueal em primatas por meio de estudo auto-radiográfico, concluiu ter a lâmina ungueal origem exclusiva na matriz. Johnson, em 1991,9 afirmou ser a porção ventral da lâmina, cerca de 20% de sua espessura, produzida pelo leito.

O epitélio do leito ungueal repousa abaixo da lâmina ungueal e é limitado distalmente pelo hiponíquio e proximalmente pela matriz. Ele não apresenta células granulosas, é relativamente fino e, nos cortes sagitais, contém poucas células paraceratóticas. Nos cortes transversais, apresenta-se firmemente aderido à derme subjacente por longos e estreitos cones epidérmicos, interpostos às papilas dérmicas.

O hiponíquio ceratiniza como a pele volar, apresentando camada de células granulosas e camada córnea espessa e compacta.

A derme é altamente vascular e suprida por artérias digitais. Existem numerosos corpos glômicos que, funcionando como shunts arteriovenosos, regulam a temperatura dos dedos. Troncos e terminações nervosas são também numerosos. A derme repousa diretamente sobre a falange distal, sem interposição de tecido celular subcutâneo.

A Biópsia Ungueal

Considerações Gerais

Stone, em 1978,10 afirmou que a biópsia ungueal só se justificaria nos casos em que a possibilidade de malignidade estivesse presente. Naqueles com hipótese diagnóstica de psoríase ou líquen plano, por exemplo, seria preferível assumi-lo clinicamente.

Já outros autores11,12 consideram-na recurso diagnóstico seguro, de fácil execução e útil para várias doenças ungueais quando a rotina clínica e os métodos laboratoriais falham no esclarecimento diagnóstico. Trata-se de procedimento seguro que pode e deve ser realizado pelo dermatologista.11,12

São pré-requisitos para a realização da biópsia ungueal o conhecimento adequado da anatomia da unha, da anestesia e da hemostasia, e a presença de anormalidade ungueal na qual a histopatologia provê diagnóstico.12

A indicação e os métodos variam de acordo com o sítio e o tipo da doença na unidade ungueal.12

Os fragmentos obtidos das biópsias ungueais podem ser de difíceis orientação, processamento e interpretação. É importante manter contato direto com um dermatopatologista experiente.5,6,12

Metódos e Indicações

Biópsia Longitudinal de todos os Elementos da Unha

Inicialmente descrita por Zaias em 196713 correspondendo à retirada de um fragmento longitudinal mediano. Nesse caso, obtêm-se informações de todos os elementos da unidade ungueal: prega ungueal proximal, matriz, leito e lâmina ungueal. O autor recomenda que a biópsia não exceda a 3mm de largura na região da matriz, o que evitaria cicatriz definitiva.

Em 1980 Scher14 descreve novamente, com detalhes, essa técnica, sugerindo algumas modificações e ampliando o campo de ação não só diagnóstico, como também terapêutico, para ablação de lesões neoplásicas e correção de onicocriptose.

As principais indicações englobam doenças da matriz ungueal ou de toda a unidade ungueal: tumores da matriz, melanoníquia estriada e distrofias ungueais que envolvam extensamente a lâmina ungueal. Eventualmente, é também indicada para o diagnóstico de psoríase e de líquen plano, quando toda a unidade ungueal se encontrar envolvida.12

Biópsia Excisional e Incisional

Podem ser realizadas no leito ou na matriz.

No leito, as excisões devem ser fusiformes longitudinais, quando possível, e limitadas à largura de 3mm. É sugerido que a sutura traz melhores resultados estéticos.15

Figura 5


Na matriz, a orientação do maior eixo do fuso deve acompanhar a forma crescente da lúnula. Atenção deve ser dada à espessura do fuso, que não deve ultrapassar 3mm.16

As indicações incluem: tumores e lesões vegetativas no leito ungueal; pigmentação inexplicada, onicólise e hiperceratose, alterações suspeitas de onicomicose ou de psoríase. Na matriz ungueal, pode-se utilizá-la para excluir malignidade em lesões de melanoníquia, diagnosticar tumores e distrofias.12

Biópsias por punch

Scher, em 1978,11 descreveu detalhadamente a técnica para realizar biópsias das unhas por punch, demonstrando-a método simples, que permite melhorar a acurácia diagnóstica e o tratamento das doenças ungueais. Enfatizou a importância da possibilidade de descartar malignidade.

As indicações incluem doenças dos vários elementos da unidade ungueal: matriz, leito e pregas ungueais.12

Um dos inconvenientes dessa técnica é o fato de só poder ser estudado um dos elementos da unidade ungueal em cada biópsia.

Stone, em 1978,10 descreveu a biópsia da prega ungueal proximal utilizando punch de 2mm em pacientes com paroníquia crônica, resistente à terapêutica, bem como o achado de corpos estranhos como agentes etiológicos.

Souza, em 1995,17 mostrou a utilidade da biópsia ungueal por punch como o principal método diagnóstico nos casos em que doenças, como psoríase e líquen plano, são exclusivas do aparelho ungueal.

Figura 6


Outros Métodos

Quando a lesão atinge o aparelho ungueal em suas pregas, outros métodos podem ser utilizados, como excisão em bloco, barbirese (shaving) ou excisão em crescente da prega ungueal.12

Outras Considerações

Elewski, em 1996,18 reforçou a necessidade da avaliação histopatológica das unhas clinicamente suspeitas de onicomicose cujos exames micológicos diretos pelo KOH e culturas tenham sido negativos.

Blecher, em 1993,19 utilizou, para cultura, material obtido com o uso de um motor de alta rotação. Observou que se tratava de um passo possível, no diagnóstico de infecção fúngica, entre a coleta tradicional de material da unha para exame micológico e a biópsia.

Machler, em 1998,20 utilizou fragmentos da lâmina ungueal para realizar exame histológico em casos com distrofia, concluindo tratar-se de técnica simples e efetiva no diagnóstico de onicomicose e psoríase, com o incoveniente de não identificar o fungo.

Grammer-West, em 1998,21 mostrou casos em que o diagnóstico de psoríase foi obtido por meio do exame histopatológico da lâmina ungueal avulsionada.

Processamento do Material

O processamento do material biopsiado envolve técnicas de amaciamento da lâmina ungueal, inclusão e colorações.

Alvarez, em 1967,22 descreveu técnica de processamento utilizando um método de inclusão em polietileno glicol piroxilina, no qual o amaciamento da lâmina ungueal era realizado pela fixação do material em ácido tricloroacético a 5% e formalina a 10%.

O material mais utilizado para inclusão da biópsia é a parafina.

Lewin, em 1973,23 descreveu o emprego de vários métodos de amaciamento da lâmina ungueal. Para as unhas de espessura normal, os métodos utilizando hidróxido de potássio associado ao ácido nítrico após fixação em formol ou tween 40 e a seguir formol eram igualmente eficazes. Para unhas espessas, a técnica preferida seria o Tween 40, embora a utilização de hidróxido de potássio também fosse efetiva.

Piérard, em 1994,24 utilizou, durante 24 horas, solução aquosa a 10% de Tween 40, com bons resultados, no amaciamento de suas biópsias ungueais; a seguir adotava técnicas habituais de formalização e inclusão em parafina.

Em geral, as lâminas são coradas pela hematoxilina-eosina e PAS.

PACIENTES E MÉTODOS

Neste estudo, foram incluídos os pacientes que procuraram o ambulatório de Dermatologia do HUPE/UERJ, nos meses de outubro e novembro de 1999, para esclarecimento diagnóstico e conduta terapêutica de lesões ungueais.

Os critérios de inclusão utilizados foram:

- presença de melanoníquia longitudinal,

- presença de tumores da unidade ungueal,

- suspeita de processo infeccioso da unidade ungueal no qual testes para pesquisa de fungos tenham sido negativos,

- presença de condições dermatológicas inflamatórias, com acometimento ungueal exclusivo.

Foram excluídos:

- pacientes que se recusaram a realizar a biópsia,

- pacientes com distúrbios psiquiátricos que inviabilizassem a realização do procedimento,

- pacientes com história de doença vascular periférica,

- processo infeccioso agudo do aparelho ungueal,

- discrasia sangüínea.

As biópsias foram realizadas na sala de cirurgia dermatológica.

A anti-sepsia de mãos ou pés foi realizada com povidine degermante e solução de álcool e éter.

Na anestesia loco-regional, utilizou-se lidocaína a 2%, sem adrenalina. Nas biópsias da matriz, foi adotada anestesia troncular. Nos casos de biópsia do leito, empregou-se anestesia local na junção da prega proximal e lateral, progredindo até a ponta do dedo, conforme descrito por Scher, em 1978.11 Nas biópsias do leito, não foi feito garroteamento, imprescindível, no entanto, nas da matriz.

Na biópsia do leito, recorreu-se a punch não descartável de 4mm e na da matriz, a punch descartável de 3mm. O acesso à matriz foi realizado por incisões laterais na prega ungueal proximal e reparo. Nas biópsias dos elementos periungueais, os autores seguiram as orientações gerais para biópsia da pele.

A indicação de biópsia da matriz decorreu da presença de melanoníquia estriada e da suspeita de doenças ungueais originadas na matriz. As biópsias do leito foram realizadas nas doenças inflamatórias com acometimento da matriz e do leito e serviram para confirmar suspeita de infecção quando os exames micológicos haviam sido negativos. As biópsias do tecido periungueal foram usadas para diagnosticar lesão tumoral.

O curativo utilizado foi oclusivo e compressivo, trocado nas primeiras 48 horas e, a seguir, diariamente.

O fragmento de biópsia foi submetido ao preparo com KOH a 20% a 56°C por 30 minutos, posteriormente à fixação do material em formol ou à imersão em solução aquosa a 10% de Tween 40 por 24 horas previamente à fixação em formol.

A seguir, encaminhou-se o material ao setor de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde foi incluído em parafina, cortado com espessura de 5m e corado pela hematoxilina-eosina e pelo ácido periódico de Schiff (PAS).

A avaliação histopatológica foi realizada no setor de Dermatopatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - UERJ.

RESULTADOS

Realizaram-se 12 biópsias ungueais em 11 pacientes, duas incisionais e 10 por punch, cujos resultados estão relatados na tabela 1.

DISCUSSÃO

Na realização das biópsias, os autores se depararam com algumas dificuldades. Nas unhas que apresentavam onicólise e espessamento da lâmina ungueal, houve, em 100% dos casos, descolamento da lâmina do leito durante o procedimento, levando à necessidade de emblocamento separado da lâmina e do leito biopsiado.

Com relação a biópsias de leito, em 199517 Souza utilizou o punch de três ou 4mm; Rich,12 em 1992, mostrou a técnica de duplo punch; orientando a utilização de um punch de 4mm para retirada da lâmina ungueal e um de 3mm para a retirada do fragmento do leito; nas aqui relatadas, houve grande dificuldade técnica no emprego do punch descartável, pois a lâmina ungueal desprendida durante a biópsia a ele aderia internamente, o que não aconteceu quando usado o punch não descartável.

Nas biópsias da matriz, a orientação indica escolha de punch de 3mm ou fuso transversal, acompanhando a curvatura da lúnula e evitando a matriz proximal, se possível.15,16

Dado que nesse tipo de biópsia a exposição da matriz pela confecção de retalho da prega proximal é indispensável, os autores escolheram o punch descartável de 3mm, na tentativa de prevenir seqüelas definitivas na unha.

Com relação à anestesia, eles julgam ser fundamental, nos casos de biópsia da matriz, a anestesia troncular, já que é necessário campo cirúrgico sem sangue, o que facilita identificar o local da alteração na matriz, orientando a biópsia. Quando se tratava de biopsiar leito, aplicaram anestesia local, e houve boa tolerância por parte dos pacientes, bem como efetividade de bloqueio. Não utilizaram garrote, o sangramento foi mínimo e em nada prejudicou o procedimento.

Outro fator decisivo na precisa avaliação histológica da biópsia é a orientação do material obtido. Trata-se normalmente de pequenos fragmentos, e a orientação inadequada pode comprometer o resultado. É possível a utilização de corantes nessa orientação ou a marcação da peça com uma pequena incisão lateral, definindo se a inclusão será transversal ou longitudinal. Não se aconselha a imediata clivagem do material como forma de orientar a inclusão, pelo risco de prejuízo ao exame histopatológico.

Em 19976 Jerasutus mostrou, com detalhes, as alterações histopatológicas do leito ungueal quando de inclusão transversal: os cones epidérmicos são estreitos e longos, intercalados por papilas dérmicas, formando pregas longitudinais regulares ao longo do leito ungueal. Sugere-se, portanto, a inclusão longitudinal.

Os pacientes foram acompanhados pelos autores, que não observaram seqüelas naqueles submetidos à biópsia do leito. Os dois pacientes submetidos à biópsia da matriz foram acompanhados até o crescimento normal e completo da lâmina ungueal, sem sulcos ou onicólise, o que foi interpretado como resultado final sem seqüelas. A casuística dos autores é pequena e pode não representar a real incidência de complicações.

Com relação ao processamento, as biópsias da matriz e tecidos periungueais foram diretamente fixadas em formol, o que não comprometeu nem a inclusão, nem a avaliação histopatológica dos materiais.

As biópsias do leito foram submetidas a dois modos de amaciamento, utilizando KOH a 20%, aquecido a 56°C por 15 minutos, ou solução aquosa a 10% de Tween 40. Com relação ao corte do material no micrótomo, a dificuldade se relacionava em maior ou menor grau com a espessura da lâmina ungueal, já esperada e contornada pela utilização de lâminas novas no micrótomo a cada quatro diferentes materiais processados.

Na avaliação histopatológica não se observou prejuízo citológico nem histológico nas amostras. Ambas as técnicas são de fácil reprodução e baixo custo.

Não foi possível realizar a análise estatística do grupo, dadas sua pequena dimensão e falta de homogeneidade. Houve troca constante das lâminas do micrótomo, para facilitar os cortes, o que interferiu na avaliação da eficácia das técnicas de amaciamento.

Com relação aos resultados obtidos pelo exame histopatológico:

- os casos suspeitos clinicamente de onicomicose que tiveram exames micológicos negativos não foram confirmados pela histopatologia. O número de casos é pequeno (três), o que não permite aos autores tirar conclusões. Eles evitaram, porém, tratamentos onerosos e com efeitos colaterais. Acreditam tratar-se de onicopatia traumática - que freqüentemente acomete o hálux, local das biópsias aqui focalizadas -, podendo apresentar-se clinicamente como onicólise ou hiperceratose reativa;25

- em um dos casos clínicos, a suspeita era de verruga subungueal, e, durante a histopatologia, não foram encontradas características histológicas de infecção pelo HPV, sendo os autores surpreendidos por hifas na coloração pelo PAS. Infelizmente, não havia sido feito exame micológico prévio. Pode-se inferir aqui a importância da realização da coloração para pesquisa de fungos nas biópsias de unha, sobretudo nos casos com hiperceratose ungueal;

- no caso de melanoníquia estriada, a importância está no fato de se excluir, com segurança, a malignidade, o que é igualmente válido para o caso de tumor periungueal, também biopsiado;

- no caso da criança com traquioníquia, os achados histológicos na biópsia do leito apenas foram secundários às alterações primárias que ocorriam na matriz. O melhor teria sido biopsiar a matriz;

- em outro caso, com características clínicas de psoríase, a biópsia do leito foi suficiente para se concluir o diagnóstico.

- no caso de líquen plano, já que a doença acomete tanto a matriz quanto o leito, preferiu-se biopsiar o leito. Quando a lesão é muito inicial e exclusiva da matriz, como em um dos casos biopsiados, a única forma de conseguir o diagnóstico é pela biópsia da matriz.

Nos casos suspeitos de onicomicose, cujos exames micológicos foram negativos ou quando se deseja excluir psoríase, um método disponível e que não deve ser esquecido, intermediário entre o exame micológico e a biópsia ungueal, é o exame histopatológico de fragmentos de lâmina ungueal. Suarez, em 1991,25 mostrou sua utilidade em diagnosticar onicomicose, nos casos de exame micológico negativo para fungos. Machler, em 1998,20 e Grammer-West, em 1998,21 lidando com casos de onicodistrofia, endossaram essa utilidade para o diagnóstico de onicomicose e psoríase.

CONCLUSÃO

A biópsia ungueal requer, do dermatologista, amplo conhecimento da anatomia da unidade da unha, sendo imprescindíveis desde a escolha do local até a orientação da inclusão e interpretação dos resultados.

Os locais adequados de biópsia no aparelho ungueal para as diferentes doenças da unha são:

- melanoníquia estriada ou tumores na matriz: matriz;

- distrofia ungueal envolvendo toda a extensão da lâmina: matriz;

- massa ou tumor no leito: leito;

- unha psoriásica ou fúngica questionável ou não documentada: leito;

- onicólise inexplicada: leito;

- hiperceratose subungueal: leito;

- lesão vegetante e pigmentação subungueal inexplicada: leito;

- paroníquia crônica, tumores ou massas da prega ungueal causando distrofia ungueal: prega ungueal.

Nas biópsias ungueais não houve diferença na dificuldade técnica de incluir ou cortar o material consoante o método de amaciamento empregado.

Não houve prejuízo citológico nem histológico das biópsias com as duas técnicas de amaciamento da lâmina ungueal utilizadas.

A biópsia ungueal é procedimento seguro que pode ajudar no diagnóstico das doenças da unha.

Pode-se sugerir uma rotina para a biópsia ungueal:

1) local: guiar-se pela alteração ungueal presente;

2) anestesia: regional para as biópsias da matriz e local para as do leito;

3) utilização de garrote para biópsia da matriz o que é dispensável nas do leito;

4) punch: descartável de 3mm nas biópsias da matriz e não descartável de 4mm nas biópsias do leito;

5) marcar o fragmento biopsiado com corantes ou cortar uma de suas laterais, orientando assim a inclusão: transversal ou longitudinal;

6) fixação: diretamente em formol nas biópsias da matriz e utilização de técnicas de amaciamento, tanto Tween 40 em solução aquosa a 10% quanto KOH a 20%, por 15 minutos, a 56°C, nas biópsias de leito.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Ivan Curtiss Silviano Brandão pela revisão técnica do texto em inglês.

Recebido em 30.03.2001.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 23.08.2002.

  • 1. Gardner E, Gray DJ, O'Rahilly R. Anatomia Estudo Regional do Corpo Humano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1978:52-53.
  • 2. González-Serva A. Structure and Function. In: Scher RK, Daniel III CR. Nails Therapy-Diagnosis-Surgery. 2nd. ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1997:12-31.
  • 3. Baran R, Dawber RPR, Tosti A, Haneke E. A Text Atlas of Nail Disorders - Diagnosis and Treatment. London: Mosby, 1996.
  • 4. Griffin TD. Inflamatory Diseases of the Nail. In: Lever's Histopathology of the Skin, 8ª ed., Philadelphia: David Elder et al Lippincott Raven Publishers, 1997:423-428.
  • 5. Omura EO. Histopathology of the Nail. Dermatologic Clinics, 1985;3(3):531-541.
  • 6. Jerasutus S. Histology and Histopathology. In: Scher RK, DANIEL III, CR. Nails Therapy-Diagnosis-Surgery. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1997. p.55-100.
  • 7. Tosti A, Piraccini BM. Biology of Nails. In Fitzpatrick's. Dermatology in General Medicine, 5th Ed. Mc Graw-Hill, 1999:239-244.
  • 8. Zaias N, Alvarez J. The Formation of the Primate Nail Plate. An Auto-radiographic Study in Squirrel Monkey. J Invest Dermatol 1968;51:120-37.
  • 9. Johnson M, Comaish JS, Shuster, S. Nail is produced by the normal nail bed: a controversy resolved. British Journal of Dermatology. 1991;125:27-29.
  • 10. Stone OJ, Barr RJ, Herten RJ. Biopsy of the Nail Area. Cutis. 1978(21):257-260.
  • 11. Scher RK. Punch Biopsies do Nails. A Simple, Valuable Procedure. J Dermatol Surg Oncol. 1978;4(7):528-530.
  • 12. Rich P: Nail Biopsy: Indications and Methods. J Dermatol Surg Oncol, 1992;18:673-682.
  • 13. Zaias N. The Longitudinal Nail Biopsy. J Investig Dermatol. 1967;49(4):406-408.
  • 14. Scher RK. Longitudinal Resection of Nails for Purposes of Biopsy and Treatment. J. Dermatol Surg Oncol. 1980;6(10):805-807.
  • 15. Salasche SJ. Surgery. In: Scher RK, DANIEL III CR. Nails Therapy-Diagnosis-Surgery. 2nd. ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1997:326-349.
  • 16. Del Rosso JQ, Basuk PJ, Scher RK, Ricci AR. Dermatologic Diseases of the Nail Unit. In: Scher RK, DANIEL III CR. Nails Therapy-Diagnosis-Surgery. 2nd. ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1997:172-200.
  • 17. Souza MCF, Corredor JG, Duque H, Mendonça IRM, Azulay RD. O valor da biópsia da unha para diagnóstico histopatológico da psoríase e do líquen plano ungueal. Dermatológica 1995:29-31.
  • 18. Elewski BE. Diagnostic techniques for confirming onychomycosis. J Am Acad Dermatol. 1996;35(3):S6-S9.
  • 19. Blecher P, Korting HC. A new combined diagnostic approach to clinically and microscopically suspected onychomycosis unproven by culture. Mycoses. 1993;36:321-324.
  • 20. Macher BC, Kirsner RS, Elgart GW. Routine Histologic Examination for the Diagnosis of Onychomycosis: an Evaluation of Sensitivity and Specificity. Cutis, 1998;61:217-219.
  • 21. Grammer-West NY, Corvette DM, Giandoni MB, Fitzpatrick JE. Clinical Pearl: Nail plate biopsy for the diagnosis of psoriatic nails. J Am Acad Dermatol. 1998;38(2):260-262.
  • 22. Alvarez R, Zaias N. A modifield polyethylene glycol-pyroxylin embedding method specially suited for nails. J Invest Dermatol, 1967;49:409-410.
  • 23. Lewin K, De Wit AS, Lawson R. Softening Techniques for Nails Biopsies. Arch Dermatol 1973;107:223-224.
  • 24. Pierard GE, Arrese JE, Pierre S et al Diagnostic Microscopique des Onychomycoses. Ann Dermatol Venerol. 1994;121:25-29.
  • 25. Haneke E, Baran R. Nail Surgery and Traumatic Abnormalities. In Baran R, Dawber RPR. Diseases of the Nails and their Management. 2nd Ed. Cambridge:Blackwell Science, 1995:345-415.
  • 26. Suarez SM, Silvers DN, Scher RK. Histologic Evaluation of Nail Clippings for Diagnosing Onychomycosis. Arch Dermatol 1991;127:1517-19.
  • Endereço para correspondência
    Geraldo Magela Magalhães
    Avenida do Contorno, 4747 sala 906
    Belo Horizonte MG 11050-060
    Tel./Fax: +55 (31) 3281-2030
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da UERJ - Hospital Universitário Pedro Ernesto como Monografia Final de Curso.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Aceito
      23 Ago 2002
    • Recebido
      30 Mar 2001
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br