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Alopecia cicatricial da sarcoidose

Resumos

Os autores apresentam um caso de alopecia cicatricial associada a lesões papulosas na face e no tronco, com quatro anos de evolução. O diagnóstico de sarcoidose foi confirmado pelo exame histopatológico. Durante o seguimento, a paciente desenvolveu lesões pulmonares. A alopecia cicatricial é complicação rara da sarcoidose e se confunde, clinicamente, com outras dermatoses, entre elas o lúpus eritematoso discóide e o líquen plano pilar.

alopecia; sarcoidose


The authors describe a case of cicatricial alopecia associated with papular lesions on the face and trunk with four years of evolution. The diagnosis of sarcoidosis was confirmed by histopathological examination. During the follow-up the patient developed lung lesions. Cicatricial alopecia is a rare complication of sarcoidosis. It is often confused, in clinical findings, with other dermatoses, among them discoid lupus erythematosus and lichen planopilaris.

alopecia; sarcoidosis


CASO CLÍNICO

Alopecia cicatricial da sarcoidose* Endereço para correspondência Giane Pereira Giro Teixeira Av. Américo Buaiz 501/205 - Torre Leste - Enseada da Praia do Suá Vitória ES 29050-420 Tel/Fax: (27) 3345-6712 / 3345-6385 E-mail: giane@multicast.com.br

Giane Pereira Giro TeixeiraI; Luciana Vieira de PaulaI; Maria Auxiliadora Jeunon de SousaII; Isabel Cristina Brasil SucciIII

IEspecialistas em Dermatologia

IIResponsável pelo Setor de Dermatopatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - UERJ

IIICoordenadora do Curso de Pós-Graduação em Dermatologia; Chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - UERJ

Endereço para correspondência

RESUMO

Os autores apresentam um caso de alopecia cicatricial associada a lesões papulosas na face e no tronco, com quatro anos de evolução. O diagnóstico de sarcoidose foi confirmado pelo exame histopatológico. Durante o seguimento, a paciente desenvolveu lesões pulmonares. A alopecia cicatricial é complicação rara da sarcoidose e se confunde, clinicamente, com outras dermatoses, entre elas o lúpus eritematoso discóide e o líquen plano pilar.

Palavras-chave: alopecia; sarcoidose.

INTRODUÇÃO

A sarcoidose é doença multissistêmica, granulomatosa, de etiologia e patogênese desconhecidas. Pode afetar qualquer órgão e envolve a pele em 25% dos casos.1 O couro cabeludo é raramente acometido,2 e as lesões podem ser inicialmente nodulares ou papulosas, coalescendo e formando placas que deixam área de alopecia cicatricial. A suspeita diagnóstica pode ser facilitada na presença de outras lesões cutâneas e/ou sistêmicas de sarcoidose.

RELATO DE CASO

Paciente com 42 anos, do sexo feminino, negra, casada, comerciária, natural de Minas Gerais. Refere surgimento, há quatro anos, de lesão eritêmato-escamosa, pruriginosa, no vértice do couro cabeludo, associada a lesões eritêmato-papulosas na face e no tronco, assintomáticas. Há um ano e seis meses, a lesão do couro cabeludo evoluiu para alopecia e apareceram novas lesões cutâneas, quando procurou o Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto.

Ao exame dermatológico, apresentava placa de bordas eritêmato-escamosas e centro atrófico, com raros pêlos. (Figura 1) Na face, região anterior do tórax e dorso havia lesões eritêmato-papulosas, algumas confluindo em configuração anular. (Figura 2) O exame clínico estava normal.



Exames laboratoriais: hemograma sem alterações, dosagem de cálcio sérico (10,1mg/dl) e urinário (83,52mg/24 horas) normais, FAN negativo, PPD não reator. Radiografia de tórax e das mãos, espirometria e exame oftalmológico não apresentaram alterações; e a dosagem da enzima conversora da angiotensina estava normal (2,3ng/dl).

No exame histopatológico da lesão cutânea e do couro cabeludo, os autores observaram, na derme, numerosos granulomas epitelióides com pobreza linfocitária. (Figuras 3, 4 e 5) Na coloração pela orceína (couro cabeludo), notaram ausência de fibras elásticas nas áreas em que se encontravam os granulomas. A imunofluorescência direta da lesão foi negativa.



Foi instituído o tratamento com prednisona 40mg/dia por um mês, seguido de esquema para retirada do corticóide no mês seguinte e infiltração de triamcinolona na lesão do couro cabeludo. Houve regressão das lesões cutâneas e melhora da descamação nas bordas da placa de alopecia, mas sem repilação.

Há um ano apresentou queixa de dispnéia e foi encaminhada ao Serviço de Pneumologia. No Rx de tórax observou-se um infiltrado nodular difuso, e a tomografia computadorizada de tórax mostrou infiltrado reticulonodular predominantemente periférico. Presença de linfocitose no lavado bronco-alveolar, com BAAR negativo em três amostras de escarro; e distúrbio ventilatório restritivo acentuado na prova de função respiratória. Foi instituída prednisona 80mg/dia por três meses. Está há cinco meses em uso de prednisona 20mg/dia, com melhora da dispnéia e tomografia computadorizada de tórax normal.

DISCUSSÃO

A sarcoidose cutânea pode ocorrer sem doença sistêmica associada.3 Em adição às formas clássicas descritas, uma ampla variedade de apresentações incomuns pode ser encontrada. Uma dessas formas é a alopécica, que se confunde clinicamente com outras dermatoses como o lúpus eritematoso discóide, o líquen plano pilar e a foliculite decalvante.4

A alopecia da sarcoidose representa uma alopecia cicatricial verdadeira,4 com ausência de fibras elásticas ao exame histopatológico. Existem apenas 28 casos publicados na literatura de língua inglesa, a maioria em mulheres negras com evidência de comprometimento intratorácico.3,5,6,9,10 Além das placas de alopecia, o envolvimento cutâneo é geralmente visto em outros locais. Clinicamente, as áreas de alopecia podem aparecer como áreas atróficas associadas ou não a eritema e descamação, placas, nódulos ou ulceração.11,12

Os pacientes com lúpus eritematoso podem ter lesões discóides no couro cabeludo, resultando em placas de alopecia cicatricial, com atrofia variável e áreas de hiperpigmentação e hipopigmentação. Pode-se notar ceratose folicular nas placas de alopecia do lúpus. Muitas vezes é difícil estabelecer seu diagnóstico pela histopatologia.

O líquen plano pilar geralmente se apresenta como uma placa de alopecia com pápulas foliculares individuais ou hiperceratose. A condição tende a ser progressiva, com expansão e coalescência das placas individuais.4 Seu diagnóstico clínico e histopatológico pode confundir-se com o de lúpus eritematoso.

Na foliculite decalvante, encontra-se placa de alopecia com ou sem erosão, descamação ou crostas associadas. Em torno da lesão, pústulas foliculares ocorrem em surtos. O estágio tardio é caracterizado pela fibrose reparativa.

Dessas dermatoses, o lúpus é, sem dúvida, o mais freqüente; sua alopecia cicatricial é indistinguível da sarcoidose, assim como o líquen plano pilar e a foliculite decalvante que, embora raros, são também mais comuns do que a sarcoidose. A distinção entre essas afecções torna-se mais difícil quando não há lesão cutânea associada.

O exame histopatológico pode auxiliar no diagnóstico e, no caso da sarcoidose, é conclusivo pelo encontro de granuloma não caseoso de células epitelióides.

Quanto ao tratamento da alopecia, há pouca resposta aos corticosteróides (sistêmicos ou intralesionais) e à cloroquina nos casos relatados.5,7,8,13

Os autores enfatizam, então, a recomendação de que a sarcoidose, apesar de causa rara, seja incluída no diagnóstico diferencial das alopecias cicatriciais.

Recebido em 11.07.2000

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 10.03.2003

*Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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  • Endereço para correspondência
    Giane Pereira Giro Teixeira
    Av. Américo Buaiz 501/205 - Torre Leste - Enseada da Praia do Suá
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Recebido
      11 Jul 2000
    • Aceito
      10 Mar 2003
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