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Fausto João Forin Alonso

OBITUÁRIO

Fausto João Forin Alonso

Em setembro de 1972 comecei a trabalhar na Santa Casa de São Paulo. Lembro-me de meu primeiro e inesquecível contato, ao adentrar seu jardim, com o majestoso ipê amarelo, cartão-postal da instituição, que estava em plena floração de primavera. Bom augúrio para mim, que me propunha a colaborar voluntariamente no atendimento diário aos pacientes da Dermatologia.

Logo nos primeiros dias de trabalho conheci Fausto Forin Alonso, recém-formado pela turma de 1971, que me procurou para manifestar seu desejo de participar do atendimento dermatológico, também de modo voluntário. Contou-me de sua inclinação pela dermatologia, estimulado que fora por seu tio, consagrado especialista de São Paulo, dr. Fernando Alayon.

Desde os primeiros momentos de convívio diário, surgiram entre nós forte identificação e sólido sentimento de amizade. Fausto tinha qualidades que todos apreciávamos imensamente: dedicação ao trabalho, disposição para ser prestativo a quem dele necessitasse, lealdade para com amigos e companheiros de trabalho. Qualidades essas que o elevaram à condição de uma das figuras mais queridas de nossa Santa Casa. Na medida em que seu prestígio cresceu, no âmbito da dermatologia, essas mesmas qualidades foram reconhecidas, tanto na SBD, como nos numerosos contatos internacionais que ele manteve.

Sua trajetória científica, desenvolvida por 30 anos na Santa Casa de São Paulo, foi de constante crescimento profissional, sobretudo no campo da dermatologia na infância. Diariamente, ao terminar o atendimento em nosso Ambulatório de Dermatologia, dirigia-se ao Pavilhão Condessa de São Joaquim, onde está instalado o Departamento de Pediatria, para dar assistência às crianças ali internadas e que apresentavam alguma manifestação cutânea. Recorde-se que a Santa Casa é hospital de referência, para onde são enviados casos raros e de mais difícil manejo, encaminhados pela rede pública de assistência à Saúde. Como resultado desse atendimento diferenciado, a instituição reúne casuísticas que impressionam e que dificilmente são superadas por outros centros, de qualquer parte do mundo, configurando assim uma situação favorável que projetou Fausto nos cenários nacional e internacional.

Acompanhando seus pacientes com grande dedicação e competência - e com olhos de investigador - Fausto Alonso tornou-se referência mundial no campo da dermatologia na infância. Tive a oportunidade de compartilhar vários de seus estudos, sobretudo os que lhe asseguraram a obtenção dos títulos universitários conferidos pela pós-graduação.

Fausto foi aceito pela Escola Paulista de Medicina (hoje Unifesp), em seu curso de pós-graduação. Apresentou duas teses, tendo eu sido o orientador de ambas. A primeira, para obter o título de mestre, sobre a sífilis adquirida na infância. A segunda, para o doutorado, sobre a síndrome de Bloom. Nos anos seguintes preparou-se para o concurso de professor adjunto, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, objetivo que alcançou com brilho. Culminou sua trajetória acadêmica assumindo, como meu sucessor, a condição de professor titular da disciplina de dermatologia e, simultaneamente, a chefia da Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo.

Sua grave enfermidade, iniciada quando se encontrava no apogeu da carreira profissional e universitária, afastou-o precocemente de nosso convívio, privando-nos de seu convívio e de sua amizade.

Que Deus o tenha em sua Paz.

Nelson Guimarães Proença

As pessoas não morrem. Elas

simplesmente se encantam.

Guimarães Rosa

O dia 31 de dezembro de 1945 se desenhava especial para o jovem Fausto Alonso. Sua família, oriunda de Ponte Viedra, na Galícia, emigrara da Espanha na primeira metade do século XX, fixando-se no Estado de São Paulo. Exercendo a função de fiscal de cereais, residia agora em Marília com sua esposa, Joana, natural de Jaú e grávida do primeiro filho do casal.

Dona Joana optou pelo parto em sua cidade natal, onde se sentia mais segura e confortável com a presença e o carinho dos familiares. E no último dia do ano, uma data de luz, festa, alegrias e esperanças renovadas, Fausto João Forin Alonso, o Faustinho, veio ao mundo. Por um capricho do destino, oficialmente em Jaú, mas Fausto jamais negou a Marília a condição de cidade de seu coração.

Nessa Marília então bucólica e tranqüila, Fausto fincou suas raízes e suas amizades, das quais sempre se orgulhou e que fez questão de perpetuar. A infância como destacado nadador do Yara Clube sob o comando austero e exigente de seu pai e treinador, a turma de adolescentes, conhecida como Grupo do Cativeiro, que se reunia na praça, os primeiros bailes... E Fausto se vê então na São Paulo gigantesca, tão diferente de sua pacata Marília, onde cursa Medicina e se gradua em 1971 pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, outro de seus orgulhos.

Em 1972 dona Joana sofre um acidente fatal na rodovia Castelo Branco e, três anos após, seu esposo falece em Marília. Fausto vê então sua família reduzida a sua irmã, Ilza, e sua sobrinha Larrissa, nascida no mesmo ano do falecimento do avô e a quem Fausto dedicou o maior e o melhor de seus sentimentos paternais, compensando talvez a ausência de uma filha real que não teria em vida. Impelido pelo destino, adota então a dermatologia e seus amigos como sua segunda família.

Pois foi exatamente aqui, no exercício da dermatologia e no cultivo das amizades, que Fausto se mostrou insuperável. Poucos, como ele, defenderam com tanto afinco a dignidade da especialidade. Fausto não poupava críticas à invasão da dermatologia pelos procedimentos movidos por interesses meramente financeiros e falsamente escudados em uma ciência capenga. Dedicava profundo desprezo aos que banalizavam o ato médico e para esses reservava o melhor de sua crítica mordaz e ferina, bem fiel a suas raízes ibéricas. A dermatologia, segundo Fausto, exige respeito por parte daqueles que a exercem. E se algumas vezes, especialmente em seus últimos anos de vida, Fausto pode ter exagerado na forma, foi contudo sempre fiel à essência. Nem a doença que lhe tolheu a vida conseguiu roubar-lhe a coerência.

Fausto encantou-se, no mais literal sentido da epígrafe, e com ele levou um naco enorme destas qualidades - tão escassas hoje em dia - que marcam os grandes homens: a amizade fiel, o caráter retilíneo, a bondade infinita e a doçura da alma. A nós, amigos saudosos, só resta dele nos despedirmos bem a sua maneira: juízo, Faustinho!

Bernardo Gontijo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004
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