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Dermatite flagelada induzida pela bleomicina

Resumos

A bleomicina é agente quimioterápico usado no tratamento de diferentes neoplasias. Apresenta vários efeitos colaterais, sendo um deles a hiperpigmentação cutânea de aspecto flagelado, considerada específica dessa droga. Relatam-se dois casos de dermatite flagelada induzida pela bleomicina. Discutem-se os aspectos clínicos e etiopatogênicos em breve revisão bibliográfica.

Bleomicina; Doença de Hodgkin; Quimioterapia


Bleomycin is an antineoplastic drug used in the treatment of different tumors. It has several side effects, including a cutaneous hyperpigmentation with a flagellate aspect, which is considered specific to Bleomycin. We report two cases of Bleomycin-induced flagellate dermatitis and discuss the clinical and etiopathogenic aspects in a brief blibliographic revision.

Bleomycin; Chemotherapy; Hodgkin’s disease


COMUNICAÇÃO

Dermatite flagelada induzida pela bleomicina*

Júlio César Gomes SilveiraI; Beatriz Moreira da CunhaII; Rogério Ribeiro EstrellaIII

IEspecializando em Dermatologia pela Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil

IIResidente em Dermatologia pela Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil

IIIProfessor-adjunto de Dermatologia da Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

A bleomicina é agente quimioterápico usado no tratamento de diferentes neoplasias. Apresenta vários efeitos colaterais, sendo um deles a hiperpigmentação cutânea de aspecto flagelado, considerada específica dessa droga. Relatam-se dois casos de dermatite flagelada induzida pela bleomicina. Discutem-se os aspectos clínicos e etiopatogênicos em breve revisão bibliográfica.

Palavras-chave: Bleomicina; Doença de Hodgkin; Quimioterapia

A bleomicina é antibiótico com propriedade citotóxica antineoplásica. Tem sido utilizada no tratamento de uma variedade de tumores incluindo linfoma de Hodgkin, carcinoma testicular e carcinoma de células escamosas da cabeça e pescoço. Inúmeras reações inespecíficas associadas ao uso da bleomicina são descritas e incluem estomatite, alopecia, fibrose pulmonar, fenômeno de Raynaud, deformidades ungueais, úlceras palmoplantares, lesões bolhosas, esclerodermia, placas verrucosas hiperceratósicas e nódulos inflamatórios.1,2 No entanto, uma hiperpigmentação linear da pele que ocorre durante o uso da bleomicina, descrita pela primeira vez por Moulin et al.1 em 1971 e denominada dermatite flagelada, é considerada específica dessa droga.

O artigo descreve dois casos de dermatite flagelada induzida pela bleomicina em pacientes tratados para linfoma de Hodgkin, revê a literatura e discute as características clínicas e os possíveis mecanismos patogênicos envolvidos

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 18 anos, branco, apresentava queixa de prurido e lesões acastanhadas no tronco, braços e pescoço, com início há três meses, que surgiam nas áreas previamente atritadas pelo ato de coçar. O paciente estava em tratamento para linfoma de Hodgkin, no quarto ciclo de doxorrubicina, bleomicina, vinblastina e dacarbazina. Ao exame dermatológico apresentava máculas hipercrômicas, de disposição linear, com aspecto flagelado, distribuídas no tronco, pescoço e membros superiores (Figura 1). Foi prescrito hidroxizine, havendo desaparecimento do prurido. Não houve surgimento de novas lesões apesar da continuidade do uso da bleomicina.


Caso 2

Paciente do sexo masculino, 49 anos, pardo, compareceu à consulta devido a quadro de alopecia areata. Ao exame, apresentava máculas hipercrômicas, de disposição linear, com aspecto flagelado sobre os ombros, parte superior do dorso e região costal (Figura 2). As lesões haviam surgido durante quimioterapia realizada oito anos antes da consulta para tratamento de linfoma de Hodgkin (ciclos de doxorrubicina, bleomicina, vinblastina e prednisona), com remissão completa da doença.


A bleomicina é um polipeptídeo derivado do Streptomyces verticillus, descoberta no Japão em 1965 por Umezawa.1-3Tem sido usada como quimioterápico antineoplásico em diferentes tipos de tumores porque inibe a incorporação da timina ao DNA, causando a fragmentação do DNA em frações menores.1,2A bleomicina distribui-se por todo o corpo e é inativada por uma enzima hidrolase capaz de clivar um grupo amônia da sua molécula.1,4Essa enzima não existe no pulmão e na pele, e por isso a bleomicina não é inativada nesses órgãos. Desse modo há uma concentração aumentada da droga na pele e nos pulmões, explicando a toxicidade cutânea e pulmonar que se observa com o uso dessa droga.4

A dermatite flagelada induzida pela bleomicina, também chamada de eritema flagelado, ocorre primariamente na parte superior do tronco e nos membros superiores. Geralmente é pruriginosa, podendo ter a aparência de hiperpigmentação pós-inflamatória desde o início ou iniciar como lesões eritematosas, urticariformes que evoluem para hiperpigmentação residual.2-5 A ocorrência é variável, sendo descrita em percentual que varia de 8% a 66% dos casos nos diferentes estudos, parecendo haver susceptibilidade individual.6 As lesões, que surgem desde poucas horas até nove semanas após a exposição à droga, ocorrem com doses variadas nos casos relatados, entre 15mg e 285mg.2 Normalmente, a dermatite flagelada é desencadeada pela administração endovenosa e, menos comumente, intramuscular. É também relatada a ocorrência após administração intrapleural de bleomicina com doses de 30mg e 60mg.4,7

Os mecanismos patogênicos envolvidos na formação das lesões são controversos. Várias teorias são propostas incluindo o aumento da estimulação dos melanócitos por secreção hormonal adrenocorticotrópica e oncotaxia inflamatória.2,7,8 No entanto, o mecanismo mais discutido seria a indução das lesões pelo prurido. Acredita-se que as lesões lineares sejam produzidas pelo ato de coçar.2,4,6,9 Uma resposta dermográfica à pressão do ato de coçar resultaria em acúmulo local da droga pelo extravasamento de bleomicina através dos vasos dilatados. Encontram-se na literatura relatos e evidências que suportam essa teoria,10 mas outros autores têm fracassado na tentativa de reproduzir essas lesões por meio desse mecanismo.4,6

Várias são as alterações histopatológicas descritas na dermatite flagelada: hiperceratose, paraceratose, acantose, espongiose, degeneração da camada basal, infiltrado inflamatório linfo-histiocitário na derme, melanófagos na derme papilar e vasculite linfocítica sem alteração epidérmica.3-5 Há um número normal de melanócitos, mas à microscopia eletrônica observa-se número aumentado de melanossomas nos ceratinócitos, formando densos anéis perinucleares.2,7

A pigmentação pode persistir por longo tempo,3,4 como visto no caso número 2. Não foi descrita nenhuma forma de tratamento na bibliografia consultada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2004
  • Aceito
    09 Jan 2006
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