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Enxertia de pele em oncologia cutânea

Resumos

Em oncologia cutânea depara-se freqüentemente com situações em que a confecção de um enxerto é uma boa alternativa para o fechamento do defeito cirúrgico. Conhecer aspectos referentes à integração e contração dos enxertos é fundamental para que os cirurgiões dermatológicos procedam de maneira a não contrariar princípios básicos do transplante de pele. Os autores fazem uma revisão da classificação e fisiologia dos enxertos de pele, acrescendo considerações cirúrgicas determinantes para o sucesso do procedimento.

Neoplasias cutâneas; Transplante de pele; Transplante homólogo


In cutaneous oncology, there are many situations in which skin grafts could be a good alternative for closing surgical defect. Dermatological surgeons should have enough knowledge about graft integration and contraction in order to not contradict the basic principles of skin transplantation. The authors review skin graft classification and physiology and make some surgical considerations on successful procedures.

Skin neoplasms; Skin transplantation; Transplantation, homologous


ARTIGO DE REVISÃO

Enxertia de pele em oncologia cutânea* * Trabalho promovido pelo Curso de Pós-Graduação em Dermatologia da UFRJ e realizado no Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital de Força Aérea do Galeão e Universidade Federal do Rio de Janeiro - (UFRJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

José Anselmo Lofêgo FilhoI; Paula DadaltiII; Diogo Cotrim de SouzaIII; Paulo Roberto Cotrim de SouzaIV; Marcos Aurélio Leiros da SilvaV; Cristina Maeda TakiyaVI

IMestre em Dermatologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIDoutora em Dermatologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Médica do Hospital Central Aristarcho Pessoa - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIAcadêmico do 3º Ano de Medicina da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVChefe da Clínica Dermatológica do Hospital Geral de Bonsucesso - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VChefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Força Aérea do Galeão - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VIProfessora Adjunta do Departamento de Histologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Anselmo Lofêgo Filho Est. dos Três Rios, 200 - Bl 1/201 - Jacarepaguá 22755-000 - Rio de Janeiro - RJ Tel/Fax: (21) 2456-1909 E-mail: anselmolofego@terra.com.br

RESUMO

Em oncologia cutânea depara-se freqüentemente com situações em que a confecção de um enxerto é uma boa alternativa para o fechamento do defeito cirúrgico. Conhecer aspectos referentes à integração e contração dos enxertos é fundamental para que os cirurgiões dermatológicos procedam de maneira a não contrariar princípios básicos do transplante de pele. Os autores fazem uma revisão da classificação e fisiologia dos enxertos de pele, acrescendo considerações cirúrgicas determinantes para o sucesso do procedimento.

Palavras-chave: Neoplasias cutâneas; Transplante de pele; Transplante homólogo

INTRODUÇÃO

Enxerto é parte de um tecido vivo transplantado de um lugar para outro no mesmo organismo ou em organismos distintos.1 Contudo, a utilização da terminologia enxerto para designar uma modalidade cirúrgica, apesar de errônea, tornou-se coloquial. Os termos apropriados para designar o procedimento cirúrgico que envolve a transferência da pele de uma região para outra, mediante perda total de continuidade com sua área doadora, são enxertia ou transplante de pele.

Existem quatro diferentes classificações para os enxertos. Uma, baseia-se em sua constituição histológica. São simples quando apresentam um único tipo de tecido e compostos quando constituídos de dois ou mais tipos de tecidos. Em oncologia cutânea, um enxerto composto é usado quando o defeito cirúrgico a ser coberto requer mais suporte interno, como acontece nas reconstruções situadas na orelha e asa nasal.2,3 Nessas reconstruções tridimensionais a cartilagem auricular é incluída em busca de melhorar a performance do enxerto.

Segundo sua fonte de obtenção, podemos classificá-los também em autólogos, quando doador e receptor são o mesmo indivíduo; alógenos ou homólogos, quando doador e receptor são diferentes, porém da mesma espécie; e heterólogos ou xenoenxertos, quando doador e receptor são de espécies diferentes.4,5 Na prática dermatológica os autoenxertos são os mais empregados já que os aloenxertos e xenoenxertos são temporários e funcionam apenas como curativos biológicos estimulando a cicatrização.6,7

Uma terceira classificação tem por base a espessura. Os enxertos de espessura total contêm epiderme e toda a derme incluindo as estruturas anexiais. Os enxertos de espessura parcial contêm epiderme e apenas parte da derme. Estes últimos se subdividem em finos, médios e grossos, de acordo com a quantidade de derme existente no enxerto8 (Tabela 1).

Por fim, os enxertos cutâneos podem ser classificados de acordo como foram processados. Após a coleta, os enxertos podem ser processados de modo a expandi-los, o que pode ser feito na sala de cirurgia, por meio de um expansor que os transforma numa malha ampliada semelhante a uma rede (mesh grafts), ou em laboratório, mediante cultura de células. Os queratinócitos cultivados podem ser de origem autóloga ou alogênica e podem ser aplicados associados ou não a um substituto dérmico.9

A situação clínica determina o tipo de enxerto a ser colocado.

FISIOLOGIA DOS AUTOENXERTOS

A cicatrização da ferida após a enxertia de pele se processa por dois eventos característicos e seqüenciais.

A - Integração

As características clínicas da integração dos enxertos autólogos são aderência, perfusão e viabilidade do segmento de pele transferido, o que depende obrigatoriamente de sua vascularização.

Nas primeiras 24 horas após a enxertia o plasma que transuda da área receptora é absorvido pelo enxerto formando uma malha de fibrina que serve para sua fixação e nutrição (fase de embebição plasmática). Na seqüência, pequenos capilares se anastomosam comunicando a superfície do enxerto à do leito receptor (fase inosculatória). O enxerto encontra- se ainda fragilmente fixado, podendo estar cianótico. O surgimento e proliferação de novos vasos é que irá garantir a sobrevivência da pele transplantada. Fluxo sangüíneo verdadeiro ocorre do quinto ao sétimo dia do pós-operatório (fase de revascularização). 4,5

Yamagushi e cols.10 estudaram o envolvimento de uma quarta fase, a fase de ativação dos queratinócitos, na cicatrização dos enxertos cutâneos. Num estudo experimental a ativação dos queratinócitos foi avaliada pelo marcador de proliferação celular Ki-67, e a adesão da célula matriz, pela marcação de B1 integrina. A expressão de Ki-67 e B1 integrina foi observada apenas nos enxertos de espessura parcial. Por serem mais delgados, eles permitem melhor embebição na fase inicial da enxertia e necessitam de menor suprimento sangüíneo a partir do leito subjacente. No entanto a ocorrência da ativação dos queratinócitos pode vir a ser uma razão adicional que facilita a integração dos enxertos de espessura parcial quando comparados aos de espessura total.

O preparo da solução anestésica utilizada nas enxertias de pele costuma incluir substância vasoconstritora em concentrações variadas. Solução anestésica contendo epinefrina em solução 1: 100.000 parece aumentar levemente o risco de complicações, como perda parcial do enxerto e necrose epidérmica, na primeira semana da enxertia.11 O risco/benefício relacionado ao uso da epinefrina deve ser avaliado em cada situação clínica isoladamente. Em circunstâncias cujo leito receptor esteja com sua vascularização comprometida ou em tabagistas, o uso isolado de lidocaína parece ser vantajoso no que se refere à integração.

B - Contração

Uma vez integrado a seu leito receptor e a partir do 10º dia, a ação de miofibroblastos e proteínas contráteis promove a contração do enxerto. Esse processo pode durar seis meses e traz prejuízo cosmético.

Os miofibroblastos (fibroblastos do tecido de granulação) desenvolvem características bioquímicas e ultra-estruturais de células musculares lisas, incluindo a presença de microfilamentos e a expressão da actina alfa de músculo liso. Atribui-se a eles, além da função retrátil na contração das feridas, a síntese de componentes da matriz extracelular.12 Os enxertos podem afetar a população de miofibroblastos na ferida, dependendo do percentual de derme enxertado. Em enxertos espessos os miofibroblastos encontramse em menor proporção, sendo a retração tecidual menos evidente.13

A fibronectina, elemento de sustentação da matriz provisória, desaparece quando as fibras colágenas já se encontram orientadas. Em enxertos de espessura total, sua intensidade e distribuição são marcadas de forma menos evidente, desaparecendo precocemente em comparação aos enxertos de espessura parcial.14 Tais observações revelam uma associação entre a presença de fibronectina e miofibroblastos, e desta com a contração dos enxertos.

Stephenson e cols.15 realizaram um estudo cujo objetivo era avaliar a suposição de que os enxertos de pele humana de espessura total contraem minimamente. Até então a contração dos enxertos de espessura total nunca havia sido mensurada em humanos. Cinqüenta enxertos foram acompanhados por fotografias com mensuração da contração, em seguimento de oito meses. Parâmetros avaliados, como idade, área doadora do enxerto e tamanho inicial do defeito, não mostraram diferença significativa relacionada à contração. Na presença de infecção a contração foi de quase metade da área inicial, e, em sua ausência, enxerto/leito receptor contraíram-se em um terço da área inicial.

Yamagushi e cols.10 também avaliaram a contração usando enxertos de diferentes espessuras em feridas com profundidades variadas. Feridas superficiais cobertas com pele de espessura total contraíam mais do que se cobertas com pele de espessura parcial. Feridas que atingiam a fáscia muscular, se cobertas com epiderme pura ou enxerto de pele de espessura parcial, apresentavam contração maior do que se cobertas com pele de espessura total. Tais resultados sinalizam para a necessidade de ajustar a espessura do enxerto à profundidade da ferida.

ENXERTIA CUTÂNEA COMO COBERTURA TEMPORÁRIA

A cobertura temporária das feridas com pele cadavérica fresca ou armazenada, ou, ainda, pele animal, é de reconhecido valor em grandes queimados,6 e pode ser usada com o mesmo sucesso em cirurgia dermatológica e reconstrutiva.7 Sua aplicação promove oclusão da ferida, e assim o ambiente permanece úmido, tendo sua granulação, neovascularização e conseqüentemente cicatrização aceleradas. Por serem fortemente imunogênicas, com o passar de alguns dias, são rejeitadas.

A pele alogênica quando enxertada chega a ser, por um curto período, revascularizada. Ela sofre rejeição devido à presença de antígenos do doador que elicitam a reação imunológica.16 Sua rejeição é anunciada por uma vasodilatação seguida da aparência de circulação lentificada. Completa cessação do fluxo sangüíneo ocorre na maioria dos aloenxertos de pele humana viável entre sete e 10 dias. Ela então se torna seca e se desprende espontaneamente de seu sítio de implantação.1 O uso de aloenxertos de pele cadavérica são mais seguros e economicamente viáveis do que outras coberturas biológicas temporárias, como xenoenxerto porcino e membrana aminiótica. Apresentam rápida aderência e menor potencial de antigenicidade em comparação com as demais.17

Essas coberturas temporárias muitas vezes são usadas com o intuito de preparar o leito da ferida para uma cobertura definitiva. Sobre áreas avasculares, como defeitos sobre ossos e cartilagem, esses enxertos aumentam dramaticamente a formação do tecido de granulação, aumentando a possibilidade de integração de um enxerto autólogo seqüencial.

Vários trabalhos demonstram a segurança do uso da pele cadavérica, isentando-a do risco de transmissão de agentes infecciosos viáveis.18,19 Para minimizar o risco de transferência de doenças, os bancos de pele seguem protocolos submetendo o doador cadáver a uma rigorosa análise sorológica.

Outra preocupação se refere à contaminação do enxerto por bactérias. Obeng e cols.17 em estudo microbiológico envolvendo a pele de 1.112 doadores, demonstraram taxa de contaminação de 4,9%. Apesar da limpeza realizada com antissépticos antes da coleta e posterior incubação da pele em recipiente com antibióticos, o controle microbiológico dos enxertos deve ser feito de rotina, e, quando detectada a contaminação desse material, ele deve ser descartado.

Na prática dermatológica os autoenxertos são os mais empregados por sua comodidade, segurança, baixo custo e capacidade de atuação como cobertura definitiva.

ESCOLHENDO O ENXERTO

A enxertia de pele é freqüentemente usada em reconstruções após remoção de neoplasias malignas cutâneas. No entanto, também está indicada para substituir o tecido perdido em queimaduras e para cobertura de úlceras crônicas que não cicatrizam. Outras indicações são o tratamento das alopecias e de leucodermias em que a transferência de minienxertos restitui os pêlos e a pigmentação das áreas afetadas.

A - Enxerto autólogo de espessura total

Raras são as circunstâncias em que nos deparamos com defeitos cirúrgicos cuja extensão impossibilite a cobertura por enxerto de espessura total. Esse é o tipo que proporciona, na maioria das vezes, os melhores resultados cosméticos, razão pela qual são preferidos em reconstruções na face.

Os enxertos de espessura total têm sua escolha baseada não apenas no tamanho da área receptora. É preciso priorizar como área doadora aquelas que mimetizam em cor e textura a área receptora, ou seja, os dois sítios devem ter a maior proximidade anatômica possível.

A área receptora deve ser bem vascularizada. Músculos, aponeurose e granulações de boa qualidade são desejáveis. O subcutâneo, por ser um tecido mal vascularizado, deve ser removido do leito receptor. A gordura residual da face profunda do enxerto também deve ser eliminada previamente à enxertia, com o auxílio de tesoura.

O fechamento parcial de grandes defeitos cirúrgicos, de preferência dentro das unidades cosméticas, reduz o tamanho do enxerto necessário para a cobertura da parte remanescente da ferida.20 Em defeitos circulares uma sutura colocada ao redor do defeito – sutura em bolsa de tabaco – reduz seu tamanho. A pele circundante adquire um franzimento que em nada prejudica a pega do enxerto.21

B - Enxerto autólogo de espessura parcial

A enxertia de pele de espessura parcial apresenta como grande vantagem a maior disponibilidade de áreas doadoras, já que sua reparação ocorre de forma espontânea. Podem ser obtidos por meio de dermátomo ou faca de Blair, que podem ser regulados com o intuito de se conseguir a espessura desejada, ainda que possam ocorrer irregularidades de espessura, na dependência da firmeza do operador durante seu manuseio. O uso de óleo mineral previamente à coleta permite a lubrificação da área doadora, facilitando o movimento do dermátomo.22

Na escolha da área doadora, deve-se dar preferência àquelas normalmente cobertas pelo vestuário, pois uma diferença de espessura e/ou pigmentação costuma ocorrer. A fácil reepitelização da área doadora ocorre em função da preservação de seus anexos cutâneos. Em contrapartida, não há crescimento de pêlo no sítio enxertado, o que pode causar contraste quando a região vizinha ao enxerto apresenta pêlos desenvolvidos. O contrário pode acontecer com a enxertia de pele de espessura total, isto é, pêlos passarem a crescer em áreas glabras.

As áreas doadoras de enxertos parciais devem ser mantidas sob boas condições de umidade. O ambiente úmido favorece a síntese de fatores de crescimento celular e os torna mais disponíveis. Da mesma forma, a migração do epitélio torna-se facilitada. 23 Outras vantagens do curativo oclusivo incluem redução da dor e do risco de infecção. A redução da inflamação, também observada, faz com que haja menos fibrose e, assim, melhor resultado final da cicatriz.24 Entre os recursos auxiliares disponíveis na cicatrização, os filmes adesivos semipermeáveis compostos de uma película de poliuretano transparente estão bem indicados.25

Para lesões extensas podem ser utilizados enxertos de pele expandida em que o enxerto é transformado em uma espécie de malha que possibilita sua distensão. O índice de expansão alcançado varia de 3:1 a 9:1. A área aberta da malha traz consigo o risco de atingir resultado ruim sob o ponto de vista cosmético e funcional, já que cicatriza por segunda intenção. 26,27 Esses enxertos tendem a apresentar maior contração secundária, estando indicados em casos selecionados. Esse método merece consideração diante de grandes queimaduras, sendo seu uso bastante reservado em cirurgia oncológica cutânea.

C - Enxerto de queratinócitos cultivados

As primeiras experiências bem-sucedidas com cultivo de queratinócitos aconteceram há mais de 25 anos. Em 1979, Green e colaboradores demonstraram que uma grande quantidade de epitélio cultivado poderia ser produzida a partir de um pequeno fragmento de epiderme em curto espaço de tempo, atentando para a possibilidade do uso da cultura de células epiteliais para restaurar defeitos epidérmicos de um mesmo indivíduo.28

A autoenxertia de queratinócitos cultivados está disponível comercialmente desde 1988 (Epicel®). No entanto, seu uso requer biópsia da pele do paciente e intervalo de duas a três semanas para expansão dos queratinócitos de modo a atingir o diâmetro da área que se deseja cobrir.

As lâminas de epitélio cultivado não apresentam boa integração quando aplicadas diretamente sobre áreas cruentas de superfície irregular e onde não há derme. A utilização da epiderme isolada deve restringir-se a áreas cruentas que tenham derme na profundidade. Boa integração ocorre sobre superfície dérmica em áreas doadoras de enxerto de espessura parcial, promovendo epitelização mais rápida, eliminando a dor e as secreções das feridas.29

Queratinócitos alogênicos podem ser cultivados e enxertados apenas com o intuito de estimular a cicatrização. Funcionam como cobertura temporária que é gradualmente substituída pelo epitélio do hospedeiro.30

Blight e cols.31 estudaram o efeito do enxerto de queratinócitos alogênicos nas áreas doadoras de enxerto de pele de espessura parcial em pacientes com idade acima de 60 anos. Essas células não são incorporadas à ferida, mas produzem fatores que estimulam as células autólogas remanescentes a proliferar. Pode parecer despropositada a idéia de realizar enxerto em área que acabou de doar um enxerto, mas pacientes idosos com reconhecida dificuldade de cicatrização podem beneficiar-se dessa técnica.

CONSIDERAÇÕES CIRÚRGICAS

Em oncologia cutânea, a enxertia de pele deve ser considerada diante das feridas cujas dimensões impossibilitam fechamento primário e retalhos. Em regiões de menor distensibilidade cutânea, como nariz e a parte distal das pernas, a cobertura com enxerto está bem indicada mesmo em pequenos defeitos.

Conhecer a fisiologia peculiar à enxertia de pele é fundamental para que se proceda de maneira a não contrariar princípios básicos. Como em qualquer cirurgia, o planejamento adequado de todo o pré, intra e pós-operatório será o grande determinante do sucesso no procedimento.

Muitas vezes a atenção fica direcionada para a área receptora do enxerto, subestimandose a importância da seleção de área doadora adequada. Esta última, como já mencionado, deve assemelhar-se à pele adjacente ao sítio receptor. No entanto, outras preocupações são pertinentes. A região doadora deve estar livre de lesões pré-neoplásicas – muito comuns em pacientes que já apresentam uma neoplasia maligna cutânea. Quando se opta por uma área doadora próxima à lesão, o tratamento dessa área previamente à retirada do enxerto, seja com 5-fluoracil ou imiquimod, pode eventualmente ser necessário, minimizando o risco de surgimento precoce de um novo tumor na área operada, o que poderia causar falsa impressão de recidiva.32 Por outro lado, esse tratamento envolve custos adicionais e retarda o ato cirúrgico. A escolha de área doadora coberta, livre de lesões, é alternativa habitual, menos cosmética, porém mais segura (Figuras 1 e 2).



Outra observação importante antes da retirada do enxerto é referente ao fechamento do defeito a ser criado. Uma boa análise da distensibilidade da pele faz parte do planejamento cirúrgico, a fim de se evitar tensão excessiva na sutura e toda morbidade conseqüente ao emprego dessa má técnica. Rara, mas de possível ocorrência, é a desagradável situação de ser necessário retirar um segundo enxerto para auxiliar no fechamento da área doadora.

A pálpebra superior é sítio doador que não costuma receber atenção e uso clínico. A reconstrução de defeitos cirúrgicos faciais com enxerto palpebral demonstrou taxa de contração inferior a 8%.33 É possível que a grande quantidade de fibras elásticas presentes na pálpebra seja responsável por esse baixo percentual de contração. Uma desvantagem relacionada a sua utilização é a espessura insuficiente para a cobertura de defeitos profundos. A idade do paciente também é fator limitador.

A área receptora também deve ser analisada e preparada, devendo apresentar vascularização suficiente para viabilizar a nutrição do enxerto. Enxertia sobre ossos desprovidos de periósteo, cartilagem desprovida de pericôndrio e diretamente sobre tecido adiposo deve ser evitada. O leito receptor não pode apresentar sangramento ativo, deve ter sua superfície regularizada e com o menor número possível de áreas cauterizadas.

O suprimento sangüíneo nas pernas costuma ser pobre, principalmente em indivíduos idosos. Mesmo os enxertos de espessura parcial colocados imediatamente após a retirada cirúrgica do tumor com freqüência não sobrevivem. Retardar a enxertia é particularmente útil nessa região. A presença do tecido de granulação torna o leito mais receptivo à colocação do enxerto, trazendo como vantagens adicionais a redução da profundidade do defeito e a possibilidade de formação de seroma e hematoma.34

De acordo com a fisiologia inerente à integração dos enxertos, sua revascularização ocorre entre o quarto e o quinto dia do pós-operatório; assim, é fundamental a promoção de íntimo contato e imobilidade entre o enxerto e seu leito receptor por um período mínimo de cinco dias. Um tipo especial de curativo é utilizado para esse fim: são dados pontos cardinais em número par voltados para uma mesma direção e com fios longos o suficiente para amarrar sobre o enxerto algo que o comprima em direção ao leito da ferida. O molde aí interposto pode ser gaze adequadamente enrolada, algodão úmido ou esponja cirúrgica.35,36 Uma segunda camada de gaze presa por fitas adesivas assegura a imobilidade do enxerto.

Cola de fibrina e adesivos tissulares sintéticos flexíveis podem ser usados na fixação de enxertos. Promovem imediata hemostasia, boa aderência dos enxertos ao leito das feridas e redução do tempo cirúrgico.37 Seu aproveitamento é excelente em áreas de difícil fixação de enxerto, como axilas, períneo e dobras glúteas.38 Seu uso dispensa suturas ou curativo compressivo no pós-operatório imediato.39

O curativo inicial deve ser mantido entre cinco e sete dias, a não ser que haja secreção e eritema em suas bordas, caracterizando infecção, caso em que se retira o curativo e avalia-se a necessidade de desbridamento de áreas necróticas ou drenagem de secreções acumuladas. A partir de então a região pode ser lavada diariamente e coberta com curativo leve.

Garantida a integração do enxerto, a preocupação se volta para sua contração. Quando são tomadas medidas de controle, essa fase torna-se mais segura. A aplicação de um enxerto ligeiramente maior do que o defeito reduz a contração.15 A presença de infecção modifica por completo o comportamento dos enxertos de pele. Deve-se monitorar a presença de infecção, que, caso ocorra, necessita ser controlada precocemente. É prudente analisar cada caso isoladamente, avaliando o benefício da antibioticoterapia, mesmo em se tratando de cirurgia limpa.

É norma não realizar enxertia próximo a bordas livres para que a contração não promova retração labial ou palpebral. Outra norma a ser seguida é evitar a enxertia em concavidades como pescoço e axila, pois retração nessas áreas pode reduzir a amplitude dos movimentos (Figuras 3, 4 e 5).




CONCLUSÃO

De acordo com a fisiologia dos enxertos, cronologicamente a primeira complicação esperada seria a não-integração, e a segunda, mais temida, contração excessiva com distorção tecidual. Sempre que possível, planejamento e atuação da equipe cirúrgica devem minimizar a possibilidade de ocorrência de tais complicações.

Conflito de interesse declarado: Nenhum.

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  • Endereço para correspondência:
    José Anselmo Lofêgo Filho
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    Trabalho promovido pelo Curso de Pós-Graduação em Dermatologia da UFRJ e realizado no Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital de Força Aérea do Galeão e Universidade Federal do Rio de Janeiro - (UFRJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2006
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