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Epidermodisplasia verruciforme: tratamento combinado com acitretina e interferon alfa-2a

Resumos

Comunica-se o resultado do tratamento com acitretina e interferon alfa-2a em doente de 16 anos de idade com epidermodisplasia verruciforme. O diagnóstico foi realizado mediante os achados clínico-histopatológicos e pesquisa in situ positiva para papiloma vírus humano. O quadro clínico era extenso e resistente a outros tratamentos, com risco de desenvolvimento de neoplasias. Houve melhora clínica 30 dias após o início do tratamento, mantida durante os 16 meses de seguimento.

Acitretina; Epidermodisplasia verruciforme; Interferon alfa-2a


We report the result of a treatment with acitretin and alpha-2a interferon in a 16-year-old boy with epidermodysplasia verruciformis. Diagnosis was based on clinical features, histopathological examination and positivity for in situ HPV. The affection was extensive and resistant to other treatment modalities, with a high risk of development of neoplasias. Treatment with oral acitretin associated with subcutaneous recombinant interferon alpha-2a three times per week induced improvement, which was sustained for 16 months of follow-up.

Acitretin; Epidermodysplasia verruciformis; Interferon alpha-2a


COMUNICAÇÃO

Epidermodisplasia verruciforme: tratamento combinado com acitretina e interferon alfa-2a* * Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.

Cristiana Silveira SilvaI; Rodrigo de Oliveira RamosII; Mario Cezar PiresIII; José Alexandre S. SittartIV

IMédica Residente do Serviço de Dermatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil

IIMédico Residente do Serviço de Dermatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil

IIIMédico Chefe do Setor de Diagnóstico e Terapêutica do Serviço de Dermatologia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil, e Diretor do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos - São Paulo (SP), Brasil

IVDiretor do Serviço de Dermatologia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Mario Cezar Pires Rua Ezequiel Freire, 35 1º. andar – sala 11 – Santana 02034-000 São Paulo – SP E-mail: mapires@webcable.com.br

RESUMO

Comunica-se o resultado do tratamento com acitretina e interferon alfa-2a em doente de 16 anos de idade com epidermodisplasia verruciforme. O diagnóstico foi realizado mediante os achados clínico-histopatológicos e pesquisa in situ positiva para papiloma vírus humano. O quadro clínico era extenso e resistente a outros tratamentos, com risco de desenvolvimento de neoplasias. Houve melhora clínica 30 dias após o início do tratamento, mantida durante os 16 meses de seguimento.

Palavras-chave: Acitretina; Epidermodisplasia verruciforme; Interferon alfa-2a

A epidermodisplasia verruciforme (EV) é genodermatose rara de distribuição universal,1 caracterizada por infecção cutânea causada por diversos tipos de papiloma vírus humano, não encontrados habitualmente nos indivíduos imunocompetentes.2 Acreditase que a suscetibilidade a tal infecção viral ocorra devido a defeito na imunidade celular.1 A herança é autossômica recessiva, mas há casos descritos ligados ao X.1 As lesões são semelhantes a verrugas planas ou pitiríase versicolor.3-5 O exame histopatológico mostra ceratinócitos com citoplasma amplo e acinzentado, e núcleo picnótico.1 Há suscetibilidade anormal à infecção por diversos tipos de HPV (5, 8, 9, 12, 14, 15, 17, 19, 20-25, 36, 47, 50) não encontrados habitualmente em indivíduos imunocompetentes.1,2 Acreditase que isso decorra da inibição seletiva da resposta imune de linfócitos T frente à infecção pelo HPV, provavelmente por defeito na apresentação dos antígenos virais na superfície dos ceratinócitos.1

A luz ultravioleta é considerada atualmente o fator de risco mais importante na gênese do câncer cutâneo não-melanoma,4,5 mas a infecção pelo HPV também desempenha papel significativo no desenvolvimento dessas neoplasias, principalmente o carcinoma espinocelular.4-7 Outros fatores, como fumo, imunossupressão e alterações genéticas específicas, como na EV, potencializam o efeito oncogênico do HPV.7 As alterações cutâneas na EV iniciam-se na infância, 4,5 e ocorre transformação maligna em 30% dos casos por volta da terceira e quarta décadas de vida, principalmente em áreas fotoexpostas.1 Os tumores mais comuns são carcinomas espinocelulares e, em menor freqüência, basocelulares.4,5,7 Tais tumores têm comportamentos agressivos, sendo indicado tratamento cirúrgico com amplas margens de ressecção.7

Muitas modalidades terapêuticas foram tentadas, como excisão cirúrgica e quimiocauterização, 2,4,5 com resultados insatisfatórios. Outras foram: cimetidina oral na dose de 40mg/kg/dia,5 cidofovir (resultados ruins)5 e terapia fotodinâmica.5 A fotoproteção é recomendada desde a infância, visto que as lesões malignas predominam nas áreas fotoexpostas.1

Recentemente novas terapias como retinóides orais,8 interferon9 e associação das duas medicações10 têm sido estudadas com resultados variados. O interferon alfa-2a sistêmico ou intralesional, em doses variadas (1-9 milhões de unidades/dia) leva ao desaparecimento das alterações histopatológicas encontradas na EV, pela ação imunomoduladora, antiviral e antiproliferativa.1,9 Os efeitos colaterais mais freqüentes são febre baixa (78%), astenia (78%) e mialgias (65%),9 que desaparecem 12 horas após a administração da medicação. Outras, menos freqüentes, são mielossupressão, neurotoxicidade, alopecia, proteinúria, azotemia, efeitos cardiovasculares, elevação de triglicérides e enzimas hepáticas.9,10 O caso em questão era o de um jovem de 16 anos, do sexo masculino, branco, com lesões na face desde os sete anos, com disseminação progressiva. Ao exame dermatológico apresentava pápulas ceratósicas isoladas ou confluentes no tronco e membros (Figura 1), associadas a máculas hipocrômicas lenticulares na face; PPD, levedurina e tricofitina negativas; sem outras alterações. Pais primos em primeiro grau, sem outros casos na família. O anatomopatológico mostrou hiperceratose rendilhada, acantose da epiderme e ceratinócitos com citoplasma amplo e acinzentado com núcleos picnóticos (Figura 2). Outra biópsia revelou também áreas de atipia bowenóide. A pesquisa de HPV por hibridização in situ revelou:

- sonda de HPV de amplo espectro: 6-11-16-18- 30-31-33-35-45-50-51-52: positiva

- sonda HPV6-11, HPV16-18, HPV31-33: negativas.



Com diagnóstico de epidermodisplasia verruciforme, iniciou-se tratamento com ácido salicílico,ácido retinóico, fotoproteção, levamisol e Thuya CH30, sem melhora. Devido à extensão das lesões e ausência de resposta com terapêuticas anteriores, além do risco de desenvolvimento de neoplasias, optou-se por acitretina oral 0,75mg/kg/dia e interferon (IFN) alfa-2a 3.000.000UI via SC, três vezes por semana. Após 30 dias observou-se desaparecimento de mais de 50% das lesões, principalmente no tronco, e, das remanescentes, cerca de 40% tiveram diminuição da espessura. Poucos efeitos colaterais. Após seis meses regressão quase completa, sendo suspenso o IFN alfa-2a e reduzida a acitretina para 0,5mg/kg/dia, mantida atualmente.

Esse doente apresentou todos os parâmetros diagnósticos da epidermodisplasia verruciforme. A resposta ao tratamento utilizando associação de acitretina com interferon foi satisfatória.

Conflito de interesse declarado: Nenhum.

Recebido em 05.12.2003.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 01.12.2006.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Mario Cezar Pires
    Rua Ezequiel Freire, 35 1º. andar – sala 11 – Santana
    02034-000 São Paulo – SP
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    Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      05 Dez 2003
    • Aceito
      01 Dez 2006
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