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Nevo melanocítico associado à hiperplasia siringofibroadenomatóide: relato de caso

Resumos

O objetivo deste estudo é relatar um caso de lesão verrucosa cujo diagnóstico foi de nevo melanocítico composto associado à hiperplasia siringofibroadenomatóide. O paciente foi submetido a exérese de lesão cutânea abdominal com diagnóstico clínico de nevo melanocítico de Miesher. A microscopia óptica revelou epiderme hiperplásica e derme com ninhos de células névicas intimamente associados com aglomerados de ductos écrinos e arranjados segundo um padrão siringomatóide. A concomitância de hiperplasia epidérmica e proliferação siringomatóide é definida como siringofibroadenomatose écrina e pode ser devida a fatores de crescimento secretadas pelo estroma alterado.

Glândulas écrinas; Nevo pigmentado; Siringoma


The aim of this study was to report a case of a verrucous lesion diagnosed as a compound melanocytic nevus associated with syringofibroadenomatous hyperplasia. The patient was submitted to excision of the abdominal skin lesion and diagnosed as Miesher melanocytic nevus. Optical microscopy revealed epidermal hyperplasia and dermis with nests of nevus cells intimately associated with eccrine duct clusters arranged in a syringoid pattern. The coexistence of epidermal hyperplasia and syringomatoid proliferation is defined as eccrine syringofibroadenomatosis and may result from growth factors released by the impaired stroma.

Eccrine glands; Pigmented nevus; Syringoma


CASO CLÍNICO

Nevo melanocítico associado à hiperplasia siringofibroadenomatóide: relato de caso* * Trabalho realizado na Pós-graduação em Ciências da Saúde (mestrado e doutorado), Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR e Hospital Nossa Senhora das Graças - Curitiba (PR), Brasil. Conflito de interesse declarado: Nenhum

Lúcia de NoronhaI; Mariana Jorge GarciaII; Maria Betânia BepplerIII

IDoutora em Dermatopatologia, Professora Adjunta da Disciplina de Patologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR - Curitiba (PR), Brasil

IIAcadêmica de Medicina – Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR - Curitiba (PR), Brasil

IIIResidente de Clínica Médica do Hospital Universitário Cajuru - Curitiba (PR), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Lúcia de Noronha Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus I Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Laboratório de Patologia Experimental Rua Imaculada Conceição, 1155 – Prado Velho 80215-901 - Curitiba – PR Tel: (41) 330-1515 Ramal: 2264 Fax: (41) 330-1621 E-mail: lnno@terra.com.br

RESUMO

O objetivo deste estudo é relatar um caso de lesão verrucosa cujo diagnóstico foi de nevo melanocítico composto associado à hiperplasia siringofibroadenomatóide. O paciente foi submetido a exérese de lesão cutânea abdominal com diagnóstico clínico de nevo melanocítico de Miesher. A microscopia óptica revelou epiderme hiperplásica e derme com ninhos de células névicas intimamente associados com aglomerados de ductos écrinos e arranjados segundo um padrão siringomatóide. A concomitância de hiperplasia epidérmica e proliferação siringomatóide é definida como siringofibroadenomatose écrina e pode ser devida a fatores de crescimento secretadas pelo estroma alterado.

Palavras-chave: Glândulas écrinas; Nevo pigmentado; Siringoma

INTRODUÇÃO

Em 1973, Mishima1 foi o primeiro a descrever a ocorrência de células névicas com glândulas sudoríparas em quantidade normal, nomeando esse achado como eccrine-centered-nevus.

Esse tipo de lesão evidenciou-se no caso aqui relatado associado à hiperplasia epidérmica e do estroma, e a aglomerados circunjacentes de células nevomelanocíticas.

Siringoma associado a carcinoma de células basais foi descrito como achado incidental em pacientes submetidos à cirurgia de Mohs. Nevos melanocíticos têm tido sua ocorrência descrita em associação com muitas condições benignas e malignas, incluindo carcinoma basocelular, tricoepitelioma, hidradenoma pigmentado, siringoma e outros tumores de colisão.2

A associação de células nevomelanocíticas com ductos écrinos comumente é evidenciada em nevos congênitos.1 Entretanto, não há alterações sob a epiderme ou derme nem proliferação acrossiríngea écrina ou ductal dérmica nessas lesões. Já na associação siringofibroadenomatosa, ocorre a hiperplasia ductal écrina e epidérmica com fibrose estromal.

O siringofibroadenoma écrino é um tumor benigno que ocorre principalmente em regiões de extremidades de pessoas idosas, descrito pela primeira vez por Mascaro, em 1963. Alguns estudos imuno-histoquímicos sugerem como hipótese etiológica da lesão a diferenciação acrossiríngea, enquanto outros sugerem a diferenciação em torno do ducto écrino dérmico.3

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de nevo melanocítico associado à hiperplasia siringomatóide em paciente portador de lesão verrucosa na região abdominal, cujo diagnóstico clínico era de nevo de Miesher.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 48 anos, branco, portador de carcinoma de próstata Gleason 3.3, estádio T2bN0MX. Ao exame pré-operatório, observou-se uma lesão de aspecto verrucoso na região hipogástrica abdominal. Ao exame clínico, diagnosticou-se como nevo de Miesher, caracterizado por lesão acastanhada e verrucosa de limites nítidos, arredondada, com aproximadamente 1,7cm no maior eixo. Por caráter estético, indicou-se a ressecção da lesão.

No seguimento, o paciente foi submetido à prostatectomia radical e, no mesmo tempo cirúrgico, à exerése da lesão cutânea em região abdominal.

O exame anatomopatológico demonstrou lesão verrucosa, de coloração castanho-esbranquiçada, superfície pardacenta e fosca com anexos cutâneos de região abdominal, apresentando dimensões de 1,7x1,2x1cm. Na avaliação microscópica, observaram-se dois padrões histopatológicos: epidérmico e dérmico. No primeiro, evidenciou-se hiperplasia epidérmica com cordões anastomóticos delgados de epitélio acrossiríngeo se projetando na derme papilar e formando padrão fenestrado. O padrão dérmico apresentou ninhos de células névicas associados a aglomerados de ductos écrinos proliferados, tanto na derme papilar como na reticular, que apresentavam, por sua vez, modificações em seu colágeno, o qual se tornou mais fibroso e desorganizado. O diagnóstico anatomopatológico foi de nevo melanocítico composto associado à hiperplasia siringofibroadenomatóide.

DISCUSSÃO

Os ductos écrinos, quando associados a ninhos nevomelanocíticos, podem apresentar-se em número normal, como no caso de nevos congênitos, ou estar aumentados, no caso de subtipos de siringomas. Morishima et al.4 analisaram 16 casos de proliferações anexiais associadas a nevos melanocíticos, classificando-os em três grupos histopatológicos: associados a folículos pilosos, com envolvimento perifolicular, e centrados em ductos écrinos.

Patrizi et al.,5 em revisão de 29 casos de siringoma, encontraram um caso de associação de células névicas melanocíticas com essa entidade histopatológica.

Siringoma é um tumor écrino raro e benigno cuja origem se relaciona com os ductos écrinos das glândulas sudoríparas. Em geral, desenvolve-se em região acral de pessoas idosas. Mayumi et al.3 realizaram estudo imuno-histoquímico a respeito dessa lesão e sugeriram íntima associação entre ductos acrossiríngeos intra-epidérmicos e ductos écrinos proliferados em estroma fibroso, padrão denominado lesão siringofibroadenomatóide.

Ohnishi et al.,6 após estudo imuno-histoquímico, apresentaram resultados semelhantes aos da análise de Mayumi,3 além de concluir que tanto as lesões siringofibroadenomatóides de aparecimento esporádico, também chamadas de siringofibroadenomas écrinos,2 quanto as induzidas por reação inflamatória chamadas de hiperplasias siringofibroadenomatóides,7 apresentavam o mesmo padrão morfológico.

O siringofibroadenoma écrino caracteriza-se pela hiperplasia epidérmica associada à proliferação acrossiríngea, projetando-se para a derme papilar, onde o estroma é fibroso e que contém ductos écrinos proliferados. Essa lesão é mais comumente observada em pacientes com linfedema crônico, elefantíase, mucinose focal, penfigóide bolhoso, líquen plano erosivo, hemangioendotelioma epitelióide e em locais de incisão cirúrgica prévia. Parece, portanto, haver uma relação entre a agressão cutânea ou processos inflamatórios crônicos e o surgimento do siringofibroadenoma écrino, que dessa forma não seria uma verdadeira neoplasia, como a nomenclatura sugere,2 e sim uma lesão induzida pela agressão repetitiva, sendo mais bem denominada hiperplasia siringofibroadenomatóide, como sugerem Mayumi e Ohnishi.

No caso aqui apresentado, a ausência de múltiplos nevos e siringomas no mesmo paciente torna improvável a ocorrência ao acaso de uma colisão entre o nevo melanocítico composto e o siringoma ou siringofibroadenoma écrino.8 É importante salientar que se trata de associação, ou seja, evidenciam-se células névicas circunjacentes às paredes dos ductos écrinos proliferados (Figuras 1 e 2), diferente de uma lesão de colisão, em que, lesões com estas características estejam anatomicamente muito próximas e sem interligação etiológica ou anatomopatológica, nevo congênito e siringomas.8,9



A ocorrência simultânea de nevos melanocíticos com lesões anexiais faz-se em condições benignas e/ou malignas, incluindo tricoepitelioma, hidradenoma pigmentado, carcinoma basocelular e siringoma, sendo na maioria das vezes lesões de colisão.2,7

Imagawa et al.9 demonstraram a íntima relação entre a proliferação celular névica e dos ductos écrinos sudoríparos, com base no mecanismo de recidiva do nevo após procedimento de dermoabrasão. No estudo da fisiopatológica do mecanismo de recorrência do nevo melanocítico sugeriu-se que as células névicas se originariam dos acrossiríngeos presentes na junção dermoepidérmica e dos ductos écrinos da derme papilar.

Mishima et al.1 discutiram a origem da lesão de associação nevossiringomatóide. Em seu trabalho, levantaram duas possibilidades: uma supondo que os nevoblastos possam fazer parte integrante da parede ductal das glândulas sudoríparas e, sendo assim, quando eles primeiro proliferam por qualquer que seja o estímulo, os ductos écrinos também sofrem a influência desse estímulo e proliferam. A outra teoria sugere um possível siringotropismo no local de proliferação de células névicas, isto é, o fator de crescimento ou proliferação das células névicas provocaria tropismo e proliferação das células ductais do acrossiríngeo.

Em revisão bibliográfica, observou-se ainda que, em geral, os fatores de crescimento são possivelmente os principais indutores de proliferação e displasia na região em que atuam. Os processos reacionais inflamatórios, por trauma repetitivo ou doença inflamatória local, poderiam, então, segundo essa teoria, desencadear proliferações siringomatóides.2,6

Neste caso, o paciente não apresentava nenhum fator de agressão local, e também não foram encontrados relatos na literatura da associação desse tipo de lesão com carcinoma de próstata. Parece, então, um caso esporádico de lesão de associação de nevo melanocítico composto com hiperplasia siringofibroadenomatóide.

Recebido em 02.01.2003.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 29.05.2006.

  • 1. Mishima Y. Eccrine-centered nevus. Arch Dermatol. 1973;107:153-69.
  • 2. Stefanato CM, Simkin DA, Bhawan J. An unusual melanocytic lesion associated with eccrine duct fibroadenomatosis and syringoid features. Am J Dermatopathol. 2001;23:139-42.
  • 3. Mayumi K, Naoko H, Kunihiko T. Eccrine syringofibroadenoma - an immunohistochemical study. Am J Dermatopathol. 2000;22:171-5.
  • 4. Morishima T, Endo M, Imagawa I, Morioka S. Clinical and histopathological studies on spotted grouped pigmented nevi with special reference to eccrine. Acta Derm Venereol. 1976;56:345-52.
  • 5. Patrizi A, Neri I, Marzaduri S, Varoti E, Passarini B. Syringoma: a review of twenty-nine cases. Acta Derm Venereol. 1998;78:460-2.
  • 6. Ohnishi T, Watanabe S, Nomura K. Immuno-histochemical analysis of cytokeratin expession in reactive eccrine syringofibroadenoma-like lesion: a comparative study with eccrine syringofibroadenoma. J Cutan Pathol. 2000;27:164-8.
  • 7. Bhawan J, Malhotra R. Simultaneous occurence of intradermal nevus and syringoma. Cutis. 1983;31:669-72.
  • 8. Malhotra R, Bhawan J, Stadecker M. Association of syringoma and intradermal nevus. Int J Dermatol. 1986;25:397.
  • 9. Imagawa I. Mechanism of recurrence of pigmented nevi following dermabrasion. Nippon Hifuka Gakkai Zasshi. 1974;84:273.
  • Endereço para correspondência:
    Dra. Lúcia de Noronha
    Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus I
    Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
    Laboratório de Patologia Experimental
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    80215-901 - Curitiba – PR
    Tel: (41) 330-1515 Ramal: 2264
    Fax: (41) 330-1621
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Pós-graduação em Ciências da Saúde (mestrado e doutorado), Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR e Hospital Nossa Senhora das Graças - Curitiba (PR), Brasil.
    Conflito de interesse declarado: Nenhum
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      29 Maio 2006
    • Recebido
      02 Jan 2003
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