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Leishmaniose cutânea com desfecho fatal durante tratamento com antimonial pentavalente

American cutaneous leishmaniasis with fatal outcome during pentavalent antimoniate treatment

Resumos

Os autores relatam o caso de paciente de 58 anos, hipertensa e diabética, com diagnóstico de leishmaniose tegumentar americana, tratada com antimoniato de N-metil-glucamina (15mg SbV/kg/dia), acompanhada pelo serviço de atenção básica em saúde e que evoluiu para óbito no 18º dia de tratamento.

Antimônio; Atenção primária à saúde; Leishmaniose cutânea; Morte; Toxicidade de drogas


The authors report a case of a 58 years-old, hypertensive, diabetic female patient, with the diagnosis of American cutaneous leishmaniasis, undergoing treatment with Nmethyl glucamine antimoniate (15mg SbV/Kg/day). She was followed up by the basic health care service, but has died on the 18th treatment day.

Antimony; Death; Drug toxicity; Leishmaniasis, cutaneous; Primary health care


COMUNICAÇÃO

Leishmaniose cutânea com desfecho fatal durante tratamento com antimonial pentavalente* * Trabalho realizado na 13a Regional de Saúde de Cianorte, Setor de Epidemiologia - Cianorte (PR), Brasil. Conflito de interesse declarado: Nenhum.

American cutaneous leishmaniasis with fatal outcome during pentavalent antimoniate treatment

Meiri Vanderlei Nogueira de LimaI; Rosangela Ziggiotti de OliveiraII; Airton Pereira de LimaIII; Daniela Adriana CerinoIV; Thaís Gomes Verzignassi SilveiraV

IProfessor auxiliar do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM) - Maringá (PR). Enfermeira da Secretaria Estadual de Saúde – 13ª Regional de Saúde de Cianorte - Cianorte (PR), Brasil

IIProfessor-assistente do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá UEM - Maringá (PR). Médica da Secretaria Estadual de Saúde - 13a Regional de Saúde de Cianorte, Cianorte (PR), Brasil

IIIProfessor-assistente do Departamento de Medicina da Universidade Estadual de Maringá UEM - Maringá (PR). Médico da Secretaria Estadual de Saúde - Centro Regional de Especialidades de Cianorte - Cianorte (PR) Brasil

IVEnfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Cianorte Cianorte (PR), Brasil

VProfessor adjunto do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Estadual de Maringá (UEM) - Maringá (PR). Brasil.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Thaís G.V. Silveira Av. Colombo, 5790. 87.020-900 - Maringá - PR Fone / Fax: (44) 3261-4878 / (44) 3261-4960 E-mail: tgvsilveira@uem.br

RESUMO

Os autores relatam o caso de paciente de 58 anos, hipertensa e diabética, com diagnóstico de leishmaniose tegumentar americana, tratada com antimoniato de N-metil-glucamina (15mg SbV/kg/dia), acompanhada pelo serviço de atenção básica em saúde e que evoluiu para óbito no 18º dia de tratamento.

Palavras-chave: Antimônio; Atenção primária à saúde; Leishmaniose cutânea; Morte; Toxicidade de drogas

ABSTRACT

The authors report a case of a 58 years-old, hypertensive, diabetic female patient, with the diagnosis of American cutaneous leishmaniasis, undergoing treatment with Nmethyl glucamine antimoniate (15mg SbV/Kg/day). She was followed up by the basic health care service, but has died on the 18th treatment day.

Keywords: Antimony; Death; Drug toxicity; Leishmaniasis, cutaneous; Primary health care

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é zoonose notificada em todos os estados brasileiros. De 1989 a 1996, dos 4.932 casos de LTA notificados na Região Sul, 99,9% ocorreram no Estado do Paraná.1 Na análise dos circuitos de produção da doença foram identificadas duas áreas de importância epidemiológica no Paraná, uma no Vale do Paranapanema, outra área na Grande Região de Londrina.2 O Município de Cianorte, sede da 13ª Regional de Saúde (RS), localizase na região noroeste do Paraná, dentro do Circuito Paranapanema. Em 2002 o atendimento aos pacientes com LTA foi incorporado ao Programa de Saúde da Família, uma estratégia de reorganização da atenção básica na democratização do processo saúde-doença. 3,4 Assim, a Secretaria Municipal de Saúde de Cianorte assumiu o atendimento aos pacientes com LTA, e, pelo Sistema de Informação de Óbitos, a vigilância epidemiológica detectou a morte de uma paciente portadora desse agravo.

Trata-se de paciente do sexo feminino, de 58 anos, lavradora, aposentada, viúva, procedente da área rural do Município de Cianorte, Paraná, que procurou o serviço de saúde apresentando lesão ulcerativa de 10cm de diâmetro na coxa direta, de dois meses de evolução. O diagnóstico de LTA foi confirmado em 17/06/2004 pela intradermorreação de Montenegro de 10mm (VR:>5mm); imunofluorescência indireta 1/80 (VR: 1/40); pesquisa direta do parasito positiva. A paciente era portadora de diabetes mellitus e hipertensão arterial grave e fazia uso de clorpropramida e captopril. Na primeira consulta apresentava níveis tensionais de 200/120mmHg e peso de 88kg, sendo então encaminhada ao cardiologista para avaliação prévia ao uso de antimoniato de N-metil glucamina.

Após três consultas para controle da pressão arterial e com eletrocardiograma (ECG) normal, foi liberada para tratamento. A paciente apresentava pressão arterial de 170/80mmHg, glicemia de jejum 148mg/dL, creatinina 0,9mg/dL, bilirrubinas totais 0,65mg/dL, bilirrubina direta 0,25mg/dL, bilirrubina indireta 0,40mg/dL, AST 13U/L e ALT 15U/L. O tratamento foi iniciado com Glucantime® (Aventis Pharma Ltda.) na dose de 15mg SbV/kg/dia (três ampolas EV uma vez ao dia). Durante o tratamento a paciente relatou dor local, cansaço e anorexia. No 18º dia procurou o pronto atendimento para aplicação do medicamento, mas antes de ser medicada apresentou síncope, sendo identificada arritmia cardíaca. Foi encaminhada ao pronto socorro, tendo o ECG mostrado prolongamento do intervalo QTc. A paciente apresentou fibrilação ventricular e parada cardiorrespiratória, não tendo respondido a manobras de ressuscitação e cardioversão, ocorrendo o óbito quatro horas após.

O Ministério da Saúde (MS) recomenda o antimonial pentavalente como droga de primeira escolha para o tratamento da LTA, com doses 15mg SbV/kg/dia para lesões cutâneas, limitado a três ampolas ou 1.275mg SbV/dia.5 O MS e vários pesquisadores têm alertado para a necessidade de avaliações periódicas durante o tratamento e de considerar a suspensão ou redução da dose em casos de efeitos colaterais e de toxicidade.6 Algumas situações exigem mais vigilância, como pacientes com idade superior a 50 anos, portadores de cardiopatias, nefropatias, hepatopatias e de doença de Chagas, recomendando-se, nesses casos, acompanhamento com ECG e avaliação semanal da função renal.5 Embora a paciente tenha usado as doses preconizadas pelo MS, o acompanhamento médico periódico não foi realizado. Acredita-se que o fato de a paciente ser diabética e hipertensa, co-morbidades que aumentam o risco cardiovascular, tenha sido subestimado durante o tratamento da LTA.

Ribeiro et al. (1999)7 apontam a cardiotoxicidade, relacionada a altas doses e a duração do tratamento, como o efeito colateral mais freqüente com o uso do antimonial pentavalente. Kopke et al. (1991)8 referem- se aos trabalhos de Soto et al. (1974), que colocam em dúvida a baixa toxicidade atribuída aos antimoniais pentavalentes sobre a fibra cardíaca e relatam dois casos de morte. No Estado do Paraná, apesar das melhorias ocorridas na atenção ao paciente portador desse agravo, ainda há despreparo e desinteresse no acompanhamento dos pacientes durante o tratamento. 9,10 A descentralização do atendimento aos pacientes com LTA3 parece ter contribuído para dificultar o acompanhamento dos pacientes. Em levantamento realizado pela vigilância epidemiológica da 13ª RS, 36% dos médicos e 27% dos enfermeiros treinados para atenção a esse agravo já não se encontravam mais na atenção primária dos municípios pertencentes à Regional.

O óbito de portador de agravo de baixa letalidade pode ser indicador da qualidade da atenção oferecida pelo serviço. A alta rotatividade e o despreparo dos profissionais de saúde, assim como a precariedade de infra-estrutura para atendimento dos casos nas unidades básicas de saúde, são condições freqüentemente observadas e que exigem esforços adicionais para que a descentralização da atenção se transforme efetivamente em caminho para a redefinição das práticas de saúde

Recebido em 17.11.2005.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 21.05.2007.

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  • 2. Sabrosa PC. Vigilância e monitoramento da leishmaniose tegumentar americana em unidades territoriais - Brasil, 1994 - 2001. Boletim Eletrônico Epidemiológico [série na internet]. 2002 Dez [acesso 09 Fev 2006];2:1-7. Disponível em:http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/bole tim-eletronico-05-ano02.pdf
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Norma operacional básica. Brasília: Ministério da Saúde; 1996.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Norma operacional da assistência à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Guia de controle da leishmaniose tegumentar americana. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2000.
  • 6. Sampaio RNR, Paula, CDR, Sampaio JHD, Furtado RS, Leal PP, Rosa TT, et al. Avaliação da tolerância e nefrotoxicidade do antimonial pentavalente administrado na dose de 40mg SbV/dia, de 12/12h, por 30 dias na forma cutâneamucosa de leishmaniose. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 1997;30:457-63.
  • 7. Ribeiro ALP, Drummond JB, Volpini AC, Andrade AC, Passos VMA. Electrocardiographic changes during lowdose, short-term therapy of cutaneous leishmaniasis with the pentavalent antimonial meglumine. Braz J Med Biol Res. 1999;32:297-301.
  • 8. Kopke LFF, Vale ECS, Araújo MG, Magalhães PA, Furtado T. Tratamento da leishmaniose tegumentar americana pelo antimoniato de N-metil-glucamina: estudo duplocego com doses de 14mg/kg/dia e 28mg/kg/dia de antimônio. An Bras Dermatol. 1991;66:87-94.
  • 9. Roberto ACBS, Lima AP, Peixoto PR, Misuta NM, Fukushigue Y, Ferreira MEMC, et al. Avaliação da terapia com antimoniato de N-metil glucamina e de notificação de leishmaniose tegumentar. An Bras Dermatol. 1997;72:129-36.
  • 10. Teodoro U, Spinoza RP, La Salvia Filho V, Guilherme ALF, Lima AP, Junqueira GMB, et al. Da necessidade de se adotar e divulgar esquemas terapêuticos para tratamento de leishmaniose tegumentar no Paraná. Rev Inst Med TropSao Paulo. 1991;33:199-204.
  • Endereço para correspondência:
    Thaís G.V. Silveira
    Av. Colombo, 5790.
    87.020-900 - Maringá - PR
    Fone / Fax: (44) 3261-4878 / (44) 3261-4960
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na 13a Regional de Saúde de Cianorte, Setor de Epidemiologia - Cianorte (PR), Brasil.
    Conflito de interesse declarado: Nenhum.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2005
    • Aceito
      21 Maio 2007
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