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Fusariose em paciente imunocomprometido: sucesso terapêutico com voriconazol

Fusariosis in an immunocompromised patient: therapeutic success with voriconazole

Resumos

A infecção por Fusarium solani é afecção fúngica potencialmente grave em pacientes imunocomprometidos, sobretudo naqueles portadores de neoplasias hematológicas. A mortalidade é alta,sendo limitadas as opções terapêuticas devido às condições da imunidade do doente e à relativa resistência do fungo aos antifúngicos utilizados de rotina. O voriconazol tem-se mostrado boa alternativa terapêutica em pacientes neutropênicos que apresentam fusariose refratária ou pouco responsiva à anfotericina B. Neste artigo relata-se caso de fusariose em doente imunocomprometido tratado com sucesso com voriconazol.

Antibióticos antimicóticos; Antimicóticos; Fungos; Fusarium; Hospedeiro imunocomprometido; Micoses


Fusarium infection is known to be potentially severe in immunocompromised patients, especially those with hematologic malignancies. Mortality rates are high and there are few therapeutic options, due to the severe underlying condition of this group of patients and the relative resistance of Fusarium to conventional antifungal therapy. Voriconazole has been shown to be an effective antifungal agent for neutropenic patients with fusariosis that are refractory or unresponsive to amphotericin B. We report the successful treatment of disseminated Fusarium infection in an immunocompromised host.

Antifungal agents; Antifungal antibiotics; Fungi; Fusarium; Immunocompromised host; Mycoses


CASO CLÍNICO

Fusariose em paciente imunocomprometido: sucesso terapêutico com voriconazol* * Trabalho realizado na Divisão de Clínica Dermatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Fusariosis in an immunocompromised patient: therapeutic success with voriconazole* * Trabalho realizado na Divisão de Clínica Dermatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Thaís Prota Hussein PincelliI; Hebert Roberto Clivati BrandtII; Adriana Lopes MottaIII; Felipe Vieira Rodrigues MacielIV; Paulo Ricardo CriadoV

IMédica residente do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil

IIMédico residente do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil

IIIFarmacêutica e bioquímica, especialista em Patologia Clínica, do Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil

IVMédico residente do Departamento de Hematologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil

VMédico dermatologista, doutor em Ciências, área de concentração Dermatologia pela FMUSP, assistente da Divisão de Clínica Dermatológica e pesquisador do Laboratório de Investigação Médica, LIM 53, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência/ Mailing Address Endereço para correspondência/ Mailing Address: Ana Paula Bachtold Machado Avenida Doutor Enéas Carvalho de Aguiar, 255 – 3º Andar Divisão de Clínica Dermatológica - ICHC 05403 000 - São Paulo - SP Tel./Fax: 11 - 3069-8001 / 11 - 3088-9145 E-mail: hebertbrandt@yahoo.com.br

RESUMO

A infecção por Fusarium solani é afecção fúngica potencialmente grave em pacientes imunocomprometidos, sobretudo naqueles portadores de neoplasias hematológicas. A mortalidade é alta,sendo limitadas as opções terapêuticas devido às condições da imunidade do doente e à relativa resistência do fungo aos antifúngicos utilizados de rotina. O voriconazol tem-se mostrado boa alternativa terapêutica em pacientes neutropênicos que apresentam fusariose refratária ou pouco responsiva à anfotericina B. Neste artigo relata-se caso de fusariose em doente imunocomprometido tratado com sucesso com voriconazol.

Palavras-chave: Antibióticos antimicóticos; Antimicóticos; Fungos; Fusarium; Hospedeiro imunocomprometido; Micoses

ABSTRACT

Fusarium infection is known to be potentially severe in immunocompromised patients, especially those with hematologic malignancies. Mortality rates are high and there are few therapeutic options, due to the severe underlying condition of this group of patients and the relative resistance of Fusarium to conventional antifungal therapy. Voriconazole has been shown to be an effective antifungal agent for neutropenic patients with fusariosis that are refractory or unresponsive to amphotericin B. We report the successful treatment of disseminated Fusarium infection in an immunocompromised host.

Keywords: Antifungal agents; Antifungal antibiotics; Fungi; Fusarium; Immunocompromised host; Mycoses

Infecções fúngicas são comuns e potencialmente graves em pacientes imunocomprometidos. O Fusarium spp é fungo oportunista, encontrado como saprófita no solo ou patógeno de plantas, raramente acometendo indivíduos imunocompetentes.1,2

A infecção por Fusarium pode ser localizada, focalmente invasiva ou disseminada; é classificada como disseminada quando dois ou mais órgãos ou tecidos não contíguos são envolvidos.3 A fusariose representa complicação de alta morbidade e mortalidade em imunocomprometidos, sendo condição cada vez mais freqüente nos portadores de neoplasias hematológicas.

As opções terapêuticas são limitadas devido à relativa resistência do fungo aos antifúngicos mais comumente utilizados.4 A mortalidade dessas infecções nos adultos submetidos à quimioterapia ou transplante de medula óssea varia de 50 a 70%.1 O voriconazol é triazol de segunda geração, com atividade in vitro contra Fusarium sp, e vem sendo boa alternativa terapêutica nos pacientes neutropênicos com fusariose refratária ou com resposta inadequada à anfotericina B.5

O presente trabalho relata caso de fusariose em paciente imunocomprometido, após quimioterapia combatendo leucemia mielóide aguda, tratado com sucesso com voriconazol.

RELATO DO CASO

Mulher de 31 anos, com antecedente pessoal de leucemia mielóide aguda diagnosticada em maio de 2005. Foi submetida à quimioterapia com daunoblastina e citosina-arabinosídeo, no período de maio a novembro de 2005, com boa resposta e apresentando remissão da leucemia entre junho de 2005 e agosto de 2006, quando foi diagnosticada recidiva da doença. Foi tratada com terapia de resgate, com arabinosídeo- C e fludarabina por 30 dias, sendo encaminhada para transplante da medula óssea.

Na avaliação pré-transplante, em outubro de 2006, evoluiu com dor no hipocôndrio direito, sendo submetida à tomografia computadorizada de tórax, que evidenciou múltiplos nódulos hepáticos. O exame histológico de um dos nódulos revelou granuloma epitelióide com necrose central e ovos de esquistossomas, evidenciados também ao exame protoparasitológico de fezes. Foi então iniciado tratamento com oxaminiquine.

Em janeiro de 2007 evoluiu com dor em região lombar associada à retenção urinária e fecal, com parestesia nos membros inferiores. A ressonância nuclear magnética evidenciou lesão expansiva présacral invadindo e comprimindo o canal vertebral, sugestiva de sarcoma granulocítico. Foram realizadas 10 sessões de radioterapia na lesão paravertebral, com melhora importante da limitação funcional.

Na mesma época, a paciente apresentou quadro de febre, com crescimento do Actinomyces israelli nas hemoculturas, sendo iniciada penicilina cristalina e tratamento empírico com anfotericina B de dispersão coloidal (Ambisome®), devido à possibilidade de infecção fúngica associada. O mielograma de controle evidenciou recidiva da doença hematológica, sendo proposto novo ciclo de arabinosídeo-C e fludarabina.

A paciente apresentou, no início de fevereiro de 2007, múltiplas lesões papulonodulares eritêmatovioláceas, algumas com aspecto purpúrico, dolorosas, nos membros superiores e inferiores, abdômen e dorso (Figuras 1 e 2). Foi realizada biópsia cutânea de lesão no braço direito, com exame histopatológico compatível com vasculite leucocitoclástica, e cultura do fragmento de pele com crescimento do Fusarium solani (Figura 3). Como a doente já estava em uso da anfotericina B de dispersão coloidal há 30 dias, foi associado o voriconazol intravenoso por duas semanas e mantido por via oral, com excelente resposta e melhora do quadro doloroso após dois dias. Em 10 dias houve desaparecimento das lesões cutâneas.




Em novo mielograma de controle da doença hematológica, realizado em fevereiro de 2007, foi constatada remissão do quadro de leucemia.

DISCUSSÃO

A incidência da fusariose disseminada vem crescendo nos pacientes submetidos a quimioterapia e transplante alogênico da medula óssea.

O Fusarium é o segundo fungo filamentoso mais freqüente após o Aspergillus como agente causador de infecção fúngica invasiva nos imunocomprometidos. Os fatores de risco mais importantes são a neutropenia, a leucemia aguda e a terapia citotóxica. As portas de entrada para o fungo são o trato respiratório, o trato gastrointestinal e a pele. As manifestações cutâneas ocorrem em 60-80% dos casos e freqüentemente representam a única fonte de substrato diagnóstico.6

O alto índice de mortalidade na fusariose disseminada é devido tanto à gravidade da infecção como à doença debilitante de base dos indivíduos acometidos. Em virtude do prognóstico ruim da doença hematológica e da falta de drogas antimicóticas eficientes, a detecção precoce e a resolução da neutropenia devem ser alcançadas, através da administração de fatores de crescimento e da remoção de qualquer foco primário de infecção, como unhas infectadas e acessos venosos periféricos ou centrais, sempre que possível. 2,7 Existem evidências de que a resolução da neutropenia seja o principal fator associado à melhora do prognóstico na fusariose disseminada.8

As estratégias do tratamento da fusariose em hospedeiro imunocomprometido ainda não estão totalmente estabelecidas. A anfotericina B e sua formulação lipossomal são as drogas sistêmicas mais eficientes e consideradas referência no tratamento da fusariose, apesar de inúmeras falhas terapêuticas. De fato, no hospedeiro neutropênico com fusariose, a resposta a doses convencionais ou superiores de anfotericina B é geralmente pífia, e por isso um aumento no nível dos neutrófilos é considerado essencial para a cura da infecção.8 Um dos autores (PRC) testemunhou doente portador de leucemia linfocítica crônica para desfecho fatal durante intercorrência de fusariose, na época em que o voriconazol não estava disponível no Brasil e o tratamento com anfotericina B foi ineficaz.9

O voriconazol, novo triazol de segunda geração, demonstrou atividade in vitro potente e de largo espectro contra patógenos fúngicos clinicamente importantes, incluindo aqueles resistentes a fluconazol, itraconazol e anfotericina B, como espécies de Candida, Aspergillus e Criptococcus neoformans.10 Além disso, ele também é ativo contra patógenos fúngicos menos comuns, incluindo diversas espécies de Fusarium, Penicillium e Scedosporium. Três grandes estudos apontaram o voriconazol como droga antifúngica eficiente, demonstrando que o medicamento é tão efetivo quanto as terapias convencionais no tratamento de infecções graves por espécies de Candida, Aspergillus ou Scedosporium, sendo às vezes até superior.8,11-13

Espécimes de Fusarium podem ser resistentes à maioria, algumas vezes a todas as drogas antimicóticas disponíveis atualmente. Em doente com febre persistente apesar de antibioticoterapia adequada, doente gravemente imunocomprometido ou em crescimento de fungo em hemoculturas, deve ser aventada a possibilidade de infecção por Fusarium.9

O voriconazol tem-se mostrado seguro e efetivo como terapia antifúngica empírica para pacientes com neutropenia e febre persistente, podendo ser utilizado em combinação com a anfotericina B ou sua formulação lipossomal no tratamento da fusariose disseminada. 6,7

Este caso ilustra infecção oportunista por Fusarium solani em doente imunocomprometido devido à leucemia mielóide aguda em quimioterapia sistêmica, tratada com sucesso com voriconazol, que não respondeu ao uso prévio de anfoterecina B. □

Recebido em 04.03.2008.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 05.05.2008.

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    Trabalho realizado na Divisão de Clínica Dermatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil.
    Conflito de interesse: Nenhum
    Suporte financeiro: Nenhum
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      05 Maio 2008
    • Recebido
      04 Mar 2008
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