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Tratamento de vasculopatia livedóide com imunoglobulina intravenosa

Treatment of Livedoid Vasculopathy with intravenous immunoglobulin

Resumos

A vasculopatia livedóide apresenta-se com dor e úlceras de cicatrização lenta em membros inferiores, e fisiopatologia obscura. As estratégias terapêuticas incluem cicatrizantes, antiinflamatórios e imunossupressores, sem relatos de benefício permanente. Administrou-se imunoglobulina em paciente refratário a outras terapias e avaliou-se o comprometimento da pele antes e depois por meio de escore clínico. Houve regressão significativa das lesões. A droga foi bem tolerada, e a terapia foi finalizada.

Dermatopatias vasculares; Imunoglobulinas endovenosas; Resultado de tratamento


Livedoid vasculopathy presents with pain and slowly healing ulcerations of the lower limbs, and has obscure pathophysiology. Usual therapeutics include rheologic, anti-inflammatory and immunosuppressing agents with no reports of permanent benefits. Immunoglobulin was administered to a patient who was refractory to other treatments and skin involvement was assessed by means of clinical score before and after treatment. There was a significant healing of the lesions. Imunoglobulim was well tolerated and therapy was discontinued.

Immunoglobulin, intravenous; Skin diseases, vascular; Treatment outcome


COMUNICAÇÃO

Tratamento de vasculopatia livedóide com imunoglobulina intravenosa* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa (PB), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Treatment of Livedoid Vasculopathy with intravenous immunoglobulin* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa (PB), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Jader Freire Sobral FilhoI; Milane Caroline de Oliveira ValdekII; Luiza Toscano Dias RodriguesIII

IProfessor adjunto e chefe do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa (PB), Brasil

IIAluna do curso de graduação em Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa (PB), Brasil

IIIAluna do curso de graduação em Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa (PB), Brasil

Endereço para correspondência/ Mailing Address Endereço para correspondência/ Mailing Address: Jader Freire Sobral Filho Avenida Epitácio Pessoa, 2526 Tambauzinho 58045 000 - João Pessoa - PB Tel: 083 - 32443136 / 083 - 99813050 E-mail: jaderfreire@uol.com.br

RESUMO

A vasculopatia livedóide apresenta-se com dor e úlceras de cicatrização lenta em membros inferiores, e fisiopatologia obscura. As estratégias terapêuticas incluem cicatrizantes, antiinflamatórios e imunossupressores, sem relatos de benefício permanente. Administrou-se imunoglobulina em paciente refratário a outras terapias e avaliou-se o comprometimento da pele antes e depois por meio de escore clínico. Houve regressão significativa das lesões. A droga foi bem tolerada, e a terapia foi finalizada.

Palavras-chave: Dermatopatias vasculares; Imunoglobulinas endovenosas; Resultado de tratamento

ABSTRACT

Livedoid vasculopathy presents with pain and slowly healing ulcerations of the lower limbs, and has obscure pathophysiology. Usual therapeutics include rheologic, anti-inflammatory and immunosuppressing agents with no reports of permanent benefits. Immunoglobulin was administered to a patient who was refractory to other treatments and skin involvement was assessed by means of clinical score before and after treatment. There was a significant healing of the lesions. Imunoglobulim was well tolerated and therapy was discontinued.

Keywords: Immunoglobulin, intravenous; Skin diseases, vascular; Treatment outcome

A vasculopatia livedóide (VL) é enfermidade rara, crônica, recorrente e localizada na região inferior de pernas, tornozelo e porção posterior do pé. Observamse máculas purpúricas, pápulas, bolhas hemorrágicas e úlceras dolorosas, evoluindo para cicatrizes atróficas de cor branca, piorando no verão e remitindo no inverno. A fisiopatologia da VL não está definida, sendo os processos vasculíticos e as vasculopatias trombo-oclusivas a base da doença na derme e epiderme.1-3

Na histopatologia observam-se hialinização segmentar, proliferação endotelial, deposição de fibrina e formação de trombos na derme papilar e reticular superficial. Anormalidades na coagulação sistêmica parecem estar envolvidas em mecanismos fisiopatológicos. Têm sido descritas a deficiência concomitante de vitamina C, mutação do fator V e mutação do gene da protrombina.4-6

A imunoglobulina intravenosa (Igiv) tem sido bem-sucedida na terapia das doenças vasculares do colágeno. A VL é refratária à maioria dos tratamentos usuais (cicatrizantes, antiinflamatórios e imunossupressores), e a Igiv foi previamente utilizada na VL com sucesso terapêutico. 7-9

Paciente de 17 anos de idade, do sexo masculino, cor branca. Referia história de lesões dolorosas e ulceradas (Figura 1) nos membros inferiores há 10 meses, tendo feito uso de diversos medicamentos (pentoxifilina, ciprofloxacina, penicilina benzatina, sulfonas, antisépticos locais e prednisona 60mg) sem apresentar melhora. Ao exame físico, apresentava máculas purpúricas, pápulas e úlceras variando de 0,2 a 1,5 cm de diâmetro e rede vascular, atingindo ambos os membros inferiores. Foram solicitados hemograma, bioquímica do sangue, sumário de urina, fator reumatóide, proteína C reativa, ASLO, níveis séricos de C3 e C4, antígenos nucleares, anticorpo antiDNA, anticardiolipídeos, crioaglutinina, tempo de protrombina, tromblosplastina parcial, proteínas S e C, plasminogênio, fator V de Leiden, FAN, anti-Ro, antiLa, radiografia de tórax, ultra-sonografia abdominal, ultra-som dúplex e fotopletismografia digital, todos com resultados dentro dos parâmetros normais. Ao exame histológico da biópsia observou-se pele com epiderme eutrófica, ortoceratótica. Na derme, observaram-se alguns vasos com paredes espessadas e sinais de degeneração hialina, parede vascular com exsudação mononuclear. Utilizou-se Igiv na dose de 0,5g/kg de peso por dia durante três dias consecutivos por mês. Nesse caso foram utilizados três ciclos, sem efeitos colaterais e evolução com resolução completa das lesões ulceradas. O tratamento foi suspenso, conforme orientação do protocolo. A terapia local consistiu apenas em emolientes e limpeza das feridas. Doze meses depois da suspensão da Igiv (Figura 2) o paciente encontrava-se bem e sem recidiva da doença.



Acredita-se que o depósito capilar de fibrina e a formação de trombos são as maiores causas do infarto de doenças da derme e epiderme. Histologicamente a VL é caracterizada por hialinização segmentar, proliferação endotelial, deposição de fibrina e formação de trombos na derme papilar e reticular superficial.

Anormalidades na coagulação sistêmica parecem estar envolvidas em mecanismos fisiopatológicos da VL. Nesse contexto, deficiência concomitante de vitamina C, mutação do fator V e mutação do gene da protrombina têm sido descritos.4,6 O paciente em questão, porém, não apresentou coagulação anormal.

As terapêuticas para VL são usualmente focadas em drogas fibrinolíticas, antitrombóticos e vasodilatadores. Aspirina, pentoxifilina, prostaciclina, plasminogênio tissular ativado, heparina de baixo peso molecular, dipiridamol, ácido nicotínico, e fenformina têm sido testados.2,3

Ho e Yang relataram dois pacientes com LV que responderam a psoralênicos sistêmicos com ultravioleta A e com methoxsalen. Hsiao e Chiu utilizaram danazol, um androgênio sintético com potencial efeito fibrinolítico, em sete pacientes. O uso da câmara hiperbárica tem sido descrito.2,3,8

Na dermatologia, a Igiv tem sido usada em várias doenças auto-imunes, predominantemente doenças bolhosas, como pênfigo vulgar e penfigóide bolhoso, e também as colagenoses como as vasculites.5,7 O modo de ação não é completamente entendido, mas modulação da produção de citocinas, neutralização dos patógenos envolvidos nas doenças auto-imunes, inibição do sistema de complemento e bloqueio dos receptores dão-se por meio de anticorpos antiFaz.5,7

A Igiv é usualmente bem tolerada. Efeitos adversos, como cefaléia, calafrios, febre, náuseas, vômitos, dispnéia e taquicardia, ocorrem em menos de 5% dos pacientes tratados. São raros os episódios de reação anafilática, falência renal e anemia hemolítica.1,8

O paciente descrito não respondeu às estratégias prévias de tratamento e mostrou excelente resposta à Igiv sem maiores efeitos colaterais. A resposta foi rápida, completa e persistente, tendo o paciente seguido o tratamento proposto no protocolo. □

Recebido em 31.08.2005.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 30.06.2008

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    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa (PB), Brasil.
    Conflito de interesse: Nenhum
    Suporte financeiro: Nenhum
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 2005
    • Aceito
      30 Jun 2008
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