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Epidermólise bolhosa adquirida inflamatória: relato de caso

Resumos

Apresenta-se caso de epidermólise bolhosa adquirida inflamatória. Paciente do sexo masculino, 53 anos, há seis meses com erupção vesicobolhosa pruriginosa sobre base eritematosa no tronco, axilas e membros. O exame anatomopatológico mostrou bolha subepidérmica com neutrófilos. A imunofluorescência direta revelou depósitos lineares de IgG, IgA, IgM e C3 na zona da membrana basal, sendo a imunofluorescência indireta e o Salt Split Skin indireto negativos. Anticorpos antinucleares não reagentes. Houve melhora do quadro com prednisona e cicatrização de algumas lesões com formação de milia. Trata-se de apresentação rara de epidermólise bolhosa adquirida, com lesões iniciais predominantemente inflamatórias.

Epidermólise bolhosa adquirida; Membrana basal; Vesícula


We report a case of an inflammatory variant of epidermolysis bullosa acquisita in a 53-year-old male, with itching blistering eruption on the trunk, armpits and limbs for six months. The skin biopsy specimen showed subepidermal blister with neutrophils. Direct immunofluorescence revealed linear depositions of IgG, IgA, IgM and C3 at the basement membrane; indirect immunofluorescence and salt Split Skin were negative. Antinuclear antibodies were also negative. Improvement of the blisters followed treatment with systemic corticotherapy and some lesions healed with milia. This is a rare presentation of epidermolysis bullosa acquisita, with inflammatory lesions at first.

Basement membrane; Blister; Epidermolysis bullosa acquisita


CASO CLÍNICO

Epidermólise bolhosa adquirida inflamatória – Relato de caso

Marcelo D'Ambrosio FernandesI; Mariana Discacciati ChiminazzoII; Antonio José TebcheraniIII; Valéria AokiIV; Ana Paula Galli SanchezV

IMédico especialista em dermatologia, ex-residente do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos – Guarulhos (SP), Brasil

IIMédica especialista em dermatologia, ex-residente do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos – Guarulhos (SP), Brasil

IIIMestre em patologia, médico patologista do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos – Guarulhos (SP), Brasil

IVProfessora doutora do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Guarulhos (SP), Brasil

VMestre em ciências, médica dermatologista do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos – Guarulhos (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcelo D'Ambrosio Fernandes R: Sacramento, 501 Centro 13010 210 - Campinas SP Tel./fax: (19) 32363224 / 32581127 / 81117893 e-mail: dermato.dambrosio@gmail.com

RESUMO

Apresenta-se caso de epidermólise bolhosa adquirida inflamatória. Paciente do sexo masculino, 53 anos, há seis meses com erupção vesicobolhosa pruriginosa sobre base eritematosa no tronco, axilas e membros. O exame anatomopatológico mostrou bolha subepidérmica com neutrófilos. A imunofluorescência direta revelou depósitos lineares de IgG, IgA, IgM e C3 na zona da membrana basal, sendo a imunofluorescência indireta e o Salt Split Skin indireto negativos. Anticorpos antinucleares não reagentes. Houve melhora do quadro com prednisona e cicatrização de algumas lesões com formação de milia. Trata-se de apresentação

rara de epidermólise bolhosa adquirida, com lesões iniciais predominantemente inflamatórias.

Palavras-chave: Epidermólise bolhosa adquirida; Membrana basal; Vesícula

INTRODUÇÃO

A epidermólise bolhosa adquirida (EBA) inflamatória é variante clínica rara de EBA, com surgimento agudo de lesões eritêmato-urticadas e vesicobolhosas com prurido acentuado.1 Tem evolução igual à da forma clássica, incluída a possibilidade de formação de milia à cicatrização.11 Considerando o padrão inflamatório inicial e o surgimento na idade adulta, é necessário diagnóstico diferencial com penfigóide bolhoso (PB), dermatose por IgA linear do adulto e lúpus eritematoso sistêmico bolhoso (Lesb).2-5

Na EBA o exame anatomopatológico revela bolha subepidérmica com infiltrado inflamatório neutrofílico. 1,6 A imunofluorescência direta (IFD) mostra depósitos lineares de IgG e C3, ocasionalmente, IgA, IgM na zona da membrana basal (ZMB),1,6 com fluorescência dérmica no Salt Split Skin (SSS) da IFD e imunofluorescência indireta (IFI).7

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, pardo, 53 anos, comerciante. Há seis meses com bolhas tensas de conteúdo seroso, isoladas e agrupadas, algumas sobre placas eritêmato-edematosas anulares, intensamente pruriginosas, predominando nas faces laterais do tronco, com posterior evolução do quadro para axilas e membros. Referia lesões novas em áreas de mínimos traumas, como face extensora de joelhos (Figuras 1A e 1B). Ausência de lesões em mucosa e sintomas sistêmicos associados.



Relatava história de hipertensão arterial sistêmica e tratamento com losartan, anlodipino e hidroclorotiazida com amilorida. Sem antecedentes pessoais ou familiares de doença bolhosa.

Os exames mostraram: hemograma com leucocitose (leucometria total de 14.200 leucócitos; número de eritrócitos, hemoglobina, contagem de plaquetas, função hepática e renal, eletrólitos, glicemia de jejum, transaminases, enzimas canaliculares, eletrocardiograma e radiografia de tórax normais. Fator antinúcleo, antiSm, antiRo, antiLa e antiDsDNA não reagentes. Complementos, VHS, urina I e função tireoidiana dentro dos padrões de normalidade.

O exame anatomopatológico de lesão bolhosa evidenciou clivagem subepidérmica com intenso infiltrado inflamatório neutrofílico e raros eosinófilos (Figura 2). A IFD da pele perilesional revelou depósitos lineares intensos de IgG, IgA, IgM e C3 na ZMB (Figura 3). A IFI e o SSS indireto foram negativos.



Logo após o início do tratamento com prednisona 40mg/dia, houve melhora do quadro com cicatrização das bolhas e formação de milia sobre algumas cicatrizes (Figura 4).


DISCUSSÃO

A EBA é dermatose bolhosa decorrente da formação de autoanticorpos anticolágeno VII e associada ao HLA-DR2.6,8 Geralmente o quadro se instala na idade adulta (maior incidência aos 50 anos), com predomínio no gênero feminino. Pode estar associada a outras doenças como diabete mellitus, tireoidites, doença de Crohn, lúpus eritematoso sistêmico, linfoma, anemia perniciosa e trombocitopenia autoimune.1,9

Há duas formas clínicas: a mecanobolhosa (mais comum) e a inflamatória.4

Na mecanobolhosa, as lesões ocorrem em áreas de trauma e evoluem com a formação de cicatrizes atróficas e milia.9 São frequentes lesões nas áreas fotoexpostas, impondo-se nesses casos o diagnóstico diferencial com porfiria cutânea tarda. Podem ocorrer lesões em mucosas (sobretudo oral), alopecia cicatricial e onicodistrofia.9 O exame anatomopatológico revela bolha subepidérmica, em geral sem componente inflamatório.6 A IFD mostra depósitos lineares de IgG e C3 na ZMB (ocasionalmente IgA e IgM também estão presentes).1,6,9 Os autoanticorpos patogênicos são da classe IgG.10 A IFI é positiva em apenas 50% dos casos e o SSS indireto, técnica que aumenta a sensibilidade da IFI, pode ser utilizado para o diagnóstico.1 Vale destacar que no SSS indireto, após clivagem de pele sã (com solução de NaCl a 1M) na lâmina lúcida (LL), emprega-se a técnica de IFI. Assim, identifica-se o tipo de autoanticorpo circulante no soro do doente e se verifica o nível de ligação dos anticorpos com o autoantígeno (acima ou abaixo da LL). Na EBA o depósito dos imunorreagentes no SSS indireto ocorre no assoalho da bolha (fluorescência dérmica), uma vez que o colágeno VII se encontra na sublâmina densa (SLD).3,8 Esse recurso, porém, só é útil se a IFI for positiva. O tratamento inclui orientação quanto à proteção da pele contra traumas e, se necessárias, medicações sistêmicas. Pode-se usar prednisona, ciclosporina, dapsona, colchicina, além de plasmaférese e imunoglobulina endovenosa.1

Na forma inflamatória as lesões bolhosas surgem de maneira repentina sobre pele eritematosa ou urticada, sobretudo no tronco e nas flexuras.4 Nesse tipo de EBA, as bolhas podem ou não levar à formação de milia, e os pacientes apresentam prurido.9 Os diagnósticos diferenciais incluem principalmente o PB e a dermatose por IgA linear.2,4,5 Na EBA inflamatória, a bolha subepidérmica é rica em neutrófilos, podendo conter eosinófilos e monócitos.6

Assim como na forma mecanobolhosa, na EBA inflamatória a IFD revela depósito linear de IgG e C3 na ZMB, às vezes depósito de IgA e mais raramente de IgM.6,9 O resultado da IFD do caso foi compatível com EBA (depósito linear de IgG, IgA, IgM e C3 na ZMB). Outras dermatoses bolhosas autoimunes podem cursar com esse padrão de imunofluorescência – lúpus eritematoso sistêmico bolhoso (Lesb) e, mais raramente, o PB.3,6 O Lesb é variante clínica rara de lúpus eritematoso sistêmico,3 diagnóstico descartado no caso pela ausência de critérios compatíveis com LES. O PB ocorre mais em idosos e na IFD há depósito linear isolado de C3 – na totalidade dos casos – e/ou IgG na ZMB.1 Para exclusão do diagnóstico de PB foi colhida amostra de sangue do paciente para realização do SSS indireto. No PB a fluorescência no SSS indireto costuma ser epidérmica, já que o principal alvo dos autoanticorpos, o ectodomínio da BP 180 (NC16A), localiza-se próximo à membrana plasmática do queratinócito, portanto na LL superior.1 Na EBA, o depósito dos imunorreagentes no SSS indireto ocorre no lado dérmico (assoalho) da clivagem. O SSS indireto do paciente foi negativo, resultado que pode ter sido alterado pelo uso da prednisona. Considerando a faixa etária, as lesões em áreas de trauma e a IFD com depósito de todos os imunorreagentes – o que raramente ocorre no PB –, foi estabelecido o diagnóstico de EBA inflamatória. Poder-se-ia fazer o SSS da IFD que, como o SSS indireto, diferencia, pela localização da fluorescência, a EBA do PB. Porém a EBA e o Lesb têm o mesmo padrão, não sendo possível a diferenciação.

Na EBA inflamatória as melhores respostas terapêuticas são evidenciadas com a corticoterapia sistêmica. 5 Neste caso, a melhora clínica foi significativa após introdução de prednisona. Atualmente, o paciente apresenta poucas lesões em áreas de traumas, controladas com prednisona 10mg/dia.

Poucos casos de EBA inflamatória foram descritos na literatura até a presente data.4,5,7,9 Destaca-se a importância do diagnóstico diferencial dessa entidade com outras dermatoses bolhosas autoimunes subepidérmicas, como o PB e a dermatose por IgA linear.

Como citar este artigo: Fernandes MD, Chiminazzo MD, Tebcherani AJ, Aoki V, Sanchez APG. Epidermólise bolhosa adquirida inflamatória – Relato de caso. Na Bras Dermatol. 2009;84(2):181-4.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009
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