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Urticária de pressão tardia com manifestações sistêmicas: relato de caso

Resumos

A Urticária de Pressão Tardia é considerada uma doença rara, cujo quadro clínico é diferente da urticária clássica e pode envolver manifestações sistêmicas. Sendo assim,o diagnóstico é pouco frequente, até mesmo pelos especialistas. Neste artigo, apresentamos uma paciente, com história típica de lesões desencadeadas por pressão e que, por apresentar febre e leucocitose, foi internada para investigação de quadro infeccioso.

Classificação; Diagnóstico diferencial; Urticária


Delayed Pressure Urticaria is considered a rare disease,with clinical diagnosis different from classical urticaria, with possible systemic manifestations. Therefore, it is Frequently underdiagnosed, even by specialists. In this article, the case of a patient with a typical history of pressure-induced lesions is presented. Because the patient had fever and leukocytosis, she was admitted to a hospital for investigation of infection.

Classification; Diagnosis, differential; Urticaria


CASO CLÍNICO

Urticária de pressão tardia com manifestações sistêmicas - Relato de caso

Sérgio Duarte Dortas JrI; Solange Oliveira Rodrigues ValleII; Andréa Huguenim Silva PiresIII; Patrícia Viana GuimarãesIV; Adriana Smith JorgeV

IPós-graduado em Imunologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIMestre em Imunologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professora do Curso de Aperfeiçoamento em Imunologia Clínica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Médica do Serviço de Imunologia Clínica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIPós-graduada em Imunologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVMestre em Imunologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Médica do Hospital Geral de Bonsucesso – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VPós-graduada em Imunologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência/ Mailing Address : Endereço para correspondência Sérgio Duarte Dortas Junior Av. das Américas, 2901/509 Barra da Tijuca 22631-002 Rio de Janeiro Brasil Tel.:/Fax: 21 3232 9303 21 2439 3736. E-mail: sdortasjr@gmail.com

RESUMO

A Urticária de Pressão Tardia é considerada uma doença rara, cujo quadro clínico é diferente da urticária clássica e pode envolver manifestações sistêmicas. Sendo assim,o diagnóstico é pouco frequente, até mesmo pelos especialistas. Neste artigo, apresentamos uma paciente, com história típica de lesões desencadeadas por pressão e que, por apresentar febre e leucocitose, foi internada para investigação de quadro

infeccioso.

Palavras-chave: Classificação; Diagnóstico diferencial; Urticária

INTRODUÇÃO

A Urticária de Pressão Tardia (UPT), uma forma relativamente rara de reação a estímulo físico,1 foi inicialmente descrita por Urbach, em 1949.2 Clinicamente, a UPT se caracteriza pelo aparecimento de edema profundo, doloroso e eritematoso, ocorrendo de 30 minutos a 9 horas, após ter sido exercida uma pressão mecânica estática sobre a pele,1,3,4 e com duração de 12 (doze) a 72 (setenta e duas)horas.2

Os sintomas perduram em média três anos, mas o curso natural da doença é variável, podendo persistir por vários anos, com períodos de remissão e de exacerbações.2,4-6

Na sua forma isolada, constituem menos de 2% de todas as urticárias. Dentre os pacientes com urticária crônica idiopática, 37% têm UPT, enquanto mais de 90% dos pacientes com UPT têm urticária crônica idiopática ou angioedema associados.4,6,7 É possível que esta doença não seja tão rara, mas pouco conhecida e subdiagnosticada, ou mesmo confundida com outras doenças, de caráter sistêmico.6

A UPT representa um dos tipos de urticária de mais difícil controle. A principal abordagem terapêutica é a orientação para que o paciente evite situações que precipitem as lesões.4 O tratamento medicamentoso é, em geral, insatisfatório e inclui: anti-histamínicos, anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES), corticosteroides tópicos ou sistêmicos, sulfasalazina e dapsona. 5 O uso de anti-histamínicos H1 tem pouco efeito, porém auxiliam os pacientes com Urticária Crônica Idiopática (UCI) associada, aliviando as lesões mais superficiais.2,8 Em alguns casos, o uso dos AINES pode ser útil, porém seus efeitos terapêuticos ainda não estão bem estabelecidos e existe a possibilidade de exacerbação de um quadro de UCI coexistente. Nas formas graves de UPT, bons resultados são obtidos, com o uso de corticosteróides sistêmicos, mas os efeitos adversos do uso crônico desta classe de medicamentos contraindicam sua utilização rotineira. 2,3 O uso de corticosteroides tópicos pode ser útil, quando o edema ocorre em áreas selecionadas, tais como: mãos ou pés.9 A sulfasalazina é utilizada como alternativa terapêutica para os pacientes com UPT pouco controlados com o tratamento padrão e pode também ser útil como agente poupador de corticosteroides. 1,10 A dapsona também tem sido utilizada como droga alternativa, nos casos graves.11

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 43 anos, branca, casada, do lar, apresentava lesões eritemato-papulosas dolorosas, algo pruriginosas, disseminadas, que surgiam com uma frequência, de quatro vezes por semana, há aproximadamente dois meses. Apresentava também febre e artralgias, principalmente, em articulações das mãos. Procurou serviço de emergência por diversas vezes, tendo sido medicada com anti-histamínicos e analgésicos antitérmicos, com melhora parcial. Em nova visita ao serviço de pronto atendimento, por apresentar febre e exacerbação dos sintomas, foi realizado hemograma que evidenciou leucocitose importante (26.700 cels/ mm3), com desvio à esquerda (12% de bastões). A paciente foi, então, internada para investigação de doença infecciosa sistêmica.

Durante a internação, realizou exames laboratoriais e de imagem, os quais não identificaram foco de infecção. Após uma semana de internação, não sendo reconhecida uma causa para a leucocitose, a paciente foi avaliada por um dos membros da nossa equipe que suspeitou do diagnóstico de UPT, e sugeriu iniciar o uso de prometazina 25 mg/dia. Ela evoluiu com alívio dos sintomas, recebendo alta, após três dias, com encaminhamento para investigação de Urticária Crônica (UC) no Serviço de Imunologia Clínica do Hospital Clementino Fraga Filho – UFRJ (HUCFF-UFRJ).

Após avaliação no ambulatório de Programa de Urticária Crônica, foram realizados os seguintes exames laboratoriais: Hemograma Completo/ VHS/ Proteína C Reativa Ultra-sensível (PCR)/ TSH/ T4 livre/ AntiTireoperoxidase/ AntiTireoglobulina/ EAS/ parasitológico de fezes; além de testes de provocação para o diagnóstico das Urticárias Físicas e o Teste do Soro Autólogo.

Os exames revelaram leucocitose (15.500 cels/mm3) e PCR elevada (15,7 m/L). O Teste de Warin (Figura 1) foi positivo, com surgimento de edema, eritema e dor no local de aplicação após quatro horas da realização da provocação (Figura 2).



Em relação à UPT, a paciente foi orientada a evitar situações desencadeantes. Para tratamento da urticária crônica idiopática, foi prescrito hidroxizina 50 mg/dia, além da associação de amitriptilina 12,5mg/dia e clordiazepóxido 5mg/dia, evoluindo com melhora dos sintomas.

DISCUSSÃO

A UPT é um tipo de urticária física com características distintas. Um dado semiológico importante é a ausência ou diminuta intensidade do prurido cutâneo, nas lesões da UPT, sendo mais características: as queixas de dor local e sensação de queimação.2,4,12 Quando o edema envolve articulações e músculos, a queixa álgica é, particularmente, importante.13 Acomete mais os indivíduos do sexo masculino e ocorre. com maior frequência, entre a terceira e quinta décadas de vida.3,13

Clinicamente é caracterizada pelo surgimento de edema profundo, doloroso, eritematoso, ocorrendo de 30 minutos a 9 horas, após ter sido exercida uma pressão estática sobre a pele, e com duração de 12-72 horas.4,5,13 O prurido é praticamente inexistente.4

As lesões podem ser localizadas, em qualquer região do corpo. Entretanto, os locais mais frequentes são: as regiões palmares, plantares, lábios, ombros e braços, por serem áreas, usualmente, submetidas à pressão, além da região glútea, após a permanência na posição sentada, durante período mais prolongado. Quando o paciente não associa o surgimento das lesões edematosas à pressão localizada, o quadro pode ser erroneamente diagnosticado como angioedema.6

Cerca de 50% dos pacientes com UPT apresentam manifestações extracutâneas,14 como no caso acima apresentado. A UPT pode estar associada à febre, cefaleia, calafrios, mal-estar, astenia, dispneia e artralgia, assemelhando-se a um quadro viral, tais sintomas coincidem com o período de pico do edema, e são mais intensos quando existem várias lesões.2,4,6,12,14 Podem ocorrer a leucocitose (20% a 50% dos casos) e o aumento da velocidade da hemossedimentação (em até 70% dos pacientes).2,3,4,12,14

A fisiopatologia da UPT ainda não está bem esclarecida, havendo provavelmente mais de um fator envolvido.

As cininas são mediadores inflamatórios que causam mais dor do que prurido. Por este motivo, têm sido consideradas, na patogenia deste tipo de urticária, visto que as lesões costumam estar associadas à queimação ou à dor local, o aparecimento pode ser tardio e a ocorrência de leucocitose.2

As cininases inativam as cininas, e já foi demonstrado que um pH baixo inibe a atividade das cininases. Então, poder-se-ia assumir que a queda local do fluxo sanguíneo, gerada pela pressão local, reduziria o pH da pele naquele ponto, levando a um aumento da atividade das cininas.2

Especula-se que a interleucina 1 (IL-1) seja liberada na pele exposta à pressão, e que seria responsável pela febre, mal-estar, mialgia, artralgia e leucocitose.13

Histologicamente, as lesões de UPT evidenciam infiltrado eosinofílico, edema e deposição de fibrina. De acordo com alguns estudos, esses achados histológicos caracterizam uma reação da fase cutânea tardia, evidenciando o predomínio de neutrófilos e eosinófilos em grande quantidade, enquanto que, no processo inicial, ocorre a presença maciça de linfócitos e eosinófilos.14

Em função dessa grande diversidade de sinais e sintomas, a UPT é frequentemente subdiagnosticada, inclusive por especialistas.

O diagnóstico é feito através de uma anamnese cuidadosa, visto que a maioria dos pacientes não estabelece relação causal entre o estímulo aplicado pela pressão e o surgimento da urticária, horas depois. A confirmação diagnóstica pode ser realizada com a utilização de um dermografômetro com 100 g/mm2, colocado perpendicularmente no dorso do paciente, por 70 segundos, ou através da técnica de Warin (Figura 1), na qual a lesão da UPT pode ser reproduzida, aplicando-se uma pressão equivalente a 4kg, por 5 minutos sobre a pele, do 1/3 superior externo do antebraço. A leitura do teste é realizada após 4 a 6 horas, quando o edema, usualmente, encontra-se no seu máximo de intensidade.3,6,15

Por apresentar características peculiares, a pesquisa de UPT deve ser realizada, em todos os pacientes com urticária crônica, principalmente, se associada a sinais e sintomas sistêmicos.

Recebido em 1.7.2008.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 1.7.09.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      01 Jul 2009
    • Recebido
      01 Jul 2008
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