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Obituário

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Obituário

Maria Ester Massara Café (1956-2010)

Santa Luzia é uma cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, cujas origens remontam ao final do século 17 quando remanescentes de uma bandeira de Borba Gato fundaram a vila às margens do Rio das Velhas, à época abundante em ouro de aluvião. Apesar da proximidade com a capital, conseguiu preservar seu ar interiorano e ali se cultivam as mais mineiras das tradições como a hospitalidade, o fervor religioso, especialmente à santa que lhe empresta o nome, o jeito manso e discreto de ser, a conversa ao pé do ouvido, o apreço pela amizade, os bons princípios e a retidão do caráter, a cozinha como o lugar mais importante da casa, as serestas nos casarões coloniais e o espírito alegre da boemia sadia.

Ali nascida em 03 de setembro de 1956, Ester levou e exerceu por toda a sua vida essas qualidades, indeléveis, que caracterizam os excepcionais, aqueles raríssimos seres iluminados e incomparáveis.

Graduada em 1980 pela Faculdade de Medicina da UFMG, completou ali também sua Residência Médica em Dermatologia em 1983 e concluiu seu Mestrado em 1990 com a dissertação "Manifestações cutâneas em pacientes com sorologia positiva para HIV". Exerceu suas atividades acadêmicas como Preceptora da Residência de Dermatologia da Santa Casa de Belo Horizonte.

Foi a mais mineira de todos os dermatologistas, no sentido de transitar com desenvoltura e liberdade entre os novos e velhos, entre as diversas tendências da especialidade. Na maneira hábil, porém sem concessões descabidas, de administrar conflitos e desavenças. Bombeira, sempre que necessário, incendiária quando a situação assim o exigia. Foi pioneira em inserir os temas de Ética Médica nas jornadas e congressos bem como as discussões sobre erros médicos. Sua atividade associativa foi sem precedentes, tendo ocupado diversas funções na Sociedade Brasileira de Dermatologia (regional e nacional), Associação Médica de Minas Gerais, Conselho Regional de Medicina e Academia Mineira de Medicina.

Viveu de forma intensa, plena e arrebatada. Literalmente, todos os seus dias, um de cada vez, não como se fosse o último, mas como se fosse único. Viajou o mundo, especialmente os pontos de mergulho, seu passatempo predileto. Imprimiu a marca da entrega e da paixão em todas suas atividades, seja torcendo pelo seu querido Cruzeiro (talvez seu único deslize, mas perdoável já que de pequena monta), no exercício intransigente da medicina de compromisso com o paciente, ou no convívio familiar e com seu Fernando. Talvez por manter todas as características do seu interior tão querido, Ester era assim: do mundo, mas também da roça; do restaurante refinado, mas também do botequim do Mercado Central, do tratamento carinhoso ao paciente abonado ou ao indigente. Paradoxal? Claro que não. No universo de sentimentos de Ester, comandado por uma bondade infinita, havia lugar para tudo e para todos.

É comum, em situações como essa, lançar mão de velhos clichês tais como a difícil lacuna a ser preenchida, o vácuo infinito, a morte prematura. Nada disso se aplica à Ester. Definitivamente, Ester não era um lugar comum. Era simplesmente, e totalmente, ela. Ester. Autêntica. E não carecia de maiores apresentações, rótulos e adjetivos. Só não estava combinado que ela nos deixaria dessa forma.

Decididamente, a incoerência da vida é absoluta.

Bernardo Gontijo

Professor Associado de Dermatologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Fev 2010
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