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Síndrome de Hay-Wells: relato de caso

Resumos

A síndrome de Hay-Wells é uma forma rara de displasia ectodérmica, descrita inicialmente em 1976 por Hay e Wells, de caráter autossômico dominante com expressão variável, composta por anomalias congênitas da pele, cabelos, dentes, unhas e glândulas sudoríparas. Descrevemos o caso de um paciente de 17 anos, filho de pais não consangüíneos, que apresentava anquiloblefaron filiforme adenatum, displasia ectodérmica e fenda palatina ao nascimento, sinais considerados cardinais pela maioria dos autores. Destacamos também a importância do acompanhamento multidiscliplinar dos pacientes.

Displasia ectodérmica; Fissura palatina; Síndrome


Hay-Wells syndrome is a rare form of ectodermal dysplasia initially described by Hay and Wells in 1976. It is an autosomal dominant disorder with varying forms of expression featuring congenital abnormalities of the skin, hair, teeth, nails and sweat glands. The present report describes the case of a 17-yearold white boy, the son of nonconsanguineous parents, who presented ankyloblepharon filiforme adnatum, ectodermal dysplasia and a cleft palate at birth, which are considered cardinal signs of this syndrome by most authors. We also highlight the importance of implementing multidisciplinary follow-up of these patients.

Ectodermal dysplasia; Cleft palate; Syndrome


CASO CLÍNICO

Síndrome de Hay-Wells - Relato de caso

Dário Júnior de Freitas RosaI; Ronaldo Figueiredo MachadoI; Marcelino Pereira Martins NetoII; Alessandra Almeida Montenegro de SáII; Aloísio GamonalIII

IMédico residente de Dermatologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil

IIMédico(a) dermatologista. Preceptor(a) de Dermatologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil

IIIProfessor doutor e chefe do Serviço de Dermatologia de Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dário Júnior de Freitas Rosa Rua Catulo Breviglieri, s/n, bairro Santa Catarina, 36.036-110 Juiz de Fora, MG - Brasil Tel: 32 4009 5300. E-mail: dariojfr@hotmail.com

RESUMO

A síndrome de Hay-Wells é uma forma rara de displasia ectodérmica, descrita inicialmente em 1976 por Hay e Wells, de caráter autossômico dominante com expressão variável, composta por anomalias congênitas da pele, cabelos, dentes, unhas e glândulas sudoríparas. Descrevemos o caso de um paciente de 17 anos, filho de pais não consangüíneos, que apresentava anquiloblefaron filiforme adenatum, displasia ectodérmica e fenda palatina ao nascimento, sinais considerados cardinais pela maioria dos autores. Destacamos também a importância do acompanhamento multidiscliplinar dos pacientes.

Palavras-chave: Displasia ectodérmica; Fissura palatina; Síndrome

INTRODUÇÃO

A síndrome de Hay-Wells, também conhecida como síndrome AEC (Ankyloblepharon, ectodermal dysplasia and cleft lip and palate syndrome), é uma desordem genética rara, descrita inicialmente, em 1976 por Hay e Wells1, em sete indivíduos de quatro famílias nos quais múltiplas e complexas malformações foram vinculadas a um padrão de herança autossômica dominante de penetrância variável, embora casos esporádicos tenham sido descritos.2 Estudos posteriores evidenciaram que a patologia é causada por mutação no gene p63, um homólogo do supressor tumoral TP53.3

A maioria dos autores considera a presença do anquiloblefaron filiforme adenatum (aderência entre as bordas ciliares superiores e inferiores), fenda labial e/ou palatina e achados consistentes com displasia ectodérmica, essenciais ao diagnóstico. Defeitos ectodérmicos comuns incluem alopécia, onicodistrofia, hipodontia e hipohidrose.

Os autores descrevem o caso de um paciente masculino de 17 anos, com achados clínicos e histopatológicos compatíveis com o diagnóstico de síndrome de Hay-Wells.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 17 anos, branco, trabalhador rural, encaminhado ao serviço de dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, queixava-se de ausência de digitais e, desta forma, dificuldade n elaboração dos documentos de identificação. Referia lacrimejamento constante e intolerância ao calor. Apresentou-se eritrodérmico ao nascimento, com lesões bolhosas em couro cabeludo e corpo, anquiloblefaron filiforme adenatum, revertido pelo médico assistente, após o parto e com fenda palatina, revertida cirurgicamente aos nove anos de idade. Os cabelos iniciaram crescimento aos três anos, e os dentes apenas aos cinco anos. Relato de múltiplas infecções do couro cabeludo, tratadas intermitentemente com ciclos variados de antibióticos orais, desde os primeiros anos de vida.

Filho de pais não-consanguíneos e sem quadro semelhante entre familiares.

Avaliação dermatológica constatou cabelos claros e esparsos com áreas de alopécia, hipertelorismo, lábio inferior, mais proeminente do que o superior (Figura 1), oligodontia, rarefação global dos pelos corporais e hiperpigmentação reticulada da pele, com predomínio em pescoço, porção superior do tronco e proximal dos membros (Figura 2). Extremidades apresentavam hiponíquio e ceratodermia palmo-plantar pontuada (Figuras 3 e 4).





Não apresentava comprometimento intelectual. Peso e estatura adequados para a idade.

Exames laboratoriais (incluindo hemograma, eletrólitos, avaliação da função hepática, renal e tireoidiana) não mostraram alteração. Radiografia de tórax normal.

Estudo histopatológico de fragmento de couro cabeludo demonstrou epiderme sem alterações e derme com redução do número de anexos, observando-se apenas um folículo piloso maduro, algumas glândulas sebáceas e discreto infiltrado inflamatório linfocitário.

DISCUSSÃO

A síndrome de Hay-Wells ou síndrome AEC é uma doença rara, autossômica dominante, sendo o anquiloblefaron filiforme adenatum, a displasia ectodérmica e a fenda labial e/ou palatina, considerados sinais cardinais pela maioria dos autores.4 Todos estes aspectos estão presentes no caso relatado.

O anquiloblefaron consiste na fusão parcial ou completa das bordas ciliares das pálpebras superior e inferior, sendo frequentemente esporádico. Normalmente, elas permanecem fundidas até a quinta semana de gestação, quando se separam, de modo que as anomalias que ocorrem entre a sétima e a 15a semanas podem resultar em alterações palpebrais.5 Pode ser encontrada também na trissomia do cromossomo 18, síndrome CHAND (cabelos crespos, anquiloblefaron e displasia ungueal) e tem associação com defeitos cardíacos, hidrocefalia, ânus imperfurado e glaucoma, tanto que sua presença deve sempre alertar para a possibilidade de concomitância com outra importante desordem.6

As displasia ectodérmicas compreendem um grupo de doenças nas quais ocorrem defeitos no desenvolvimento dos cabelos, dentes, unhas, glândulas sudoríparas e outras estruturas derivadas do ectoderma.7,8 Estas alterações, quando associadas a outras malformações, compõem as chamadas síndromes de displasia ectodérmica, como a síndrome EEC (esclerodactilia, displasia ectodérmica e lábio e/ou palato fendido), síndrome de Rapp-Hodgkin e a síndrome CHAND, principais diagnósticos diferenciais da síndrome relatada.8

Os pacientes portadores de Hay-Wells podem apresentar variados graus de alopécia, cabelos claros e esparsos, onicodistrofias, hiperceratose palmoplantar, alteração na pigmentação cutânea,9 hipoidrose, hipodontia, dentes malformados e deformidades auriculares,10 presentes no paciente em questão. Obstruções do ducto lacrimal são comuns. Demais achados relatados consistem em mamilos supranumerários, otite média, hipospádia, hipoplasia médio-facial, hipertelorismo, baixa estatura, comprometimento intelectual, hipoacusia e alterações oculares.

Ao nascimento, a criança pode apresentar-se eritrodérmica, com descamação, erosões superficiais e crostas. No couro cabeludo, estabelece-se dermatite erosiva, fonte comum de infecções secundárias que colocam estes pacientes em risco aumentado de superinfecção bacteriana e sepse, causando assim considerável aumento na morbidade e mortalidade dos neonatos com a patologia.11 Vários relatos foram descritos de recém-nascidos com a síndrome de Hay- Wells erroneamente diagnosticados como epidermólise bollhosa, por conta da presença de eritrodermia e extensas áreas de erosão. Em associação às características clássicas, a erosão cutânea ao nascimento e a infecção recorrente do couro cabeludo, encontradas no paciente relatado, são importantes sinais que auxiliam no diagnóstico diferencial com as demais formas de displasia ectodérmica.2,7 Sugere-se que as lesões no couro cabeludo tendam a resolver-se com a idade e/ou a evoluir com alopecia.2

A síndrome é causada pela mutação no gene p63, um homólogo do supressor tumoral TP53,2,3 que atua no processo de estratificação epitelial epidérmica, regulando a capacidade proliferativa dos queratinócitos basais. As evidências de que alterações no referido gene possam resultar em outras patologias, como as síndromes EEC e Rapp-Hodgkin, apontam para um efeito altamente pleomórfico, resultante das mutações do gene p63, sendo que as alterações associadas à síndrome de Hay-Wells originam-se especificamente na substituição de aminoácidos no domínio SAM (sterile alpha motif).3,12

No estudo histopatológico da pele de pacientes, nota-se epiderme atrófica com diminuição da camada espinhosa e granulosa, além de confluente paraceratose.11 Os folículos do couro cabeludo estão diminuídos em número, enquanto as glândulas sebáceas mostram-se com número e tamanho diminuídos,7,11 embora se encontrem descrições de ausência de alterações nas estruturas anexiais. 2 Em nosso paciente, observou-se uma importante redução global dos anexos cutâneos do couro cabeludo.

Destacamos a importância do diagnóstico precoce da síndrome para um adequado aconselhamento genético dos pais, tratamento clínico e dermatológico em sua fase eritrodérmica inicial, manejo das infecções do couro cabeludo, além dos cuidados oftalmológicos, odontológicos e correção cirúrgica das fendas labiais e/ou palatinas.

Recebido em 27.04.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 08.05.09.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

* Trabalho realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Núcleo de Pesquisa em Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Dário Júnior de Freitas Rosa
    Rua Catulo Breviglieri, s/n, bairro Santa Catarina,
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2009
    • Aceito
      08 Maio 2009
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